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CURSANDO LICENCIATURA EM MATEMÁTICA:

Narrativas de egressos

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3. NARRATIVAS QUE INSPIRAM

Ser professor – profissão que fascina, que nos mobiliza para continuarmos na caminhada, mas que também nos adoece, diante da impotência de não dar mais conta de nossas funções, cada vez maiores, impostas pelos diferentes sistemas de ensino. Os alunos não são mais os mesmos de outrora. Não estamos conseguindo acompanhar sua evolução! Nossa formação, cada vez mais deficitária... Não temos tempo para buscar nosso próprio desenvolvimento profissional: a carga de trabalho semanal não nos permite participar de grupos de estudos, sentar com nossos pares para planejar juntos, trocar experiências. A sociedade, cada vez mais, culpabiliza o professor pelo baixo rendimento dos alunos nas avaliações externas... De onde tiramos tanta energia para continuar nos movimentando?
(NACARATO, 2013, p. 12)

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Em cada entrevista eu me sentia marcada pelas histórias que ouvia, pois elas me faziam refletir e algumas vezes me sentia provocada pelas histórias. De acordo com Paula e Auarek (2012, p. 35), as histórias ouvidas nas entrevistas, “elas nos provocam transformações, desencadeavam reflexões sobre nós mesmos, num processo de autoanálise, em que nos perguntávamos sobre o que havíamos escutado e sobre a nossa própria condição e experiência de professores de Matemática”.

Nós somos profissionais em formação, com isso gostamos de contar e escutar a história do outro, e através desse movimento de compartilhar e ouvir o outro, podemos extrair alguns ensinamentos que contribuem para a melhoria da nossa prática. Nas entrevistas narrativas, ao ouvir a história do outro fui lembrando de acontecimentos em minha trajetória, que me levaram a refletir.

A nossa trajetória na educação básica também teve momentos semelhantes e que nos marcaram de alguma forma, pois tivemos algum professor ou professora que nos influenciou e incentivou a seguir o caminho da docência. Como podemos observar no relato de Osvaldo:

[...] tem essa impulsão aí dos meus professores que eu tive, mais forte a imagem do Simão e da Tatiana, que foram as pessoas que me incentivaram. Tive contato com o Simão no final do terceiro ano, troquei uma ideia com ele, ele me incentivou também, ele era uma referência para mim.

Vivenciei uma situação similar, pois como já comentei, o gosto pela profissão teve influência de um professor da quinta série que me marcou muito, eu lembro que ele foi capaz de me mostrar a beleza que existe na matemática.

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A nossa formação na educação básica, se baseava em aulas expositivas, com o uso do quadro, giz, livro, exercícios e talvez porque tivemos essa formação, reproduzimos ainda esse tipo de metodologia em nossas aulas, e Ricardo relata isso:

As aulas eram bastante tradicionais, não muito diferente do que eu faço hoje. As aulas eram expositivas, a professora dava tempo para gente fazer os exercícios.

Então, a nossa trajetória escolar no Ensino Fundamental e Médio, a maioria das aulas que tivemos foram expositivas, sem o uso de uma metodologia diferenciada, como por exemplo, algum material manipulável, jogos etc. Esse contato com metodologias diversificadas aconteceu dentro da universidade, tanto em projetos do PET quanto em algumas disciplinas do curso.

Um dos acontecimentos que retornaram a minha mente como se eu tivesse voltado no tempo foi a história da Marina.

Terminei o Ensino Médio e já entrei na universidade com 17 anos no curso de licenciatura em matemática no ano de 2012. E nessa época eu já trabalhava fora, trabalhava muito, entrava de madrugada, estudava à noite, andava de ônibus e era muito cansativo. Trabalhava de vendedora, e era muito cansativo, eu não conseguia estudar.

Na universidade com 17 anos, eu era muito dedicada, estudava bastante, mas não era o suficiente. Na verdade, quando a gente entra na faculdade, principalmente no curso de matemática, a gente tem a sensação de que a gente não sabe estudar, da forma como esperam que a gente faça. Então é mais ou menos esse sentimento que eu tinha quando eu comecei.

Então, no primeiro ano eu fui muito mal, muito mal mesmo, reprovei em todas as disciplinas, aliás, passei em uma que é a Introdução à Computação e aí foi onde eu fui me questionar: Será que eu estou no curso certo?

Foi muito difícil, eu tomei uma grande decisão, junto com a minha família, de largar esse emprego e me dedicar. Se eu quisesse continuar, eu precisava me dedicar mais, então eu saí desse trabalho que eu tinha e fiz o processo seletivo do PETMAT, e consegui ficar na lista de espera, fiquei três meses de voluntária e depois consegui a bolsa.

No PET como a gente faz bastante trabalho, fizemos bastante trabalho em grupo e com isso, com essa vivência da universidade e do grupo em si, os estudos coletivos, a graduação começou a dar certo, começou a caminhar. Fui entendendo o meu lugar dentro da instituição. Foi praticamente um ano perdido no começo e eu consegui formar com cinco anos na graduação.

Ao ouvir esse relato da Marina, algumas lembranças voltaram à minha memória e pude notar quantas semelhanças no processo. Ingressamos na universidade com uma certa imaturidade, e tivemos que lidar com novas responsabilidades em relação aos estudos, mas ainda tinha a questão do emprego. Hoje temos mais facilidade de conciliar estudos e trabalho, mas naquela época não tínhamos maturidade para isso, e tivemos que renunciar ao nosso emprego para estudar. Não foi uma decisão fácil, pois havia pessoas envolvidas nessa história que de certa forma dependiam da nossa renda.

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Ao reler esse relato me questionei: quantos jovens ou até mesmo adultos têm o sonho de estudar, fazer um curso superior, mas não podem por questões de emprego ou por outras situações? Diante deste cenário, quero ressaltar o papel das políticas de permanência na universidade, o quanto o grupo PET foi necessário naquele momento para mim e para a Marina.

Na frase dita por Marina: a graduação começou a dar certo, começou a caminhar. Lembrei que foi exatamente dessa maneira, depois que entrei no PET o rendimento acadêmico melhorou, de certa maneira a convivência em grupo nos levou a estudar, cada um se ajudava de acordo com as dificuldades. Como consequência, aconteceu o que Marina afirmou: fui entendendo o meu lugar dentro da instituição.

Da mesma maneira, Eduardo comenta sobre a melhoria nos estudos, como observamos a seguir:

A partir do momento que eu entrei no PET, eu comecei a me dedicar mais a universidade e isso me ajudou, tanto que a minha média global em pouco tempo depois que eu entrei no PET já tinha praticamente dobrado, então me ajudou muito nesse quesito.

Através desses relatos, percebemos que o estudante que participa de um grupo PET tem mudanças notáveis em sua vida acadêmica, de acordo com Ferreira e Monego (2013).

A narrativa de Ricardo enfatiza ainda mais a importância de programas como o PET:

O PET teve muita importância para mim no início à docência, porque eu era do projeto de Matemática Básica, sempre me vi nele quando eu entrei, saí de estagiário, quando eu fui estagiário eu não escolhi, mas quando eu saí de estagiário e entrei como bolsista eu já tinha um projeto garantido porque eu já estava trabalhando no Matemática Básica. Tanto a produção de material foi importante para mim, hoje eu trabalho com produção de material também, quanto a parte de sala de aula, foi meu primeiro contato com sala de aula, foi lá que eu pensei no tema do meu TCC, meu TCC foi sobre EJA e Resolução de Problemas.

O trabalho em equipe, o contato com congressos e esses eventos, ele me deu experiência de universidade que sem o PET eu acho que não teria, porque dá para fazer, passar pela universidade só cumprindo ali com as disciplinas. Inclusive, eu estudava no vespertino, hoje minha esposa está cursando Geografia lá e ela curso no noturno e é uma angústia deles, eles não vivem a universidade e o PET me trouxe muito essa vivência de universidade, vivência de coletividade, de encontrar esses ambientes, a gente discutia também a universidade de forma política, que é algo que você já percebeu que eu gosto muito, de entender a universidade como universidade não só como faculdade, o universo que ela representa para o estudante.

Na verdade, seu relato enfatiza mais uma vez a relevância de programas como o PET, o PIBID, a Residência Pedagógica e outros que de certa forma contribuem para a permanência de estudantes na universidade, além disso são importantes para a formação inicial do aluno.

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Ricardo, em sua fala, afirmou: o PET me trouxe muito essa vivência de universidade. Essa declaração me trouxe lembranças que vivenciei no período do curso, mas eu percebi que se não estivesse no PET não teria experimentado, ou seja, a minha graduação consistiria em apenas ir para a universidade, assistir às aulas e voltar para casa, assim como foi no primeiro semestre.

Dentro do grupo PET descobri outros espaços da universidade que são voltados para a comunidade acadêmica, por exemplo, eu e alguns colegas fizemos academia, iniciamos um curso de inglês, participei de um grupo de Circo, visitamos novos espaços de estudos, então são situações que fomos explorando aos poucos. Dessa forma, a participação no PET, foi além da formação acadêmica, pois vivenciamos outros ambientes. Além disso, o grupo nos mostra a importância de participar dos congressos, de apresentar trabalhos em eventos acadêmicos, de aproveitar e valorizar cada espaço.

Larissa, declarou em sua narrativa que o grupo lhe ajudou a ter certeza da sua trajetória profissional, como mostra o relato a seguir:

[...] a experiência do PET, foi uma experiência que não é todos que tem essa mesma oportunidade, [...] primeiro eu caí de paraquedas no curso, então eu nem sabia que eu queria ser professora.

E no grupo PETMAT, com a orientação do Zé Pedro é que eu fui entender o que era realmente a Licenciatura, o que era o Bacharelado, o que era ser professor, em quais áreas eu podia atuar. Então, o conhecimento é que me fez entender que eu queria ser professora, eu só não tinha essa noção de como é que era, então foi o PET que abriu as portas assim para eu compreender o que é ser professor mesmo.

Enquanto examinava a afirmação da Larissa, me veio à mente que muitos alunos passaram e passam por situações semelhantes, em relação a ter dúvidas sobre a escolha do curso, e o grupo PET nos deu a oportunidade de vivenciar experiências, que muitas vezes, não fazem parte do currículo convencional. Mas, quando Larissa abre seu coração e afirma: eu caí de paraquedas no curso, então eu nem sabia que eu queria ser professora. Isso revela que sua participação em atividades dentro do grupo lhe mostrou que ela estava no caminho certo em relação à sua escolha profissional, mas foi algo descoberto pelos conhecimentos adquiridos ao longos das vivências no grupo e com ajuda do professor tutor. Isso me fez refletir: quantos estudantes iniciam a graduação e ainda não tem certeza da escolha do curso? Quantos desistem ou trocam de curso, por não ser aquilo que esperava? Ou ainda, quantos permanecem até o final, mas não seguem a carreira profissional?

Então, é essencial que todo aluno, independente da escolha do curso, vivencie ações que ampliam a visão sobre a profissão e o mercado de trabalho, ou seja, situações que proporcionem uma visão diferente daquela vivenciada apenas na sala de aula. Dessa maneira, o estudante terá certeza da escolha da profissão, como aconteceu com a Larissa.

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Até o momento, apresentei através dos relatos algumas marcas que o grupo PET deixou na trajetória dos protagonistas, mas também quero ressaltar algumas marcas que alguns professores do curso de graduação deixaram, por exemplo, no caso do Ricardo e da Marina. Observe a afirmação da Marina, a seguir:

Em 2013, [...] eu conheci um professor que me incentivou muito, o professor Wellington. Ele sempre teve um olhar para os meus questionamentos, um olhar atencioso e me deixava em certos momentos mais intrigada ainda com algumas questões. Então foi uma figura dentro da minha formação desde 2013 muito importante, dentro da minha formação.

Marina em seu relato, evidencia a importância desse professor para a sua formação, isso enfatiza o que Dominicé (2014) defende, sobre o quanto somos constituídos por muitas marcas, e essas marcas deixadas pelas pessoas têm impacto em nossas vidas, nas nossas decisões e em nossas escolhas.

Na nossa trajetória dentro do curso de graduação percebemos, que muitos colegas e professores nos deixaram marcas, sejam elas positivas ou negativas, e de certa maneira, exerceram influência em nossa existência, além disso, participaram de algum momento importante de nossa vida.

Ricardo trouxe lembranças sobre professores e disciplinas do curso, que deixaram marcas em sua trajetória na graduação, como mostra o relato abaixo:

Geometria euclidiana me marcou muito com o Romildo, você sabe como que é o Romildo, um excelente professor, e foi o que me tocou muito para a área da matemática pura, porque a gente foi vendo a construção matemática, a construção lógica dos argumentos e tudo mais, dos axiomas, só da gente pensar que começa por uma base tão simples e constrói algo muito, muito grande. No primeiro período a disciplina que eu tenho lembrança é essa. Teve também Geometria analítica que me marcou negativamente, mas por causa do professor, que reprovou muita gente, foi uma disciplina difícil, mas não reprovei no primeiro período.

Ele traz algumas memórias do seu primeiro período do curso, enquanto um professor deixou marcas positivas, outro o marcou de forma negativa. Dessa maneira, podemos relacionar essa situação com a nossa prática em sala e nos questionar: será que estamos deixando marcas positivas ou negativas no processo de formação dos nossos alunos? Estamos despertando o interesse dos estudantes por meio da matemática?

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O professor de Geometria Euclidiana, o Romildo, deixou marcas também no Osvaldo, em sua narrativa ele expõe uma situação que aconteceu nessa disciplina do primeiro período, observe a seguir:

[...] Geometria euclidiana foi com o Romildo e assim, a demonstração na Geometria para mim era um desafio, escrever em prova os axiomas, articular, enfim, foi um desafio. Só que eu passei, porém eu passei porque o Romildo deu duas provas substitutivas e fui muito bem, só que não dava para passar, eu tinha ficado com 5,6 na média. Ele olhou para a minha prova e disse assim: “meu filho você está aprendendo, você está entendendo o que é o método de prova, vou te dar outra chance”. Então, eu peguei as provas antigas e estudei, ele colocou questões repetidas, fui lá e fui bem na prova, tirei 10 e fiquei com 6,2 na média final.

Essa experiência me marcou, dele ter valorizado, estava no primeiro período, vai que eu reprovava na matéria, desanimo e largo o curso, matemática já é um negócio fácil de desistir.

Muitos egressos do curso de licenciatura em matemática da UFG que tiveram o privilégio de ser aluno(a) do Romildo, sabem o quanto ele nos inspira, nos mostra a Geometria de forma leve e bela. Tive a oportunidade de fazer duas disciplinas com ele e a cada aula ficava encantada com o seu modo de ensinar, essa admiração aumentou ainda mais quando ele nos contou sua história, levava uma vida simples no interior, mas isso não o impediu de avançar nos estudos e se tornar professor titular da universidade.

Levando essa situação para a nossa prática, sabemos que o professor deixou de ser o detentor do saber e assumiu o papel de mediador do conhecimento, dessa forma ele auxilia o aluno no processo de aprendizagem. Provavelmente foi isso que o Romildo fez com o Osvaldo e com muitos outros alunos, e devemos nos esforçar e ter essa empatia com o nosso aluno em sala, valorizando seu conhecimento e seu esforço.

No curso de graduação, tivemos principalmente nas disciplinas específicas da licenciatura, uma formação progressista, no qual o indivíduo é considerado um ser que constrói a sua própria história. Os protagonistas desse e-book utilizam em sua prática na sala de aula metodologias que consistem em desenvolver atividades de ensino, em que o professor não é o centro do processo, mas que o aluno se torna sujeito do seu aprendizado.

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Dentro da universidade tivemos alguns professores que utilizaram ou apresentaram para a turma o uso de materiais manipuláveis, então, esse contato inicial foi dentro do grupo PET ou de alguma disciplina do curso. Com isso, tentamos levar esse conhecimento para nossos alunos em sala de aula, mas há uma pressão por parte da escola ou Secretaria em preparar os alunos para os exames e avaliações do sistema nacional, principalmente o ENEM e os vestibulares. Dessa maneira, leva o professor e o aluno a serem meros reprodutores do conhecimento, com isso há uma ênfase no resultado, na memorização do conteúdo estudado e muitas vezes isso não faz sentido para o aluno.

Sabemos que o ensino ideal que almejamos não é centrado apenas nos conteúdos, nas atividades e no resultado final, sem levar em consideração o nosso aluno. Mas muitas vezes nos vemos em um “beco sem saída”, pois há uma pressão e uma cobrança que parte de cima para baixo, dessa forma temos uma postura mais conservadora, dando ênfase ao papel ativo do professor, menosprezando o fato de que o aluno é um sujeito ativo. Nos tornamos, mesmo sem querer, mais obedientes ao livro didático, às listas de exercícios pré-estabelecidas e às avaliações externas.

Osvaldo, em seu relato, se enxerga como um professor em constantes conflitos, pois sempre se esforça para utilizar em sala de aula tudo que o aprendeu nos ambientes acadêmicos ou das disciplinas cursadas, mas existe uma barreira que às vezes o impede de colocar esse aprendizado em prática, como ele mesmo relata a seguir:

O professor Osvaldo é um professor em constante conflitos, eu acho que é isso, e tento sempre pesar dentro de sala tudo que eu aprendi na minha trajetória, inclusive no PET, no Clube, no Cálculo, no meu estágio, no meu TCC nessa perspectiva de trazer mais sensibilidade, mais humanidade para o ensino, ao mesmo tempo que eu esbarro totalmente na dinâmica de organização das escolas e nos objetivos do Estado enquanto educação.

Quando ele afirma: “tento sempre pesar dentro de sala tudo que eu aprendi na minha trajetória”, me vejo na mesma situação que ele, então é uma angústia que carrego também, pois por diversas vezes queremos ensinar de uma maneira diferente, ir além da aula expositiva apenas com quadro e giz, usar uma metodologia diferente, mas nem sempre temos essa liberdade, pois temos um currículo a cumprir, um livro didático para terminar, provas externas que os alunos precisam sair bem, então, eu compartilho desse mesmo sentimento que o professor Osvaldo.

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Apresentamos até aqui, trechos das narrativas dos professores, que permitisse uma reflexão sobre as marcas deixadas durante a graduação, dando ênfase para os aspectos das políticas de permanência na universidade e alguns episódios de sala de aula, com o intuito de auxiliar outros professores em suas reflexões. No próximo capítulo, apresentarei uma breve reflexão sobre o que vivenciei e aprendi no mestrado.