4. A HISTÓRIA TERMINA, MAS NÃO AS TRAJETÓRIAS
Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma, como educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática.
Paulo Freire
Cada experiência no mestrado é única, mas para ser uma experiência valiosa e interessante, é necessário se dedicar, estudar, ir atrás e ter tempo para estudar. O processo de pesquisa pode ser exaustivo, por isso foi importante compartilhar aflições com alguns amigos e colegas, principalmente com aqueles que estavam passando pelo mesmo momento. Nessa jornada, aprendi que existe a hora de descansar, deixar o trabalho um pouco de lado, para quando voltar estar com a mente fresca. Nesse processo descobri um hobby que me ajudou a descansar: a corrida de rua. Além do descanso para a mente, esse hobby me trouxe algumas medalhas e troféus. Existe uma frase sobre isso que levo até hoje comigo: “a corrida me faz lembrar que eu consigo fazer coisas difíceis”.
Aprendi a aproveitar o processo. Mesmo passando por momentos de aflição, de cansaço ou até mesmo de desistir, posso dizer que o mestrado foi prazeroso. Eu acredito que experiência boa não é tranquila e positiva o tempo todo, mas é aquela em que vamos superando os obstáculos e crescendo junto com o desenrolar da história.
No mestrado eu vi a Nayra pesquisadora aprendendo a ser pesquisadora. Esse é o trabalho de iniciação científica mais importante da nossa vida, então é onde de fato aprendemos a lidar com as questões de pesquisa, desde o Comitê de ética até estabelecer metodologia, coletar dados, entrevistas e todos esses problemas que envolvem isso.
O objetivo da pesquisa foi investigar indícios de processos de identificação com materiais manipuláveis e seu uso em sala de aula de matemática, nas narrativas de egressos do curso de licenciatura em matemática da Universidade Federal de Goiás. Foi difícil identificar somente nas narrativas indícios sobre o uso de materiais manipuláveis, pois nota-se que essa questão não aparece naturalmente.
Fazendo uma análise, isso quer dizer que nós, eu e os professores egressos, aprendemos poucas vezes com materiais manipuláveis, temos pouca segurança e temos insegurança para usar, e quando usamos somos criticados, pois acham que estamos perdendo tempo, vem as pressões em relação ao cumprimento do currículo, terminar o livro didático e as avaliações externas.
Há também uma limitação do próprio instrumento, no caso a entrevista narrativa, pois o ideal seria fazer uma pesquisa acompanhando inclusive esses professores em sala de aula para entender esses contextos. Porém, isso ficou inviável durante a presente pesquisa, devido ao grande desafio que foi dar continuidade ao trabalho mesmo durante a pandemia de Covid-19. Por exemplo, nas narrativas foi difícil ver alguém dizendo: “lembro que aprendi a contar usando Material Dourado”, ninguém relatou algo semelhante a isso. É uma questão que precisa ser levantada: por que ninguém guarda isso na memória, se é um momento tão interessante? Como, de modo geral, os professores fazem pouco uso de materiais manipuláveis em sala de aula, provavelmente nós guardamos poucas memórias sobre isso.
escolas também não dispõem desses materiais e demanda esforço do professor em confeccioná-los. Ainda, não são todos os professores que têm essa disposição para preparar esses materiais para os alunos. Esses materiais precisam estar disponíveis nas escolas. Há, portanto, muitos aspectos envolvidos, de modo que temos a impressão de que tudo conspira contra esse tipo de atividade em sala de aula, desde o papel da coordenação, as avaliações externas, desde a formação do professor, tudo parece levar o professor a adotar outro tipo de aula de matemática.
Olhando as narrativas, a maioria que teve um contato interessante com materiais manipuláveis foi na graduação com um ou dois professores, é na graduação que eles têm a experiência de conhecer o material, mas a experiência de aprender matemática com material quase ninguém tem. Algum ou outro vai lembrar da educação infantil, mas é uma memória que ela vem porque os questionei durante a entrevista, e essa lembrança não permanece, ou seja, alguns sujeitos nem sequer tocaram no assunto se eu não tivesse insistido para que ele falasse. Então, do ponto de vista do trabalho do professor, podemos afirmar que é pouco presente no trabalho do professor nas escolas, por uma série de motivos, entre eles seria a própria formação ou preparo que o professor tem para aquilo, as condições de trabalho, as pressões, então está tudo interligado.
Mas a ideia não é culpabilizar os professores, mas em certa medida é preciso haver melhores condições de trabalho, a escola precisa estar aberta a isso, ter espaços adequados, por exemplo, as salas de aulas com carteiras comuns, aquelas que contém apenas um braço, estão longe de ser ambientes adequados para esse tipo de prática. Entretanto, é preciso que haja um esforço dos próprios professores em estudar, de criar um ambiente lá na escola, de procurar construir uma cultura com melhores práticas de aula.
Em cada entrevista narrativa eu pensava e tentava entender o que se passava com cada um deles e,
Ao escutarmos nossos colegas, estamos nos escutando, (re)construindo identidades, (re)fazendo laços, tecendo nossas próprias teias docentes, nos reconhecendo, ou não, nas teias já tecidas e em tantas outras que ainda virão. Porque o saber desses nossos companheiros é um reconhecimento de aproximação e de ajuda que nos permite constituir o nosso lugar (PAULA; AUAREK, 2012, p. 34).
Ao escutar o que se passa com cada um dos meus colegas professores de Matemática é também ouvir a nós, compartilhamos de sentimentos e vivências semelhantes. Nas entrevistas não era apenas um professor ou professora que narra sua trajetória convertendo sua vida em um simples texto, “era um homem ou mulher que narrava suas trajetórias. Todos relatavam experiências, emoções, impressões colhidas em suas vidas” (PAULA; AUAREK, 2012, p. 34).
Ao final de cada entrevista eu me sentia marcada pelas histórias que ouvia, pois elas me faziam refletir, me provocavam. Cada entrevista foi única, mas em muitos momentos eu tive a impressão de que cada professor era tão igual a mim e ao mesmo tempo tão diferente, pois por meio dos relatos eu revivi algumas lembranças que caíram no esquecimento.
E para fechar esse ciclo, me apoio em Ferreira e Araújo (2012), quando afirmam que precisamos garantir que a voz do professor seja ouvida, pois dessa maneira “estamos recuperando a identidade do professor e mostrando que o principal ingrediente que vem faltando nas pesquisas na área de educação é a voz do professor” (FERREIRA; ARAÚJO; 2012, p. 215).