PDCC - Webconferências 2016
 
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Artigo 4) Análise do sistema público de financiamento à cultura no Estado do Ceará

Parte 3

Nós temos três formas de apoio através do mecenato cultural estadual. A primeira delas é a doação. Nesse caso, a palavra já explica a modalidade. Nessa forma específica de mecenato o recurso é transferido diretamente para a pessoa física ou jurídica realizadora do projeto. Funciona da seguinte forma: o Estado do Ceará emite certificados, como papeis da bolsa. O executor do projeto, de posse dos certificados, endereça suas ações para a troca das certificações por doações em dinheiro. Posteriormente, os doadores apresentarão seus certificados no momento de realizarem seus ajustes fiscais para com o estado. O mais difícil nessa modalidade de mecenato é encontrar empresários dispostos a receber os certificados em troca de dinheiro para as ações culturais. Havendo quem receba os certificados, o dinheiro é depositado na conta da empresa responsável pela execução do projeto cultural, anteriormente vinculada e previamente aprovada pela Secretaria de Cultura para o recebimento daqueles valores. Os valores empregados no mecenato são posteriormente compensados tributariamente. Quando você doa, desconta cem por cento do valor doado do tributo que seria repassado, no caso o ICMS. Você faz a transferência e, no caso, ela é definitiva e irreversível na conta daquele que fará a gestão do projeto. Cem por cento do valor doado será descontado na sua declaração de imposto de renda. Contudo, se você é doador e vai descontar cem por cento, não pode ter o seu nome vinculado à publicidade daquele projeto cultural.

Aparece, então, a figura do patrocinador. Caso o empresário pretenda auferir alguma vantagem da execução de determinado projeto cultural, ele perde a característica de doador e passa a ser considerado patrocinador. Se a empresa for doadora, fará a compensação tributária em cem por cento, mas o máximo que pode obter em contrapartida é um agradecimento, muitas vezes verbal, no momento da realização do espetáculo.

No Estado do Ceará, no ano de 2014, a empresa que mais fez doações ao mecenato cultural foi a Coelce. Mensalmente são publicados dentro do site da Secretaria de Cultura daquele estado os projetos que foram apoiados pelo mecenato ou pelo fundo, bem como os patrocinadores, doadores ou os incentivadores.

Patrocinar implica em ter um retorno de brand, então, se a empresa é patrocinadora, ao contribuir com cem por cento do valor do projeto, a lei do mecenato somente permite a compensação em oitenta por cento do valor que foi patrocinado. Entendeu o legislador que haverá retorno para a marca patrocinadora, branding.

A transferência de valores pode ser feita por pessoa física ou jurídica, com ou sem fins lucrativos através do mecenato. Com a compensação de oitenta por cento no caso de patrocínio, existe a possibilidade de veiculação dos nomes da empresa patrocinadora nas peças publicitárias, pois, na realidade, esse é o objetivo. No mecenato cultural estadual existe uma modalidade que não tem na Rouanet: o investimento. É possível, através da lei do mecenato estadual, investir na execução do projeto artístico com retorno financeiro, por exemplo, quando o empresário poderia ter um percentual do borderô. No caso do investimento, haverá uma transferência definitiva do numerário a pessoas físicas e jurídicas, com ou sem fins lucrativos, com uma redução tributária de apenas cinquenta por cento do ICMS, porque nesse caso, o empresário investidor terá um lucro efetivo com o evento ou projeto a ser realizado.

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Por fim, vamos à tramitação desses projetos. Eu estabeleci linhas breves. No Estado do Ceará, para a efetiva captação de recursos provenientes do fundo de cultura ou mecenato cultural, é necessário o lançamento de edital prévio. No ano de 2014, a renúncia fiscal foi de 15 milhões para projetos apresentados especificamente ao mecenato. Essa renúncia fiscal não atende ao fundo de cultura, que possui outras fontes de alimentação, as quais já citei.

Para ter acesso a esse recurso do mecenato tem que obedecer ao edital previamente publicado. Essa é uma das maneiras de acesso democrático. Os que têm interesse nos editais devem ficar atentos, pois os mesmos são publicados no site da Secretaria de Cultura.

Referidos editais trazem a forma de habilitação dessas empresas ou pessoas físicas e a documentação necessária ao projeto que se pretende habilitar. Vale salientar que no mecenato, diferentemente do fundo de cultura, não há uma obrigatoriedade legal de seguir a política cultural do estado.

A utilização dos recursos do fundo de cultura, que tem aquele grau de subjetividade para ser deferido, que considero preocupante como já disse, precisa estar adequada ao que pensa o governo do estado para a cultura. O mecenato não tem a mesma imposição. É o executor do projeto que vai captar o dinheiro e a empresa privada vai patrocinar o projeto que achar mais interessante.

Haverá a fase de habilitação e, nesse caso, uma decisão administrativa de concessão ou não do mecenato. Essa decisão passa primeiro pelo comitê gestor que emitirá um parecer opinativo ao secretário de cultura, que decide ou não pela aprovação do novo projeto. Depois dessas aprovações, a lista daqueles que vão receber os certificados é publicada.

A tramitação de recebimento de recursos provenientes do fundo de cultura é muito parecida. Existe a publicação de edital, com fase de habilitação e decisão administrativa de concessão. É possível acompanhar tudo no site da secretaria.

Os artistas e os produtores culturais vão parar bem aqui e eu vou falar de um ponto muito importante como advogada. Dessas negativas que tem uma faixa discricionária enorme, cabe recurso ao conselho estadual de cultura, que é isso que eu falei para vocês sobre uma gestão plural, com membros da sociedade civil e membros do estado.

Caso o autor do projeto do desabilitado queira discutir essa reprovação, pode ingressar com recurso contra o indeferimento. Esse recurso é remetido ao conselho gestor. Nesse conselho, a sociedade civil estará presente, bem como as linguagens artísticas que podem, tecnicamente, ter um olhar mais ampliado sobre o projeto que foi submetido e negado.

A fase final é a homologação do edital e, vinculada a ele, a prestação de contas. Essas prestações de conta são importantíssimas, porque aqueles que não as apresentam corretamente podem ficar negativados pelo poder público e deixar de receber verbas de outros projetos, de outros convênios.

Vale aqui ressalvar que se desejamos que a cultura seja tratada com seriedade é preciso que ações judiciais relacionadas a esses editais comecem a surgir no Poder Judiciário. Faz-se necessário instar os tribunais estaduais e os tribunais superiores, como o Superior Tribunal de Justiça  (STJ), a se manifestarem sobre o caráter subjetivo de editais e a legalidade dos editais de fomento.