Artigo 7) A Memória e o Patrimônio no Espaço Urbano: a Avenida Goiás em Goiânia
Introdução
Gostaria de agradecer o convite para participar desta conferência. Falarei um pouco do meu trabalho e também da parte subjetiva da pesquisa, que geralmente é algo que não aparece na escrita final da dissertação. Como cheguei nesse tema, porque optei por ele e como a pesquisa foi desenvolvida. O título da pesquisa é A Memória e o Patrimônio no Espaço Urbano: A Avenida Goiás em Goiânia. A Avenida Goiás é uma das principais avenidas de Goiânia; foi uma das primeiras da cidade.
Quando o interventor Pedro Ludovico Teixeira decidiu construir Goiânia, a avenida Goiás já constava no traçado original. Eu sempre vivi no centro da cidade, onde se localiza essa avenida, e quando pequena sempre passava por ela. Quando eu tinha uns 10 anos, isso nos anos 90, a avenida era o trajeto para ir para escola. Quando eu passava por ela sentia medo, porque era suja, abandonada e na época tinha o comércio ambulante. Fui crescendo e vendo as transformações da paisagem dessa avenida e do Setor Central.
Quando eu tinha uns 16 anos, presenciei uma grande transformação que foi a requalificação dos canteiros da Avenida Goiás. O comércio informal da avenida foi retirado e restituíram os seus jardins. Todas essas lembranças e vivências da Avenida Goiás começaram a me afetar de uma forma mais objetiva quando entrei no mestrado. Só depois de muito tempo que veio à minha consciência os motivos que me levaram a escolher esse tema.
Passei a vida escutando histórias do passado da Avenida Goiás, então quando eu olhava a avenida não via só a paisagem atual, eu enxergava uma série de coisas e temporalidade sobrepostas. Muitas vezes, ao transitar por ela, minha tia-avó Lili contava sobre o vai e vem (mais conhecido como footing) que ocorria na época dela, isso na década de quarenta. A partir disso, percebi a necessidade de coletar e registrar as narrativas memoriais desse espaço. Paralelamente, eu também estava estudando muito a questão do patrimônio cultural. Dessa forma, me aprofundei na análise do processo de patrimonialização ocorrido em Goiânia em 2002, quando alguns prédios e monumentos em Art Déco e o traçado urbanístico original da cidade foram reconhecidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN) como patrimônio cultural nacional.
Estudando isso percebi que aquela requalificação que acompanhei quando tinha meus 16 anos foi consequência dessa valorização patrimonial ocorrida na cidade, porque entre o traçado das várias vias originais tombadas estava a Avenida Goiás. Além da via, alguns elementos como o Grande Hotel, a Torre do Relógio e o Coreto, que ficam localizados na avenida, também foram alvo de tombamento pelo IPHAN e nisso o poder público viu a necessidade de revitalizar essa área. Então, notei que a transformação da paisagem da avenida estava diretamente ligada ao processo patrimonial ocorrido em âmbito nacional.
Página 230Com todas essas informações, em um primeiro momento, parti para a pesquisa documental e histórica. Assim, pesquisei nos arquivos do IPHAN, da Secretária de Planejamento do município, em busca de documentos sobre a avenida, sobre o processo de tombamento e requalificação do espaço. Depois, em um segundo momento, realizei as entrevistas. Qual era o meu objetivo em fazer entrevistas? Era ver o que fica na memória, da paisagem do lugar, porque no presente a gente vê; se saímos na rua, vemos a avenida revitalizada, o comércio, os bares, mas se conversamos com alguém mais velho que viveu aquele espaço em outros tempos, eles vão contar uma série de coisas sobre comércios que existiam e não existem mais, práticas socioespaciais que existiam naquela época, como o footing, como eu havia falado.
O footing era conhecido como o vai e vem, na década de 40 e 50, na frente do grande hotel, onde os meninos andavam para um lado e as meninas andavam para o outro e piscavam, e esse era o flerte da época. Isso tudo me interessou muito, ver que havia todo um passado invisível, não registrado e esparso, porque até encontrei algumas coisas em algumas dissertações, em alguns livros, mas era tudo muito esparso e eu achei muito interessante essa possibilidade. Sobre a escolha do grupo de amostra, sobre essa questão de quem entrevistar, optei por indivíduos do meu grupo familiar. E conversando muito com o meu orientador – essa pesquisa foi feita sob a orientação do Prof.Dr. Sidney Vieira, da Universidade Federal de Pelotas - chegamos à conclusão de que não teria nenhum problema, porque iríamos trabalhar com a categoria, a paisagem, aquilo que era visto, então, não entraríamos em questões subjetivas, nem em histórias de vida.
Optamos, enfim, por esse grupo e, então, foram entrevistados oito indivíduos da minha família. Perguntei quem gostaria de participar, os mais velhos e os filhos, com faixa etária de 70 a 80 anos entre os mais velhos, e os mais novos entre 40 e 50 anos. Em um primeiro momento, tentei entrevistar um por um, mas escutei muito: - “Ah não! Fala com sua tia, que ela vai saber te explicar mais, eu lembro que era assim, mas eu não tenho certeza.”
Assim, notei que as pessoas não conseguiam desenvolver, não falavam muito e percebi que se fossem colocadas em grupo, uma se apoiaria na memória das outras e isso foi incrível, porque além de se apoiar nas lembranças, uma lembrava de uma coisa que levava a outra, e isso era fantástico, foi uma experiência fantástica. E dessa forma, escutando as narrativas, pude perceber nas lembranças narradas as diversas paisagens da avenida, as diversas coisas que se faziam lá, e eu também percebi como é que o patrimônio se apresentava nessas narrativas e isso tudo para mim foi muito interessante. Enfim, irei apresentar um roteiro da minha pesquisa, e penso que assim conseguiremos visualizar bem como ela foi construída e narrada depois.
Página 231A Avenida Goiás foi projetada para ser o norte-sul da composição urbana de Goiânia, ligando a Praça Cívica à antiga Estação Ferroviária. A história dessa avenida se confunde com a história da cidade, até porque ela foi planejada para ser parte do centro comercial do município. Ela corta a região central da cidade. Em uma ponta temos o Palácio das Esmeraldas, que é o centro do Governo Estadual, e na outra, temos a Praça do Trabalhador onde fica a antiga estação. A rodoviária também fica na mesma região, ou seja, para chegar na cidade, tínhamos que passar pela avenida Goiás.
Em outubro de 2003, aconteceu a obra de requalificação paisagística e isso gerou um grande impacto na paisagem da avenida e, portanto, na região central da cidade, já que era um lugar de marginalidade, um local degradado, feio e onde ninguém gostava de ir. Eu percebi, como moradora, uma mudança na dinâmica do lugar: a avenida começou a ser mais frequentada, os comércios mais valorizados e observei com a pesquisa que isso realmente aconteceu. Essa obra ocorreu depois que o acervo Art Déco foi reconhecido como um patrimônio da nação.
Portanto, após mais de 20 anos de abandono desde seu último processo de requalificação, vemos que o processo patrimonial fez com que o poder público voltasse sua atenção para esse espaço e o requalificasse. Foi a partir disso tudo que construí meu problema: Como o patrimônio cultural edificado dialoga com as narrativas memoriais que apresentam como pano de fundo paisagens de diversas temporalidades da Avenida Goiás?