Artigo 1) A dimensão cultural da Constituição Brasileira de 1988
Emendas constitucionais que afetaram a seção relativa à cultura
O fato da atual Constituição, já quando promulgada em 1988, trazer para o nosso ordenamento jurídico o pioneirismo do tratamento específico dado aos direitos culturais e desenvolver, ao longo de todo o seu texto, temas relativos à cultura, demonstra a relevância do estudo desse assunto para o mundo jurídico e para o campo social.
Além disso, tivemos três alterações na Constituição que modificaram os dois artigos existentes na seção de cultura, através de Emendas Constitucionais, as quais são formas em que o constituinte derivado, que é o constituinte renovador, pode alterar a Constituição. Lembramos que a alteração constitucional tem um processo mais difícil do que mesmo o de criação de leis.
Dentre todas as Emendas Constitucionais, três delas alteraram a seção relativa à Cultura, nós tínhamos inicialmente dois artigos que sofreram três alterações ao longo do tempo. Mais uma vez, esse é um fato que demonstra que o tema da cultura não é um tema menosprezado pelo poder legislativo, quando se trata de estabelecer garantias e proteções. Demonstraremos, resumidamente, quais as alterações trazidas pelas Emendas.
A EC nº 42/2003 acresceu ao Art. 216 o § 6º, o qual determina que “é facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I - despesas com pessoal e encargos sociais; II - serviço da dívida; III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados”.
A EC nº 48/2005 acrescentou o § 3º ao art. 215 da Constituição, instituindo o Plano Nacional de Cultura, garantindo que “a lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II - produção, promoção e difusão de bens culturais; III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV – democratização do acesso aos bens de cultura; V - valorização da diversidade étnica e regional”.
A EC nº 71/2012 acrescentou o art. 216-A à Constituição, para instituir o Sistema Nacional de Cultura, determinando que ele será “organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais. § 1º O Sistema Nacional de Cultura fundamenta-se na política nacional de cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e rege-se pelos seguintes princípios: I - diversidade das expressões culturais; II - universalização do acesso aos bens e serviços culturais; III - fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais; IV - cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados atuantes na área cultural; V - integração e interação na execução das políticas, programas, projetos e ações desenvolvidas; VI - complementaridade nos papéis dos agentes culturais; VII - transversalidade das políticas culturais; VIII - autonomia dos entes federados e das instituições da sociedade civil; IX - transparência e compartilhamento das informações; X - democratização dos processos decisórios com participação e controle social; XI - descentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das ações; XII - ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos para a cultura. § 2º Constitui a estrutura do Sistema Nacional de Cultura, nas respectivas esferas da Federação: I - órgãos gestores da cultura; II - conselhos de política cultural; III - conferências de cultura; IV - comissões intergestores; V - planos de cultura; VI - sistemas de financiamento à cultura; VII - sistemas de informações e indicadores culturais; VIII - programas de formação na área da cultura; e IX - sistemas setoriais de cultura. § 3º Lei federal disporá sobre a regulamentação do Sistema Nacional de Cultura, bem como de sua articulação com os demais sistemas nacionais ou políticas setoriais de governo. § 4º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus respectivos sistemas de cultura em leis próprias.”
Página 167Essas três emendas não criam novos direitos culturais, mas definem garantias aos já existentes, ou seja, elas determinam o modo como esses direitos culturais podem ser operacionalizados, por isso, na divisão realizada alhures, elas estão incluídas nos títulos operacionais.
O constituinte derivado entendeu que não é necessário aumentar o número de direitos culturais protegidos na Constituição. Afinal, o constituinte originário já fez escolhas muito acertadas nesse sentido. Assim, as mudanças ocorrem no sentido de determinar garantias para os direitos já existentes.
Essa é sempre a questão mais delicada, pois o primeiro passo é a criação do direito, já o segundo, e talvez o mais importante, é a sua efetivação. A distância entre esses dois pontos muitas vezes é enorme. As Emendas são uma demonstração de tentativa de efetivar os direitos culturais, não só de declará-los ou instituí-los, criando novos direitos, mas indo além buscando mecanismos para concretizá-los.
Uma característica muito interessante da nossa Constituição, é que ela vem sendo construída ao longo do tempo, e essas mudanças podem ser bem positivas quando aprimoram a cidadania. Existem centenas de emendas Constitucionais tramitando. Com referência à cultura existem emendas muito importantes e necessárias que buscam fazer a vinculação de recursos para o setor cultural.
Estamos tratando aqui, especificamente, da dimensão cultural da Constituição de 1988, mas além dos direitos que estão declarados no texto constitucional, e além das garantias que foram criadas, temos o fato de que essas normas, estando na constituição, possibilitam desdobramentos.