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Artigo 3) Ações afirmativas no paraíso racial: relações étnico-raciais e educação no Brasil

Parte 1

O primeiro pressuposto é o de que existe discriminação étnico-racial no Brasil, ou seja, existe discriminação contra negros e indígenas no Brasil. Esse pressuposto, embora pareça óbvio, é importante que seja marcado porque não são todas as pessoas que reconhecem a existência de discriminação étnico-racial. É lugar-comum nesse País negar a existência de racismo ou da intolerância contra segmentos étnico-raciais inferiorizados. Eu trago essa ideia primeira para que a gente guarde a noção de dominação colonial vivida a partir do período de invasão europeia nesta parte do continente. Uma invasão que deixou marcas extremamente profundas nas vivências interétnicas e raciais nesse País. Uma dessas marcas, talvez a mais perversa e violenta, é o racismo ou a discriminação racial.

Um segundo pressuposto que coloco em evidência, para que não restem dúvidas sobre o local discursivo e de debate que estamos partindo, é o de que é possível saber quem são as pessoas negras, quem são as pessoas indígenas. É muito comum escutar, em nome de uma verdade universal que homogeneíza toda população brasileira, argumentos que afirmam que todos são negros ou que não há negros no Brasil, ou que todos sejam misturados, miscigenados. O processo de miscigenação pelo qual o Brasil passou teria levado esse País a uma situação de mistura tão profunda que seria impossível visualizar, no âmbito das relações e interações sociais, quem são as pessoas negras e quem são as pessoas indígenas. Eu o estabeleço como segundo pressuposto, porque a minha compreensão é de que é possível saber quem é negro no Brasil. O professor Milton Santos, da Universidade de São Paulo (USP), falava com muita propriedade que ser negro no Brasil é ser alvo de um olhar enviesado que aprisiona, em outras palavras: ser negro no Brasil é ser alvo de preconceito e discriminação de cunho racial, ser indígena no Brasil é experimentar, constantemente, na sua condição de sujeito, situações de preconceito e discriminação. O racismo, enquanto fenômeno social, é uma evidência importante que não pode ser negligenciada de que é possível identificar as diferenças entre sujeitos, mesmo em uma sociedade altamente miscigenada como o Brasil, em que contamos com um gradiente muito vasto de possibilidades de existência étnico-racial.

Ora, os agentes do racismo sabem quem é negro. Nesse sentido, a polícia, por exemplo, sabe quem é negro. Os agentes repressores do Estado a mobilizações indígenas que acontecem em Brasília, por exemplo, sabem exatamente quem é indígena. Então, se abrimos mão de uma hipocrisia diante da necessidade de classificação, acabamos entendendo a possibilidade de identificação desses sujeitos. Assim sendo, o segundo pressuposto é o de que podemos sim identificar os sujeitos alvo, as vítimas, de situações de racismo, de preconceito e de discriminação étnico-racial.

E, por último um pressuposto, não menos importante, é a necessidade de atuação em situações de preconceito e de discriminação, que provocam dor e sofrimento em sujeitos; que agridem, inferiorizam e ofendem pessoas por conta de um pertencimento ou por conta de características sobre as quais esse sujeito não tem nenhum controle. Situações de racismo demandam urgentemente por intervenção ou interferência de sujeitos individuais e coletivos do Estado Nacional, das instituições e das pessoas em sua última instância na busca por superação de preconceito e discriminação étnico-racionalmente orientadas. A agência é capaz de alterar um percurso e destaque-se a necessidade e urgência de interferência e intervenção para a superação de situações de desigualdades que têm provocado dores, sofrimentos, distanciamento de uma felicidade de indivíduos pertencentes a segmentos étnico-raciais não hegemônicos.