O paradesporto, enquanto prática esportiva adaptada para pessoas com deficiência, vem ganhando destaque no cenário contemporâneo, tanto no âmbito competitivo quanto no educacional. Seu potencial educativo vai além da ampliação de vivências esportivas contra hegemônicas, permitindo também promover reflexões sobre seu público, o que contribui para a desconstrução de preconceitos em relação a essas pessoas (Marques, 2016). Pelo seu conteúdo, são discutidos a diversidade humana, o papel das adaptações para a acessibilidade e as potencialidades das pessoas com deficiência. A inclusão desse conteúdo no currículo da Educação Física escolar que representa um avanço significativo na promoção de práticas pedagógicas inclusivas e transformadoras.
Os esportes são objetos de conhecimento presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sendo abordados em todos os anos do ensino básico. Nessa base, os esportes são divididos em sete categorias: técnico-combinatórios, de marca, invasão, rede/parede, campo e taco, precisão e de combate. O foco desse trabalho é os esportes de alvo ou precisão que são aqueles em que os praticantes visam acertar, aproximar-se ou mover o alvo, estando parado ou em movimento, com menos tentativas (Méndez-Giménez, 2006).
Para Almond (1986), os esportes de precisão podem ser divididos em duas subcategorias: jogos de alvo sem oposição e jogos de alvo com oposição. Nos de alvo sem oposição, as ações táticas dos jogadores não influenciam nem são influenciadas pelas ações dos oponentes, mesmo compartilhando o mesmo espaço (Méndez-Giménez; Fernández-Río; Casey, 2012). Exemplos dessa categoria incluem tiro com arco, boliche, golfe e outros. Nos de alvo com oposição, os jogadores podem influenciar as jogadas dos adversários e interferir nas táticas de ataque e defesa (Méndez-Giménez, 2006). Exemplos deles são sinuca, bocha, curling e outros. Os esportes de precisão apresentam pouco ou nenhum contato físico entre os participantes, mostrando-se como possibilidade esportiva acessível para os mais diversos públicos.
Dentro das discussões sobre os esportes, a BNCC indica que sejam incluídas vivências e reflexões sobre os paradesportos. Nesta sequência didática, as possibilidades para vivências e reflexões sobre paradesportos de precisão se fundamentam na educação intercultural e na Educação Física cultural. O conteúdo tem foco na manifestação singular proveniente do universo das práticas corporais das pessoas com deficiência.
Conforme Neira (2016a; 2020), as práticas corporais são expressões culturais e artefatos que representam elementos de cultura, conquistas, concepções e expectativas da sociedade. Nesse sentido, os paradesportos simbolizam também a resistência das pessoas com deficiência às barreiras sociais que ainda prevalecem. Nessa visão, o trabalho com esse conteúdo visa promover a vivência da atividade e fornecer ao aluno conhecimentos sobre a cultura e os elementos intrínsecos às modalidades. A discussão sobre os paradesportos contribui para dar voz a essas pessoas que, por muito tempo, foram silenciados, fortalecendo sua identidade social.
Segundo Neira (2016b), a organização das intervenções pedagógicas na perspectiva da Educação Física cultural valoriza as experiências corporais dos alunos, ampliando o conhecimento sobre as práticas corporais desenvolvidas e confrontando-as com outras experiências. Neira (2016a; 2016b; 2019) propõe algumas ações para os procedimentos didáticos do currículo dessa educação, sendo elas: mapeamento, leitura, vivência, ressignificação, aprofundamento, ampliação, registro e avaliação. Destaca-se que elas não são rígidas, acontecendo de modo simultâneo, estando ou não todas presentes numa aula ou sequência pedagógica.
A seleção dos temas por mapeamento possibilita identificar as manifestações corporais “[...] disponíveis aos alunos, bem como aquelas que, mesmo não compondo suas vivências, encontram-se no entorno da escola ou no universo cultural mais amplo" (Neira, 2016b, p. 22). Nessa fase, além de reconhecer as diferentes culturas presentes na escola e em seu entorno, são coletadas as percepções dos alunos sobre a prática corporal tematizada, incluindo conhecimentos, gestos e discursos frequentemente originados de experiências pessoais e outras fontes de informação acessíveis ao público. Observam-se os eventuais preconceitos relacionados às práticas corporais e ao grupo social vinculado à atividade.
Para Neira (2019), a organização das atividades de ensino se dá no momento do mapeamento. Esse processo contribui para direcionar as ações pedagógicas e os aprofundamentos das práticas corporais, elencando discussões para a desconstrução de estereótipos, a compreensão de disputas de poder, discursos e outros elementos de grupos sociais e suas práticas corporais.
Segundo Neira (2019), a leitura das práticas corporais envolve a análise e a interpretação dos códigos das práticas corporais, entendendo-as como textos culturais produzidos pela linguagem corporal. Dessa ação didática precede a crítica cultural, permitindo aos estudantes examinarem identidades, mitos sociais e construir conhecimento baseado na pluralidade. Nessa etapa, eles analisam as práticas corporais sob diferentes ângulos com formato, regras, técnicas, táticas, participantes, recursos necessários, ambiente, posição que ocupa no tecido social e discursos disseminados a seu respeito, representada pelos praticantes e por outros grupos.
A leitura ocorre durante as vivências, pela experimentação da prática corporal. Durante essas vivências, não há preocupação com a técnica segundo padrões estabelecidos. As práticas são confrontadas em seu aspecto original e vivenciadas de acordo com a realidade da escola, sendo os alunos estimulados a reelaborá-las. Esse processo é essencial para que eles compreendam a cultura viva e dinâmica, passando as práticas corporais por muitas transformações (Neira, 2016b; 2019).
A prática corporal sofre investigação reflexiva chamada problematização. Ela é abordada em seus aspectos e conhecimentos, o que compreende não apenas a prática em si, mas também as pessoas que continuam a influenciá-la, bem como os discursos a ela atribuídos (Neira, 2026b; 2019). Isso possibilita uma percepção crítica e aprofundada sobre o objeto de estudo, ampliando as percepções dos alunos sobre as relações que atravessam o universo das práticas corporais.
Ao realizar a leitura e as vivências, as práticas corporais passam pelo processo de ressignificação, o que atribui novos significados a uma manifestação cultural com base na própria experiência dos estudantes (Neira, 2019). O procedimento didático reconhece os significados hegemônicos sem impô-los. Na condição de sujeito histórico e cultural, o aluno ressignifica as práticas culturais, dando-lhes sentidos próprios ou coletivos, alterando ações e movimentos de acordo com o contexto e as experiências de vida. Isso permite experimentar os papéis que a prática trabalhada oferece (Neira, 2016b).
O aprofundamento permite o conhecimento mais detalhado sobre a prática corporal, identificando peculiaridades e fatores que influenciaram sua composição atual. Envolve a investigação do contexto social, histórico e político da prática, desocultando questões muitas vezes escondidas como etnia, classe social, gênero e religião (Neira, 2019).
Já a ampliação recorre a discursos e fontes de informação para enriquecer a compreensão da prática corporal. Essa etapa ocorre por meio de recursos como visitas, entrevistas, rodas de conversa com praticantes da modalidade, leitura e análise de textos, reportagens, vídeos e participação em eventos permitindo, cujos pontos de vista confronta, os conhecimentos iniciais com novas perspectivas (Neira, 2019). Os alunos são capazes de mobilizar tipos de conhecimentos e reflexões inerentes à prática, ampliando as possibilidades das aulas de Educação Física para além das vivências corporais (Neira, 2016b).
O aprofundamento e a ampliação dos conhecimentos permitem aos alunos conhecerem melhor a prática corporal estudada, compreendendo os aspectos que a compõem e os agentes culturais a ela vinculados (Neira, 2016b). Essas etapas possibilitam entender a prática corporal como conhecimento que reflete momentos históricos e contextos de lutas, desnaturalizando ações relacionadas à prática e ao grupo social correspondente. Desse modo, transformam-se conceitos e preconceitos que permeiam práticas e grupos marginalizados.
Por fim, os registros permeiam toda a ação pedagógica (Neira, 2016b), tendo a documentação de observações e reflexões sobre as atividades de ensino. Envolvem anotações, filmagens, fotografias e outras formas de registro. Isso pode ser feito nas aulas, facilitando a socialização de saberes e a avaliação do trabalho pedagógico. Os registros, as anotações das atividades, as análises das ações e os documentos produzidos por professores e alunos na intervenção embasam as avaliações, o que direcionam as ações didáticas. A avaliação se dá em todo processo, valorizando as diferenças e identificando os mecanismos de construção no interior da escola (Neira, 2019).
Os princípios definidos permeiam a sequência didática aqui proposta. Em alguns pontos, são indicadas as partes como etapas para as atividades. Nas etapas, podem ser feitas adaptações conforme a realidade da aula para melhor proveito pedagógico. Não há uma ordem rígida para ser seguida. Os registros formam o conjunto proveitoso do material de formação e apoio para ser vivenciado. Cada intervenção aborda uma modalidade paradesportiva de precisão, seguindo a complexidade tática proposta por Méndez-Giménez (2006) e Méndez-Giménez, Fernández-Río e Casey (2012). Os jogos de alvo sem oposição são ensinados devido à sua menor complexidade tática, em comparação com os de alvo com oposição. Isso ocorre porque eles envolvem ações táticas mais complexas frente aos opositores.
Não se propõe, em nenhum momento, atividade que envolva a simulação de deficiências. Conforme ressaltam Nario-Redmond, Gospodinov e Cobb (2017), French (1992) e Maher, Haegele e Sparkes (2022), tais atividades podem focar excessivamente nos obstáculos e nas dificuldades associadas às deficiências, o que reforçam estereótipos e conceitos capacitistas, também provocando sensações negativas em relação à deficiência. Nessa ideia, a sequência busca promover o contato dos alunos com o universo cultural das pessoas com deficiência, sendo significativo e de potencial para desmistificar preconceitos e desenvolver a alteridade, como princípio fundamental de educação intercultural.
O contato com vivências dos paradesportos usa recursos midiáticos para as atividades. Conforme Vieira, Colere e Souza (2022), as estratégias pedagógicas para o desenvolvimento dos paradesportos envolvem experiências corporais, recursos audiovisuais, jogos virtuais e os midiáticos disponíveis na escola. Essas estratégias, além de aproximar os alunos desse universo cultural, contemplam diversos estilos de aprendizagem na sala de aula.
As atividades propostas para a vivência do paradesporto são realizadas por meio da aplicação de jogos construídos ou adaptados, preservando os elementos característicos das modalidades. Isso é feito para proporcionar aos alunos uma experiência do paradesporto e promover a compreensão e a apreciação dos elementos culturais e sociais envolvidos. São adaptações que possibilitam que eles conheçam e vivenciem o esporte com os recursos disponíveis na escola.
Ajusta-se a complexidade do jogo ao número de jogadores, às capacidades motoras dos alunos, aos recursos materiais e ao espaço escolar disponível, como apontam Barroso e Darido (2009) e Moura e autores (2019). Essas atividades, segundo Miron (2011), enriquecem a vivência. O fato de ser realizada em escala menor e menos complexa facilita a participação dos alunos, tornando-a dinâmica, lúdica e acessível.
Nas intervenções, algumas atividades sugeridas podem ser adaptadas de acordo com o espaço e o tempo disponíveis na realidade escolar. Ao dividi-las em partes, a variação no tempo de execução exige que o professor observe as necessidades dos alunos em relação àquela aprendizagem (Quadro 1). O docente considera o tema, as etapas e a duração das aulas para adaptar as atividades à sua realidade. Há um mapeamento didático que orienta o desenvolvimento da intervenção. A composição das aulas varia de 60 a 240 minutos, integrando conteúdos às vivências dos alunos, o que pode transformar suas percepções sobre os paradesportos.
Quadro 1 - Tema, partes e duração das aulas para as atividades
Intervenção | Tempo de aula aproximado por temática | Temática Proposta | Temática dividida por tempo de aula (60 minutos) |
---|---|---|---|
1 |
120 minutos (2 aulas) |
Conhecimentos e percepções sobre deficiência, acessibilidade e paradesporto |
Parte 1: Preparação da atividade Parte 2: Registro e avaliação |
2 |
De 180 a 240 minutos (3 a 4 aulas) |
Boliche adaptado |
Parte 1: Apresentação do boliche Parte 2: Boliche para pessoas com deficiência, classificação e elegibilidade Parte 3: Boliche e competições paradesportivas/ minitorneio de boliche adaptado |
3 |
120 minutos (2 aulas) |
Tiro esportivo |
Parte 1: Apresentação do tiro paradesportivo Parte 2: Tiro esportivo nas Surdolimpíadas |
4 |
180 minutos (3 aulas) |
Golfe adaptado |
Parte 1: Introdução ao golfe Parte 2: Golfe inclusão Parte 3: Minigolfe |
5 |
120 minutos (2 aulas) | Tiro com arco |
Parte 1: Capacitismo e mobilidade Parte 2: Reflexão sobre atletas com deficiência |
6 |
240 minutos (4 aulas) |
Bocha paralímpica |
Parte 1: Conhecendo a Bocha paralímpica Parte 2: Introdução as vivências Parte 3: Situações de ataque/defesa Parte 4: Conhecendo as classes na bocha paralímpica |
7 |
120 minutos (2 aulas) |
Curling paralímpico |
Parte 1: Curling nos jogos Paralímpicos de Inverno Parte 2: Curling adaptado |
8 |
60 minutos(1 aula) |
Paradesportos e pessoas com deficiência na mídia. |
Parte 1: Pessoas com deficiência na mídia |
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