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Artigo 4) Análise do sistema público de financiamento à cultura no Estado do Ceará

Parte 1

Hoje tratarei sobre financiamento à cultura. Creio que o público que está nos assistindo é um público misto, não são só advogados, mas produtores culturais e outras áreas afeitas à cultura e talvez artistas estejam interessados no tema de financiamento. Para nortear a fala vou tecer rapidamente o que é um sistema de cultura e qual o papel do Estado do Ceará no financiamento das ações culturais e a legislação que trata desse financiamento refletido sobre a efetividade dessas ações de fomento. A ideia resumidamente é refletir se isso atende ao que a cultura se propõe ou se é necessária uma reflexão maior. A primeira coisa, vale salientar, quando se fala sobre direitos culturais é que essa área de pesquisa tem crescido em várias universidades e que eles fazem uma intersecção com várias outras áreas de conhecimento. A Constituição Federal já delimitou a existência e independência dos Direitos Culturais. Cabe agora ao Estado a administração e a efetividade desses Direitos Culturais. A cultura e sua proteção já contam com artigo no corpo da Constituição, no caso o artigo 216.

Trago aqui duas citações, uma do Humberto Cunha Filho e outra do professor José Afonso da Silva. A primeira diz que no corpo da Constituição temos os Direitos Culturais e que um intérprete com sensibilidade não pode negar-lhe o status de fundamental.

Mesmo que o artigo que trata sobre a cultura não esteja inserido no artigo quinto da Constituição Federal, tal deslocamento espacial não retira dele a natureza ou a essência, que é de um direito fundamental. Porque sem a estrutura construída pela cultura, não existe autobiografia, as cidades e civilizações não contam a suas histórias. Nada mais próximo da dignidade da pessoa humana do que permitir que alguém possa desenvolver uma autobiografia, a partir das suas referências. Essa proteção ao direito cultural que ganha esse aspecto de fundamental necessita ter efetividade. Duas situações se apresentam. A primeira é que a Constituição referencia o direito cultural e permite o acesso às fontes de cultura, onde você vai criar a sua autobiografia individual ou coletiva. A segunda situação é a efetividade. Nesse ponto específico entra a nossa temática, a efetiva proteção do poder público aos processos culturais. Ao salientar a questão dos sistemas de cultura, vale fazer uma distinção mínima entre o que se entende por sistema nessa questão. Os sistemas filosóficos são aqueles com carga valorativa. Não é disso que estamos tratando ao falar em sistemas de cultura, mas sim de um sistema pontual na acepção constitucional, uma organização legislativa de ações, que tem um encadeamento federal, estadual e municipal, permitindo que as políticas públicas voltadas para a cultura não sofram descontinuidade. A tendência é unificar e dar continuidade a esses projetos quando se lida com sistemas de cultura, e o objetivo é esse: impedir a ruptura, quando se estabelece uma política cultural que necessita de continuidade. As gestões públicas culturais, e esse fato é recorrente, provocam descontinuidades nas ações de fomento e proteção à cultura. Nesse ponto, o sistema de cultura propicia, mesmo que de forma embrionária, essa possibilidade de proteção contra o abandono e recomeço das políticas públicas voltadas para a proteção do patrimônio cultural.

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O sistema de cultura do Estado do Ceará é uma legislação simpática, interessante e vanguardista para época em que foi publicado. Por óbvio, como qualquer legislação, sempre precisa ser revisitada, mas estabeleceu os critérios de organização e os princípios norteadores do sistema de cultura.

Esse sistema tem muitos princípios, porque no Brasil a gente tem uma hemorragia verborrágica legislativa, escreve-se demais, exaustivamente, provavelmente tendente a induzir as interpretações. Quando eu leio todos esses princípios que norteiam o sistema de cultura estadual, percebo que três deles resumiriam todos os demais, quais sejam: “dignidade da pessoa humana”, onde está a construção das autobiografias coletivas e individuais, “a universalidade do acesso aos bens de cultura”, que não se confunde com a cultura em si, porque o acesso a ela não existe, já que o sujeito nasce inserido nela. Nesse aspecto, ninguém vai lhe tirar acesso a algo que lhe é nato, contudo, o acesso aos bens de natureza cultural requer uma universalização e proteção. E, por último, o princípio que está correlacionado ao Estado Democrático de Direito, no caso, “a participação social”, trazido também para o sistema de cultura do Estado do Ceará. Ressaltando tais princípios, é necessário dizer que o fomento e o financiamento de qualquer espetáculo ou qualquer obra de natureza cultural devem resguardar esses valores e necessita do olhar desses princípios sobre a sua interpretação. A Constituição brasileira tem dois princípios basilares: democracia e dignidade, todos os demais princípios decorrem do que é democrático e do que é digno. Se você falar em dignidade da pessoa humana, estará falando de valor, se falar de participação da sociedade, estará falando de estruturas políticas e se estiver falando de universalidade de acesso, estará falando de ação.

O sistema de financiamento e a estrutura de financiamento estão correlacionados ao acesso aos bens de natureza cultural, e também com o questionamento de como o Estado vai dividir a sua riqueza, no sentido de dar acessibilidade democrática a esses bens.

Esse ponto é importante, porque quando se falar sobre tramitação dos processos relacionados à cultura, será ressaltado que os artistas e os produtores culturais discutem os dois primeiros princípios, quais sejam as estruturas de valor e as estruturas políticas. Raramente acionam os mecanismos judiciais para rever, por exemplo, os editais de cultura, em seus aspectos democráticos e de legalidade.

Em termos de fomento, o sistema estadual de cultura do Ceará, em sua grande maioria, tende a explicar como vai ser feito o financiamento das ações. Nesse aspecto, existem três formas distintas de financiamento: o tesouro estadual, e nesse caso tratando de renúncia fiscal do estado em uma questão bem específica do campo tributário; o fundo estadual de cultura, que é regulamentado e tem sua forma específica de alimentação; e a figura do mecenato cultural.

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Para abordar a questão dos recursos provenientes do tesouro estadual, os financiamentos são submetidos à secretaria de cultura. Nesses casos, são os recursos que vêm com a renúncia fiscal, através do orçamento idealizado pelo estado e enviado para aprovação nas respectivas casas legislativas. Normalmente, quando o orçamento do estado ou do município é enviado para aprovação da Assembleia Legislativa ou da Câmara de Vereadores já inclui as ações específicas de algumas áreas no segmento da cultura. Podemos citar, por exemplo, algumas ações para o carnaval ou pontualmente algumas ações específicas de interesses comunitários. Tanto é que quando o gestor da cultura vai fazer a execução daquela ação ele já possui fonte e rubrica própria de onde virá o financiamento. Orçar, e aqui vale fazer a observação, não significa executar, porque o tesouro, e, no caso em comento, o orçamento estadual, é apenas uma previsão de despesas, que somente se concretizará com a arrecadação. Portanto, fica a depender da arrecadação o possível cumprimento de todo o orçamento aprovado. Algumas vezes os artistas ou os produtores culturais se ressentem quando o gestor da área da cultura anuncia que alguma ação não vai ser implementada. É que o fato da câmara legislativa orçar não significa que a política vai ser cumprida.

O fundo estadual de cultura é previsto e regulamentado. A gerência é feita pelo secretário de cultura, pelo presidente da fundação de teleducação, pelo diretor do teatro José de Alencar, pelo diretor do museu do Ceará, pelo diretor da biblioteca, pelo coordenador da Secretaria de Cultura (Secult),; também pelo coordenador de ação cultural da Secult e o presidente do IACC (Instituto de Arte e Cultura do Ceará). Esse comitê gestor recebe os projetos e os processos que serão selecionados para o subsídio através de seus recursos.