PDCC - Módulo II
 
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03. A legislação do patrimônio cultural no brasil

A inspetoria dos monumentos nacionais

Algumas foram as tentativas iniciais de proteção de monumentos históricos nacionais ainda durante o período de colônia. A primeira ocorrência pode ser datada do século XVIII com uma carta enviada pelo vice-rei do Estado do Brasil, D. André de Melo e Castro, ao governador de Pernambuco, Luis Pereira Freire de Andrade, demonstrando sua preocupação com a proteção de monumentos históricos.

A segunda e a terceira tentativas são somente do século seguinte. As iniciativas envolviam a formação de coleções epigráficas de cada província, para serem então depositadas na Biblioteca Nacional, e a preocupação com a restauração de monumentos, insistindo na preservação do que neles estivesse escrito. No entanto, nenhum movimento, nem mesmo durante a Monarquia, apesar do interesse de D. Pedro II pelos estudos históricos, teve efeito legal (SPHAN/PRÓ-MEMÓRIA, 1980, p. 9).

A primeira lei voltada para a patrimonialização de bens culturais no Brasil data de 1933, Decreto nº. 22.928 de 12 de julho de 1933, quando a cidade de Ouro Preto foi erigida à categoria de "monumento nacional", por ter sido "teatro de acontecimento de alto relevo histórico na formação de nossa nacionalidade e que possui velhos monumentos, edifícios e templos de arquitetura colonial, verdadeiras obras d'arte, que merecem defesa e conservação" (SPHAN/PRÓ-MEMÓRIA, 1980, p. 54).

Com o amadurecimento das preocupações e iniciativas esparsas, as responsabilidades preservacionistas do Estado em seus três níveis aparecem pela primeira vez na Constituição de 1934, em seu capítulo II, inteiramente dedicado à educação e à cultura e, especificamente, no artigo 148:

Cabe à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do país, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual (SPHAN/PRÓ-MEMÓRIA, 1980, p. 11).

A responsabilidade de preservação do patrimônio nacional estava já estabelecida como princípio constitucional, mas faltava a legislação federal correspondente que detalhasse essa proteção e a criação de um órgão que assumisse a tarefa.

Uma primeira tentativa nesse sentido foi a criação, em 1934, no âmbito de uma reforma administrativa no Museu Histórico Nacional e por iniciativa e influência de Gustavo Barroso, seu diretor, da Inspetoria de Monumentos Nacionais, um dos principais antecedentes da institucionalização da proteção do patrimônio no País. Durante sua existência, a Inspetoria esteve “encarregada dos trabalhos de reparação e conservação dos monumentos históricos de Ouro Preto (MG), especificamente pontes, templos e chafarizes” (MAGALHÃES, 2004, p. iv), e só foi extinta com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) em 1937.

GUSTAVO BARROSO

Gustavo Adolfo Luiz Guilherme Dodt da Cunha Barroso nasceu em 1888, em Fortaleza (CE) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ) em 1959. Formou-se pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, e era professor, romancista e ensaísta e jornalista. Com forte participação na política, foi deputado federal pelo Ceará, ocupou diversos cargos públicos e foi um dos principais ideólogos e propagandistas do Integralismo ao lado de Plínio Salgado e Miguel Reale. Fundou e dirigiu o Museu Histórico Nacional (MHN) durante trinta anos (CHAGAS, 2003, p. 93-95), onde também lecionou no, então, único Curso de Museus do Brasil, criado e oferecido no MHN, do qual se tornou “pai adotivo”. Integrou e presidiu também a Academia Brasileira de Letras. Como um dos iniciadores dos estudos museológicos no Brasil, Gustavo Barroso é intelectual de referência para a história do pensamento museológico brasileiro (OLIVEIRA, 2011, p. 52).

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Coube a Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde de 1934 a 1945, a missão de criar o órgão federal de proteção do patrimônio nacional, devidamente amparado por legislação específica, apoiado pelo historiador Luís Camilo de Oliveira Neto, que havia recomendado a adoção de um plano geral que visasse a conservação e o aproveitamento dos monumentos nacionais. Capanema encomenda a Mário de Andrade, poeta, músico e escritor paulista, um plano de organização versando sobre o assunto, que o autor intitulou de “sugestões [...] sobre a organização dum serviço de fixação e defesa do patrimônio artístico nacional” (ANDRADE, 2002, p. 272), que ficou conhecido como anteprojeto para a criação do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional.

Mário de Andrade, então, apresentou uma proposta que trazia a união de experiências estrangeiras com as peculiaridades do patrimônio brasileiro, incluindo conceitos e definições relativos ao patrimônio e um plano que serviria para cinco anos, desde a montagem até o funcionamento do Serviço (SPHAN/PRÓ-MEMÓRIA, 1980). Aprovada por Gustavo Capanema, a proposta foi encaminhada aos trâmites legais para a reorganização do Ministério da Educação e Saúde, onde deveria ser instalado o Serviço através de emenda constitucional, e para a autorização de funcionamento imediato, ainda que em fase de experimentação. Após o rápido consentimento do presidente da República, Getúlio Vargas, com despacho do dia 19 de abril de 1936, foi entregue a Rodrigo Melo Franco de Andrade a direção do Serviço e a urgente tarefa de esboçar o anteprojeto federal. Em janeiro de 1937, o Serviço já estava sendo oficializado em virtude da transformação do projeto de reorganização do Ministério da Educação em lei (nº 378).

Com o golpe de estado no ano de 1937, onde o Congresso Nacional foi dissolvido, uma nova Constituição foi outorgada e com ela uma disposição mais incisiva em relação à proteção do Patrimônio, em que os atentados aos monumentos culturais, artísticos e naturais deveriam ser equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional. A Nação, os Estados e os Municípios têm sobre eles, assim como sobre as paisagens e os locais dotados pela natureza, responsabilidade de proteção (SPHAN/PRÓ-MEMÓRIA, 1980).

Ainda em trâmite, após várias alterações e emendas que culminaram por fazer profundas alterações ao anteprojeto de Mário de Andrade, foi finalmente regulamentada, ainda em 1937, a preservação do patrimônio cultural brasileiro, com a edição do Decreto-Lei 25, de que trataremos a seguir.

MÁRIO DE ANDRADE

Mário Raul de Morais Andrade nasceu em 1893, em São Paulo (SP), onde também faleceu, no ano de 1945. Formou-se pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e era professor, poeta, contista, romancista e músico. Ao longo de sua trajetória profissional assumiu vários cargos públicos relacionados à cultura e à educação, fundou a Sociedade de Etnografia e Folclore, além de ter participação efetiva na criação do SPHAN, atual IPHAN. Artista modernista, participou da Semana de Arte Moderna de 1922, e lutou pela arte com sua forma única de escrever. Entre suas obras, temos “Paulicéia Desvairada” (1922), que marca o início da poesia modernista no Brasil, e “Macunaíma” (1928), romance que tem como principal personagem um herói que tem qualidades e defeitos de um brasileiro comum.