02. Direitos Culturais e Cidadania
Declaração Universal dos Direitos Humanos
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) é o primeiro documento internacional a fazer menção aos direitos culturais. Ela surgiu após a Segunda Guerra Mundial como forma de proteger a população dos excessos do Estado, bem como, garantir a validação dos direitos individuais e coletivos. Segundo os Artigos 22 e 27 da Declaração:
Artigo 22. Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo 27. 1. Toda pessoa tem o direito de fazer parte livremente da vida cultural da comunidade, de usufruir das artes e participar do progresso científico e dos benefícios que dele resultem. 2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais que lhe pertençam em virtude das produções científicas, literárias ou artísticas da qual for autora.
No entanto, é preciso destacar que os Artigos da Declaração só foram, de certa forma, concretizados após convenção ratificada pela maioria dos Estados - Membros pelos Pactos de 1966, ou seja, pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que deram obrigatoriedade jurídica a muitas das disposições da Declaração Universal para os Estados que os ratificaram.
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC)
Nos artigos do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, são elencados uma série de obrigações, acordadas pelos Estados-Membros, com a finalidade de garantir e promover o respeito universal dos direitos e das liberdades humanas, bem como, as condições que permitam a cada um gozar, assim como os direitos civis e políticos, os seus direitos econômicos, sociais e culturais.
No Artigo 15, merece destaque o que Coelho (2011, p. 8) considera como os três direitos básicos dos direitos culturais. São eles: a) participar da vida cultural; b) usufruir dos benefícios do progresso científico e de suas aplicações e; c) beneficiar-se da proteção dos interesses morais e materiais que lhe pertençam em virtude das produções científicas, literárias ou artísticas da qual for autora.
A partir desse documento, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, foram sendo construídos diversos discursos e documentos normativos sobre os direitos culturais da população e de grupos sociais, em diversos países.
Página 44Constituição Brasileira
O Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e, como mencionado em parágrafos anteriores, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Além disso, é possível percebermos que as questões relativas à cultura e aos direitos culturais perpassam alguns artigos e títulos do texto constitucional brasileiro, principalmente, no Artigo 215 que “abre” a Seção de Cultura e faz menção aos direitos culturais.
De acordo com o artigo supracitado, “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Já o Artigo 216 ressalta os bens, de natureza material e imaterial, que constituem patrimônio cultural brasileiro e que, segundo o artigo, “são portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.
Contudo, é preciso destacar que apesar da Constituição fazer menção aos direitos culturais, não fica claro quais seriam tais direitos e o que deveria ser feito para concretizá-los. Mas, como observa Machado (2011), este não é um problema específico da legislação brasileira e destaca que:
(...) até mesmo a Unesco, órgão das Nações Unidas responsável pela cultura, reconhece a necessidade de elaborar um inventário dos direitos culturais, pois eles se encontram formulados de maneira fragmentada e dispersa nos inúmeros documentos normativos sobre os direitos humanos (Ibid., 2011, p. 106).
Apesar dos esforços da Unesco e do Conselho da Europa, a partir do trabalho encomendado à Universidade de Friburgo, na Suíça - elaboração de uma declaração específica sobre os direitos culturais - não existe segundo Alfons Martinell Sempere (2011, p. 62) “uma convenção no âmbito do direito internacional sobre direitos culturais”.
No caso da Constituição Brasileira, a inclusão de parágrafos por emendas constitucionais, como o parágrafo 3º, objeto da Emenda Constitucional nº 48 de 2005 que instituiu o Plano Nacional de Cultura (PNC), inserido ao Artigo 215 da Constituição Federal, é um exemplo de como o Governo, os Estados e Municípios podem abranger, em termos jurídicos, os direitos culturais como tema central da política e gestão cultural, o valor da cultura e das culturas para a vida de seus cidadãos, além de criar condições para que a cultura aconteça.
A Declaração de Friburgo
Foi elaborado, em 2007, um documento intitulado “Declaração de Friburgo sobre Direitos Culturais”, pelo Grupo de Friburgo organizado a partir do Instituto Interdisciplinar de Ética e Direitos Humanos da Universidade de Friburgo, na Suíça, juntamente com a Organização Internacional de Francofonia e a UNESCO. A Declaração pode ser reconhecida como um guia para a reflexão e implementação dos direitos relacionados à cultura, previstos no acordo internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966). Ela reúne e explicita os direitos culturais que já são reconhecidos, de maneira dispersa, em inúmeros documentos.
Página 45Assim, a Declaração abrange, em seus doze artigos, os princípios fundamentais e as definições que o orientam; uma lista de direitos culturais, dos quais se destacam em artigos:
- O direito à identidade e patrimônio culturais;
- A referência às comunidades culturais;
- O direito ao acesso e participação na vida cultural;
- O direito à educação e formação;
- A comunicação e informação e;
- O direito à cooperação cultural.
Nos Artigos 9, 10, 11 e 12, são especificados os atores responsáveis e as formas de sua implementação, orientados pelos princípios de governança democrático; pela inserção na economia; responsabilidade dos agentes públicos e; pela responsabilidade das organizações internacionais.
Como destaca o Grupo de Friburgo (2007), a Declaração é resultado de um amplo debate e destina-se a pessoas, comunidades, instituições e organizações que pretendem participar do desenvolvimento dos direitos, liberdades e responsabilidades que ela enuncia.
Segundo Ana Lúcia Aragão (2013), a Declaração de Friburgo é:
(…) uma iniciativa no sentido de subsidiar políticas voltadas para os direitos culturais e se apresenta como uma delimitação deste campo de estudo. Nela estão reunidos os direitos relacionados à cultura que se encontram dispersos em instrumentos internacionais, bem como desdobramentos desses direitos, a fim de dar mais sistematicidade ao tema. O intuito, louvável, é dar mais clareza aos conteúdos, para orientar os governos, no sentido da sua efetividade (Ibid., 2013, p. 61).
Antes de finalizarmos esta unidade, é preciso destacar que a Declaração não propõe uma definição única dos direitos culturais, mas de acordo com a tradução de Ana Goldberger (2014), é possível propor, a partir do texto da Declaração, a seguinte definição:
“Direitos culturais designam direitos e liberdades que tem uma pessoa, isoladamente ou em grupo, de escolher e de expressar sua identidade e de ter acesso às referências culturais, bem como aos recursos que sejam necessários a seu processo de identificação, de comunicação e de criação” (Ibid., 2014, pp. 30-31).
Ou seja, os direitos culturais devem proteger os direitos de cada pessoa individualmente ou em grupos sociais, bem como o acesso cultural e aos recursos necessários, a fim de propiciar a identificação, o desenvolvimento de visões de mundo e a busca de modos específicos de vida, principalmente, por meio da participação de todos os indivíduos e grupos na vida cultural.
Sem dúvida, é uma área que merece mais discussões, a participação e atenção de diversos atores, como instituições e organismos internacionais, organizações não governamentais, pesquisadores de diversas áreas do conhecimento científico, gestores públicos, juristas, produtores ou realizadores culturais, artistas, grupos minoritários e a comunidade em geral.