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CURSANDO LICENCIATURA EM MATEMÁTICA:

Narrativas de egressos

AVANÇAR

1. QUANDO VOCÊ CRESCER

O que você vai ser
Quando você crescer?

Raul Seixas

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Quando somos crianças, desde cedo nos perguntam sobre qual profissão queremos seguir. Até chegarmos ao momento da escolha, mudamos de ideia algumas vezes. Eu acredito que existem algumas carreiras que habitam a imaginação infantil e se destacam entre as demais, por exemplo, médico, professor, policial, bombeiro…

Durante a minha infância já quis ser bombeira, mas acabei desistindo por ser uma profissão que precisa superar limites, não temer e arriscar diariamente a própria vida pelo outro. Ainda durante a infância, minha trajetória para a docência foi se construindo, primeiro pelas brincadeiras, eu, minhas irmãs e algumas primas brincávamos de escolinha e muitas vezes eu gostava de ser a professora. Em seguida, o gosto pela profissão teve influência de um professor da quinta série que me marcou muito, eu lembro que ele foi capaz de me mostrar a beleza que existe na matemática. Então mesmo não tendo uma noção clara da profissão, eu já sabia que queria ser como aquele professor. Na minha dissertação eu conto com mais detalhes algumas lembranças da minha trajetória, desde a infância até a minha chegada na pós-graduação.

Neste primeiro capítulo quero trazer algumas lembranças marcantes sobre a minha trajetória na graduação e alguns desafios que o professor que ensina matemática enfrenta no contexto atual.

O gosto pela matemática foi aumentando com o passar dos anos, eu achava tudo simples e fácil, ao contrário dos meus colegas de turma, que achavam tão difícil. Diversas vezes eu ajudei meus colegas com tarefas, expliquei conteúdos que eles não haviam aprendido. E foi assim até o meu último ano no Ensino Médio e ficou claro na minha mente que eu queria seguir o caminho da docência em matemática. Eu acredito que muitos que entram na universidade e escolhem esse curso vivenciaram uma situação semelhante a essa, pois não faz sentido se matricular em matemática se você não gosta.

No entanto, eu cheguei muito imatura na universidade, eu simplesmente fiz o vestibular, mas não sabia como era o andamento do curso, não tive alguém para me orientar quanto a isso, principalmente em relação às disciplinas, pois eu achava que seria uma continuidade dos conteúdos do Ensino Médio. Hoje eu olho para trás e percebo que uma boa orientação em relação ao curso faz falta. Enquanto refletia sobre isso, me questionei: quantas pessoas já desistiram do curso?

São vários fatores que contribuem para a evasão do curso de matemática, sabemos que existem fatores sociais, econômicos que refletem na decisão do aluno em desistir do curso. Mas eu percebo que o déficit de aprendizagem lá no ensino básico contribui para as dificuldades no ensino superior, e isso vale para qualquer curso. Eu passei por isso, me vi ao ponto de renunciar à minha vaga na universidade, pois aquele brilho e aquele gosto que eu tinha pela matemática foi sumindo, é como se eu não soubesse estudar. Então os primeiros períodos do curso foram difíceis, pois precisei me adaptar ao ritmo do curso. Além disso, consigo enxergar que existem dois lados nessa situação, de um lado o sentimento de alegria por ter batalhado e conseguido a aprovação no curso e, por outro lado, tem uma frustração por não ser aquilo que esperava.

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De acordo com Silva Filho et al. (2007), a evasão é um problema que atinge muitas instituições de ensino:

A evasão estudantil no ensino superior é um problema internacional que afeta o resultado dos sistemas educacionais. As perdas de estudantes que iniciam, mas não terminam seus cursos são desperdícios sociais, acadêmicos e econômicos. No setor público, são recursos públicos investidos sem o devido retorno. No setor privado, é uma importante perda de receitas. Em ambos os casos, a evasão é uma fonte de ociosidade de professores, funcionários, equipamentos e espaço físico. (SILVA FILHO et al., 2007, p.642).

Analisando as minhas memórias, uma das coisas que me ajudou a permanecer e não desistir do curso foi o grupo PET, isso mostra o quanto é necessário a permanência desse tipo de Programa dentro universidade, pois permite aos bolsistas uma formação mais ampla, possibilitando a formação de um profissional crítico e atuante, e os documentos normativos que orientam a educação tutorial no Brasil corroboram com isso:

O método tutorial permite o desenvolvimento de habilidades de resolução de problemas e pensamento crítico entre os bolsistas, em contraste com o ensino centrado principalmente na memorização passiva de fatos e informações, e oportuniza aos estudantes tornarem-se cada vez mais independentes em relação à administração de suas necessidades de aprendizagem (BRASIL, 2006, p. 6).

As vivências mais marcantes na graduação, eu considero que estavam relacionadas ao grupo PET. Mas de modo geral, o curso me proporcionou conhecimentos e principalmente vivência com a rotina em sala de aula, então é algo que eu considero importante, pois você não vai tão “cru” para a sala de aula. Então, enfatizo a relevância de políticas de permanência na universidade, como o PET, o PIBID, a Residência Pedagógica e outros que de certa forma contribuem para a formação inicial do professor.

Em seguida, chega o momento da transição de aluno a professor, em que corresponde aos três primeiros anos de magistério, e de acordo com Rocha e Fiorentini (2005), “é comum nesse período o sentimento de insegurança, medo e de despreparado profissional, geralmente relacionado, entre outros fatores, ao distanciamento entre a teoria vivenciada nos cursos de formação e o dia a dia da cultura escolar” (p. 4).

Nos primeiros anos da minha vida profissional, principalmente o primeiro ano, me deparei com essa insegurança, alguns desafios, mas também aprendizados sobre mim mesmo e sobre o que é ser professor. Os autores Rocha e Fiorentini (2005), afirmam que “o processo de aprender a ensinar provém de múltiplas e complexas interações configurando um contexto de prática marcado por dúvidas, medos e ansiedades” (p. 8).

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Um fato que eu percebi que aconteceu no início da minha trajetória, foi o quanto o professor fica preso às exigências da escola ou da Secretaria de educação. É como se essas exigências o impedissem de exercer sua principal atividade, que é ensinar e tentar garantir a aprendizagem dos alunos. Me veio à mente o que Nacarato (2013) escreveu sobre o fato de a instituição escolar estar em constantes crises, principalmente, no ensino de matemática.

No caso particular do ensino de matemática, podem-se acrescentar algumas evidências dessa crise, postas pelos governantes e veiculadas pela mídia, tais como baixo rendimento dos alunos em matemática, professores despreparados, material didático inadequado; e, como soluções, “treinamentos” para professores, avaliações externas para mensurar “competências”, bônus salariais de acordo com o rendimento dos alunos nas avaliações externas etc. A força com que essas evidências e soluções são apontadas de forma insistente acaba por fazer que as introjetemos e comecemos a incorporá-las em nossos discursos; (NACARATO, 2013, p. 13).

Quando li essa afirmação da autora, eu senti que ela estava descrevendo em detalhes o que passei no início da minha trajetória profissional e o que nós professores ainda vivenciamos. Quantas vezes já passou pela cabeça de cada professor abandonar a profissão? Mesmo diante dessa situação, que muitas vezes nos faz querer desistir, no dia seguinte estamos de volta à escola, porque acreditamos no poder da educação. E dessa maneira, seguimos nossa trajetória profissional, percebendo que temos grandes desafios, e um deles é “dar sentido à escola para a maioria de crianças e jovens que dela fazem parte” (NACARATO, 2013, p. 19).

No próximo capítulo, será apresentado alguns episódios do percurso de formação profissional de cada um desses protagonistas, que têm um compromisso com o ensino de matemática de adolescentes, jovens e adultos de vários níveis da educação básica, das escolas públicas da cidade de Goiânia.

Notas

1.Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid). O programa oferece bolsas de iniciação à docência aos alunos de cursos presenciais que se dediquem ao estágio nas escolas públicas e que, quando graduados, se comprometam com o exercício do magistério na rede pública. O objetivo é antecipar o vínculo entre os futuros mestres e as salas de aula da rede pública. Com essa iniciativa, o Pibid faz uma articulação entre a educação superior (por meio das licenciaturas), a escola e os sistemas estaduais e municipais.

2.O Programa de Residência Pedagógica é uma das ações que integram a Política Nacional de Formação de Professores que visa induzir o aperfeiçoamento da formação prática nos cursos de licenciatura, promovendo a imersão do licenciando na escola de educação básica, a partir da segunda metade de seu curso.