sumário Imprimir / salvar em PDF

O Estudo no Contexto Clínico

Autores
Eliane Rabelo
Rejane de Carvalho Santiago
Alessandra Naghettini
21

O cenário atual de ensino na saúde apresenta a necessidade de formação de pessoas criativas frente às complexidades do mundo. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) impulsionam essa formação inovadora orientando que o estudante deve ser estimulado a conhecer os problemas do mundo atual, desenvolvendo senso crítico, competência reflexiva e capacidade de transformar a realidade que vive (BRASIL, 1996; BRASIL, 2001).

A transformação das práticas profissionais torna-se possível quando, durante o momento de formação do estudante, o mesmo realiza uma reflexão crítica sobre as práticas reais de profissionais reais em ação na rede de serviços (Haddad, Roschke e Davini, 1994). Com isso, conclui-se que os processos de qualificação do pessoal da saúde devem ser estruturados a partir da problematização do seu processo de trabalho. (CECCIM, FEUERWERKER, 2004).

A aprendizagem realizada no contexto clínico é uma estratégia de aprendizado ativo que envolve a exploração de cenários de casos reais. As situações da vida real fornecem ao aluno a história e os sintomas de pacientes, juntamente com os sinais clínicos, os dados das investigações laboratoriais e todo o contexto sócio-clínico que permite uma experiência interativa, centrada no aluno, sendo o professor um facilitador do processo de aprendizagem (SINGHAL, 2017).

Por que fazer?

É importante a implementação do estudo baseado no contexto clínico, pois ele converge com a necessidade dos currí­culos mais inovadores de priorizar métodos de ensino e aprendizagem ativos e participativos, construídos segundo práticas educacionais volta­das à educação problematizadora e que possuem como pilar funda­mental a participação crítico-reflexiva do aluno. A educação problematizadora trabalha a construção de conhecimentos com base na vivência de experiências significativas, e essas experiências podem ser proporcionadas por métodos alternativos a aprendizagem baseada em problemas (PBL) e a metodologia da problematização (MP). Entre estas estratégias alternativas estão a Discussão de Casos Clínicos, Aprendizagem por Projetos, Aprendizagem por Pesquisa, Casos Motivadores, OSCE, (HOKAMA et al., 2018).

Este tipo de método centrado no aluno, problematizador, permite conhecer os saberes prévios do grupo frente ao contexto clínico apresentado, além de identificar necessidades de aprendizagem, construir novos significados e saberes. Ressalta-se também a relevância de se desenvolver competências específicas para o autoaprendizado. (HOKAMA et al., 2018). É muito útil no ensino de disciplinas básicas e pré-clínicas na área de saúde, conduzindo o aprendizado por meio de situações do cotidiano e da futura prática profissional, além de ser mais eficiente do que o PBL nas etapas mais avançadas do curso. Permite discutir e antecipar competências e habilidades futuras, além de proporcionar novas dimensões teóricas e práticas às vezes não previstas, possibilitando ao aluno criar a perspectiva da prática no momento em que tem contato teórico com o conteúdo da disciplina. “É uma metodologia problematizadora mais versátil que o Problem Based Learning (PBL), pois pode ser inserida num curso tradicional (Lecture Based Teaching), não se tornando, assim, a única estratégia didática”. (HOKAMA et al., 2018).

O que fazer?

O contexto clínico, em geral envolve a abordagem de casos clínicos de diversas formas. Os casos clínicos são situações reais ou imaginárias, com dados resumidos e com intencionalidade cognitiva, cujo objetivo é intro­duzir ou demonstrar determinado conhecimento. O Caso Clínico é ilustrador da teoria, isto é, insere a prática na teoria, extrai os elementos da prática e os apresenta de forma fechada (como uma colagem), é extraído da clínica ou da idealização da teoria. (HOKAMA et al., 2018).

22

 Os estudos de casos podem ser considerados em dois tipos: os estudos de casos formais utilizados por pesquisadores para descrever, analisar e entender determinados fenômenos; e os estudos de casos informais apropriados para a prática clínica, quando se deseja analisar ou descrever uma situação particular, identificar problemas em determinados campos, observar mudanças e explorar as causas.

Chamamos de estudos de casos formais uma diversidade de pesquisas que têm por objetivos coletar e registrar dados de um ou vários casos, a fim de organizar um relatório ordenado e crítico, e avaliar profundamente os dados coletados, com o objetivo de tomar decisões e propor ações transformadoras. (GALDEANO,2003).

Já os estudos de casos clínicos informais, são os estudos aplicados na assistência direta de medicina, enfermagem com o objetivo de realizar um estudo intenso dos problemas e necessidades do paciente, família e comunidade, adaptando subsídios para médicos e enfermeiros estudarem a melhor tática para resolver ou reverter os problemas identificados. (GALDEANO,2003).

O estudo de caso clínico tem como objetivo  fundamentar as ações ,  proporcionar uma assistência individual e personalizada, na qual o paciente é visto como um ser único e não como um conjunto de sinais e sintomas; proporcionar um elo entre as diversas áreas que atuam de forma intervencionista nos problemas do paciente, ou seja, melhorando a relação interdisciplinar da equipe; propicia uma familiarização do profissional com a literatura científica, utilizada para embasar suas decisões; contribui na formação da educação permanente  do corpo clinico, através   de conhecimentos previamente adquiridos, pois os registros e arquivos dos estudos de casos podem ser utilizados como referência futura e contribuem para melhorar o desempenho da equipe. O estudo de um caso permite que o profissional observe, entenda, analise e descreva uma determinada situação real, adquirindo conhecimento e experiência que podem ser úteis na tomada de decisão frente a outras situações. Espera-se que com essa metodologia de ensino o profissional adquira conhecimento e experiência para tomar decisões e resolver os problemas identificados no estudo de caso. É uma estratégia de ensino humanista e problematizadora, que contribui de forma muito positiva para a formação do aluno, profissional, pois, aumenta o conhecimento teórico-prático referente à assistência, estimula a autonomia na tomada de decisões, na solução de problemas e no conhecimento referente à metodologia científica (GALDEANO,2003).

 

Como fazer?

23

1º) Definir os objetivos de aprendizagem

A abordagem do contexto clínico dependerá dos objetivos de aprendizagem que serão traçados e estes estão ligados diretamente ao conhecimento prévio do aluno e à etapa em que ele se encontra no currículo. Dentre os objetivos destacam-se a habilidade de coletar da história clínica, de executar o exame físico, o domínio de procedimentos técnicos, a aptidão para lidar com conflitos éticos e realizar o raciocínio clínico em busca de hipóteses diagnósticas, além da capacidade de sugerir exames complementares e terapias pertinentes ao caso. Os resultados de aprendizagem esperados devem ser definidos e comunicados ao aluno.

2º) Buscar oportunidades e locais de aprendizagem

Oportunidades apropriadas, formais e informais, devem ser agendadas no plano de trabalho dos alunos e o local de abordagem do contexto clínico deve ser selecionado para propiciar um ambiente de aprendizado adequado aos objetivos propostos (mais adiante será abordado com maior especificidade o “Onde posso usar”). O aluno deve se sentir à vontade para expor suas opiniões e dúvidas sobre o caso, o que exigirá um ambiente aberto à discussão.

3º) Guiar o aprendizado através de perguntas direcionadas

Para alcançar os objetivos propostos o professor/tutor pode direcionar o aluno através de perguntas norteadoras que busquem:

  • Despertar o interesse do aluno: “Você acha que um paciente com hipertireoidismo deve realizar consultas de rotina com que frequência?”
  • Testar o conhecimento do aluno sobre o assunto: “Este é um sinal confiável de hipertireoidismo?”
  • Promover o entendimento do aluno, sua reflexão sobre o assunto e estimular uma visão crítica: “Quais opções terapêuticas seriam apropriadas para o caso e por quê?”
  • Encorajar o aluno a relacionar a teoria à prática: “Qual a justificativa para a taquicardia do paciente?”
  • Estimular a comparação de diferentes pontos de vista: “Qual a diferença entre este paciente e o paciente que vimos anteriormente?”
  • Consolidar o conhecimento estimulando o aluno a rever e resumir os conceitos apresentados: “O que você aprendeu com a experiência de hoje?”

Após a realização das perguntas é necessário ofertar de 3 a 5 segundos para que o aluno tome a iniciativa da resposta: o professor deve ser um bom ouvinte.

4º) Dar o feedback da atividade realizada

É de suma importância informar o aluno sobre seu desempenho e orientá-lo a respeito do que pode ser melhorado. O feedback deve ser dado habilmente buscando incentivar o aluno e impulsioná-lo ao aprendizado. Ele pode ser dado imediatamente ao estudante. Nos cenários de aprendizagem em que o paciente está envolvido, o próprio paciente pode também fornecer feedback para o aluno sobre suas técnicas, atitudes e habilidades de comunicação.

Outra estratégia para abordagem do ensino no contexto clínico é o modelo Preceptoria em um Minuto. Ele é um modelo de preceptoria em ambulatórios que “possibilita ao preceptor transmitir a seus alunos, em curto espaço de tempo e de maneira eficaz, valiosas informações médicas, ao mesmo tempo em que lhe permite melhor conhecimento das características do grupo de estudantes” (CHEMELLO et al., 2009). O método consiste na aplicação, em curto espaço de tempo, de 5 etapas:

  1. Comprometimento com o caso: realizar perguntas abertas que permitam avaliar a interpretação do aluno sobre o caso (“O que você acha que está acontecendo com o paciente? Qual a sua ideia sobre a conduta tomada?)
  2. Busca de evidências concretas: questionar ao aluno os motivos que o levam a definir tal diagnóstico ou conduta (Por que você acha isso? O que mais você considera a respeito deste caso?)
  3. Ensine regras gerais: iniciar com conhecimentos básicos e progredir com assuntos mais complexos, à medida que as habilidades dos alunos também aumentam, o que instiga a pesquisa e, assim a continuidade da busca do conhecimento.
  4. Reforce o que está correto: realizar feedback positivo, pois estimula a autoconfiança e a busca de novos conhecimentos.
  5. Corrija os potenciais erros: essencial, porém deve-se buscar abordar os erros de forma menos desagradável possível, com sugestão para melhoria e abertura para auto-crítica.
24

Onde posso usar?

O estudo através de casos clínicos pode ser utilizado em diversos cenários de aprendizagem, tanto em uma unidade de emergência frenética, em um clínica pediátrica, numa unidade de cuidados primários, numa cirurgia dentária, em visitas de enfermagem, em uma farmácia comunitária (HUTCHINSON, 2007), quanto em capacitações de profissionais, pois são construídos em torno de objetivos de aprendizagem, para que o aluno desenvolva competências, habilidades e atitudes ao final da discussão do caso apresentado. No ambiente hospitalar  incluem pacientes em ambulatório, pacientes internados em clinicas cirúrgicas, operatórias, médica, entre outras, salas de emergência, centro cirúrgico ( IRBY,2014).

A apresentação e a discussão de casos clínicos em sala de aula fazem com que estimule o aluno a refletir que é algo imprescin­díveis quando estes já está inserido na prática profissional, pois o co­nhecimento da realidade prática, mesmo inicial, permite uma postura crítica do aluno perante a situação apresentada. O estudo clinico pode ser descrito como método de ensino aprendizado tendo como foco a resolução do problema, com alcance amplo podendo ser utilizado de forma individual e coletiva. Assim, as metodologias problematizadoras são propostas que traba­lham com problemas para o desenvolvimento dos processos de ensinar e aprender (HOKAMA et al., 2018).

Como posso avaliar

Coloquei em tópicos conforme sugerido pela professora e como estava em nossa apresentação

  • Esclarecer   para o estudante como a metodologia funciona
  • Fazer anotações individuais de cada aluno;
  • Importância de sua participação para o aprendizado > falta de atividade durante o estudo de caso prejudica a aprendizagem, e terá consequências sobre as avaliações.
  • Melhor forma de avaliar o aluno > observação de sua participação individual e suas contribuições para o grupo de forma resolutiva, crítica e outra forma de avaliação
  • Auto avaliação.

Desafios do método

Os professores que utilizam a metodologia “Aprendizagem baseada em casos clínicos” são particularmente desafiados pelo método, pois possuem a difícil tarefa de dominar vários conhecimentos necessários para a prática e transmissão de conteúdo. A amplitude e complexidade desse conhecimento continua a aumentar, assim como a dificuldade de transformar o conhecimento em conceitos que são compreensíveis para alunos. (IRBY,2014).

Para aplicar o estudo de caso, os profissionais devem ter conhecimento não somente das técnicas, mas também sobre a fisiopatologia das doenças, sinais e sintomas e fatores socioeconômicos envolvidos no processo saúde-doença. (GALDEANO,2003).

Referências

Brasil. Ministério da Educação e Cultura. Lei 9.394/96. Dispõe sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

Brasil. Ministério da Educação e Cultura. Resolução CNE/CES n. 3 de 2001. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em enfermagem. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 2001.

CECCIM, Ricardo B.; FEUERWERKER, Laura C. M. O Quadrilátero da Formação para a Área da Saúde: Ensino, Gestão, Atenção e Controle Social. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 41- 65, 2004ª.

Chemello D, Manfroi WC, Machado CLB. O papel do perceptor no ensino médico e o modelo Preceptoria em um minuto. Rev Bras Ed Med. 2009;33(4):664-9.

Galdeano LE, Rossi LA, Zago MMF. Roteiro instrucional para a elaboração de um estudo de caso clínico. Rev Latino-am Enfermagem 2003 maio-junho; 11(3):371-5.

25

HADDAD, J. Q.; ROSCHKE, M. A.; DAVINI, M. C. (Ed.). Educación permanente de personal de salud. Washington: OPS/OMS, 1994.

Hokama et al. Caso Motivador como Estratégia Problematizadora e Integradora no Ensino Médico em um Curso de Oncologia. REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA 42 (4): 165-174; 2018;

Irby,D. M.; Excellence in clinical teaching: knowledge transformation and development required; Medical Education 2014; 48: 776–784 doi: 10.1111/medu.12507

Singhal A. Case-based learning in microbiology: Observations from a North West Indian Medical College. Int J App Basic Med Res 2017;7: S47-51.

 Spricigo, C. B.; Estudo de caso como abordagem de ensino, 2014. https://www.pucpr.br/wp-content/.../estudo-de-caso-como-abordagem-de-ensino.pdf