PDCC - Webconferências 2016
 
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Artigo 2) A memória cultural como um direito público: o uso dos meios de comunicação na trajetória institucional do IPHAN

Questionamentos do público participante da webconferência

Pensar na mídia como um instrumento indispensável para o processo educativo. Nesse sentido, o ato de educar, subsidiado pela mídia, principalmente televisiva, corre o risco de ser visto como uma imposição cultural?
Não necessariamente, pois a partir do momento que você utiliza qualquer instrumento de comunicação, independente dele ser audiovisual ou impresso você tem que pensar, também, no potencial pedagógico do uso desse recurso. Deixe-me explicar melhor essa questão, não se trata de uma imposição cultural, pelo contrário, hoje, a partir do uso ou acesso facilitado a alguns conteúdos veiculados ou exibidos em determinados suportes midiáticos conseguimos mostrar para os nossos alunos uma diversidade cultural ou de culturas. Além disso, os próprios grupos se utilizam desses recursos para preservar e divulgar sua arte e sua cultura, não com um propósito de imposição e sim como uma forma de divulgação ou de identificação, ou seja, para que as pessoas apreciem, conheçam, valorizem ou se identifiquem com aquela manifestação cultural. O bom uso ou o mau uso desses recursos dependem da forma como cada educador pretende utilizá-los, ou seja, depende, também, do olhar pedagógico de cada professor.

Há algum controle do IPHAN sobre as publicações dentro do foco cultural? Digo na divulgação de materiais pedagógicos (livros didáticos, dentre outros).
O IPHAN sempre teve uma política de produção e incentivo à produção de publicações relacionadas ao campo da cultura e do patrimônio cultural. A maior parte dessas publicações é doada para as bibliotecas e outros centros educativo-culturais espalhados pelo Brasil e fora dele, como escolas, universidades, pontos de cultura, entre outras instituições. Até onde sei, o IPHAN nunca impediu ou controlou o tipo de publicação dentro do foco cultural, pelo contrário, além das publicações que eles produzem como resultado dos trabalhos e pesquisas desenvolvidos pelos técnicos, eles também incentivam e financiam a produção de outros trabalhos realizados por pesquisadores.

Na sua opinião, em qual das fases da "vida" do IPHAN a participação popular se deu de forma mais visível?
O período da gestão de Aloísio Magalhães foi emblemático, representativo nesse processo por meio do Boletim SPHAN\Pró-Memória. No entanto, hoje, pela possibilidade do uso de diversas plataformas midiáticas ou interativas, a população pode participar, interagir e conhecer com mais afinco os trabalhos realizados pela instituição em um espaço e tempo reduzidos pelo uso da internet, por exemplo.

Como o IPHAN poderia divulgar os dados fornecidos nos relatórios de licença ambiental, no qual o levantamento do patrimônio cultural é uma exigência? Como a Secretaria da Cultura poderia se beneficiar destes dados, já que várias festividades de relevância cultural não constam no calendário de Goiás?
Nesse caso, a Secretaria poderia emitir um documento solicitando o acesso a tais dados. Além disso, podem ser realizadas presencialmente pesquisas nos próprios arquivos das superintendências. Nos arquivos do IPHAN há processos, os levantamentos, os dossiês, entre outros materiais e documentos institucionais. Tem documentos que não podem sair de dentro da instituição, como em qualquer outra instituição pública ou privada, mas não há impedimentos para a realização de pesquisas dentro do seu espaço físico.

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Você acredita que o IPHAN está realmente presente nas comunidades ditas periféricas e sem oportunidades? De que forma você acredita ou não?
A partir da última década isso se tornou mais visível, ou seja, há mais pesquisas, profissionais e departamentos no próprio IPHAN pensando nessas comunidades. Hoje há parcerias sendo realizadas nas diversas instâncias administrativas para que se desenvolvam mais trabalhos neste aspecto. Além disso, os próprios editais e prêmios, como o “Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade”, do IPHAN, a cada ano beneficia e apoia ações ou projetos desenvolvidos com ou para essas comunidades ditas periféricas ou marginalizadas.

Além da participação meramente consultiva dos grupos sociais, existe efetivamente a possibilidade de participação deliberativa da própria sociedade na atuação do IPHAN?
Depende muito da ação ou da intervenção que se pretende participar. No entanto, hoje é praticamente a comunidade, os grupos culturais que propõem para o IPHAN o Registro ou o Tombamento de um bem ou o reconhecimento daquela manifestação cultural. Além disso, existem as audiências públicas onde a população pode opinar e deliberar sobre as diversas instâncias da vida cultural da sua cidade ou região.

Acho que não fui muito claro na minha pergunta. Quando perguntei sobre a participação da comunidade, não queria me referir apenas à indicação de bens passíveis de proteção, mas à política de atuação da instituição.
A abertura é pequena e pelo que me lembro nas legislações que estão em vigor não há impedimentos para que a população participe da construção de políticas públicas ligadas ao patrimônio cultural. No entanto, tais legislações também não deixam claro como são as formas de participação da comunidade nestas questões. Para sabermos mais sobre este assunto precisamos recorrer a Coletânea de Leis sobre Preservação do Patrimônio do IPHAN.

Sabemos que a cultura é dita como uma arte elitista. O que devemos fazer para popularizar o processo cultural, valorizando e expandindo o próprio IPHAN?
Não só valorizando e expandindo as ações do IPHAN, mas também de outras instituições culturais. Aliás, os meios de comunicação têm um papel importante nisso, pois podem ajudar a popularizar a arte e a cultura brasileira. No entanto, só eles não bastam, pois é preciso pensar em políticas públicas culturais coerentes com a realidade e as necessidades de cada região ou município com a finalidade de popularizar o processo cultural.

Seria muito interessante que as ações de salvaguarda do IPHAN pudessem contribuir mais intensamente com as questões de patrimônio referentes a outras esferas públicas, como é o caso dos assentamentos criados pelo INCRA, por exemplo, que muitas vezes removem comunidades tradicionais inteiras para locais aleatórios, desrespeitando seus modos de fazer e viver, no âmbito do patrimônio imaterial. Qual sua opinião sobre questões como essa?
Concordo com você, no entanto, uma questão ou situação como essa exige mais diálogo entre as esferas públicas em âmbito municipal, estadual e federal, pois qualquer decisão nesse sentido não se toma sozinho.

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Excelente o trabalho do IPHAN com as crianças que, certamente, tendo acesso às informações poderão usufruir mais do patrimônio cultural. Mas como podemos (re)significar os valores daqueles que não tiveram a possibilidade de acesso a nenhuma informação e que hoje não visualizam significado algum e por isso ignoram o patrimônio cultural?
Essa é sem dúvida uma das maiores dificuldades do IPHAN. No entanto, ele tem tentado sensibilizar as pessoas por meio dos filhos, netos ou simplesmente indo até a casa delas para explicar a importância da preservação de determinado imóvel ou bem cultural.  É um trabalho de “formiguinha”. Por isso, também, que é importante o Ministério da Cultura trabalhar com o Ministério da Educação e da Comunicação a fim de desenvolver estratégias, programas, projetos e ações conjuntas que pretendem valorizar e aproximar essas pessoas à cultura regional e nacional.

Qual a sua opinião de levar para as grades escolares a matéria sobre o Patrimônio Cultural? Porque as escolas trabalham esse tema somente nas semanas culturais, como exemplos: as catiras, o folclore, etc.
É de fundamental importância que se tenha na grade curricular da educação infantil até a faculdade uma disciplina voltada para o reconhecimento e valorização do Patrimônio Cultural. Acredito que as escolas optam por trabalhar este tema apenas em datas comemorativas ou semanas culturais por se tratar de um assunto que ao longo dos anos foi visto como algo sem muita importância e por simplesmente não “sobrar espaço” nas grades ou projetos políticos pedagógicos dos cursos ou anos escolares, já que o próprio Ministério da Educação e muitas escolas adotam uma perspectiva de ensino mais formal.

Ultimamente, pelo menos no âmbito do Estado de Goiás, percebemos que os órgãos de Proteção ao Patrimônio Cultural não dialogam entre si. Há, na verdade, uma política de empurra: "Nós, IPHAN, não temos responsabilidade, pois esse bem é representativo apenas em âmbito regional, local". Ou o estado argumenta que é de interesse do município. E dessa forma, a unidade federativa mais frágil (o município) fica com a responsabilidade exclusiva dos patrimônios. Está sendo pensado um Sistema Nacional Setorial de Patrimônio Cultural para que haja soma de forças ao invés de divisão?
O próprio Plano Nacional de Cultura destaca a importância dessa “soma de forças” que você apontou. Para que o Plano Nacional de Cultura seja colocado em prática, seja implementado, é preciso que o município, o estado e o governo federal trabalhem juntos.

Até que ponto o IPHAN se aproxima das escolas públicas ou particulares? Por exemplo, no meu estado, Tocantins, não existe uma ligação próxima com as faculdades e com as escolas. O projeto de disseminação de ideias e informação, aqui, ainda precisa ser repensado, principalmente, pelo IPHAN. Em outros estados é diferente?
Em alguns estados, ainda, não há superintendências regionais do IPHAN, escritórios técnicos ou simplesmente foram criados recentemente, isso talvez possa ser visto como indicadores que impedem uma maior proximidade do Instituto com as escolas, universidades, etc. Além disso, não podemos esquecer que o IPHAN é uma instituição pública e que, assim como as outras, tem o quantitativo de profissionais reduzido pelas demandas e necessidades de trabalhos que devem ser desenvolvidos cotidianamente. O IPHAN não é diferente, ele sofre com isso, existe a necessidade de contratação de mais profissionais para realizar um trabalho mais efetivo.

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Quero aproveitar o momento para dizer que sinto falta na Especialização, e também neste ciclo de webconferências, de referências ao IBRAM, Instituto Brasileiro de Museus, criado em 2009, para substituir o IPHAN nos cuidados com os museus e processos museais do país. A criação desta autarquia do Ministério da Cultura (a única do Ministério, juntamente com o IPHAN) marca importante momento da política cultural do nosso país e relaciona-se a um novo significado e papel atribuídos ao IPHAN.
É verdade. Antes da criação do IBRAM, os museus também eram administrados pelo IPHAN. Foi extremamente oportuno e necessário a criação de um instituto que trabalhe ou se dedique às questões relacionadas à preservação da memória, como os museus, arquivos.

Aqui em Brasília é uma verdadeira "guerra" entre o IPHAN, o governo e o povo, pois o tombamento da cidade em si faz com que ela fique meio engessada. Quando o governo quer ou o poder do capital pressiona, as alterações são feitas, mas quando o povo quer algo mais bem cuidado pela preservação em si, o IPHAN desaparece e, muitas vezes, diz que nada pode ser feito, pois o bem está tombado. Tombado? O que você diria sobre este caso corriqueiro por aqui?
Esta é uma questão complicada, pois envolve os seguintes aspectos: corrupção, gastos públicos e interesses econômicos, falta de uma boa gestão ou administração pública, entre outros. Por causa do tempo, não discorrerei detalhadamente sobre cada um. Além disso, estamos cansados de saber o que eles podem significar ou indicar, principalmente, no âmbito das esferas públicas. O IPHAN, enquanto instituição responsável pela preservação do patrimônio do país, deve primar por esta ação, ou seja, pela salvaguarda e proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, afinal, esta é a razão de ser, de existência dessa instituição. Não faz sentido ela não cumprir ou descumprir suas ações e obrigações institucionais por pressões políticas ou por capital “extra”.