02. Patrimônio cultural: conceitos, usos e conflitos
A falsa oposição patrimônio tangível/material X patrimônio intangível/imaterial
O trato atual com o patrimônio cultural e as ações de proteção, preservação e salvaguarda dividem os bens protegidos em bens materiais, ou tangíveis, como preferem alguns, e imateriais ou intangíveis.
Bens materiais são aqueles sobre suporte físico, representados pelas edificações, paisagens, conjuntos históricos urbanos e bens móveis e integrados à arquitetura. Já os bens imateriais (ou de natureza imaterial) são os oriundos do saber e experiência humanos, que não dependem diretamente de um suporte físico para sua existência. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) considera como patrimônio cultural Imaterial "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural."
Para exemplificar, entre os bens materiais temos em Goiás a Chapada dos Veadeiros e o Parque Nacional das Emas (dois dos principais parques nacionais brasileiros), o segundo mais importante sítio arqueológico do Brasil, em Serranópolis, campos rupestres com maior diversidade de flora do Brasil, localizado no Parque Estadual dos Pireneus, em Pirenópolis, e formações rochosas dos parques estaduais da Serra Dourada e da Serra de Caldas. Além disso, a cidade de Goiás recebeu em 2001, da UNESCO, o título de Patrimônio Cultural da Humanidade (Figura 02), e a cidade de Goiânia foi aprovada em 2003 como Patrimônio Cultural Nacional. Ainda em Goiânia, o Palace Hotel, no Setor Campinas, foi declarado como Patrimônio Histórico-Cultural do Município em 1995, enquanto o Jardim Botânico, o Bosque dos Buritis e do Botafogo, o Teatro Inacabado da Associação Goiana de Teatro, o Centro Cultural Martim Cererê, o conjunto arquitetônico da Praça Pedro Ludovico Teixeira, entre outros, são tombados via decretos de 1994 a 1999 e vários outros prédios e monumentos foram considerados bens materiais e são protegidos por lei (SEPLAM, 2009).
Como exemplos de bens imateriais temos a Festa do Divino Espírito Santo, da cidade de Pirenópolis, reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil pelo IPHAN em 2010, e as Bonecas Karajá, que receberam o mesmo título em 2012. A Festa do Divino é comemorada desde 1819 e mescla manifestações religiosas e profanas, com a realização de novenas, folias, procissão, missa, desfiles de bandas de músicas, mascarados, congadas, cavalhadas, pastorinhas e queima de fogos. Ela representa manifestações da antiguidade que foram incorporadas pela cultura de Pirenópolis. Enquanto isso, as Bonecas, além de importante fonte de renda, representam uma expressão cultural e artística dos índios Karajá e carregam significados sociais profundos desse grupo étnico (Figuras 3 e 4). Elas são também consideradas instrumentos de socialização das crianças que, ao brincarem e observarem o modo como são produzidas, recebem importantes informações sobre as técnicas e saberes relacionados à sua confecção, e assim se enxergam nesses objetos e aprendem a ser Karajá.
A falsa oposição que foi citada no título deste subcapítulo/subseção pode ser percebida nos exemplos citados. Quando dizemos falsa apontamos que a divisão material/imaterial é meramente didática e, no caso dos órgãos responsáveis pela preservação, visam facilitar as suas atividades na divisão diária das atribuições ou tarefas.
De fato, cada bem material guarda saberes e modos de fazer de natureza absolutamente imaterial ou intangível e, no limite, os saberes, sentimentos e modos de fazer findam por materializar-se em expressões físicas de suas simbologias e significados. Por trás de uma igreja há religiosidades, simbologias e modos de construção e decoração que pertencem ao território do intangível, ou seja, que podem ser perdidos mesmo com a permanência ou preservação do monumento.