Licenciatura em Artes visuais Percurso 4
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Arte e Cultura Latino Americana

Autor

Dr.Fernando Miranda

Tradutora

Maria Ágatha Guimarães Couto Possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de Goiás (2002). Atualmente é produtora da Televisão Brasil Central, emissora do Governo do Estado de Goiás. Também trabalha com produção e revisão de textos, nas áreas de jornalismo e produção acadêmica.

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Apresentação

O módulo Arte e Cultura Latino-americana tem como objetivo o conhecimento geral sobre os debates e produções no campo artístico na região definida como América Latina. Definimos focar, particularmente, no período que se passa na segunda metade do século XX e — em função de os estudantes já terem trabalhado a arte brasileira em outro módulo — considerar o resto dos países latino-americanos, com exceção do Brasil.

Este módulo, por sua vez, é composto por três unidades: Na primeira delas (Unidade 1), o que se busca é contribuir para conceitualizar aquilo que definimos como “latino-americano”, para delimitar os alcances desse termo, em particular no que se refere à arte e a cultura.

Na segunda (Unidade 2), detemo-nos em algumas discussões vigentes sobre o lugar da arte e da cultura na sociedade, de uma perspectiva centrada na América Latina.

Finalmente, a última (Unidade 3) refere-se a algumas orientações, movimentos e artistas que consideramos relevantes, mesmo com todos os riscos e injustiças que compreende a realização dessa tarefa.

Certamente, você vai encontrar, nas diferentes unidades, diversos tópicos que têm o interesse de facilitar o estudo do módulo.

Unidade 1: Breve rastro histórico das concepções de popular

Em uma unidade temática desse tipo, é sempre necessário tentar definir aquilo que delimita nosso objeto de trabalho. Nesse sentido, temos como desafio estabelecer as relações entre arte e cultura, mas também fazer referência ao que denominamos latino-americano.

1.1. A unidade imaginada

As denominação de latino-americanos nos remete a diversas circunstâncias de pertencer, entre as quais podemos citar algumas:

Geográficas, pois estabelecem limites vinculados ao continente americano do México ao sul das Américas.

Históricas, pois têm muitos vínculos com a conquista desses territórios pelos europeus, com as relações com os povos nativos, com as sucessivas batalhas travadas pela independência, com os desenvolvimentos institucionais e políticos.

Demográficas, sobre a construção das nações, formação mestiça dos povos, consequências das correntes migratórias ocorridas em diversos sentidos e sobre as condições de assentamento das populações.

Culturais, especialmente importantes quando estamos interessados nas maneiras de representação, na construção de significados a respeito do que ocorre ao nosso redor, na produção simbólica que constrói maneiras de ver, sentir e fazer compartilhamentos.

Deter-nos-emos, pois, nesse ponto particular para buscar pistas acerca da definição daquilo que consideramos o latino-americano e que características teria em nossa época contemporânea.

No nosso julgamento, essa definição da condição latino-americana implica um jogo duplo de unidade regional a respeito de assuntos comuns, mas, ao mesmo tempo, deve possibilitar mostrar a riqueza de uma condição heterogênea.

De todo modo, o fenômeno da chamada globalização tem possibilitado a multiplicação de contatos e conhecimentos entre uma diversidade maior de populações, e a ocorrência dos movimentos migratórios tem dificultado a manutenção da análise da cultura como um assunto exclusivamente nacional.

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Surgiram vários movimentos de contato facilitados pela mobilidade populacional, pela tecnologia e comunicações, consequências de aplicação da matriz econômica atual do capitalismo, que desloca grandes contingentes humanos em busca de melhores condições de vida.

Isso faz já não podermos falar confortavelmente da “cultura uruguaia”, “cultura peruana” ou “cultura venezuelana”, por exemplo, já que essas definições não correspondem a situações reais, pretensamente sólidas e homogêneas.

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Recomendamos a leitura de algum dos textos de José Luis Brea (falecido recentemente em 02/09/2010) listados na biografia. Lá se pode encontrar o que Brea denominaria como parte dos novos regimes de abundância e das novas economias da experiência e lugar das novas práticas culturais e artísticas.

1.2. Latino-heterogeineidade

A experiência cultural, o intercâmbio simbólico se multiplica nessa época global e se transforma numa mercadoria, um bem de troca. O teórico da cultura George Yúdice disse que “A economia cultural já está definida como a venda e compra de experiências humanas” (Yúdice, 2002, p.239).

A condição única da América Latina tem sido, então, a mestiçagem, o cruzamento cultural, a hibridação, a mistura. No entanto, a característica da construção das sociedades latino-americanas não deixou de ser uma ideia de nacionalismo que não se ajusta a essa realidade, mas que procurou, por motivos diferentes, proclamar identidades sólidas, essenciais ou de pureza original.

Tal ideia, constituída junto aos países e às estruturas de Estado que compõem a América Latina, acabou por, muitas vezes, contradizer a riqueza da mistura entre as populações originais e as populações imigrantes.

Essas condições gerais de definir a condição de América Latina outorgam à chamada arte latino-americana a particularidade de unificar, em uma só denominação, a variedade, a heterogeneidade e a mestiçagem como uma condição de destaque.

A identidade latino-americana, quando não se explica através de um latinoamericanismo imediatamente destacável, quando não se responde a manifestadas intenções de marcar a autoctonia (como acontece com as tendências de inspiração folclórica, realismos e indianismos sociais ou mágicos ou recuperações arqueológicas) se interioriza, submete se à sutil alquimia dos processos de elaboração artística, opera dentro de um complexo sistema de vasos comunicantes, trama se com recordações individuais e atávicas, com reminiscências culturais, com a memória pictórica e com as exigências do presente; com um presente móvel que redefine e renova a carga de passados. (Yurkievich, 1992, pp. 7-8)

Mesmo assim, é notório que a América Latina pode ser comumente incorporada dentro do que se define como cultura ocidental. Não é menos certo que, quando falamos de arte latino-americana, estabelece-se tal distinção, que destaca maneiras particulares de expressar condições sensíveis, de modos de ser e de idiossincrasias que parecem distingui-la.

Talvez, então, possamos concordar com que o que pode ser definido como arte latino-americana é, além daquilo que se pode estabelecer pelas referências geográficas ou históricas que citamos, o conjunto de relações que se estabelecem para formar a produção artística.

Assim, o patrimônio da arte latino-americana é composto pela mistura entre as tradições artísticas locais e a influência estrangeira, os debates entre formas de realização predominantemente figurativas e abstratas ou o reflexo de condições próprias de existência como, por exemplo, as migrações, as lutas políticas e sociais, o status social do urbano ou a recuperação do passado comum.

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Sugestão de atividade

Analise criticamente o seguinte texto:

“Na América Latina, enfrentamos a sincronicidade do atemporal. Temporalidades distintas que se desenvolvem sincronicamente: por um lado, a produção leiteira high tech no Chaco paraguaio, plantações de soja até o horizonte no Alto Paraná, plantas petroleiras na Amazônia peruana e terminais de carga na costa do Pacífico, que faturam milhões e enviam matérias-primas para todo o mundo. Pelo outro, restos de formas sociais tradicionais, comunidades indígenas que trabalham a terra, alternando os cultivos, apenas enquanto o solo seguir outorgando rendimentos” (Retirado de: Berger, Timo “El happening del hub: un ensayo sobre materias primas y cuerpos extraños”)

1.3. Condições impostas à arte latino-americana

A arte latino-americana, no entanto, é tomada muitas vezes e na opinião dos grandes centros artísticos reconhecidos pelo mercado, como uma produção mais realista, mais direta a respeito da denúncia dos problemas da sociedade, mais genuína ou ingênua e até mesmo mais pura ou desinteressada do que a arte produzida neles.

Essa condição parece ser derivada de localizar as práticas artísticas e culturais latino-americanas com relação às denuncias e às formas explícitas de uma realidade premente ou urgente. Como alguns teóricos diriam, com mais implicação real ou, se quiserem, com menos condição metafórica.

Uma condição imposta dessa maneira merece a crítica no sentido de que enquanto o centro pode dar-se ao luxo de meditar sobre os problemas formais da arte e do discurso — acumulando tudo que é medicação e representação — a periferia é condenada pelos circuitos internacionais ao realismo do dado primário, à documentação antropológica e sociológica do contexto; às políticas de ação e do testemunhal; ao cenário romântico-popular subalterno que se espera que fale sem meditação, ou seja, ao vivo e direto. (Richard, Nelly, 2007, p. 69)

Então, o lugar da arte e da cultura deve considerar, se for latino-americana, tanto as fontes que constituem a mistura e a hibridação de origens e influências quanto as maneiras particulares em que as produções simbólicas são vividas, desfrutadas, recebidas pelas pessoas e pelos coletivos.

Se acompanharmos o artista chileno Edgar Endress (2008), a condição do latino-americano permite, na verdade, dar-se a oportunidade de considerar alternativas criativas aos centros dominantes do artístico. Endress diz: “Falar de arte latino-americana é absolutamente abstrato, mas se me der conta de que há a possibilidade de investigar os processos criativos latino-americanos que podem manifestar uma contrapartida a esses polos do primeiro mundo.”

Como retomaremos esse ponto a cada vez que se trabalhar nesse texto sobre alguns artistas e movimentos da América Latina nos anos 1950 até o presente, é importante estabelecer algumas notas prévias.

Como educadores, não podemos permanecer alheios aos movimentos produzidos em nossas sociedades, nas relações geradas entre as produções cultural e artística e como essas são recebida e vividas pelas pessoas. Temos que refletir, a partir de nossas práticas e, também, a partir da teoria, até que ponto tem a ver com as pessoas comuns aquilo que, tradicionalmente, pensou-se como Arte em maiúsculo (quando se trata de heróis da arte que lutaram grandes batalhas culturais delineadas pela historiografia oficial). E, por outro lado, considerar também como essas pessoas vivem, cotidianamente, a produção cultural, simbólica, imaginária que se distribui nas mídias de massa, nos centros comerciais, nas grandes corporações, na televisão, no cinema e, inclusive, nas vendas piratas de música e cinema produzidos nos mercados comunitários de bairros latino-americanos.

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Que alunos temos nas oficinas, nas escolas, nas salas de aula? De que maneira eles vivem a cultura e a arte no cotidiano? Que produções simbólicas realizam ou com quais se identificam? São as perguntas que devemos fazer para compreender o papel da educação artística a respeito da arte e da cultura.

Com Lucina Jiménez, podemos estabelecer algumas dessas preocupações em comum:

“[...] o que os jovens fazem em seu tempo livre? […] muitos estão em frente à televisão […] vestem a camiseta ou a tatuagem,referem à imagem do Che, à língua dos Stones ou à Santa Morte; outros trazem os lábios e as orelhas pintadas de preto...” (Berman, Jiménez, 2006, p. 195)

Nesse texto, além de listar alguns movimentos e artistas que consideramos importantes, tentaremos mostrar uma série de preocupações temáticas que, no nosso julgamento, relevaram-se aos criadores latino-americanos.

Por exemplo, entendermos a história dos povos originários e as condições naturais do continente, a construção e desenvolvimento das cidades latino-americanas e as condições gerais do urbano, os assuntos derivados da construção de identidades coletivas e os pertences individuais, assim como as preocupações políticas derivadas da luta pelos direitos humanos e as liberdades, tem sido as preocupações recorrentes que, seguramente, podem dar um caráter de coesão àquilo que chamamos arte latino-americana.

Vale a pena, então, voltar a um texto que nos permite pensar sobre a importância da arte nas sociedades latino-americanas:

“A ‘inundação’ da arte na sociedade pode ser ‘democracia cultural’, mas não imagino apenas artistas criando e públicos recebendo, e sim grupos sociais capazes e em condições de renovar seus próprios significados, ampliar suas possibilidades de expressão, usar redes de comunicação, dar vida a espaços físicos e virtuais de convivência, cuidar do seu patrimônio, mobilizar suas organizações para decidir sobre o desenvolvimento urbano e o meio ambiente.” (Berman, Jiménez, 2006, p.168)

Essa reflexão continua a ser abordada na Unidade 2, em que nos referimos ao lugar da arte sob perspectivas que definiríamos como latino-americanas.

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O tema da identidade tem sido uma constante preocupação temática na arte latino-americana. Identidade étnica, local ou regional, também identidade política.

Em todo caso, a luta pela identidade tem sido, também, um tema fundamental para muitos artistas que trabalham os assuntos da memória e dos direitos humanos, especialmente a partir das ditaduras que muitos países latino-americanos sofreram.

Nesse sentido, destacamos “Identidade”. É uma instalação apresentada em dezembro de 1998 no Centro Cultural Recoleta, em Buenos Aires (e a partir dali em vários países) com a intenção de colaborar com a tarefa da Associação Avós da Praça de Maio na busca por seus netos sequestrados/desaparecidos de a seus Pais ou nascidos em cativeiro durante a última ditadura militar (1976-1983) na Argentina.

Foram treze artistas que, a partir do compromisso na causa dos direitos humanos, produziram esse projeto: Carlos Alonso, Nora Aslan, Mireya Baglietto, Remo Bianchedi, Diana Dowek, León Ferrari, Rosana Fuertes, Carlos Gorriarena, Adolfo Nigro, Luis Felipe Noé, Daniel Ontiveros, Juan Carlos Romero, Marcia Schvartz.

A proposta foi uma linha de tempo ininterrupta formada pelas fotos dos pais sequestrados/desaparecidos e um espelho que toma o lugar da foto do filho(a) que ainda não foi encontrado(a). Constrói-se, assim, uma espécie de árvore genealógica parcialmente reconstruída pelo reflexo do expectador, quem sabe um desses adolescentes cuja busca se centra o trabalho das Avós da Praça de Maio. (Retirado de ArteUna, disponível em: “http://www.arteuna.com/convocatoria_2005/Imagen/Centro_Cultural_Recoleta.htm”, Último acesso 10/09/2009)

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Unidade 2: Reflexões sobre o lugar da arte na américa latina

Esta Unidade pretende introduzir alguns debates ocorridos sobre o lugar da arte na América Latina. É uma seleção que nos mostrará como alguns artistas e pensadores têm refletido sobre o papel da arte (em particular a arte latino-americana), quais são suas particularidades, suas bases e suas orientações.

Você verá que não se pretende um detalhamento exaustivo e, sim, mostrar como se tem pensado sobre esse ponto a partir das referências próprias da América Latina, em uma espécie de consideração e chamada de atenção da arte sobre si mesma.

2.1. Luis Camnitzer

Retomanos o fim da Unidade 1, onde mostrávamos, no quadro SAIBA MAIS, o trabalho Identidade, produzido por vários artistas na Argentina. A respeito do mesmo e para introduzir o que diremos em seguida, Ana Tiscornia (2007) dirá que “Embora seja certo que é fácil deixar-se ganhar pela frustração da arte como fator de transformação da realidade, Identidade é um trabalho que disputa o ceticismo e ratifica a pertinência ética da tentativa.”

Então, verificamos a constante necessidade na arte de se perguntar sobre um lugar, um papel que parece ser chamada a cumprir, em muitas ocasiões a respeito da realidade em que se desenvolve, dos temas que envolve, das transformações que procura.

Por exemplo, em seu manifesto de La Habana (2008), Luis Camnitzer expressa uma reflexão, que é recorrente em sua obra teórica, sobre o lugar da arte e seu papel eventualmente crítico e transformador. Mas, do mesmo modo, alerta para uma espécie de “mau uso” da arte quando sua relação com a política conduz a fins não éticos.

O artista expressa:

Creio que a quantidade de poder no universo é finita.

Creio que a quantidade finita de poder está mal distribuída.

Creio que o poder tem que ser distribuído equitativamente.

Creio que a forma de redistribuição do poder define uma estética.

Creio que a redistribuição ética do poder necessita de uma estratégia.

Creio que a estratégia para uma redistribuição ética do poder define uma política.

Creio que a arte é um instrumento que serve para implementar essa política.

Creio que o uso da arte para outros propósitos ajuda a uma má distribuição do poder.

Creio que a má distribuição é um desastre ecológico.

Creio que a arte mal usada é um desastre ecológico.

Creio que temos que pensar duas vezes antes de fazer arte.

Essa preocupação pelo poder estar presente em muitas das manifestações da arte latino-americana é uma preocupação constante a respeito da função da arte e como essa é interpretada na sociedade a partir de um papel concreto.

2.2. Gustavo Buntinx

Gustavo Buntinx, ativista cultural e artístico do Peru, faz referência, em suas ações, a antecedentes artístico-políticos associados aos processos ditatoriais sofridos na América Latina, especialmente na Argentina e Chile. Em tal sentido, veremos esse ponto com mais detalhes na unidade seguinte.

Introduzimos aqui apenas como Buntinx (2008) reflete sobre o lugar político das ações artística e cultural, mas também pela ampliação da ação visual além dos limites da arte:

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“A primeira coisa que um museu deve fazer para definir-se como contemporâneo é abandonar sua vocação exclusiva para a arte. A arte é uma categoria desfalecente, anacrônica, cada vez mais assediada e perfurada pela metástase icônica de uma visualidade que se multiplica desde as campanhas corporativas mas também desde a recuperação da iniciativa simbólica pelos setores antes mais isolados e silenciados.”

Buntinx defende a transcendência da ação artística desde os museus até a rua, da distância da ação elitista ao tecido urbano. Seu trabalho salienta desarmar o conceito clássico do colecionismo elitista, transformando-o em formas de coleção e mostra que efetivamente produzam alterações na vida normal das comunidades, definitivamente, que sejam provocadoras. Salienta, em seu trabalho de desarmar o conceito clássico de transformação de recolha de elite como uma coleção e mostra que eles produzem alterações na vida normal das comunidades, em suma, para ser provocativo.

Por isso, é fundamental compreender sua “metáfora de uma musealidade rodante, uma musealidade ambulante, que não precisa de uma locação específica”. Uma forma de musealidade andante “que ressignifica até mesmo estruturas parasitas já existentes, às vezes aquelas que têm sido produzidas para espaços do museu.” (Buntinx, 2008)

O significado político, em última instância, tem a ver com:

“Entender que o objeto tem que ser devolvido à sua condição de estranheza original […] para desfamiliarizar nossa relação com determinado tipo de ordenamento visual e fazer possível que as palavras e as coisas signifiquem outra vez.” (Buntinx, 2008)

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A arte e seus criadores têm recorrido frequentemente, à elaboração de diversos manifestos, documentos conceituais que sintam as bases de orientação de movimentos coletivos. Recomendamos a leitura do Manifesto da Viagem de Micromuseu, disponível em “http://www.micromuseo.org.pe/manifiesto/index.html

2.3. Edgar Endress

A arte, como ação política, como atitude e ação repulsiva na sociedade, é uma constante discursiva em diversos lugares da América Latina. As práticas contemporâneas da cultura implicam, necessariamente, para muitos ativistas, criadores e agentes culturais, uma postura de questionamento necessário ao poder. E isso implica uma vigilância e uma ação contra o poder e seus eventuais conformismos ou devaneios.

Como afirma o fotógrafo venezuelano Nelson Garrido, orientador da ONG (http://www.organizacionnelsongarrido.com/), em uma entrevista realizada em 2008:

“A cultura tem que estar onde não tem que estar, a arte não é para resolver problemas senão para criar problemas. Se a arte não cria problemas não tem nenhum sentido. […] a arte é resistência contra o que há e contra o que vem […] ou seja, a arte tem que ser contracultural e contra o poder, senão não tem sentido. Tem que gerar problemas, tem que gerar conflito […] uma coisa que gera idéias, que te gera pensamento…”

O artista contemporâneo chileno Edgar Endress incorpora, em vários de seus trabalhos, a relação com o poder, os contextos social e político do período da ditadura de Augusto Pinochet em seu país, como referências de função e lugar da arte.

De alguma maneira, seu trabalho, como sua reflexão, torna compreensível uma maneira de entender o papel das práticas artísticas nas sociedades latino-americanas.

No trabalho “LaProcesión”, o artista faz uma comparação entre uma procissão religiosa, com referências bem contextualizadas, e um desfile militar do período da ditadura chilena. Isso não seria novo se o artista não envolvesse, no vídeo, suas próprias cenas pessoais, suas marcas de identidade a respeito da infância e o olhar infantil para chamar atenção a respeito desses acontecimentos.

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Além disso, o feito da experiência de Endress, nos Estados Unidos, contribui para contrastar condições próprias, diríamos de identidade e origem, como as dos países latino-americanos, com o contexto de seu trabalho.

Em seu conceito sobre a arte, é revelada uma intenção relacional ao tempo em que, daí, produz se uma intenção de incidência social. Endress (2008) diz a respeito da orientação de seu trabalho e sua condição latino-americana:

“Criar uma comunidade apenas com latinos não funcionou, a ideia é criar espaços em comum sem suspender individualidades. [A estética relacional] tem duas variáveis: uma variável pessoal que é criar uma comunidade que me rodeie […] diante da reflexão sobre arte. Daí vem esta coisa do relacional: vem da necessidade de relacionar-se em um país onde a gente já não sabe como relacionar-se.”

“Principalmente, é uma necessidade de ativar as comunidades, é ativar o coletivismo, mas de um ponto de vista onde se respeita as individualidades.”

Esse enfoque termina em uma ruptura com o artista genial e único. “Então a necessidade de que o autor, de que o criador, esse tipo aurático, o artista que toca e o transforma se perca um pouco […] e negociar. E logo entender o contexto onde se realizam as coisas e os códigos”.

Retomaremos mais alguns sinais da arte no Chile na Unidade 3. No momento, interessa-nos salientar a importância do chamado CADA, sigla representativa do Coletivo de Ações de Arte que surgiu naquele país ao final dos anos 1970, realizando diversas atividades artísticas (artístico-políticas, para defini-las mais adequadamente) de caráter público.

2.4. CADA

O CADA era formado por profissionais de várias áreas (a escritora Diamela Eltit, o poeta Raúl Zurita, o sociólogo Fernando Balcells e os artistas visuais Lotty Rosenfeld e Juan Castillo). O grupo reagia com práticas estéticas a respeito da institucionalidade instalada pela ditadura e entre suas ações principais destacamos “Para não morrer de fome na arte” e “Ai Sudamérica”.

Na primeira delas, em 3 de outubro de 1979, entregaram cem bolsas de meio litro de leite em um bairro popular de Santiago do Chile. Ao descartar as bolsas vazias (impressas com a frase “1/2 litro de leite”), tal como havia pedido o grupo, passaram-nas aos artistas para ser utilizadas como suporte de obras que logo estariam em uma galeria de arte. No mesmo dia da distribuição, o grupo pretendia publicar uma página na revista Hoje em branco, que, finalmente, na negociação com o diretor da publicação, apareceu impressa com o seguinte texto:

“imaginar esta página completamente branca

imaginar esta página branca como o leite diário a consumir

imaginar cada canto do Chile privado do consumo diário de leite como páginas brancas para preencher.”

Todas essas ações, parte de uma só grande ação, vão gerando uma série de metáforas que aludem à mobilização e, ao mesmo tempo, à carência relembram as políticas do governo derrubado de Allende para levar leite para cada criança, mas, ao mesmo tempo, envolve-se na denúncia da situação da época.

Em “Ai Sudamérica”, realizada em 12 de julho de 1981, seis pequenos aviões em formação militar lançaram 400.000 panfletos sobre os bairros de Santiago do Chile. Parte do texto desses panfletos assinalava: “a única obra de arte que vale: cada homem que trabalha para a ampliação mesmo que seja mental de seus espaços de vida é um artista.”

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Esse lugar da arte, refletido de diversos lugares da América Latina ou por artistas latino-americanos, é talvez um dos debates mais interessantes que se desenvolvem e ainda têm vigência.

O espaço da arte pensado e refletido sobre si mesmo e, ainda mais, atuando para questionar suas próprias formas práticas e maneiras criativas é, no nosso julgamento, uma das condições regionais talvez de maior destaque quando se afasta da condição espetacular.

Luis Camnitzer ocupa centralmente o lugar da arte de uma perspectiva particularizada na América Latina, especialmente na relação periferia - centro.

Para Camnitzer, tem-se uma concepção errônea do artístico quando se põe o caráter universal e essencialmente valioso acima de particularidades e contextos de interpretação.

E, nesse jogo particular, na América Latina, é jogada em seus artistas a possibilidade de tornar relevante a diferença e, portanto, a condição política de poder. O artista (2008) afirma:

“O processo colonizador gera uma leitura de projeção determinada pela zona que tem o poder, e trata de obrigar os artistas a formatar a apresentação para essa projeção […] Crê-se [em uma perspectiva] que frente à embalagem e sem saber exatamente quando deduz e quando projeta, tire conclusões gerais que aceitará como verdades. […] Uma das dinâmicas frequentes nessa perspectiva é a crença que a arte é uma linguagem universal com valores absolutos.” [...] Ignora o fato de que há conteúdos e evocações muito mais particulares do que determinaria uma universidade e esses são fundamentais para que a obra tenha algum sentido e efeito.”

Essas afirmações têm a ver, necessariamente, com uma análise do lugar da arte na América Latina, pois é nela que se joga a relação entre centro e periferia, entre a tentação de agradar os espaços centrais de reconhecimento na arte e a possibilidade de construir identidades locais, dialetos, cumplicidades interpretativas regionais.

Por isso, Camnitzer (2008, p.15) insiste em uma análise radical:

“São os artistas que, por tratar de reforçar os vínculos que nutrem e armam a comunidade, vão articulando e aperfeiçoando o dialeto. Com ele ajudam a dar formas às identidades coletivas. Por outro lado, estão os artistas que tomam aspectos da identidade já conhecida e os usam para preencher cotas da demanda multicultural em centros hegemônicos.”

Saiba mais

Você pode acessar parte do vídeo “La Procesión” (A Procissão) de Edgar Endress em “http://www.littlesongfilms.com/video-art/procession.html

Saiba mais

Você pode assistir a uma parte dos vídeos sobre as ações do CADA “Ai Sudamérica”, em “http://hidvl.nyu.edu/video/003060733.html” e “Para não morrer de fome na arte”, em “http://hidvl.nyu.edu/video/003180907.html

Sugestão de atividade

Analise, criticamente, o seguinte texto:

“O chamado vanguardatista para viver a arte como fusão integral entre a estética e a cotidianidade implica superar os confins simbólicos e materiais da instituição artística e ‘desmontar a noção maniqueísta da arte como alternância de vida’. Implica reconciliar arte e vida em um todo sem divisões nem compartimentações. Divisões de linguagens e compartimentações de esferas e valores são as culpadas — para esse vanguardismo artístico — de ter reforçado a lógica interna de cada prática, forçando-a à clausura da autorreferência. ‘A impugnação tanto da autorreferência da arte como o conceito de prática específica’ buscada pelo CADA exige a dissolução dos valores de autonomia e de especificidade artísticas fixadas pelos limites que separam e normatizam a distância entre realidade (vida) e discurso (arte).” (Richard, 1994, p. 42)

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Dessa maneira, a arte latino-americana, se essa generalização diz respeito a alguma coisa, é a condição necessária de reflexão sobre si:

“Se a arte fosse um campo abstrato e fechado como a matemática, seria um campo de propriedade coletiva sem atribuições localistas ou chauvinistas e todo o mundo contribuiria para um fundo comum. Mas a arte não funciona assim. Sendo comunicação, sempre incorpora subentendidos locais e comunitários.” (Camnitzer, 2008, p. 18)

2.5. Marta Traba

É importante citar, com relação ao tema, o pensamento de Marta Traba (1930-1983). Traba foi uma crítica de arte de origem argentina, ainda que seu trabalho a tenha conduzido por diversos países da América Latina — especialmente Colômbia, onde, no começo dos anos sessenta foi nomeada diretora do Museu de Arte Moderno de Bogotá — e Europa.

Segundo Traba:

“Ver em seu conjunto a arte moderna latino-americana, quando se sabe que procede de mais de vinte países com tradições, culturas e línguas diferentes, sempre foi uma dificuldade quase insuperável ao tentar escrever sua história, a qual talvez explique que até agora não se tenha produzido uma obra assim.” (Traba, 1994, p.1)

Por sua vez, Marta Traba disse, na Universidade de Bonn: “Somente à luz da cultura da resistência é que adquire seus sentido e projeção o conjunto dos iniciadores da arte moderna na América Latina: Torres García e Figari no Uruguai, Tamayo no México, Mérida na Guatemala, Matta no Chile, Lam e Peláez em Cuba, Reverón na Venezuela...” Em 1975, na Universidade do Texas em Austin, disse: “A resistência é o comportamento estético que apresentamos como alternativa aos comportamentos da moda, arbitrários, masturbatórios ou destrutivos”. (Traba apud Bandrymer, 2009).

Chegados até aqui, dispomo-nos a abordar a seguinte unidade. Assim, na Unidade 3, realizamos uma aproximação a diversas correntes e artistas que nos permitam uma aproximação geral às orientações e criadores a partir da segunda metade do século XX.

Como citamos no começo do módulo, a Unidade 3 se refere às orientações, correntes e artistas que, desde a segunda metade do século XX até a atualidade, têm tido significação e relevância nos diferentes países latinoamericanos.

Em alguns casos, ademais, veremos relações entre artistas provenientes da América Latina e outros contextos de atuação — especialmente, Europa e Estados Unidos — como principais centros de produção e domínio no campo da arte.

Unidade 3: Orientações, correntes, artistas na América Latina

3.1. Os centros artísticos

De fato, é habitual que as análises sobre movimentos e artistas se refiram a certos eixos geográficos, onde ocorrem diversas correntes expressivas e criativas ou a centralidades locais que parecem concentrar uma maior densidade de produção artística.

Teóricos e críticos, como Damián Bayón (1981), afirmaram que, para os anos quarenta e depois da Segunda Guerra Mundial, quando poderíamos começar a citar um desenvolvimento do início de certas condições que se expressariam mais tarde nas principais orientações da arte, os polos seriam México, São Paulo- Rio e Buenos Aires-Montevidéu.

Dessa maneira, quando se fala de arte latino-americana, a partir da segunda metade do século XX, usualmente, as análises se referem às influências anteriores que deixou na região, por um lado, o muralismo mexicano de Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros e José Clemente Orozco; por outro lado, as escolas surgidas no Rio da Prata — onde a figura de Joaquím Torres García exerce grande influência nos anos trinta e quarenta –; e, ainda não é objeto da nossa abordagem, nesse texto, artistas brasileiros, como Cândido Portinari, Emiliano Di Cavalcanti ou Tarsila do Amaral.

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No caso dos primeiros eixos — México por um lado e o Rio da Prata por outro, com a influência fundamental de Buenos Aires — estabelecem-se, inclusive diversas características que vão influenciar mais tarde.

É assim que, por exemplo, a apelação de um nacionalismo, na arte mexicana, em contraposição com um internacionalismo definido no Rio da Prata, é um impulso que segundo Bayón (1981, 1984) se recupera nos anos setenta, não como uma expressão de mero folclorismo, senão com a ideia de definição de uma identidade cultural própria.

3.2. O caso do México: do muralismo à contradição abstratos / figurativos

A hipótese anterior, que se refere à condição nacionalista das artes no México, reforça o fato de que o muralismo teve tal força no país nas primeiras décadas do século XX. De fato, Marta Traba (1994, p. 2) dirá que:

“A revolução agrária mexicana foi a conjuntura política mais importante para mudar o curso da arte moderna em um país do Continente. Inclusive, os artistas mais sobressalentes [...] teriam seguido provavelmente outros caminhos de não aceitar o convite, feito em 1921 pelo ministro da educação José Vasconcelos, para decorar os muros dos principais edifícios públicos do México. O muralismo foi, voluntária ou doutrinamente, um produto anexo à Revolução Mexicana.”

O que ocorre, posteriormente, à vigência e importância dos artistas nomeados antes, Rivera, Orosco e Siqueiros, é a transcendência do legado e a influencia desses, especialmente em um tipo de busca da condução histórica e nacional.

O período seguinte, que poderíamos localizar entre as décadas dos anos quarenta a oitenta, é o que alguns autores (Bayón, 1984) denominaram como: Pós-muralismo.

Assim, nessa época ganha importância a figura de Rufino Tamayo (1899-1991), que domina a cena da arte no País, e seu trabalho adquire transcendência de caráter internacional.

De fato, temos um bom exemplo do sucesso das formas sintéticas que relacionam a influência das vanguardas europeias com os elementos temáticos que surgem do imaginário anterior à conquista, assim como de traços próprios da condição popular. Portanto, costuma-se afirmar que o artista articula no México essas soluções vanguardistas com as próprias raízes mexicanas, demonstrando como a arte latino-americana mostra experiências em que essas reivindicações se fazem patentes também das características cromáticas de suas obras.

Em alguns casos (Sullivan, 1992), é comum relacionar a região natal de Oaxaca com as temáticas fundadas no mítico e no legendário que se fazem presentes nas obras do artista.

Assim, sua obra intitulada Animais (1941) (imagem disponível em “http://www.moma.org/collection/object.php?object_id=79030”) mostra outras de suas qualidades pessoais sobre as alegorias dos horrores da guerra mundial.

Em síntese, Bayón (1981, p.16) diz a respeito de Rufino Tamayo: “A sua começa com uma deformação tímida, mas muito original e inspirada na arte popular de seu país mexicano. Mais tarde – já em Nova Iorque – agrega uma considerável dose de vanguarda bem digerida.”

Por outro lado, é nos anos de 1950 que se levanta a batalha para impor uma nova plástica no México, considerando a ideia de liberdade criativa e aceitando a validez de todas as tendências. Tudo isso muito mais centrado nos assuntos propriamente artísticos e de preocupação com a “qualidade estética” do que com o tratamento de conteúdos sociais ou políticos.

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É assim que Mathias Goeritz (1915–1990), nascido em Danzig, Alemanha (hoje parte da Polônia), chega ao México em 1949 e termina por impor bases que impulsionam novas maneiras escultóricas na cidade que já não tem a ver com aquele espírito nacionalista nem com os heróis revolucionários.

Desde a sua chegada, introduz a formação visual sobre o desenho e a relação entre a arquitetura e a escultura. Em 1953, realiza o Museu Experimental O Eco (http://ciudadmexico.com.mx/atractivos/eco.htm), considerada a obra principal na arquitetura moderna mexicana e baseada na ideia de uma escultura habitável, emocional e minimalista.

Tal como sustenta Marta Traba (1994, p.105), “É possível que, se Matias Goeritz não tivesse chegado ao México, não teria se desenvolvido com tal força a corrente alternativa da geometria mexicana”. Ela também, em especial, faz referência às conhecidas Torres de Satélite.

Ainda mantendo a polêmica de identificação e desenvolvimento artístico expressada na luta entre abstratos e figurativos dos anos setenta e oitenta, surgem artistas, como Vicente Rojo (nascido em 1932 e residente no México desde 1949), que apontam novas possibilidades para a pintura mexicana.

Suas séries dos anos 1980 “México debaixo de chuva” e dos anos 1990 “Cenários” são especialmente destacadas pelos teóricos. Acontece do mesmo modo com a presença de Gerzso (1915–2000) que chega à arte “não figurativa” depois de ser cenógrafo de teatro e cinema e ter incursionado no surrealismo.

Assim, Marta Traba (1994, p.105) diz que com Gerzso “se destaca a narração direta que governou toda a obra muralista e se estimula a intermediação simbólica.”

Pelo lado dos figurativos, contam com artistas, como Francisco Toledo (1940), mais preocupado com uma série de mitos ancestrais, com presença de animais que combina com acontecimentos e usos da cidade. Na abstração, há que se destacar a importância de Manuel Felguérez (1928).

3.3. Venezuela: a geometria e o movimento

Na Venezuela, pelos anos de 1950 e como resposta aos ensinamentos das escolas de arte da época, produz-se a reunião do grupo chamado “Os Dissidentes”, onde se integrarão, entre outros, Alejandro Otero (1921–1990) seu líder mais visível e Luis Guevara (1926). É, precisamente, Otero um artista comumente reconhecido como de fundamental importância nas orientações geométricas na América Latina.

Em 1950, esse grupo publica seu manifesto e, no ano seguinte, o arquiteto venezuelano Carlos Raúl Villanueva convoca vários dos artistas relacionados ao grupo emergente na época a trabalhar na decoração da Cidade Universitária de Caracas, como conjunto de arquitetura e arte levantado na América Latina (temos que lembrar que é na década de 1960 que o presidente Kubitschek, no Brasil, declara Brasília como capital, em uma experiência também de arquitetura e arte, ainda que de maior transcendência).

A Venezuela (e também o Brasil) se urbaniza intensamente na metade do século XX, desenvolvendo-se então a arquitetura moderna. As relações entre essa arquitetura e alguns jovens artistas provocavam a aparição de novas formas experimentais e o exercício mais livre e ousado sobre a produção artística local.

Posteriormente, nos anos de 1960 surge o reconhecimento e o auge das obras abstratas de Otero, Carlos Cruz-Diez (1923) e Jesús Rafael Soto (1923–2005).

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Uma vez que terminam formalmente colaborações dessas artistas com a arquitetura, com Villanueva, aumentam os pedidos de realizações a Soto, Otero e Cruz-Diez, especialmente com o setor público.

Segundo Andes (1997, p. 282), são várias as explicações para isso. Algumas tem a ver com o florescimento da economia venezuelana dos anos de 1950 e 1960, graças ao petróleo ou a patrocínios de importância, mas é fundamental devido à identificação desses artistas com o “orgulho nacional”.

É precisamente o surgimento da Op Art (Arte Óptica) com reconhecimento internacional (Sullivan, 1992) que se produz pelas mãos dos artistas referidos Cruz-Diez e Soto, assim como do argentino Julio Le Parc (1928).

A arte óptica busca produzir efeitos de movimento e espaço (relevo ou profundidade), animando as superfícies por efeito geométrico e pelo uso da cor. Ao provocar vibrações na retina, consegue uma experiência física no expectador.

Por exemplo, Carlos Cruz-Diez foi quem trabalhou com efeitos físicos de provocação de mudanças de cor que denominava “fisiocromias”, e seu trabalho, como já dito, foi realizando estreitamente com a arquitetura.

Um caso interessante, aliás, são os “Coloritmos”, uma série composta por Otero e formada por 75 painéis. A ênfase é colocada mais no ritmo que na forma, e “não é difícil ver uma transposição de luz e sombras tropicais, de cor e vegetação nos elementos geométricos.” (Ades, 1997, p.261).

A Op Art (denominada em alguns casos como cinetismo) foi, segundo certas posturas críticas (Bayón, 1981), um movimento basicamente venezuelano e argentino. Fundamentalmente, no caso dos artistas mencionados, afirma-se que Jesús Rafael Soto foi um dos artistas latino-americanos que antes soube ver as esculturas do artista norte americano Alexander Calder, começando, a princípio, em pequena escala.

Para Soto (1992), “a arte é o conhecimento sensível do imaterial”. E acrescenta: “Em outros tempos, o artista se sentia como uma testemunha exterior ao mundo, cujas harmonias recompunha a sua maneira, de fora, criando relações de formas e cores sobre a tela. Pelo contrário, em nossos dias, sabemos estar submersos no espaço. Nós já não somos observadores e sim parte integrante do real”.

Noutro sentido, nos anos de 1970, e já com outros tipos de conteúdos, preocupações e ações visuais, desenvolve-se a figura de (1930) Marisol (Escobar) ”cujos heróis tridimensionais se tornaram famosos e ocupam algumas capas da revista Time” (Guevara, 1984). O próprio autor dirá que utiliza o “surrealismo com ternura e sarcasmo”.

Além disso, existem estreitas relações entre a produção de Marisol e algumas das últimas obras do argentino Antonio Berni (1905–1981), especialmente em relação às soluções materiais de seus trabalhos. Sem dúvida, Berni manifesta uma permanente preocupação social e política, que contrasta com a postura de Marisol, de “tonalidade mais fria e distante” (Sullivan, 1992, p. 119).

De todo modo, “ao examinar a obra de mestres como Alejandro Otero, Carlos Cruz-Diez, ou Jesús Rafael Soto da Venezuela, ou Gunter Gerszo e Mathias Goeritz do México, é inevitável reconhecer sua dúvida com a estética construtivista de Torres García e seus herdeiros.” (ib 81)

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3.4. Colômbia: a exuberância de botero e o conceitualismo de caro

Na Colômbia, nos anos 1940, constitui-se uma geração de artistas que começa a se estabelecer com grande força nos “Salões Nacionais de Artistas Colombianos”.

A crítica situa nessa situação artistas como Enrique Grau (1920–2004), e Eduardo Ramírez Villamizar (1922–2004) e Edgar Negret (1920) na Pintura e na Escultura respectivamente.

Destaca-se que tal aparição geracional coincide com a industrialização do país e o crescimento das grandes cidades, especialmente Bogotá, assim como outros fenômenos próprios do mercado da arte (como a aparição de galerias, crítica especializada etc.).

No caso de Ramírez Villamizar, agregam-se várias relações de contraste entre a forma artística e a natureza, onde a primeira não se mimetiza e, “pelo contrário, se proclama, que ser diferenciada.” (Bayón, 1981, p.74)

Por outro lado, foi a obra de Fernando Botero (1932) (alguns exemplos de sua pintura podem ser vistos em “http://www.mav.cl/expo/botero/galeria.html”) a que conseguiu voltar a posicionar com vigência a arte figurativa na Colômbia, especialmente considerando que o artista incursionou por várias linguagens.

Suas permanentes guinadas na história da arte e as obras mais difundidas da arte ocidental reforçam o fato de considerá-lo como um grande conhecedor de tal legado artístico.

Além dessa universalidade, a produção de Botero tem muito a ver com condições gerais do ser latino-americano.

Um exemplo disso é a obra “A Família Presidencial” (1967) (disponível em “http://www.biografiasyvidas.com/reportaje/fernando_botero/fotos3.htm”). Segundo Germán Rubiano Caballero (1984, pp. 238-240) esse quadro “reúne alguns dos temas mais freqüentes de Botero: os retratos imaginários, os retratos reais, as figuras religiosas, as figuras políticas e a paisagem”.

Além disso, “se a violência tem sido um tema recorrente na arte colombiana posterior a 1948, pode-se dizer que “A Guerra” (http://www.legacy-project.org/index.php?page=art_detail_large&artID=683&num=1) de Botero, de 1973, é seu resumo mais gritante”. No entanto, em termos de comparação, o próprio Caballero ressalta que “a arte colombiana nunca foi vanguardista.”

Também em termos de arte conceitual, Antonio Caro (1950) foi o representante da Colômbia no exterior e quem, segundo os historiadores e a crítica, conduziu outros artistas à arte conceitual.

O interesse de Caro está, ademais, no uso da iconografia visual das corporações para atingir seus propósitos de denúncia e ação. Como conceitualista, não despreza a imagem e, pelo contrário, apropria-se dela, por exemplo, quando escreve a palavra “Colômbia” na tipografia e forma da companhia Coca-Cola (Camnitzer, 2008, p. 130).

Sugestão de atividade

Analise, criticamente, o texto:

Manifesto da arquitetura emocional. Mathias Goeritz. 1953 (fragmento)

No experimento O ECO, a integração plástica não foi compreendida como um programa, senão em um sentido absolutamente natural. Não se tratava de sobrepor quadros ou esculturas ao edifício, como se costuma fazer com os cartazes de cinema ou com os tapetes colocados nas varandas dos palácios, mas teria que se compreender o espaço arquitetônico como grande elemento escultórico, sem cair no romantismo de Gaudí ou no neoclassicismo vazio alemão ou italiano.

A escultura, como por exemplo, a Serpente do pátio, tinha que tornar-se construção arquitetônica quase funcional (com aberturas para o ballet) – sem deixar de ser escultura – ligando-se e dando um ar de movimento inquieto aos muros lisos. Não há quase nenhum ângulo de 90º na planta do edifício. Inclusive alguns muros são finos de um lado e largo no oposto. Buscou-se essa estranha e quase imperceptível assimetria que se observa na construção de qualquer rosto, em qualquer árvore, em qualquer ser vivo. Não existem curvas amáveis nem vértices agudos: o total foi realizado no mesmo lugar, sem planos exatos. Arquiteto, pedreiro e escultor eram uma mesma pessoa. Repito que toda essa arquitetura é um experimento. Não quer ser mais que isso. Um experimento com o objetivo de criar novamente, dentro da arquitetura moderna, emoções psíquicas ao homem, sem cair em um decorativismo vazio e teatral. Quer ser a expressão de uma livre vontade de criação que — sem negar os valores do “funcionalismo” — tenta submetê-los a uma concepção espiritual moderna.

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Manifesto dos Dissidentes

“Nós não viemos a Paris para fazer cursos de diplomacia, nem para adquirir uma ‘cultura’ com fins de comodidade pessoal. Viemos nos enfrentar com os problemas, lutar com eles, aprender a chamar as coisas por seu nome, e por isso mesmo não podemos nos manter indiferentes ao clima de falsidade que constrói a realidade cultural da Venezuela. Pelo seu melhoramento acreditamos contribuir atacando seus defeitos com maior crueza, fazendo recair as culpas sobre os verdadeiros responsáveis ou sobre quem os apóia. Boa parte da tarefa que empreendemos não corresponde a nós, mas ante a indiferença daqueles incumbidos dela, não vacilamos em fazê-la nossa, apontando também tudo o que pudermos. Somos venezuelanos (e continuaremos sendo) e fomos das primeiras vítimas desse estado lamentável das coisas. Hoje nos rebelamos contra elas, e falamos alto porque é necessário.

Vamos contra o que nos parece regressivo ou estacionário, contra o que tem uma falsa função. Fomos resultado e testemunhas de muitos absurdos, e mal andaríamos se não pudéssemos dizer o que pensamos, na forma que acreditamos ser necessário dizer. Queremos dizer NÃO agora e depois de Os Dissidentes. NÃO é a tradição que queremos instaurar. O NÃO venezuelano que nos custa tanto dizer. NÃO aos falsos Salões de Arte Oficial. NÃO a esse arquivo anacrônico de anacronismos que se chama Museu de Belas Artes. NÃO à Escola de Artes Plásticas e suas promoções de falsos impressionistas. NÃO às exposições de comerciantes nacionais e estrangeiros que se contam aos centos cada ano no Museu. NÃO aos falsos críticos de arte. NÃO aos falsos músicos folcloristas. NÃO aos falsos poetas e escritores llena-cuartillas. NÃO aos jornais que apóiam tanto absurdo, e ao público que vai todos os dias docilmente para o matadouro. Dizemos NÃO de uma vez por todas: ao consumatum est venezuelano com o que nunca seremos senão uma ruína”. (Publicado originalmente na Revista Los Disidentes, No. 5, Paris, setembro, 1950)

3.5. Peru: sobre um par de exemplos

1) Fernando de Szyszlo e a abstração

Outro tema é o Peru. Se até os anos 1950 “só havia conhecido uma vanguarda rigidamente figurativa, descobre a arte abstrata que mais rapidamente se converteu em bandeira polêmica geracional.” (Lauer, 1984, p. 250)

Um dos artistas mais representativos é Fernando de Szyszlo (1925), que, para alguns, “alcança a parte central de sua evolução ao apresentar um expressionismo abstrato apoiado em formas que buscam evocar o universo pré-hispânico em suas tensões fundamentais, e cujo correlato histórico é a natureza obsessiva da relação entre o índio e o hispânico...” (ib., 250)

Mesmo que influenciado pelo mexicano Tamayo, Bayón reconhece uma liberação pictórica sobre aqueles antecedentes uma vez que Szyszlo se propõe não tanto a interpretar uma realidade, mas “buscando os ‘equivalentes plásticos’ de objetos pré-colombianos muito precisos [...] pretende compor ‘em abstrato’ e seu sistema consiste em criar uma rede de formas tratadas em uma cor e um preenchimento que as fazem significativas por si mesmas.” (Bayón, 1981, p. 28)

Marta Traba (1994, p. 90) diz que:

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“A obra do peruano Fernando de Szyszlo, magnetizada por imagens totêmicas inventadas, mas evocadoras, crescendo no clima propício para retornar, sob a forma de elegia, o destino dos vencidos, irradiou uma influência decisiva na arte peruana dos anos 1960”.

2) A experiência de “Lave a bandeira”

Já comentamos antes a experiência de “Micromuseu” em Lima, Peru. Vamos nos deter agora na ação performática do Coletivo Sociedade Civil, que foi denominada “Lave a bandeira”.

“Lave a bandeira” foi uma ação de representação simbólica, em que as práticas culturais contemporâneas desenvolveram, envolvendo diretamente os espaços coletivos cotidianos.

Gustavo Buntinx disse:

“O Peru não é um país, muito menos uma nação, senão um arquipélago de temporalidades deslocadas e asperamente sobrepostas. Estamos construindo sobre a repartição, sobre a ruptura, sobre a discriminação e sobre o desprezo por tudo isso, e em resposta a essa circunstância, nós propomos não reprimir e sim produtivizar as diferenças, fazer que a diferença seja produtiva” (2008).

Essa condição — que a modernidade forçou até a homogeneidade de busca a uma identidade nacional — resultou-se, segundo Buntinx, produtiva aos efeitos de um movimento que de alguma maneira contribuiu para várias “derrocatas culturais” do governo ditatorial de Alberto Fujimori naquele país, envolvendo novamente uma experiência de arte e política.

É assim que “Essa articulação distinta de vários sentidos e até mesmo opostos consolidou em ‘Lave a bandeira’ um capital simbólico que serviu de eficaz retaguarda estratégica para o reagrupamento das forças democráticas durante os piores momentos repressivos.” (Buntinx, 2008).

A inspiração do Coletivo teve suas raízes e fontes de antecedentes e inspiração tanto no chamado Siluetazo (Argentina, 1983) e No + (Chile, 1983/1984):

“...sim, posso testemunhar sobre o interessante caráter referencial que estratégias simbólicas como as do Siluetazo na Argentina e o No + no Chile puderam ter para as propostas surgidas durante o que no Peru chamados de derrocata cultural da ditadura de Fujimori e Montesinos, em especial ao longo do ano 2000. Estou sobretudo pensando em “Lave a bandeira”, esse ritual participativo de limpeza pátria que chegou a ser imenso, igual a outras iniciativas do Coletivo Sociedade Civil, criado inicialmente por um núcleo de pessoas surgidas da cena plástica, incluindo a mim.” (Buntinx apud Longomi, 2006)

A ação “Lave a bandeira”, que se iniciou em Lima (1990), transformou-se na lavagem de bandeiras peruanas em praças públicas de muitas cidades do Peru. A ideia era a “purificação” do país em um gesto simbólico de lavar o principal símbolo nacional.

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“O líder jovem, durante a década passada, é sem dúvida Antonio Caro (Bogotá, 1950). Desde a sua primeira saída, questionou inteligentemente, a definição da artisticidade. Sua personalidade se torna cada vez de maior interesse, conseguindo persuadir com sua atitude cerca de trinta artistas, que hoje se encaminham por uma via conceitual. Ele apenas abriu a brecha para sua geração e foi convencendo, pela força de suas ideias a prestarem atenção no seu discurso. Sendo ainda estudante da Universidade Nacional, concorreu ao XXI Salão Oficial, com a obra Cabeça de Letras, 1970, que, segundo o artista, foi uma ‘homenagem tardia dos amigos de Zipaquirá, Manaure e Galerazamba’. O trabalho era um busto do presidente da República feito em sal e colocado em uma urna de cristal, com óculos reais. Na noite da inauguração lhe encheu de água; a forma se destruiu inundando o espaço dos espectadores. Essa entrada de Caro sem ecos nem precedentes na vida nacional, constituiu o ponto de apoio para a atividade ininterrupta que leva até hoje.” (González, Miguel “Tudo está muito caro” na revista Arte em Colômbia (1980) disponível em: http://av.celarg.gob.ve/AntonioCaro/MiguelGonzalez.htm)

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3.6. Buenos Aires/Montevidéu: MADI e não Figuração

Foi o próprio Joaquím Torres García (1874–1949) que publicou um artigo na revista Arturo em 1947, que, com um único número, dá o começo formal do movimento pelo qual os artistas participaram nas preocupações geométricas e construtivistas, especialmente no Rio da Prata.

Finalmente, essas ações culminaram expressando-se em dois movimentos definidos. Por um lado, no grupo Concreto-Invenção, participaram: Tomás Maldonado (1922), Alfredo Hlito (1923-1993), Enio Iommi (1926) entre outros, enquanto que, por outro lado, o grupo MADI (Movimento de Arte de invenção) com Gyula Kosice (1924), Rhod Rothfuss (1920–1969), Carmelo Arden-Quin (1913), Martín Blaszko (1920), entre outros.

Segundo Ades, “As origens do termo ‘Madi’ são tão discutíveis quando as do nome ‘Dadá’ [...] Já outros sustentam que as letras MA / DI seriam provenientes de MArxismo ou MAterialismo DIalético, ou que o nome, basicamente, é um vocábulo destituído de sentido.” (Ades, 1997, pp. 243-245)

De qualquer forma e além dos devaneios que puderam levar a formar os dois grupos, ambos utilizavam a expressão “arte concreta”, o que os inseria no contexto dos artistas figurativos.

Em seu momento de interrupção, esse grupo de artistas jovens se desprende de seus antecessores quanto à proposta visual e propõe uma arte idealmente baseada nas formas puras. Propõe-se a criação através da arte de uma realidade que não existiria de fato, e disso se derivaram as propostas geométricas e concretas posteriores.

Arden Quin diz:

“O objetivo a que se propõe o Madi é de continuar e levar adiante as buscas empreendidas desde muito tempo pela arte construída. Mas essa arte se deteve no retângulo. Ao invés disso, Madi organiza os elementos de modo que eles constituam um polígono total diverso e harmônico, que pode ser também móvel, tanto na pintura como na escultura. Polígonos regulares e irregulares.” (Arden, Quin, 1992)

Bolívar Gaudín (1932) fará parte do movimento até a atualidade e dirá a respeito do mesmo:

“A Madificação é um novo método de ação e de conceito que nos vem pela via de compreender a obra de arte, como lugar onde alguém se situa e de fato sentir-se estar onde alguém se encontra, é dizer, estando verdadeiramente presente e prosseguindo para o futuro.” (Gaudin, 1992)

Em seus caminhos particulares, Kosice trabalhará incorporando elementos como a água e a luz (o que seria de grande estranhamento em sua época); Lommi começa com trabalho em materiais nobres (metal, madeira, aço) para logo modificar expressivamente a condição de suas obras com outro tipo de matéria; Hlito vai trabalhar sobre o símbolo e a racionalidade, assim como dará grande importância à cor e às formas abstratas; finalmente e entre essa breve seleção, Maldonado se dirigirá ao desenho industrial e o desenvolvimento teórico.

3.7. Argentina e a pintura espacial de Lucio Fontana

Lucio Fontana (1899–1968 é um artista argentino que trabalhará, profusamente, também na Europa (fundamentalmente, na Itália).

A obra mais significativa, a nosso ver, realizada por Fontana é aquela que parece pôr fim à discussão entre a pintura e a escultura, fazendo furos e arranhões em suas pinturas e desenhos.

No ano de 1946, produz-se o “Manifesto Branco” onde, entre outras afirmações, Fontana e seus alunos expressam: “A matéria, a cor e o som em movimento são fenômenos cujo desenvolvimento simultâneo integra a nova arte”, onde, de alguma forma, orientam-se desde os elementos que vão produzir a transformação da arte tal como se conhece, segundo o grupo.

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As telas com cortes trabalham, sem dúvida, nos anos cinquenta, nas ideias de manipulação do espaço que postula o artista. Fontana, então:

“[...] começa não apenas a perfurar as telas como também a fazer com uma faca cortes secos e precisos, pondo atrás do buraco um pano preto para intensificar a profundidade da “ferida” e elevar o vazio o nomeando ‘attesa’ (ou seja ‘espera’, assim não intituladas todas as suas obras com cortes). O quadro se faz assim escultura plana, sóbria, mas alucinada: uma só cor temperada, um ou mais tecidos, colocados ritmicamente, e se dispara a tensão metafísica. A ruptura do ‘tecido’ mudou a cara da arte italiana (e não apenas) da segunda metade do século XX, deixando muitíssimos ‘inimigos’ escandalizados, à elite artística fascinada, a dezenas de falsários dividindo telas...” (Boglionne, 2009)

Seguramente, na reflexão sobre a condição da arte e suas formas criativas, as perguntas implícitas nas realizações de Fontana permanecem vigentes de uma maneira quase como um jogo. A busca de subverter as formas da época também é destacada por diferentes teóricos:

“Boa parte da obra de Lucio Fontana joga com as categorias da pintura e escultura de uma maneira brincalhona, pondo às claras os protocolos que as separam, e, portanto as limita. Por exemplo, Conceito Espacial, a folha de metal que entra em erupção através de dois buracos, seria simultaneamente, pintura e escultura? Ocuparia uma posição intermediária entre a pintura e a escultura? Ou nem seria pintura, nem escultura?” (Ades, 1997, p. 256)

3.8. Chile: entre o surrealismo, a reação social e a contemporaneidade

O chileno Roberto Matta (1911–2002) aparece como um dos representantes do surrealismo na América Latina. Radicado em Nova York, Matta se aproximou de André Breton e, desde ali, “seu destino está selado: seus companheiros de aventura decidem que o novo recruta será surrealista e ele assume esse destino meio sério, meio de brincadeira.” (Bayón, 1981, p. 16).

Saiba mais

“A vantagem de Madi em relação às demais possibilidades de manifestar-se na arte é que Madi exige primeiro a abolição do quadro, do retângulo, do bastidor. Em Madí, é necessário criar a forma antes de ser uma pintura. É um relevo ou um plano de contornos irregulares que se prolongam no espaço e necessitam de espaço para projetar-se. É algo tentador e não é difícil de compreender. O resultado nos mostra que estamos no bom caminho porque se tanta gente nos segue, é porque algo lhes desperta com essa maneira de fazer, de ver e de sentir. Madi exige a invenção; por isso antes de Madi, chamou se invenção. Depois, quando o grupo originário desse movimento se dividiu, muitos seguiram fazendo como até então, quer dizer, apoiando as teorias dos russos, o ensinamento de Mondrian etc. Mas ficando sempre sem tocar o contorno. Para fazer Madi é necessário inventar, e Madi não suporta a produção em série. Uma obra é uma. É uma só vez e sem repetição”. (Gaudín apud Pareja, 2009)

Matta é uma pessoa sensível aos acontecimentos da guerra e especialmente aos da Guerra Civil na Espanha nos anos 1940.

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Mas também sua preocupação tem a ver com a reivindicação de valores ideológicos e crença que expressa em uma série de serigrafias dos anos 1970, onde se pode ver em seus quadrinhos (ao modo de HQ) textos como: “Veja que os estudantes e as mulheres trabalham sem salário”, “O gênio está no povo, escute-o criar”, ou “A única definição do mal é: o homem que humilha outro homem”.

Rojas diz: “Os numerosos jornais que fizeram eco de sua morte, diziam que ele era o último surrealista. Mas quando vivo e diretamente à catalogação de um jornalista surrealista, respondeu: ‘Não. Eu sou um realista do Sul.” (Rojas Mix, 2003).

A expressão da condição latino-americana se mostra, na reflexão de Matta, também a respeito de uma essência humana que estabelece comunicações entre a América Latina e o Mediterrâneo. Reproduz uma espécie de condição dupla de antecedentes: os povos originários americanos e as correntes migratórias que nutrem e diversificam, mas que, por sua vez, formam uma condição de relação.

O artista dirá explicitamente:

“O Mediterrâneo é, definitivamente, um campo magnético, e se dá a circunstância de que, no Mediterrâneo e na América, eu sou as mesmas coisas. Os homens mediterrâneos mais empreendedores, mais preocupados, foram os que alcançaram a América em uma espécie de diáspora; aconteceu o mesmo no sentido contrário, como se existissem canais de comunicação. Uma diáspora que vem e vai.” (Matta, 1992)

Essa reivindicação está ligada, para alguns teóricos, ao sentimento de Matta como latino-americano:

“Tanto (Winfredo) Lam como Roberto Matta trocaram muito cedo seus países de origem por Paris [...] No caso de Lam, ele retornou à pátria e procurou firmar sua identidade como pintor de uma cultura cubo-africana, já no de Matta ele, de forma alguma, quis ver-se identificado como pintor ‘latino-americano’.” (Ades, 1997, p. 233)

Além dessa presença de Roberto Matta na arte chilena, a produção artística naquele país será movida posteriormente nos anos 1970, como mencionados, pelo coletivo CADA e suas influências posteriores. Em todos os casos, o conteúdo político é relevante. Para o primeiro, porque “Matta é também dos poucos surrealistas a abordar diretamente temas políticos, mas sempre em seus termos e sem fazer concessão às ‘ideologias predatórias’ ou ao realismo social.” (Ades, 1997, p. 233)

No caso do CADS, trata-se de:

“Uma geração comprometida, contemporânea da ditadura de Pinochet, é a da chamada ‘Cena Avançada’ [...] tal e qual afirma a artista Francisca García, eles ‘ampliaram os sistemas de produção na Arte Contemporânea’ e estabeleceram um precedente para os futuros artistas chilenos.” (Santos, 2008)

A influência daquele coletivo foi abrindo espaços criativos e conceituais que permitiram, paulatinamente, o surgimento de outros criadores como Alfredo Jarr (1956) (http://www.alfredojaar.net) ou Bernardo Oyarzún (1963).

Em outro perfil e trabalhando na escultura contemporânea, encontra-se, por exemplo, o desenvolvimento criativo de Pedro Tyler (uruguaio-chileno, 1975) (http://www.pedrotyler.com/).

3.9. Duas notas diferentes sobre Cuba

Saiba mais

Uma versão do “Manifesto Branco” de 1946, postulado por Fontana e seus alunos pode ser encontrada em "http://www.buenosaires.gov.ar/areas/cultura/arteargentino/02dossiers/concretos/lanzadoc13.php

Saiba mais

“Pode-se consultar o acesso completo das obras de Roberto Matta em “http://www.matta-art.com”. Alguns exemplos de quadrinhos e desenhos (ao modo HQ) se podem encontrar em “http://www.casadelasamericas.com/matta/galeria.htm”.

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Referimo-nos antes à intenção de identidade do trabalho de Wilfredo Lam (1902–1982) em uma busca de raízes afro-cubanas. Traba (1994, p. 67) diz: “a vida de Lam é uma viagem incessante, na qual alterna seus períodos altamente civilizados em Paris e Nova Iorque com interrupções ao fundo do mito e da magia, como foram seus seis meses de vudú haitiano em 1946 e a viagem ao Mato Grosso 20 anos depois.”

Efetivamente, influenciado pelas correntes europeias e do próprio Pablo Picasso, é notável a relação que guarda sua obra “A Selva” de 1943 com as “demoiselles d’Avignon” de 1907 de Picasso.

Fica claro, em um exemplo, que:

“Entre as principais contribuições de Winfredo Lam ao modernismo na Latinoamérica se encontra a transformação de uma iconografia derivada de seu próprio ambiente cultural em uma linguagem internacional. Desde o início da década dos quarenta em Havana, Lam examinou com cada vez mais seriedade o tema afrocubano da santeria, a religião sincretista [...] em que se fundiram os costumes e crenças cristãs com as da religiões da África ocidental.” (Bayón, 1981, pp. 99-100)

É interessante agregar aqui uma breve chamada sobre Ana Mendieta (1948–1985):

A produção artística de Ana Mendieta esteve muito vinculada aos movimentos artísticos da época, anos 1960 e 1970, especialmente nos Estados Unidos e América Latina.

Seus trabalhos refletem sua própria condição de viver fora de seu país, e isso será uma constante temática, agregando notas ancestrais e vínculos míticos (os animais, o sangue).

Segundo da Cruz (2008);

“A primeira obra em que o sangue teve um papel central havia sido a performance Frango morto (1972), na qual Mendieta nua sustentava pelas patas um frango recém decapitado na altura de seu púbis. Devido aos movimentos espasmódicos da ave, o corpo da artista era salpicado pelo sangue. Essa obra – como outras que Mendieta realizaria pouco depois – pode ser relacionada com rituais religiosos de origem africana e da Santeria cubana. Nesses ritos, o sangue é um poderoso elemento de iniciação e cura.”

3.10. Diversas figurações entre Argentina e Uruguai

Essa parte fará uma relação de diferentes artistas argentinos e uruguaios que trabalham com elementos figurativos que contemplam condições sociais, políticas e históricas da América Latina.

Isso e a relação com o Rio da Prata é o que os faz, fundamentalmente, aparecer juntos nesse ponto, sem pretensão de homogeneidade.

Por um lado, artistas, como Antonio Berni (1905–1981), incorporam em seu trabalho um alto conteúdo político e social. Relaciona se com as condições de sua época na produção de diversos personagens populares que funcionam como estereótipo, mas, também, com importantes doses de sensibilidade e denúncia por sua vez.

Em um momento de sua produção, é produzido um tipo de sincretismo entre o conteúdo claramente político de sua pintura e uma influência da pop art mediante a técnica de grandes colagens em que utiliza materiais de resíduos.

Outros artistas, como Alberto Greco (1931–1965), assumiram o informalismo. Para Greco, as ações de marcar uma realidade — pessoas ou objetos – como obra de arte se transformou logo no centro de sua estética e em uma forma de discurso recorrente para negar, de maneira evidente, a possibilidade da obra de arte como objeto a ser criado.

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Uma posterior derivação figurativa surgirá na chamada nova figuração, com artistas, como Luis Felipe Noé (1933) e, com algum contato com essa corrente, Antonio Seguí (1934).

Dentro dessa chamada “nova figuração”, um tipo de volta pictórica ao figurativo, Antonio Seguí é um argentino nascido na província de Córdoba, que se destacou pelo alcance de seu trabalho tanto na Europa (Paris, Madri) como na América Latina (Buenos Aires, México). Bayón (1981, p. 59) destaca que há, em seu trabalho, “uma nota permanente: uma espécie de atitude sarcástica, crítica e levemente feroz” a respeito de sua época.

Antonio Seguí, protagonista então desse retorno pictórico, é associado oportunamente (Sullivan, 1992), com algumas condições do urbano quanto a situações de isolamento e alienação.

O próprio Seguí dirá: “Às vezes me motivam coisas que leio nos jornais. Em um momento, fui muito motivado, por exemplo, com uma série de assassinatos cometidos nos parques. [...] Os personagens que vagueiam nas minhas telas não têm outra significação que a de formar um conjunto plástico.” (Seguí, 1992)

Muitas vezes, associado à figura de Seguí, especialmente pela sua produção dos anos 1970 no Uruguai, é recorrente a indicação sobre José Gamarra (1934), que, depois de diversas etapas, ilustra “a visão fantástica de uma América Latina mais ‘sonhada’ que vista”. (Bayón, 1981)

Na obra de Gamarra, identifica-se claramente a alusão latino-americana, tanto do desenvolvimento de sua pintura de símbolos como nas posteriores paisagens fantásticas que realiza.

Sobre ele se dirá:

“Gamarra pôs as regras do jogo em claro: voltar aos lugares originários é impossível, em seu lugar se invoca as mesmas imagens do esplendor cativo, com seus elementos de contraposição entre conquistadores e oprimidos, mas sugere igualmente as conseqüências com o passar dos séculos. [...] Com Gamarra devemos abrir os olhos, abraçar o assombro e partir para a aventura das selvas e bosques sul americanos, em busca dessa nossa parte que sempre volta a nascer.” (Guevara, 1992)

Gamarra logo começa a pintar paisagens, quando se muda para Paris, trabalhando com a ideia de mito e de história, com referências claras à origem europeia da pintura em sua paleta e suas características formais. Ademais, segundo Ades (1997, p. 293), a forma de representação da selva frondosa e virgem como imagem latino-americana tem a ver com uma maneira de expressar “América Latina [...] na forma [...] que é como quase todos os estrangeiros a imaginam”.

3.11. Poética visual e metáforas da arte gráfica. Como não as relacionar?

Edgardo Antonio Vigo (1928–1997) trabalhou sobre as condições políticas e também poéticas e metafóricas do exercício artístico. No dizer de Victoria Noorthoom (2009, p. 49), “Vigo se destacou, entre outras áreas, pelo seu amplo trabalho nos campos da poesia visual e da gráfica, e neles recorreu à instrução como uma ferramenta de trabalho que permitia questionar a autoridade dos pressupostos e conhecimentos compartilhados.”

Ao final dos anos 1970, começa a realizar ações que denomina “sinalizações”. Esses eventos e situações são produzidos em via pública para criar uma desordem na ordem cotidiana com o fim de conseguir uma transformação estética.

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Sua primeira sinalização é de 1968 e se denomina “Cambada de Sinais na cidade de La Plata”. Do mesmo ano é a publicação do manifesto “Uma arte a realizar”.

De Montevidéu, é Jorge Caraballo (1941) quem, com materiais de oficina, próprios de seu trabalho na cidade, constrói pequenas obras que se relacionam com a mencionada obra de Vigo e também de brasileiros, como Paulo Bruscky (1949), no que foi o desenvolvimento da arte postal.

Em março de 1978, Paulo Bruscky organiza, na Biblioteca Pública Marechal Humberto Castelo Branco de Recife, a biblioteca estatal mais importante de Pernambuco (Brasil), a III Exposição Internacional da Arte Postal.

Davis e Nogueira sustentam que:

“A campanha impulsionada pela rede deixa claro que a arte postal pretendia ir além da subversão tática do correio oficial como canal de circulação. Na gestão da própria precariedade, a arte postal constitui uma prática coletiva de uma poderosa amarração poético-político, que utiliza (parasitariamente) o circuito postal como suporte para furar os bloqueios impostos à comunicação e impulsionar uma transformação radical nas condições de existência a partir da construção de redes colaborativas e de comunicação ‘marginais’.”

Ao final desse módulo, propomos destacar dois artistas, não com a intenção de separá-los do resto, e sim como convite a continuar as buscas e o conhecimento iniciado nestas páginas.

São dois artistas vigentes, por diferentes motivos, como León Ferrari (1920) na Argentina e Ernesto Vila (1936) no Uruguai.

Talvez pouco tenham em comum em sua estética, mas sim na crença do lugar da arte com relação ao compromisso social e sua função no desenvolvimento de uma estética que esteja vinculada à vida cotidiana das pessoas.

Por sua vez, Ernesto Vila é um artista comprometido com seu tempo, um investigador incansável de materiais do cotidiano para reordenar as formas e os objetos comuns.

É interessante sua própria reflexão sobre a experiência que vive como preso político da ditadura uruguaia e como a arte, de alguma forma, é transformar uma situação de aparente vazio em uma nova realidade.

Vila define assim:

O preso político não tem nada e deve afrontar tudo desde esse vazio. Como fazer para não enlouquecer e ampliar esse espaço cada vez mais apertado entre a realidade como é e o que você pensa ou imagina que é. [...] vi que o bicho humano frente a situações limite recorre a uma operação que é quase exclusivamente propriedade da arte e dos artistas que consiste na invenção da verdade. [...] O passo seguinte é operar de tal maneira sobre o inventado até que se faça necessário e insubstituível. O outro nível supõe a confirmação de outros para confirmar que a tua invenção também é necessária para o outro. Se isso se confirma, essa criação se coletiviza e começa a ser parte da realidade.” (Vila apud Barrandeguy, 2008, p. 30).

Isso leva à produção do fato da criação :

“... há espaços que no momento da operação são bastante parecidos com tudo isso que te contava, é o que a mim ficou mais marcado... uma influência permanente, a recuperação dessa tensão na situação limite. [...] sempre me digo que estou em um espaço onde não há nada e tenho que gerar a primeira forma e, bom, essa é a intenção...” (Vila apud Barrandeguy, 2008, p. 32)

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“Por outra parte, o vínculo com outras experiências deu como resultado que minha simbologia foi mudando para pequenos personagens, pequenas siluetas similares às dos quadrinhos. E o processo se dá tal e qual tu dizes; mas já na época das minhas abstrações queria dizer algo, mas algo que se “lesse”. Nunca me afastei dessa intenção de uma obra que se lesse; as simbologias também apelavam para isso. Desse grande salto, hoje me encontro fazendo uma pintura figurativa; paisagens com uma espécie de volta à realidade latino-americana.”

“(as influências artísticas estão sempre presentes na obra e também está) ligada à experiência que tem a ver com o descobrimento hispânico. No temático, interessa me o antropológico. Estive ligado desde muito novo com a literatura, antropologia (Darwin), histórias da selva, escutar aos que iam ao Amazonas. Quando jovens, fazíamos viagens ao interior, e nessas conversas ao redor do fogão, tudo permanece gravado... Não há nada mais importante que o desenvolvimento da sensibilidade durante as primeiras etapas da vida. Tudo isso me deixou marcado... não quer dizer que logo não se modifique. Hoje em dia, eu trabalho sobre os mitos, meu vínculo expressivo com (Eduardo) Galeano, conhecer um pouco sobre o que se intuía sobre os costumes, a linguagem. Reafirmar a imagem é uma maneira de focar nas coisas sem penetrá-las, porque a pintura também não pode ir além do que pode alcançar...” (José Gamarra apud Mantero, Larroca, 2009)

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Edgardo Antonio Vigo reflete assim sobre sua obra “Cambada de semáforos...”:

“Consistiu em analisar do ponto de vista estético e criativo o semáforo localizado nas interseções das avenidas 1 e 60, de La Plata (Argentina). Tratando-se de um elemento anônimo e inútil para sua função específica (esse último causando irônicos comentários dos cidadãos), essa cambada de semáforos, motivou a tentativa de implementar um diálogo de base concreta e conteúdo abstrato. O público convidado a debater deveria desenvolver suas idéias utilizando as chaves mínimas dadas pelo convocante, que não compareceu à reunião. O objetivo era tirar todo o contato prejudicial para gerar uma ação de liberdade.” (Vigo apud Padín, 2007)

Unidade 4: Para finalizar um novo começo

Por outro lado, na Argentina, é notável a vigência criativa de um artista como León Ferrari, um criador que percorreu diferentes linguagens, com uma preocupação profundamente social, de crítica às formas institucionais (políticas, religiosas) opressivas, promovendo a liberdade, a crítica e a reflexão sobre as condições da sociedade argentina em particular e ocidental em geral.

Nos anos 1970, acontecimentos, como a guerra do Vietnã, serão uma preocupação em sua obra.

Em 1965, apresenta-se com diversas obras ao “Premio Di Trella” que criticavam a agressão norte-americana ao Vietnã. Em uma delas, “A civilização Ocidental e Cristã” é, finalmente, rejeitada. Trata-se de uma imagem de Cristo sobre um avião de guerra norte-americano, obra que finalmente foi o ícone de seu trabalho e se transformou em uma referência fundamental de sua produção criativa e crítica.

Em 1968, passa a ser um dos principais promotores e referências da vanguarda artística, que chega ao seu pico com a obra coletiva de denúncia Tucumán Arde, realizada por artistas de Rosário e de Buenos Aires.

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“Tucumán Arde” se converteu em um dos exemplos mais evidentes de como realizar arte vinculada à política e à investigação social. Trata-se também (como no caso do CADA chileno) de uma reunião de um grupo de intelectuais (artistas, jornalistas e sociólogos de Buenos Aires e Rosário) que, em 1968, realizaram várias ações que, com conteúdos artista e estético, buscaram denunciar a situação na província de Tucumán (Argentina). Esse foi realizado sobre o impacto das medidas econômicas aplicadas na época, na mesma província.

Sobre essa situação e assumindo a responsabilidade de artistas comprometidos com a realidade social que os envolve, os artistas de vanguarda respondem a essa “Operação Silêncio” com a realização da obra Tucumán Arde.

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Ernesto Vila passa um período residindo na Europa em sua juventude. O artista reflete sobre aquele momento (fim dos anos 1960 e princípio dos anos 1970) que mostra as influências múltiplas e relações da arte latino-americana. Em sua referência à cidade de Londres, especialmente, dirá:

“Porque as vanguardas são heterogêneas, não chegas nunca a conhecer todas. Algo cresceu em algumas e outras morrem no caminho. Mas, no geral, há uma dispersão brutal nesse sentido. Nós nos ligamos conceitualmente com as pessoas que estavam fazendo a arte de la recherche (pesquisa), um grupo de sul americanos muito polentudos: (Julio) Le Parc, (Jesús Rafael) Soto, (Carlos) Cruz Diez. [...] Havia um grupo de venezuelanos muito fortes (Soto, que para nós era o líder). Relacionamos nos com essa gente e subimos nesse carro que, ainda nos permitia, com nossa experiência construtivista, ingressar ali sem vertigem. Estudamos um espaço urbano. Víamos quando as pessoas saíam para o trabalho. Tínhamos fabricado uns módulos feitos com soleiras e parafusos. Podiam ser dobradas, como antigas cadeiras de cervejaria. Colocávamos esses cubos de forma que tomavam o espaço e que foram muito significativos visualmente. Os ingleses se encontravam com tudo isso e diziam: ‘O que é isso? ’ As crianças respondiam: ´É um jogo’. Conseguíamos uma articulação que desmontava a convenção de uma paisagem que se repete e que é cinza. Essa paisagem das segundas-feiras da cidade...” (Vila apud Mantero, Larroca, 2008)

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Fragmento do “Manifesto Tucumán Arde” (1968), que, originalmente, era um impresso distribuído enquanto durou a obra na cidade de Rosário:

“A obra consiste na criação de um circuito sobreinformacional para evidenciar a solapada deformação que os feitos produzidos em Tucumán sofrem através dos meios de informação e difusão que o poder oficial e a classe burguesa detêm.

Os meios de comunicação são poderosos elementos mediadores, suscetíveis de serem carregados de conteúdo diverso; a influência positiva que esses meios produzem na sociedade depende da realidade e da veracidade dele. A informação sobre os feitos ocorridos em Tucumán, transmitida pelo governo e pelos meios oficiais, tende a manter em silêncio o grave problema social desencadeado pelo fechamento das fábricas e a dar uma falsa imagem de recuperação econômica da Província, que os dados reais desmentem escandalosamente.

Para recolher esses dados e pôr em evidência a contradição do governo e da classe que o sustenta, o grupo de artistas de vanguarda viajou para Tucumán, acompanhado de técnicos e especialistas, e procedeu uma investigação da realidade social que se vive na Província. O processo de ação dos artistas culminou em uma coletiva de imprensa por meio da qual fizeram público e de maneira violenta seu repúdio à cumplicidade dos meios culturais e de difusão que colaboram para manter um estado social vergonhoso e degradante para a população trabalhadora tucumana. A ação dos artistas foi realizada em colaboração com grupos de estudantes e trabalhadores que se integraram assim, à manifestação da obra.”

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