Licenciatura em Artes visuais Percurso 4
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História da Arte Brasileira: Século XX

Autora

Drª Maria Elizia Borges Professora do Programa de Pós-graduação de História da UFG. Pesquisadora do CNPq. Livros publicados: Arte Funerária no Brasil (1890- 1930): ofício de marmoristas italianos em Ribeirão Preto = Funerary Art in Brazil ( 1890- 1930): italian marble carver craft in Ribeirão Preto (2002); Estudos cemiteriais no Brasil: catálogos de livros, teses, dissertações e artigos (Org.)(2010). Membro das associações ABCA; ANPAP; AGS/USA; RED IBEROAMERICANA; ABEC; ANPUH e do CBHA.

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Apresentação

Caro estudante,

A essa altura, você já deve estar familiarizado com as bases da arte produzida no Brasil. Mesmo que rapidamente, tivemos uma visão da arte rupestre, arte indigena, período colonial, das inquietações do nosso barroco, do ecletismo do início do século XX e, agora, chegamos a um ponto crucial que é compreender o desenrolar dos movimentos artísticos e reflexões conceituais que caracterizam a instauração do modernismo no Brasil. Foram muitas transformações das manifestações dos anos 1920 aos desdobramentos dos anos 1940. Da busca da identidade nacional aos cruzamentos da arte brasileira com o contexto da arte internacional, a história da arte barsileira vai sendo construída por atores de várias procedências, de ideologias diversas, de classes diferenciadas etc. Mas todos são parte desse momento que alicerça o que hoje chamamos de arte contemporânea brasileira.

Unidade 1: O Estopim do Modernismo

1.1. Modernidade, nacionalismo e identidade

Desde o início, a arte moderna brasileira buscou uma identidade própria. Mesmo alicerçada na produção cultural da arte moderna européia, procurou investigar o terreno da cultura popular e colonial, o que levou a sociedade a questionar valores simbólicos do nacionalismo.

A questão nacionalista já se manifestara outrora, em vários momentos da arte brasileira. Muitos artistas estrangeiros mostraram-se sensíveis à temática brasileira. Franz Post, Jean Bartiste Debret e Georg Grimm são exemplos disso.

Problematizando

A grande diferença do nacionalismo modernista está na representatividade dos elementos iconográficos. Observe o detalhe da aquarela de Debret — Negra tatuada vendendo caju, 1827 e a da pintura A Negra — 1923, representada por Tarsila do Amaral.

Comparando os elementos icnográficos que compõem tais imagens, quais as principais diferenças que você percebe entre as duas representações?

Debret. Negra tatuada vendendo caju, 1827. Aquarela (detalhe).
Tarsila do Amaral. A Negra, 1923. Óleo s/ tela. MAC-USP.

O surgimento da arte moderna no Brasil foi marcado por dois eventos que “caíram de pára-quedas” nos massmedia de São Paulo: a exposição de Anita Malfatti, em 1917, e a Semana de Arte Moderna, em 1922.

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Exposição de Anita Malfatti — Foram expostas obras de caráter expressionista. O crítico de arte mais importante da época, Monteiro Lobato, fez uma crítica feroz sobre a influência das vanguardas européias nas obras de Anita. No artigo “paranóia ou mistificação”, ele reconhece o “talento vigoroso e fora do comum da autora”, mas critica “a maneira anormal de decorar a natureza e de interpretá-la à luz de teorias efêmeras sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes”. Sabe-se que Lobato também estava engajado numa proposta de renovação artística; todavia, para ele, esta deveria emergir do naturalismo e do nacionalismo (Chiarelli, 1995).

Para a pequena elite paulistana, formada por artistas e amigos de Anita, tal crítica serviu de arma para subestimar as qualidades artísticas e intelectuais de Monteiro Lobato e transformar a exposição, no “estopim do modernismo”. Assim o movimento moderno brasileiro definiu-se como proposta renovadora.

Semana de Arte Moderna — Tratou-se de um grande evento artístico-cultural promovido por um pequeno grupo de jovens intelectuais e artistas, patrocinados por figuras proeminentes da alta burguesia cafeeira. Foi realizada no Teatro Municipal de São Paulo, no período de 11 a 18 de fevereiro de 1922. No hall do teatro, houve uma exposição coletiva de: esculturas — Victor Brecheret, Hildegardo Leão Velloso, Waerberg; projetos arquitetônicos — A. Moya e Georg Przyrembel; pinturas — Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac, Zina Aita, Oswaldo Goeldi e outros.

Não eram obras acadêmicas e a maioria delas já vista anteriormente pelo público. Porém, não tinham também os princípios básicos da arte moderna. Embora todos se considerassem modernos, não tinham a compreensão do real significado disso. Algumas obras, como as de Brecheret (Figura 1), possuíam certa estilização modernizante. Na época, era o suficiente para serem consideradas modernas. Para Carlos Zílio (1997), a artista Anita Malfatti era a única que poderia ser denominada moderna. Na obra O homem amarelo (Figura 2), observa-se os princípios básicos da arte moderna: a maneira de ocupação da figura na tela, o tratamento do segundo plano, a deformação do desenho e a dinâmica livre e indistinta das pinceladas e cores.

Figura 1. Victor Brecheret. Cabeça de Cristo, 1920. Bronze. Instituto de Estudos Brasileiros da USP, São Paulo – SP.
Figura 2. Anita Malfatti. O homem amarelo. 1917. Óleo sobre tela, 61 cm x 51 cm. Instituto de Estudos Brasileiros da USP, São Paulo – SP.
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Um dos principais organizadores da Semana de Arte Moderna foi o artista Emiliano Di Cavalcanti (1897–1976). Nesta época, estava influenciado pelo estilo art nouveau e suas obras expostas revelavam inquietação e a busca de novas tendências. Observe a capa do catálogo da exposição (Figura 3): um nu feminino linear, imerso em uma intensa vegetação composta de diversos planos, com traços rítmicos e direcionado; um texto condutor diagramado de maneira espontânea.

Figura 3. Emiliano Di Cavalcanti. Capa do catálogo da Exposição da Semana de Arte de 1922, São Paulo – SP.

Os projetos de Antônio Garcia Moya (Pesquise na Internet) demonstram uma inventividade poética e um espírito renovador ao fundir, de maneira íntima e integral, a escultura com a arquitetura. É digno de nota o sentido de síntese e o despojamento do busto do índio, uma figura reapropriada pelo modernismo brasileiro.

Os espetáculos musicais da Semana de Arte Moderna apresentaram nomes como Villa Lobos, Guiomar Novaes, Ernani Braga e outros. A parte literária foi inaugurada com o prestígio e a conferência de Graça Aranha, além dos discursos de Mário de Andrade, Ronald de Carvalho, Menotti Del Picchia e Oswald de Andrade. Estavam ali todas as pessoas inconformadas com a estagnação cultural do Brasil, colocando-se numa atitude de ruptura com o passado, buscando uma nova identidade para a arte nacional (Amaral, 1972).

As exposições, os discursos, as apresentações musicais tiveram um impacto propagado pela imprensa local, não pelo que se apresentou, mas por como se apresentou. O objetivo foi chocar o conservadorismo da sociedade paulistana. Assim, deve-se pensar para ver a Semana de Arte Moderna como o marco do desenvolvimento do modernismo no Brasil.

Para refletir

“E sobretudo que se saiba que somos reacionários, porque nos domina e exalta uma grande aspiração de classicismo construtor. Queremos mal ao academismo porque ele é o sufocador de todas as aspirações joviais e de todas as iniciativas pensamentos. Para vencê-lo destruímos. Daí o nosso galhardo salto de sarcarmo, de violência e de força. Somos “boxeurs” na arena. Não podemos refletir ainda atitudes de serenidade. Essa virá quando vier a vitória e o futurismo de hoje alcançar o seu ideal clássico”.

Andrade, Oswald de. Jornal do Comércio. São Paulo, 11 fev 1922.

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O que ler

O que ver

O filme Macunaíma, realizado em 1969, é baseado no livro homônimo de Mário de Andrade, escrito em 1928. A recuperação de uma obra modernista no final da década de 1960 traduz uma relação íntima entre os dois contextos históricos. A preocupação com o caráter nacional, com a definição do que é brasileiro, em contraposição ao produto importado e as tentativas de descolonizar a produção cultural do país são traços marcantes do modernismo e do cinema novo.

Fonte

http://www.mnemocine.com.br/cinema/crit/sarahmacunaima.htm, acesso em 23/04/2009.

Onde navegar

http://www.itaucultural.org.br/modernismo/home2.html.

No site do Itaú cultural, você poderá acessar um objeto de aprendizagem chamado Modernismo. Ao navegar pelos links, você terá contato com histórico, artistas representativas do período, principais obras e indicação bibliográfica. Os itens de estudo são:

1.2. Desdobramentos da Arte Moderna

Diz o adágio popular que “depois da tempestade, vem a bonança”. Para os participantes da Semana de Arte Moderna (1922), que receberam vaias e críticas ferozes, o passo seguinte foi subdividir-se em duas frentes, ambas buscando uma arte moderna com raízes nacionalistas.

Um grupo de artistas seguiu para Paris, uma cidade cosmopolita, que integrava o artista estrangeiro na modernidade, propiciando-lhe a descoberta da identidade do seu país à distância. Foi o caso de Victor Brecheret, Vicente do Rego Monteiro, Di Cavalcanti e Anita Malfatti, seguidos, posteriormente, por Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Sérgio Milliet e outros.

Outro grupo de artistas chegou da Europa e, agrupando-se aos modernistas, estudaram as forças nativas da nossa cultura. Foi este o caso de Tarsila do Amaral e de Cícero Dias. Uma breve permanência na França significava, para os artistas brasileiros, atualizarem-se. Os movimentos mais radicais, discutidos na roda intelectual francesa, eram difíceis de ser assimilados:

O dadaísmo — movimento artístico de 1916, que colocou em cheque a própria ideologia da arte moderna, atacava a saturação cultural, a crise moral e política, transformando o objeto banal numa nova forma estética extravagante e questionadora (Figura 4);

Figura 4. Marcel Duchamp. Roda de bicicleta. 1913. Ferro, 126,5 cm. Museu de Arte Moderna, Nova Iorque – EUA.
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O surrealismo — movimento de 1924 que introduziu a sensibilidade do conhecimento subjetivo, buscando liberar as imagens surgidas do inconsciente e estabelecendo relações com os sonhos (Figura 5).

Figura 5. Emiliano Di Cavalcanti. Capa do catálogo da Exposição da Semana de Arte de 1922, São Paulo – SP.

Nessa primeira fase modernista, mesmo conhecendo a sucessão e a multiplicidade de movimentos modernos, a arte brasileira continuava ligada à arte figurativa, como se pode verificar nas produções que se vê a seguir.

Em Mise au tombeau — 1923 (Figura 6), o artista Victor Brecheret define sua posição diante da modernidade. A obra encontra-se assentada no sepulcro da família Guedes Penteado, no Cemitério da Consolação na cidade de São Paulo. O grupo de quatro figuras de mulheres — As Marias — choram com a Mater Dolorosa (Virgem Maria) diante do corpo inanimado do Cristo. Existe uma serenidade hierática das personagens, uma identidade poética nas mãos estendidas e caridosas que seguram o lamento do choro. O ritmo curvilíneo do conjunto apresenta uma síntese formal inconfundível do estilo do escultor. Esta obra propôs um novo conceito estético para a arte funerária.

Figura 6. Emiliano Di Cavalcanti. Capa do catálogo da Exposição da Semana de Arte de 1922, São Paulo – SP.

Na obra A flagelação, de 1923 (Figura 7), observa-se o caráter de monumentalidade escultórica que Vicente do Rego Monteiro adota nas figuras pintadas de forma volumosa, simétrica e imóvel. A monocromia em tons baixos reforça o esquema construtivo e geométrico da tela, de influência cubista.

Figura 7. Vicente do Rego Monteiro. A Flagelação, 1923.
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Na obra Samba, de 1925 (Figura 8), Emiliano Di Cavalcanti caracteriza o despontar de uma linguagem própria: a figura feminina é a personagem central – metáfora da sensualidade. A mulata, na mentalidade desse artista boêmio, simboliza o resultado da convivência entre as diferentes raças e culturas no país. Nessa fase, a cor é dependente dos volumes que ocupam os planos da composição (Zilio, 1997). Você consegue imaginar o ritmo desse samba, e o gingado dos passos? Na obra Interior de Mônaco — 1925 (Figura 9) — Anita Malfatti decora exaustivamente o ambiente. Isso se deve à influência que sofreu de Henri Matisse, o artista mais representativo do fovismo, movimento artístico que exaltou a cor pura com algo de selvagem, de primitivo e de instintivo (Figura 10).

Figura 8. Di Cavalcanti. Samba, 1925. Óleo sobre tela, 177 cm x 154 cm. Coleção particular.
Figura 9. Anita Malfatti. Interior de Mônaco, 1925. Óleo sobre tela.
Figura 10. Matisse. Figura decorativa sobre fundo ornamental, 1927. Óleo sobre tela, 130 cm x 98 cm. Museu Nacional de Arte Moderna, Paris.
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Problematizando

Observe como o negro é representado nas obras representativas do modernismo no Brasil. Tanto na pintura A Negra de Tarsila do Amaral quanto na pintura Samba de Di Cavalcanti, a figura feminina representada é traduzida por meio de posturas, formas e cores que evidenciam um caráter de sensualidade e do corpo enquanto objeto sensual ou robustez para o trabalho braçal (vide obra de Portinari). Na observação da pintura de Di Cavalcanti, ao irmos além de suas características formais e da escolha do negro na representação do que o artista considera por elemento integrante da cultura brasileira, os valores aqui ressaltados evidenciam e mantém a idéia do negro imerso num eterno festejo de passividade, sensualidade, submissão e orgulho à sua condição marginalizada. Você consegue encontrar vestígios de tais reflexões em imagens veiculadas pelos diferentes meios de comunicação presentes em nosso cotidiano?

1.3. A busca do Nacionalismo

Logo após a Semana de Arte Moderna, surge em São Paulo o ateliê “Grupo dos Cinco”, composto por Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia e Mário de Andrade. Ali, as concepções da arte moderna iam sendo amadurecidas. O grupo logo se dissolveu, pois a maioria dos seus componentes também foi a Paris.

Em Paris, Tarsila do Amaral teve acesso ao ambiente intelectual francês por meio do poeta vanguardista Blaise Cendrars e como aluna dos artistas André Lhote, Fernand Léger e Albert Gleizes. A obra surpreendente da época foi A negra (Confira no Item 1.1.), em que chama a atenção o contraste entre a massa escultórica da figura e o fundo abstrato, composto de faixas coloridas e folhas de bananeira. Trata-se de uma alegoria nacional: o aspecto físico disforme da figura reforça a disponibilidade sexual da negra (seio exagerado), a sua servidão ao trabalho (pés e mãos avantajados), retrato da discriminação racial. Assim, Tarsila inaugura um estilo nacional de modernismo, associando, ao mesmo tempo, características da vanguarda européia com uma imagem de brasilidade.

Ao regressar ao Brasil, juntamente com a elite intelectual modernista paulista, visita a cidade do Rio de Janeiro e as cidades históricas de Minas Gerais, pesquisando a arte colonial e nossas raízes “caipiras”.

Oswald de Andrade lança o Manifesto da poesia Pau-Brasil. Tarsila, por sua vez, inicia uma fase de sua pintura também denominada de Pau-Brasil. É exemplo dessa fase a obra E.F.C.B. — 1924 (Figura 11). Há uma influência marcante do artista Léger (Pesquise na Internet) na maneira de enquadrar as sinalizações urbanas e ferroviárias, na aparente ingenuidade da vegetação e do formato geométrico dos casarios. Merece atenção o emprego das cores azul puro, rosa violáceo, amarelo vivo, todas em gradações mais ou menos fortes. Enfim, uma maneira “infantil”, “ingênua” e “caipira” de perceber o mundo, conforme um dos postulados da arte moderna brasileira de cunho nacionalista.

Figura 11. Tarsila do Amaral. E.F.C.B., 1924. Óleo sobre tela, 142 cm x 127 cm. Museu de Arte Contemporânea. USP.
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Em 1928, nasce o Movimento Antropofágico resultante da obra Abapuru (Figura 12), de Tarsila do Amaral. Dentro de uma atmosfera surrealista, como numa brincadeira, ela envolve fantasia e inventividade, ao retratar, com poucos elementos e cores, o mais primitivo dos homens: o alienígena. Ele brota da terra, é protegido pela vegetação agreste e iluminado pelo sol extasiante dos trópicos.

Figura 12. Tarsila do Amaral. Abapuru, 1928. Óleo sobre tela, 85 cm x 73 cm. Coleção Particular. São Paulo – SP.

1.4. Novos adeptos da Arte Moderna

O lançamento de várias revistas específicas amplia o campo da literatura modernista: Klaxon, (1922–1923) em São Paulo; Estética, (1924–1925) no Rio de Janeiro; A Revista (1925) em Belo Horizonte – MG; Madrugada (1925) em Porto Alegre – RS; Verde (1927) em Cataguases – MG e Arco e Flecha (1928) em Salvador – BA. E a chegada de artistas modernos estrangeiros reforça a catalização do espírito modernista no Brasil.

Os paulistas recebem o artista “expressionista alemão” Lasar Segall (1891–1957), em 1923. Como estrangeiro, traz consigo uma história pessoal, expressa em suas obras, que enfatizam, de forma dramática e nostálgica, a miséria humana, a injustiça e o sofrimento dos judeus. Em Navio de emigrantes (Figura 13), Segall retrata com realismo o desânimo e o cansaço dos passageiros. Segall também assimila a realidade brasileira, abstraindo e estilizando elementos regionais, como a bananeira, a favela e a vida rural da cidade de Campos de Jordão. Na obra Paisagem brasileira (Figura 14), tenta absorver a cor brasileira, de maneira sintética. Atente para os gestos das pessoas. O que você sente por elas? Compaixão? Solidariedade?

Figura 13. Lasar Segall. Navio de emigrantes. 1939–1941.
Figura 14. Lasar Segall. Paisagem Brasileira, 1925. Óleo sobre tela, 65 x 54 cm. Coleção Museu Lasar Segall. São Paulo – SP.
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É conhecida a pequena participação dos artistas cariocas no processo de renovação da arte moderna brasileira nos anos 1920. Havia uma arte acadêmica enraizada e sempre amparada pelo sistema de governo vigente. A vanguarda artística carioca só pôde manifestar-se mediante o retorno de Di Cavalcanti, em 1925, e com a produção artística de alguns artistas vinculados ao surrealismo, como Cícero Dias e Ismael Nery.

Ismael Nery, denominado “pintor maldito”, procurou imprimir em suas pinturas preocupações existenciais provenientes da fé católica. Foi influenciado pelo cubismo e pelo surrealismo de Chagall (Figura 5). No Auto-retrato (Pesquise na Internet), busca a essencialidade da figura humana, decompondo, fundindo e associando as imagens de modo poético e onírico.

Cícero Dias adota a atmosfera fantasiosa do surrealismo, associada ao repertório popular do nordeste. Na obra Eu vi o mundo, ele começava no Recife (Pesquise na Internet), mostra as reminiscências de seu mundo lírico: a infância em Pernambuco, os casarões, o mar, a pesca, o sol, enfim, seus sonhos e recordações. Um dos elementos essenciais do seu imaginário poético é o emprego das cores tropicais.

Desde as obras expostas na Semana de Arte Moderna até chegarmos às obras de Cícero Dias, vê-se que a primeira geração do modernismo percorreu um longo caminho. Ele se deu tardiamente e foi marcado por ambigüidades e inadequações. Deve-se pensar para ver o essencial desse percurso: o desejo real de emancipar-se e de implantar-se uma estratégia cultural nacionalista.

Saiba mais

O que ler

O que ver

Comentário Cinebiografia de Heitor Villa-Lobos, o mais importante compositor das Américas levada às telas pelo diretor Zelito Viana e interpretada por Marcos Palmeira e Antônio Fagundes, cada um representando uma época do compositor. Com Letícia Spiller, José Wilker e Marieta Severo.

Fonte

http://www.adorocinema.com/filmes/villa-lobos/villa-lobos.asp, acesso em 23/04/2009.

Aonde ir

Onde navegar

www.itaucultural.org.br;

www.masp.uol.com.br;

www.bienalsaopaulo.globo.com;

www.mac.usp.br/mac.

O que desenhar

A sua sala de aula, recorrendo a efeitos surrealistas ou cubistas.

Unidade 2: Desafio dos Modernistas

2.1. Contexto: crise e pluralidade

Segundo os especialistas em história econômica, o ano de 1929 é considerado “negro” para o mundo capitalista por causa da quebra da bolsa de valores de Nova Iorque. A recessão econômica atingiu também o Brasil e prolongou-se por toda a década de 1930, dificultando a sobrevivência de artistas, críticos e marchands. Criaram-se, então, maneiras de superar a crise e ampliar o campo de trabalho artístico. O comércio de antigüidades se instalou nos grandes centros do país, valorizando até mesmo o mobiliário do período colonial.

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Houve um processo de valorização cultural das cidades coloniais que repercutiu de maneira positiva no campo artístico. Eram moda os ateliês em cidades históricas como Ouro Preto, Parati e Olinda. Em 1937, criou-se o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, hoje Instituto do Patrimônio Histórico das Artes Nacional – IPHAN. (Durand, 1989).

Na política brasileira, a Revolução de 30 colocou fim ao poder da oligarquia rural, denominada política do “café com leite”. A reordenação da sociedade levou Getúlio Vargas a governar o país por 15 anos, oito dos quais em regime ditatorial.

Os artistas brasileiros da segunda fase do modernismo tornaram-se, em sua maioria, militantes políticos e adeptos de ideias socialistas. A produção artística voltou-se para a temática social, buscando uma comunicação mais imediata com o público. Paris continuava sendo o referencial da arte internacional até a Segunda Guerra Mundial (1939–1945).

Nesse período, existe a influência do muralismo (Figura 15), expressão pictórica proveniente da Revolução Mexicana de 1910, que proclamava a criação de uma arte para multidões. São obras de caráter épico em que a luta de classes transforma-se em alegoria pictórica. Siqueiros afirmava: “Pintaremos os muros das ruas e as paredes dos edifícios públicos, dos sindicatos, de todos os cantos onde se reúne gente que trabalha”. (Morais, 1989).

Figura 15. Lasar Segall. Paisagem Brasileira, 1925. Óleo sobre tela, 65 x 54 cm. Coleção Museu Lasar Segall. São Paulo – SP.

Na cidade de São Paulo, aglutinaram-se vários grupos para promover e manter acesa a chama da arte moderna brasileira: Sociedade Pró-Arte Moderna — SPAM (1932–1934). Promovia exposições, concertos, conferências e reuniões literárias para a burguesia paulistana. Destacar-se os bailes: “São Silvestre e farrapos”, “Carnaval na cidade de SPAM”, “Expedição às matas virgens da Spamolândia”. Na cenografia, imperava o humor, a temática populesca e regionalista (Pesquise na Internet). SPAM também realizou exposições de artistas modernos estrangeiros — Picasso, De Chirico, Brancusi e outros — e de artistas nacionais — Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Segall e outros.

Percebe-se na obra La negresse (Figura 16), de Brancusi, a influência plástica da forma da arte africana. Já na obra Operários (Figura 17), de Tarsila do Amaral, vê-se a influência dos muralistas tanto pela exploração da temática social quanto pela maneira de trabalhar a tela. O conjunto de rostos em diagonal contrapõe-se à rigidez geométrica da fábrica e das chaminés. Como são as expressões dos rostos? Você reconhece alguns personagens ilustres da modernidade? Identifique as etnias.

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Figura 16. Brancusi. La négresse. 1923, Mármore. Museu de Arte de Filadélfia – EUA.
Figura 17. Tarsila do Amaral. Operá-rios. 1933. Óleo sobre tela, 150 cm x 205 cm. Palácio Boavista, Campos do Jordão – SP.

As obras de Di Cavalcanti, por sua vez, continuaram dentro da lógica pós-cubista, do lirismo e da sensualidade. Todavia, o artista adquiriu uma nova liberdade no emprego das cores, nos elementos “ornamentais” e na impulsividade das pinceladas, conforme se vê na obra Mulher com Leque, de 1937 (Pesquise na Internet).

Clube dos Artistas Modernos — CAM (1932–1934). Também promovia eventos culturais. Destacaram-se a exposição de cartazes russos, conferência sobre a China, concertos com Camargo Guarnieri, recitais de canto populares e palestras sobre arte proletária e teoria marxista. O clube foi fechado pela polícia após uma das apresentações da peça Bailado do Deus morto, de Flávio de Carvalho, por chocar os costumes e a moral vigentes.

Flávio de Carvalho (1899–1973) foi quem mais impulsionou o clube, dado o seu caráter irreverente. Sempre fez “uma obra de pensamento”, vinculada às questões filosóficas de Freud e Nietzsche, mesclando aspectos surrealistas e expressionistas. Na Série Trágica (Figura 18), pode-se observar a importância das linhas de força ao registrar os momentos de agonia da morte de sua mãe. Como arquiteto, deixou muitos projetos questionadores que acabaram sendo incorporados pelas gerações que o seguiram. Um exemplo é o projeto para o Palácio do Governo do Estado de São Paulo (Figura 19). Tornou-se, também, um dos precursores do happening e das performances no Brasil ao realizar uma intervenção urbana, quando saiu de saiote pelas ruas de São Paulo (Figura 20).

Figura 18. Flávio de Carvalho. Série trágica. 1947. Carvão. Coleção Museu de Arte Contemporânea – SP.
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Figura 19. Flávio de Carvalho. Série trágica. 1947. Carvão. Coleção Museu de Arte Contemporânea – SP.
Figura 20. Flávio de Carvalho. Experiência n. 3. traje de verão, 1956.
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O termo Happening foi cunhado no final dos anos 1950 pelo americano Allan Kaprow (1927) para designar uma forma de arte, que combina artes visuais e um teatro sui generis, sem texto nem representação. Nos espetáculos, distintos materiais e elementos são orquestrados de forma a aproximar o espectador, fazendo-o participar da cena proposta pelo artista (nesse sentido, o happening se distingue da performance, onde não há participação do público). Os eventos possuem estrutura flexível, sem começo, meio e fim. As improvisações conduzem a cena — ritmada pelas ideias de acaso e espontaneidade — que têm lugar em contextos variados: ruas, antigos lofts, lojas vazias etc. Os happenings são eventos em tempo real, como o teatro e a ópera, mas recusam as convenções artísticas. Não há enredo, apenas palavras sem sentido literal, assim como não há separação entre a audiência e o espetáculo. Do mesmo modo, os ‘atores’ não são profissionais, mas pessoas comuns. Os happenings são gerados na ação e, como tal, não podem ser reproduzidos. O seu modelo primeiro são as rotinas comuns e, com isso, eles borram deliberadamente as fronteiras entre arte e vida. Nos termos de Kaprow: ‘temas, materiais, ações, e associações que eles evocam, devem ser retirados de qualquer lugar menos das artes, seus derivados e meios’. Uma ‘nova arte concreta’, propõe o artista, no lugar da antiga arte concreta abstrata, enraizada na experiência, na prática e na vida ordinária, matérias-primas do fazer artístico. Os happenings, de acordo com Allan Kaprow, são um desdobramento das assemblages e da arte ambiental, mas ultrapassa-as pela introdução do movimento e por seu caráter de síntese, espécie de arte total em que se encontram reunidas diferentes modalidades artísticas — pintura, dança, teatro etc. A filosofia de John Dewey, sobretudo suas reflexões sobre arte e experiência, o zen budismo, a música experimental de John Cage, assim como a action painting de Jackson Pollock (1912–1956) são matrizes fundamentais para a concepção de happening.

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Performance é a forma de arte que combina elementos do teatro, das artes visuais e da música. Nesse sentido, a performance liga-se ao happening (os dois termos aparecem em diversas ocasiões como sinônimos), sendo que neste o espectador participa da cena proposta pelo artista, enquanto na performance, de modo geral, não há participação do público. A performance deve ser compreendida a partir dos desenvolvimentos da Arte Pop, do Minimalismo e da Arte Conceitual, que tomam a cena artística nas décadas de 1960 e 1970. A arte contemporânea, põe em cheque os enquadramentos sociais e artísticos do modernismo, abrindo-se a experiências culturais díspares. Nesse contexto, instalações, happenings e performances são amplamente realizados, sinalizando um certo espírito das novas orientações da arte: as tentativas de dirigir a criação artística às coisas do mundo, à natureza e à realidade urbana. Cada vez mais as obras articulam diferentes modalidades de arte — dança, música, pintura, teatro, escultura, literatura etc. — desafiando as classificações habituais e colocando em questão a própria definição de arte. As relações entre arte e vida cotidiana, assim como o rompimento das barreiras entre arte e não-arte constituem preocupações centrais para a performance (e para parte considerável das vertentes contemporâneas, por exemplo Arte Ambiente, Arte Pública, Arte Processual, Arte Conceitual, Land Art etc.), o que permite flagrar sua filiação às experiências realizadas pelos surrealistas e sobretudo pelos dadaístas.

Fonte: www.itaucultural.org.br, acesso em 23/04/2009.

2.2. Grupo Santa Helena (1935–1940)

Era formado, em sua maioria, por ex-alunos do Liceu de Artes e Ofícios vindos de famílias de imigrantes italianos, de origem social modesta. No ateliê improvisado do Palacete Santa Helena, reuniam-se: Aldo Bonadei, Francisco Rebolo Gonsales, Alfredo Volpi, Mário Zanini, Fúlvio Pennacchi, Clóvis Graciano e outros.

Esses artistas, autodidatas, buscavam uma temática própria, dentro da realidade brasileira. Chegaram a soluções pictóricas modernas, abordando temas como paisagens urbanas e suburbanas, marinhas, nus, naturezas-mortas, motivos religiosos e populares.

Aos poucos, eles foram reconhecidos pelos críticos e intelectuais modernistas. Suas obras passaram, então, a ser mais um elemento propulsor do processo que configurou a arte moderna brasileira nos anos 30. Um bom exemplo é a obra Moema (Pesquise na Internet), de Aldo Bonadei (1966–1974). Chama a atenção a originalidade da obra, pelo emprego das cores em blocos, do desenho vigoroso e sintético de um local comum. Enfim, uma pintura modesta e sensível, como era o próprio artista. (Almeida, 1976).

O artista singular desse grupo foi Alfredo Volpi (1896–1988). A partir da década de 1950, dedicou-se somente à pintura, absorvendo de maneira extremamente pessoal as características de uma arte não figurativa. Em Mastro com Bandeiras (Figura 21), surge a representação de um elemento de caráter popular: as bandeirinhas. Há uma sutil ordenação dessas bandeirinhas e uma depuração e intensificação das cores. Esse efeito é obtido por leves passagens tonais, em que o fundo e as bandeiras relacionam-se de maneira discreta. O contraponto dessa continuidade esmaecida está no mastro e nas bandeiras vermelhas e azuis que puxam o quadro para frente, segundo Rodrigo Naves (1996), fazendo com que ocorra uma dupla temporalidade. Essas cores “lavadas” são obtidas, graças à técnica de pintura à têmpera, quando se dissolve o pigmento da cor num adstringente, como cola ou clara de ovo. Persistência, paciência, criatividade e a valorização dada às formas populares fazem desse artista um grande representante da pintura brasileira.

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Figura 21. Alfredo Volpi. Mastro com Bandeiras Têmpera sobre tela, 78 cm x 108 cm. Coleção particular.

Entre as exposições ocorridas em São Paulo na década de 1930, sobressaem-se as que foram promovidas por Quirino Campofiorito, Geraldo Ferraz e Flávio do Carvalho para o Salão de Maio (1937–1939). Os brasileiros tiveram oportunidade de ver uma produção artística estrangeira vinculada às correntes abstratas nas obras de Alexander Calder e Josef Albers.

Paulo Rossi Osir também promoveu exposições, agrupando obras de artistas que participavam do CAM, do SPAM, do Grupo Santa Helena e outros novos adeptos, compondo, assim, a Família Artística Paulista — FAP, no período de 1937 a 1940.

Na cidade do Rio de Janeiro, também surgiu o Núcleo Bernardelli (1931), movimento liderado por Edson Motta. Tinha como objetivo democratizar o ensino de arte na Escola Nacional de Belas Artes. Era composto por artistas proletários, como os do Grupo Santa Helena, que nos fins de semana buscavam temáticas percorrendo o subúrbio da cidade. Entre seus integrantes, estavam os artistas Pancetti, Eugênio Sigaud, Milton da Costa e Quirino Campofiorito.

Tanto as associações como os eventos artísticos contribuíram para que os artistas da época tivessem uma maior consciência profissional e percebessem a necessidade de romper o seu isolamento artístico. Deve-se pensar para ver até que ponto esta atuação coletiva está expressa nas obras da segunda fase da arte moderna no Brasil.

2.3. Consolidação da Arte Moderna no País

A arte moderna brasileira consolidou-se no fim da década de 1930. Um dos seus mais relevantes artistas foi Candido Portinari (1903–1962). A partir de 1935, tornou-se o “pintor do Brasil” após receber um prêmio nos Estados Unidos com a obra Café (Figura 22). Ao retratar o cafezal, o artista confere dignidade ao cotidiano do trabalhador rural, uma cena familiar para esse filho de imigrantes italianos, que nascera em uma fazenda de café em Brodósqui – SP.

Figura 22. Cândido Portinari. Café. 1934. Óleo sobre tela, 130 cm x 195 cm. Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.
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Na representação das figuras, destaca-se a forma volumosa e estilizada de pés e mãos, transformando-os em símbolos da força de trabalho, com caráter expressionista. Na paisagem, observa-se o emprego do recurso técnico da perspectiva renascentista. Todavia, a visão global organizacional do espaço remete à influência do muralismo mexicano. Quanto às cores, Portinari faz uma simplificação cromática de brancos e marrons, com um leve verde, reforçando o vínculo do homem com a terra.

Esse formalismo pictórico de Portinari agradava a “gregos e troianos”: aos acadêmicos, porque demonstrava conhecimento técnico clássico, e aos modernistas, porque sua temática era social, de um novo tratamento iconográfico. Assim, surgiu o primeiro “pintor moderno de exportação”, que passou a ser convidado para realizar obras monumentais em cidades como Nova Iorque, Washington e Chicago. Aos poucos, os Estados Unidos foram se tornando o país centralizador das novas correntes artísticas.

Candinho, como era chamado pelos amigos, era um homem de temperamento difícil; logo, do mesmo modo que se cercou de bons amigos, também não lhe faltaram inimigos. De um lado, havia o Grupo do Portinarismo — composto pela Revista Acadêmica, pelo crítico de arte Mário de Andrade e outros que enalteciam única e exclusivamente o artista. Do outro, estava o Grupo Antiportinarismo, que agrupava o Seminário Literário Dom Casmurro, o crítico Oswald de Andrade e outros que criticavam o esquecimento da imprensa à contribuição dada pelos primeiros artistas modernistas à arte brasileira e ao excesso de reverências prestadas ao “Coronel Candinho”. Contudo, esta foi uma briga mais de teor político que estético (Almeida, 1976).

Para Carlos Zílio (1997), os azulejos que Portinari projetou para o Ministério da Educação e Saúde (Figura 23) alcançam, de fato, a compreensão do espaço moderno. Mereceu especial atenção a composição pós-cubista das linhas diagonais, a superposição de planos que envolvem peixes, cavalos-marinhos e conchas, num jogo de cores e formas imersas no espaço parietal.

Figura 23. Cândido Portinari. Motivos do Mar. 1941 – 1945. Azulejos, Ministérios da Educação e Saúde, Rio de Janeiro – RJ.

Por influência da obra Guernica, houve na arte de Portinari uma fase picassiana. Ela contribuiu para o amadurecimento de manter soluções formais e espaciais. Como, geralmente, acontece com todo artista, coube-lhe “realizar experiências com as mais diversas linguagens, em fazer da criação um terreno de constantes averiguações, que servem para confirmar a coerência de um projeto” mesmo que ele se mostre aparentemente desigual (Fabris, 1996).

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O painel Tiradentes (Figura 24) tem uma estrutura compositiva subdividida em seis cenas. Na figura, destacam-se a leitura da sentença e o grupo de mulheres acorrentadas. A exposição naturalista das partes do corpo do alferes e as montanhas de Minas Gerais compostas de linhas diagonais. O processo de modernização de Portinari é tão contraditório como o dos demais artistas brasileiros.

Figura 24. Cândido Portinari. Detalhe. Tiradentes. 1948. Têmpera sobre tela, 309 cm x 1767 cm. Memorial da América Latina, São Paulo – SP.
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A década de 1940 também tem a marca do interesse pelo estudo do artesanato popular, da arte folclórica e da chamada arte primitiva ou ingênua. Essa produção, durante muito tempo, foi analisada como sendo realizada por artistas desprovidos de conceito intelectual sobre arte e natureza, que olham o mundo com uma visão particularizada e singularizada. De acordo com Guimarães (2006) essa análise é

“um dos mecanismos de colonização e homogeneização, exclui ou se apropria das formas orais e visuais dos dominados[...] Esses conceitos concorrem para situações de exclusão, violência e anomalia. Lidos no papel e aplicados a determinadas produções, parecem nomenclaturas inocentes, mas revelam as formas de opressão, de colonização. Situam-se a margem. Dentro do popular ou da extensão do caráter “marginal”,

Realizando uma análise temática da produção em questão, encontramos cenas do dia-a-dia, festas populares e religiosas, paisagens rurais e suburbanas. Dá-se o devido destaque às obras de Djanira Da Mota e Silva (1914–1979), José Antônio da Silva (1909–1996) e Geraldo Teles de Oliveira.

José Antônio da Silva viveu quarenta anos no meio rural paulista e foi descoberto pela crítica de arte em 1946. Em Colheita de algodão (Pesquise na Internet), as pessoas estão na lida da roça, a essência da sua criação artística. Observa-se a mobilidade das figuras, a derrubada das árvores pretas e o algodão branco, que estabelecem um contraste entre vida e morte. As cores puras e a perspectiva visual são frutos de sua observação pessoal.

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Geraldo Teles de Oliveira (GTO) retrata também o tipo de vida simples, vivida inicialmente na roça, depois na cidade, entre um tratamento psiquiátrico e outro. Em Roda viva (Pesquise na Internet), vê-se o círculo — elemento freqüente em suas obras — propiciando ao mesmo tempo unidade e multiplicidade. Na narrativa da cena, as figuras esquemáticas estão dispostas em várias direções. As feições e os trajes idênticos são imagens que brotam dos sonhos, da fé cristã e dos seus conflitos mais íntimos (Frota, 1975). A arte primitiva contribuiu para a expansão da iconografia nacional.

Uma nova geração de artistas surgiu em São Paulo, filiados à exposição 19 Pintores, que ocorreu na Galeria Prestes Maia, em 1947. Havia obras expressionistas de Marcelo Grassmann e Luís Sacilotto, abstracionismos líricos de Lothar Charoux e Maria Leontina e o realismo fantástico de Mário Gruber.

O artista Marcelo Grassmann, do interior de São Paulo, seguiu uma trajetória individualizada, indiferente aos postulados das poéticas visuais modernistas. No desenho Sem título (Pesquise na Internet), ele constrói um universo fantástico composto pelo cavaleiro em sua armadura de ferro, pelo animal híbrido e diabólico e pela donzela angelical. Há um contraste entre o claro e o escuro, isto é, guerra e amor, luzes e trevas, em um ambiente medieval.

Na segunda metade da década de 1940, a arte moderna brasileira já estava implantada culturalmente. Surgia, então, uma nova geração de artistas que discutiam nos museus recém-fundados — MAM, Museu de Arte Moderna, em São Paulo e no Rio de Janeiro, e o MASP, Museu de Arte de São Paulo — as diversas concepções de modernidade e o predomínio da pintura pós-cubista e/ou nacionalista. Deve-se pensar para ver a relação existente entre a temática nacionalista e a plasticidade modernista.

Problematizando

Compare a obra Massacre dos Inocentes a Guernica. Como são as deformações corporais nas duas obras? E os gestos? Encontre e grife as linhas diagonais:

Cândido Portinari. Massacre dos inocentes. 1943. Têmpera sobre tela, 150 cm x 150 cm. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand.
Pablo Picasso. Detlhes da obra Guernica. 1937. Óleo sobre tela, 350 cm x 782 cm. Museu do Prado, Madri.
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Na Série Retirantes (Figura 25), o artista supera a influência de Picasso. Através da composição piramidal, dos tons terrosos e cinzas, da deformação expressiva, Portinari realça o caráter dramático de um fato social. Será que estes retirantes chegarão a algum lugar? Por que tantos corvos?

Figura 25. Cândido Portinari.Retirantes. 1944. Óleo sobre tela, 190 cm x 180 cm. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo – SP.
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Unidade 3: A Euforia da Arquitetura Moderna

3.1. Novos tempos: outras formas de olhar

É comum olhar, casualmente, para um conjunto de cartões postais à venda em uma banca de jornal. Vê-se, então, que as vistas aéreas das médias e grandes cidades são semelhantes: poucas áreas verdes engolidas por edifícios em formato de “caixotões”, aparentemente iguais, identificados como objetos arquitetônicos “modernos” (Figuras 26 e 27). Mas, o que é arquitetura moderna? O que se espera de uma arquitetura atual? Como se deve “olhar para ver” um objeto arquitetônico?

Figura 26. Cartão postal. Primeiro plano, Monumento ao Candango. Brasília.
Figura 27. Cartão postal. Vista aérea do Rio de Janeiro.
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A Revolução Industrial propiciou aos arquitetos o emprego de novas tecnologias, como o concreto armado, por exemplo, que atendiam aos programas de construções decorrentes das necessidades da vida moderna. Assim, puderam ser edificadas com rapidez agências bancárias, habitações coletivas (edifícios), clubes de lazer, shopping centers etc.

O arquiteto Paulo Mendes da Rocha, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo (11 de março, 1998), sintetiza as funções da arquitetura moderna. Ela é vista, usualmente, como instrumento para produzir obras “belas”. Também se destina a evitar o caos urbano. Atualmente, o grande desafio da arquitetura é organizar o arcabouço técnico, estratégico e formal das construções dispostas à imprevisibilidade da vida de cada um e ser capaz de contribuir para aquilo que é fundamental, como a qualidade de espaço e segurança. Isso constitui um grande desafio. Como resolver o problema de trânsito das grandes metrópoles? As enchentes nas ruas? A demanda habitacional?

Hoje, a proximidade dos edifícios, muitas vezes, nos impede de “olhar para ver” cada objeto arquitetônico isoladamente. Vê-los exige polissensorialidade — atenção às qualidades não-ópticas dos objetos. “Para ler totalmente a obra arquitetônica é preciso entrar dentro dela, escutar seus ecos; apalpar a textura rugosa do cimento; percebê-la a uma distância ideal, isto é, a um ângulo de 18º, e sentir no seu entorno o cheiro do jardim” (Trevisan, 1990). Só assim se consegue uma experiência visual capaz de distinguir os encantos de uma igreja colonial mineira dos de uma igreja moderna.

Relembrando, o ecletismo foi uma arquitetura historicista que se apropriou de estilos passados, mas mostrou, em certas ocasiões, novas técnicas e programas de extremo bom senso e gosto. Um exemplo é o Palácio de Cristal (Figura 28), inaugurado pela Princesa Isabel e restaurado em 1998. Ele é todo estruturado em ferro fundido e vedado externamente, com placas de cristal, importadas da Bélgica.

Figura 28. Palácio de Cristal. Petrópolis.

Sabe-se que, até a Semana de Arte Moderna, marco da nossa modernidade, as escolas de engenharia e os cursos de aperfeiçoamento para engenheiros e arquitetos não contemplavam os postulados da arquitetura moderna. A iniciativa de adesão a ela partiu do arquiteto Gregori Warchavichik (1896–1972), ao projetar uma casa construída na rua Santa Cruz (1927–1928), em São Paulo, e outra, construída posteriormente na mesma cidade, na rua Itápolis (1930), denominada Casa Modernista (Pesquise na Internet).

A técnica construtiva empregada foi a tradicional: paredes de alvenaria de tijolos e telhas de barro comum. Na fachada, elementos da arquitetura moderna: lisa, composta por linhas retas verticais e horizontais, em forma de cubos e planos, isto é, “despida” de adornos. Percebe-se que a parede interna é desprovida de enfeites e o mobiliário prima pela funcionalidade e pelas formas retilíneas. O jardim foi projetado por Mira Klabin (1896–1969), que valorizou as plantas “selvagens”, como as cactáceas.

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O marco da arquitetura moderna no Brasil é o edifício do Ministério da Educação e Saúde, atual Palácio Gustavo Capanema, na cidade do Rio de Janeiro, datado de 1937 (Figura 29). No governo de Getúlio Vargas, o ministério contratou o diretor da Escola de Belas Artes, Lúcio Costa (1902–1998), para realizar o projeto. Ele compôs uma equipe de jovens arquitetos orientados pelo suíço Le Corbusier (1887–1965), considerado o precursor da arquitetura racionalista, que pregava a independência total entre estrutura e parede.

Figura 29. Le Corbusier e Lúcio Costa (equipe). Ministério da Educação e Saúde, 1937.

Em 1929, Le Corbusier promoveu conferências em São Paulo e no Rio de Janeiro e orientou essa equipe brasileira. Por que esse edifício é moderno? Na Figura 28, observa-se o emprego de: concreto armado; pilotis — colunas expostas que sustentam o edifício no pavimento térreo; brise-soleil ou “quebra-sol” — elementos de fachada que protegem o interior dos raios solares. Esse elemento propicia graça e audácia à fachada do edifício, além do conforto interno.

A arquitetura moderna também tem a preocupação de conjugar diversas expressões plásticas. O edifício abriga a série de afrescos sobre os ciclos da vida econômica do país (Figura 30) e azulejos (Figura 22) de Cândido Portinari; esculturas de Bruno Giorgi (1903–1993) e Antônio Celso (1896–1984) e o paisagismo de Roberto Burle Marx (1909–1994). Houve ainda a preocupação em se criar um mobiliário “novo” e “moderno” para o ministério.

Figura 30. Cândido Portinari. Detalhe da obra Ferro, 1936-1944. Afresco, 280x 248 cm. Palácio Gustavo Capanema, Rio de Janeiro.

Nessa fase pioneira de eufóricas descobertas, muitos arquitetos dedicaram-se à arquitetura moderna, destacando-se Afonso Eduardo Reidy (RJ), Luiz Nunes (PE), Oscar Niemeyer (RJ), Rino Levi (RJ), Álvaro Vital Brazil (SP) e Irmãos Roberto (RJ). Porém, na década de 30, proliferavam nas ruas das cidades brasileiras os edifícios do estilo art-déco — um estilo arquitetônico que concilia formas curvas e linhas geométricas e arrojadas, utilizando métodos construtivos tradicionais.

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O Edifício Saldanha da Gama (Pequise na Internet), em São Paulo, projetado pelo arquiteto Elisiário da Cunha, é um exemplo clássico desse estilo. Destacam-se nele o jogo sutil de planos verticais das paredes espessas da fachada e as curvaturas das paredes laterais, além dos adornos geometrizantes na fachada. O prédio da loja maçônica da cidade de Pirenópolis – GO apresenta características similares ao edifício de São Paulo (Pesquise na Internet ou visite o local).

O estilo art-déco estendeu-se ao desenho publicitário, ao mobiliário (Pesquise na Internet móveis neste estilo) e à cerâmica. Seus adereços simbolizaram o conforto e a praticidade da vida moderna. Há até mesmo túmulos com adornos estilizados — colunas e volutas — valorizados pelo emprego de materiais diversos (Pesquise na Internet).

Nem sempre edificações dotadas de “novos” elementos são modernas. É preciso pensar para ver arquitetura moderna em sua complexidade técnica, funcional e estética.

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3.2. Uma Arquitetura Moderna e Brasileira

A moderna arquitetura brasileira entra na fase de reconhecimento nacional após a construção do conjunto arquitetônico da Pampulha, na década de 1940, em Belo Horizonte. Juscelino Kubitschek, então prefeito da cidade, encomendou aos arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer um projeto urbanístico para o Lago da Pampulha.

Assim, foram edificados o Museu de Arte Moderna, o Iate Clube, o Pavilhão de Danças e a Igreja São Francisco de Assis, circundados pelo paisagismo de Roberto Burle Marx e esculturas de Alfredo Ceschiatti, José Pedrosa e August Zamoyski. Foi um dos momentos de maior intensidade criativa e ressonância estética de Belo Horizonte, contribuindo sobremaneira em seu processo de modernização, segundo Cristina Ávila (Ribeiro, Silva, 1997).

No Museu de Arte Moderna (Figura 31), observa-se a liberdade no emprego de formas: a definição do limite dos espaços internos e externos; a marquise — cobertura de projeção externa do edifício; a maneira de explorar a flora regional, em grandes manchas de cores, compondo um vasto arabesco irregular de inspiração barroca e criando, assim, a arquitetura paisagística nacional.

Figura 31. Oscar Niemeyer e Burle Marx. Museu de Arte da Pampulha, 1943. Belo Horizonte – MG.
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A Igreja de São Francisco de Assis (Figura 32) é a primeira igreja brasileira construída dentro dos postulados da arquitetura moderna. Na parte externa, Oscar Niemeyer fez o concreto armado sujeitar-se, plasticamente, às formas inesperadas — abóbadas com ritmos concêntricos. Os azulejos, por sua vez, cobrem parte da estrutura arquitetônica, causando grande impacto visual. Para Cristina Ávila, o discurso temático está submetido à forma. Este projeto foi execulado pela OSIARTE para Cândido Portinari, em tons de azul e branco, segundo a tradição da azulejaria portuguesa.

Figura 32. Oscar Niemeyer e Cândido Portinari. Igreja de São Francisco de Assis, Pampulha, 1944. Belo Horizonte – MG.

Na parte interna, aboliu-se o retábulo, substituído por uma pintura muralista de inspiração cubista. Portinari faz uma releitura iconográfica tradicional da vida de São Francisco de Assis: o Santo, no centro da composição, desfaz-se de suas vestes na Praça de Assis, abraça a pobreza e começa a sua missão. A profundidade é sugerida pelas cores e pela sobreposição de planos que envolvem figuras, animais e formas geométricas. O clero e a sociedade tradicional mineira rejeitaram a igreja por vários anos por causa de sua ousadia técnica e plástica.

Para Mário Pedrosa (Amaral, 1981) o Conjunto Arquitetônico da Pampulha, fruto das condições políticas excepcionais da época, torna-se um verdadeiro oásis em que os arquitetos propõem um objeto arquitetônico moderno, acrescido de características peculiares brasileiras.

O reconhecimento internacional da arquitetura brasileira advém da construção de Brasília, em 1960. Sabe-se que a proposta de se construir uma nova capital para o país surgiu com a Proclamação da República (1890) e o local ideal previsto foi o Planalto Central, nascente das três grandes bacias fluviais do Brasil — do Amazonas, do Prata e a do São Francisco.

O projeto do plano-piloto de Brasília foi uma experiência rara para o arquiteto Lúcio Costa e inédita no mundo atual. Ele teve oportunidade de projetá-lo com liberdade e independência, seguindo apenas o programa das necessidades básicas de uma capital administrativa.

O plano urbanístico de Brasília tem a forma de avião, o que estabelece uma visível hierarquia funcional (Figura 33). Ali, estão instalados os edifícios governamentais: Memorial JK, Esplanada dos Ministérios, Palácio do Supremo Tribunal, Palácio do Planalto e Congresso Nacional. As asas do avião foram projetadas para concentrar áreas de residência e de comércio, subdividas em superquadras.

Figura 33. Mapa da cidade de Brasília.
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O projeto estrutural dos edifícios públicos foi realizado pelo engenheiro Joaquim Cardoso (1897–1978) e pelo arquitetônico por Oscar Niemeyer. No geral, eles têm características similares:

Monumentalidade — é notável a grande extensão de cada um dos ministérios, distribuídos paralela e simetricamente nos dois lados da avenida (Figura 34);

Figura 34. Palácio da Alvorada, Congresso Nacional e Ministério. Brasília – DF.

Símbolismo do poder institucional — os edifícios verticais “sombreando” uma das cúpulas do Congresso configuram-no como um centro de convergência de um espaço que chega a dominar o espírito de quem observa (Figura 35);

Estruturação volumétrica estilizada — mostra-se dotada de leveza e de uma dinâmica plástica arrojada. Exemplifica bem isso o ritmo contínuo das colunas do Palácio da Alvorada que parecem, simplesmente, pairar sobre o chão (Figura 34) e a elegância estrutural da Catedral de Brasília (Figura 35);

Figura 35. Oscar Niemeyer. Catedral de Brasília.

Esculturas públicas monumentais — são compostas por figuras ou formas abstratas. Como exemplos “Monumento do Candango” (Pesquise na Internet ou visite o local) e o “Meteoro” (Figura 36) do escultor Bruno Giorgi; “Banhistas” (Pesquise na Internet ou visite o local) de Alfredo Ceschiatti (1918–1989). Brasília transforma-se em um referencial polêmico entre historiadores da arquitetura e das artes. Abriga propostas e problemas de um urbanismo moderno. É vista como: “cidade elitista”, “peste de originalidade”, “cidade nova”, “cidade de artifício”, “síntese do político”, “construída para carros”, “parque temático de política e negócios”, enfim, é uma cidade que tem algo perturbador, vivo. É, na essência, uma obra de arte construída a partir de uma nova forma de organização espacial.

Figura 36. Bruno Giorgi. Meteoro. Mármore de Carrara. Palácio do Itamaraty, Brasília.
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A carreira profissional do carioca Oscar Niemeyer sempre esteve em permanente ascensão. Realizou inúmeros projetos no exterior (França, Inglaterra, Itália, Argélia, Israel) e por todo o país. Os seus projetos sujeitam-se a intenções plásticas aparentemente independentes da técnica construtiva e esse estilo influenciou a formação dos arquitetos brasileiros. De seus numerosos projetos, destacam-se aqui: Parque Ibirapuera, de São Paulo, Universidade de Brasília, Universidade de Cuiabá, Museu Antropológico de Belo Horizonte, Memorial da América Latina, em São Paulo e Museu de Arte Contemporânea de Niterói.

As primeiras faculdades de arquitetura de São Paulo — o Instituto Mackenzie (1946) e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (1948) — também ajudaram na solidificação do pensamento da moderna arquitetura brasileira e paulista.

O arquiteto João Batista Vilanova Artigas teve grande influência do arquiteto norte americano Frank Lloyd Wright (1869–1959), considerado o pai da arquitetura orgânica, isto é, o edifício é concebido como um fato orgânico, de tal modo que o espaço interior determina suas formas externas. A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP (1969) foi concebida conforme essa concepção. Seu interior (Figura 37) contém seis pavimentos ligados por amplas rampas em desníveis, que promovem a sensação de um só plano. O “grande espaço” aumenta o grau de convivência. O exterior (Pesquise na Internet) mostra uma simplicidade orgânica, valorizando o concreto aparente e a elevação dos pilotis, que articulam a continuidade espacial entre o exterior e o interior. “Pensei-o como a espacialização da democracia, sem portas de entrada, porque o queria como um templo, onde todas as atividades são lícitas”. Estas foram as palavras do arquiteto Vilanova Artigas (Folha de S. Paulo, 1998).

Figura 37. Vilanova Artigas. Interior da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. São Paulo.

Dos arquitetos estrangeiros radicados no Brasil, Lina Bo Bardi (1915–1992) foi um destaque. Em poucos, porém, singulares projetos, revelou uma arquitetura cônscia das potencialidades dos materiais e técnicas de construção.

O Museu de Arte de São Paulo (Figura 38) é de uma simplicidade monumental. Os seus setenta metros de vão livre estão apoiados sobre quatro pilares, ligados por duas vigas de concreto aparente.

Figura 38. Lina Bo Bardi. Museu de Arte de São Paulo. Vista para a Av. 13 de Maio. São Paulo – SP.
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O SESC – Fábrica da Pompeia foi um projeto de padrão inglês, do século XIX, construído para ser uma fábrica de tambores (Pesquise na Internet). Partindo do princípio da arquitetura pós-moderna, Lina Bo Bardi recuperou os galpões, transformando-os em biblioteca, centro de lazer, pavilhão de exposições, espaço de estar, teatro, ateliês e restaurante.

O Conjunto Esportivo (Figuras 39) é a parte recém-construída, composta por dois blocos que se comunicam através de passarelas de concreto. O formato das janelas — “buracos” — sem vidros permite obter uma ventilação cruzada permanente no interior do edifício.

Figura 39. Lina Bo Bardi. Conjunto Esportivo. SESC – Fábrica da Pompéia, 1977, São Paulo – SP.

Desde sua reforma, muitas pessoas freqüentam diariamente esse local de lazer que ficou abandonado por anos. Com criatividade, boa vontade e recursos, pode-se recuperar espaços similares. Urge “pensar para ver” a possibilidade de recuperação da arquitetura existente e dar a ela uma nova função condizente com a realidade atual.

A moderna arquitetura e brasileira deixa sua marca registrada nos “pilotis” e nas curvas sinuosas de Oscar Niemeyer. Esses elementos são apropriados pela arquitetura vernácula, conforme se pode observar nas curvas do teto do jazigo-capela (Pesquise na Internet).

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Vieira, Jefferson A. Um século de história das Artes Plásticas em Belo Horizonte (vídeo). Com Arte Multimídia, 1997.

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