Licenciatura em Artes visuais Percurso 2
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Arte Moderna: do Romantismo ao Impressionismo

Autor

Dr. Paulo Veiga Jordão É artista plástico e professor universitário. Formou-se Bacharel em Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiás (1991), cursou Mestrado em Arte Publicitária e Produção Simbólica pela Universidade de São Paulo (1998), e Doutorado em Artes Visuais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (2017). É Professor Adjunto 1 na Escola de Belas Artes - EBA - da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, lotado no Departamento de Artes Visuais/Escultura. Também atua no Programa de Pós Graduação em Artes Visuais - PPGAV/UFRJ, como Professor Convidado, desde 2017. Tem suas pesquisas atuais centradas na investigação teórica e prática da Performance nas Artes Plásticas. Como artista plástico, é membro e co-criador do Grupo Empreza (coletivo de artistas dedicado principalmente ao estudo e prática de Performance e Intervenção Urbana, apontado pela crítica como uma referência na Performance Contemporânea no Brasil, com obras apresentadas no Brasil e no exterior, e premiadas em importantes eventos nacionais), desde 2001.

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Apresentação

Caro(a) aluno(a),

Dentro da História da Arte, já estudamos o nascimento da manifestação artística, na Pré-História, e seu magnífico desenvolvimento nas primeiras e maiores civilizações antigas. Vimos, ainda, as transformações ocorridas na imagem artística, com o advento do cristianismo e do feudalismo, durante a Idade Média.

Recentemente, estudamos um dos períodos mais ricos e notáveis da História da Arte, vimos como a urbanização das populações medievais, o crescimento e enriquecimento da classe burguesa e o redescobrimento da cultura da antiguidade clássica resultaram no Renascimento. Vimos que nesse período o pensamento humanista ensejou drásticas transformações na cultura e, particularmente na arquitetura, pintura e escultura.

A seguir, estudamos como a arte do Renascimento incorporou os elementos do Maneirismo e como o surgimento da monarquia absolutista europeia, bem como o advento da Contrarreforma serviram de terreno para a magnificência do Barroco e do Rococó. Também vimos como o pensamento iluminista e a Revolução Francesa, que acabaram com o absolutismo, encontraram expressão na arte do Neoclassicismo.

A partir de agora, estudaremos o período desde o Romantismo até o Impressionimo e seus desdobramentos. Cronologicamente, esse período compreende os últimos anos do século XVIII, todo o século XIX e os primeiros anos do século XX.

O encerramento do século XVIII e o decorrer do XIX iniciam e desenvolvem o período que chamamos modernidade. Mas o que vem a ser essa modernidade, quais suas características, os fenômenos sociais, econômicos e culturais que a definem? Pensando em uma História da Arte, cabe ainda perguntar: Como a Arte influenciou e deixou-se influenciar na construção histórica do conceito? De que maneira ela se comportou diante do novo e dinâmico mundo moderno e quais foram os movimentos, ideias, pessoas e obras fundamentais nesse processo histórico?

Essas e outras questões, caro aluno, nós teremos o prazer de descobrir juntos nesta disciplina. Desejo a todos bastante disposição e um bom trabalho.

Unidade 1: O Espírito da modernidade, o Romantismo

1.1 O mundo burguês

No fim do século XVIII, a Queda da Bastilha, marco da Revolução Francesa, e a assinatura da declaração da Independência norte-americana, golpe terrível à monarquia britânica, foram fatos políticos amparados no pensamento do Iluminismo que florescera nas décadas anteriores e podem ser considerados os sinais definitivos de que o mundo ocidental mudava das mãos da nobreza e do clero para as mãos da burguesia. Criava-se ali o Estado Burguês que, ao longo do século XIX, tornar-se-ia um modelo para boa parte das nações do mundo, derrubando inúmeras monarquias e obrigando muitas outras a se adaptarem à nova ordem.

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No Estado Burguês, o decadente sistema feudal dá lugar às forças do capital; surge o Capitalismo, o sistema econômico em que vivemos até hoje. É assim que Arnold Hauser, em 1951, refere-se ao século XIX, sobretudo após 1830:

“Se o objetivo da investigação histórica é a compreensão do presente — e que outra coisa poderia ela ser? — então, este inquérito está se aproximando de seu objetivo. Aquilo de que agora vamos nos ocupar é o moderno capitalismo, a moderna sociedade burguesa, a moderna arte e literatura naturalista, em resumo, o nosso próprio mundo”. (HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo. Ed. Mestre Jou, 1972)

Na nova ordem burguesa, a posse do capital passa a ser a principal insígnia de distinção social.

“Até então, para desempenhar o seu papel, o homem de bens tivera que dispor de uma certa auréola ideológica; o homem rico tivera que se apresentar como patrono da Igreja, da Coroa ou das artes e ciências; mas agora goza das mais elevadas honrarias, simplesmente porque é rico”. (HAUSER, op. cit.)

Como o burguês não precisa ser patrono das artes para obter distinção, o artista, no Estado Burguês, perde a figura do mecenas. Ninguém mais o custeará com encomendas caríssimas para adornar os seus palácios, como fizera a nobreza. Se antes as obras eram invariavelmente feitas sob encomendas e contratos prévios, agora o artista realizaria a sua obra e a exporia para apreciação pública, na esperança de que alguém se dispusesse a comprá-la.

Se por um lado essa nova situação impôs austeridade financeira (muitas vezes miséria) aos artistas modernos, por outro lado, a ausência de encomendas permitiu uma liberdade de criação e experimentação nunca antes vistas.

Ao mesmo tempo em que a incorporação de novas ideias e práticas à arte dava vazão ao gênio artístico e alinhava a produção artística com os desenvolvimentos científico e intelectual da época ao mesmo tempo em que satisfazia igualmente ao gosto de boa parcela da burguesia pela “novidade”. É a busca pelo novo que fará os movimentos artísticos, que outrora duravam séculos, passarem a durar décadas. É possível traçar uma linha temporal de apenas cinquenta anos, entre 1820 e 1870, quando se vê a transição do Romantismo para o Realismo e desse para o Impressionismo.

Esses três movimentos, além do Simbolismo e do Art Nouveau, nas artes aplicadas, foram a resposta-contribuição que a Arte deu frente àquela dinâmica inicial dos vetores sociais modernos. São a tradução artística da ordem da burguesia triunfante, endinheirada, boêmia e festiva, cuja capital cultural localizava-se em Paris — a Cidade-Luz — que culminaria num período que conhecemos como Belle Époque.

Figura 1: Edouard Manet. O Balcão. 1868
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Segestão de atividade

Observe a imagem de Edouard Manet, O Balcão, 1868. Nela encontramos personagens burguesas em suas estruturas rígidas indicativas de poder. Que ideias você constrói a respeito dessa imagem? Quem seria o homem representado na imagem? E as mulheres presentes? Que elementos presentes na imagem você observou para justificar suas reflexões?

1.2 O Veloz e o Fugidio

Antes da invenção do motor a vapor, no século XVIII, as carruagens viajavam a 12 km/h, e os cavalos, quando se cansavam, tinham de ser trocados durante o percurso. Um trem da época alcançava 45 km/h e podia seguir centenas de quilômetros.

As primeiras máquinas a vapor foram construídas na Inglaterra durante o século XVIII. Retiravam a água acumulada nas minas de ferro e de carvão e fabricavam tecidos. Graças a essas máquinas, a produção de mercadorias aumentou e os lucros dos burgueses donos de fábricas cresceram na mesma proporção. O modo de vida e a mentalidade de milhões de pessoas se transformaram numa velocidade espantosa.

A velocidade se tornaria um fenômeno e uma paixão da modernidade. O desenvolvimeno de novos motores a vapor, mais avançados, no século XIX, além do posterior surgimento dos motores, a explosão e a energia elétrica aumentariam a velocidade das máquinas, a velocidade do deslocamento, a velocidade da produção e, consequentemente, a do consumo.

Figura 2: Locomotiva a vapor. Aprox. século XIX.

A vida cotidiana, ao longo do século, tornou-se mais veloz. Para o transporte, tomava-se o trem, o navio a vapor e, mais tarde, o bonde elétrico; para as comunicações, foram desenvolvidos o telégrafo, o telefone e o rádio; para o registro de imagens, a fotografia. Multidões de operários cruzavam velozes as linhas férreas para alimentar as fábricas — com suas chaminés fumacentas — que brotavam nos arredores das grandes cidades. A civilização pulsava rapidamente, movida pelo ritmo dos motores a vapor.

Também velozmente, percebeu-se que a tríplice palavra de ordem da Revolução Francesa — Liberdade, Igualdade e Fraternidade — era bastante inadequada para definir o novo jogo de forças sociais. A burguesia, outrora subjugada pela nobreza, agora enriquecia-se ainda mais, explorando o proletariado com exaustivas jornadas de trabalho, péssimas condições de segurança e nenhum direito trabalhista assegurado por lei. Por todo o século XIX, proliferaria as ideologias proletárias, ditas socialistas, pregadas por Proudhon, Marx, Engels, entre outros. Também os artistas voltariam seus olhos para essas vastas massas cinzentas de operários que sustentavam, na base, a festa burguesa. São de artistas como Millet e Daumier algumas das mais pungentes e delicadas crônicas visuais proletárias do período.

Figura 3: Honoré Daumier. O Vagão de Terceira Classe. 1863.
Figura 4: Auguste Renoir. Baile no Moulin de la Galette. 1876.
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Sobre o signo do veloz e do fugidio na modernidade, vejamos o que diz o poeta francês do século XIX, Charles Baudelaire, em seu artigo “O Pintor da vida moderna”. Para ele,

A modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente, é a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável. O artista moderno é aquele que cumpriu voluntariamente uma função que outros artistas desprezaram, e que cabia sobretudo a um homem do mundo cumprir; procurou por todo o lado a beleza passageira, fugaz, da vida presente, o carácter daquilo que o leitor nos permitiu chamar a modernidade. (BAUDELAIRE, Charles. Euvres complètes. T. 2. Paris: Gallimard, 1976)
Para refletir

Examine a ilustração do quadro O Vagão de Terceira Classe, de Honoré Daumier, e reflita: Quem são essas pessoas? Onde elas estão e o que fazem ali? A que classe social pertencem? Que hora do dia você acha que o quadro representa? O que é possível ver nas expressões dos personagens? Na sua cidade ou nas proximidades, existem ou já existiram estações ferroviárias? Caso sua reposta seja positiva, faça uma investigação e construa relatos de histórias marcantes relacionadas a esse tema.

Sugestão de atividade

Que características presentes na pintura Baile de Moulin de la Galette, de Renoir, você destacaria para dialogar com as questões citadas pelo autor, isso quando ele nos informa sobre a necessidade dos modelos estarem sujeitos a mudanças, movimentos e alterações de luz?

Para Hauser, o Homem moderno é aquele

que considera toda a sua existência como uma luta e uma competição, que transforma tudo em movimento e variação, para quem a experiência do mundo é, cada vez mais, uma experiência no tempo, e que tem o domínio do momentâneo sobre o permanente e o contínuo, o sentimento de que cada fenômeno é uma constelação transitória, efêmera. (Hauser, op. cit.)

Esse sentimento de fugacidade, de que o transitório se impõe ao constante, explica por que a arte, ao longo do século, abandonaria os consagrados temas mitológicos e religiosos, essencialmente imutáveis — especialmente depois do Romantismo —, a favor de temas como paisagens, cenas cotidianas e naturezas-mortas. O breve frescor de uma flor em um vaso, trabalhadores se deslocando ou se divertindo, cenas de Paris à noite e dos parques banhados pelo sol ou cobertos de neve. Em todos esses casos, os modelos estavam sujeitos a mudanças, movimentos, alterações de luz, o que exigia do pintor uma grande objetividade técnica e velocidade de produção.

1.3. A maravilhosa Ciência

O avanço científico do século XIX não tem precedentes históricos. O próprio conceito de ciência fora remodelado pelo Positivismo e agora era impulsionado pelas incessantes necessidades da indústria. Nunca antes, a ciência encontrara um solo tão fértil para se desenvolver quanto na ordem burguesa, nutrida não apenas pela infinita curiosidade dos cientistas, mas também por consideráveis aportes de dinheiro. Fato é que, formado a partir de doutrinas racionalistas, o capitalismo encontrou um parentesco próxima com a ciência, seus métodos e leis, suas relações de causa e efeito.

Figura 5: Auguste Renoir. Baile no Moulin de la Galette. 1876.
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O século XIX é o século dos técnicos, cientistas e inventores. Edson, Tezla, Marconi, Grahan-Bell, Santos Dumont, entre muitos outros, maravilharam a civilização com suas teorias e invenções, sobretudo aquelas destinadas a incrementar a produção industrial. Benjamin Peugeot, por exemplo, foi laureado na Exposição Universal de 1878 por sua útil máquina de costura. As exposições universais foram eventos marcantes para a difusão e popularização das descobertas científicas, como também para demonstrar como esses avanços podiam ser transformados, pela indústria, em conforto e itens de consumo para a sociedade. Destacaram-se a exposição de 1878, com o tema: Agricultura, Artes e Indústria, e a de 1889, comemorativa do centenário da Revolução Francesa, para a qual construiu-se a Torre Eiffel.

É sobre esse terreno que se desenvolveram os movimentos artísticos do século XIX, que agora passaremos a estudar. O primeiro deles é o Romantismo.

1.4. O Romantismo

O Romantismo nasceu na Alemanha, no final do século XVIII, com o movimento Sturm und Drang, de onde sairam grandes poetas e pensadores românticos, como Herder, Goethe e Schiller; depois, espalhou-se para outros países. Foi o primeiro movimento artístico internacional que, desenvolvendo-se já no contexto da ordem burguesa, propôs uma verdadeira ruptura com a tradição e essa ruptura se deu no imaginário.

Com o Romantismo o artista pôde, pela primeira vez, vasculhar e significar o seu interior, a sua alma, no que ela tem de menos racional e mais obscuro. Até então, desde os gregos, a arte pouco dera espaço para a expressão subjetiva. As alegorias hiperbólicas do Maneirismo e do Barroco e o caráter francamente ornamental dos arroubos do Rococó adequavam-se ainda ao rígido programa da retórica antiga, iniciado com Aristóteles, reciclado em chave latina por Cícero e Quintiliano e retomado de maneira generalizada na Renascença. Esse programa retórico ensinava os artistas como produzir em metáforas e alegorias segundo determinadas operações lógicas e conformava os temas dentro das categorias acadêmicas, sempre recorrendo aos repertórios da História e das mitologias e doutrinas religiosas do ocidente.

É contra esse esquema técnico-temático que o Romantismo insurge, apelando para imagens não lógicas, cenas de sonhos e pesadelos, um gosto pelo mórbido e pelo grotesco, interpretações livres e apaixonadas da mitologia e da História, segundo uma nova noção de “gênio” artístico que, ao mesmo tempo, reunia o obscuro da alma com a luz da poesia, em um gesto moderno de ruptura.

Na busca de modelos históricos de uma “arte emocionada”, os primeiros românticos alemães elegeram a catedral gótica como símbolo máximo de uma possibilidade apaixonada, metafísica e não clássica da arte. Vejamos o que G. C. Argan fala sobre este tema:

A arquitetura gótica é antes de mais nada cristã, sua tendência para o alto e sua insistência nas verticais manifestam um desejo de transcendência; é burguesa porque nasce nas cidades com o refinado artesanato dos séculos XIII e XIV; exprime não só o sentimento do povo como a história das comunidades (...). Na arquitetura gótica a nova, civilização industrial vê não só um antecedente, mas a prova de uma espiritualidade que o tecnicismo moderno, pelo menos em teoria, não deveria negar. (ARGAN, G. C. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992)
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Dessa maneira, o Romantismo nasce nostálgico, melancólico, passional, pessimista, obscuro, essencialmente anti clássico e anti racionalista. É o sono da razão e o pesadelo da ordem. Como disse Goya, “O sono da razão produz monstros”, e é desses monstros que fala o romantismo, daqueles que habitam as nossas profundezas e que agora encontravam expressão na arte, após séculos de censura religiosa e rigores retóricos. É bem verdade que o anti-racionalismo romântico nunca chegou a ameaçar a doutrina racionalista burguesa uma vez que, na maioria das vezes, concentrava-se no nível da linguagem artística e das posturas individuais, não se propondo como uma doutrina de massas.

O público burguês, por outro lado, reagiu com estranhamento àquelas imagens. O escândalo suscitado por Géricault, em Paris, com a sua pintura “A balsa do Medusa”, tornar-se-ia um lugar comum entre os muitos outros escândalos que se seguiriam nas décadas seguintes.

A hostilidade suscitada por esta obra-prima assinalou o prelúdio dos repetidos escândalos que caracterizaram a história da Pintura no século XIX. O embate entre a arte progressista e a opinião pública (...) era já aparente quando a batalha romântica se travava. A partir de então, os grandes artistas representaram figuras solitárias, na periferia da arte oficial. (LACLOTTE, M. A arte francesa de 1350 a 1850. In: As bela-artes, v.5. Lisboa: Ed. Grolier, 1971)
Para refletir

O público deve sempre aceitar o sistema da arte? E quando ele se rebela contra esse sistema? Como você analisa ambas as posturas, a do artista e da sociedade?

1.5. Artistas do período Romântico

Johann Heinrich Füssli (1741–1825) nasceu e estudou na Alemanha e se destaca como sendo o que mais perfeitamente soube dar substância às imagens dos pesadelos. Sua pintura, clássica na forma e delirante no imaginário, retoma os fundos escuros e metafísicos de Caravaggio e se deixa povoar pelos monstros de Bosch.

Para Füssli, a Arte é uma atividade puramente espiritual, afastada da natureza, mas ele vê essa espiritualidade no profundo da alma, e não nas visões do paraíso “no sonho e no pesadelo, mais do que nas visões transcedentais”. (ARGAN, op. cit.)

“A Razão divinizada pela Revolução chega também à Espanha, mas tardia e com baionetas francesas, e apenas para substituir um despotismo laico o dos Bourbon e dos padres: uma burla no cúmulo da infelicidade. Então Goya se põe ao lado da nação espanhola — um outro passo em direção ao Romantismo histórico”. (ARGAN. Op.cit.)
Figura 6: Johann H. Füssli. Pesadelo. 1781.

É assim que Argan começa a apresentar a obra de Francisco Goya (1746-1828), pintor espanhol contemporâneo da invasão napoleônica, que se tornaria o maior cronista romântico dos vícios humanos e dos horrores da guerra. “Retrata em grande pompa a família do rei, mas deixa transparecer nos rostos, porque sabe percebê-los, a tolice e a depravação. Pinta uma bela mulher, mas só ele sabe ver em seu fascínio erótico os sinais da decadência iminente”, diz Argan, e continua, referindo-se à famosa série de gravuras Os Caprichos: “A razão invoca do inconsciente os monstros da superstição e da ignorância gerados pelo sono da razão. Goya (...) descreve esta imagerie do preconceito e do fanatismo com furioso sarcasmo”. (Id. Ibid.)

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Figura 7: Francisco Goya. Duendezinhos (Os Caprichos). 1799.

William Blake (1757–1827) foi o primeiro dos grandes poetas do romantismo inglês, e foi também pintor, impressor, e um dos maiores gravadores da história inglesa. Blake foi um rebelde; uma voz solitária contra a marcha da ciência e da razão. Talvez por isso tenha sido visto por seus contemporâneos como um lunático e tenha desfrutado de pouco sucesso quando vivo. Ele falava com anjos nas árvores e uma vez foi encontrado no jardim com sua mulher, ambos nus, brincando de Adão e Eva. Sua pintura é profundamente metafísica, muitos de seus temas são bíblicos e reúnem a leveza da aquarela com o vigor do desenho expressivo com um potente imaginário metafísico.

Figura 8: William Blake. O Número da besta é 666. 1806.

A Balsa da Medusa, de Théodore Géricault (1791–1824), exposta no salão de 1818, é considerada a obra fundadora e manifesto do Romantismo francês. Para realizar essa obra, que alude à tragédia dos sobreviventes do naufrágio do navio Medusa, o artista entrevistou os sobreviventes, examinou despojos, fez dezenas de estudos sobre cadáveres, para captar a atmosfera espiritual e o realismo formal exigidos. Géricault adorava cavalos, o que o levou a pintar cenas equestres militares, corridas de cavalos e estudos em um matadouro de cavalos nos arredores de Paris.

Além disso, fez estudos usando cadáveres verdadeiros, bizarrices de circo e loucos internos de um hospício. Atento às mazelas sociais, produziu ainda uma série de litografias sobre a pobreza nos arredores de Londres, durante os anos em que morou na capital inglesa. Morreu com apenas trinta e dois anos, após um acidente de equitação.

Figura 9: Théodore Géricault. A Balsa da Medusa. 1818.

Eugène Delacroix (1798–1863) foi o maior expoente do Romantismo francês, segundo Baudelaire:

“Toda a glória da Ecola francesa, durante vários anos, pareceu concentrar-se em um só homem (...)

O Senhor Delacroix é seguramente o pintor mais original dos tempos antigos e dos tempos modernos (...)

É evidente que a seus olhos a imaginação é o dom mais precioso, a faculdade mais importante, mas que essa faculdade permaneceria impotente e estéril se ela não possuísse a seu serviço uma habilidade rápida que pudesse seguir a grande faculdade despótica em seus caprichos impacientes. (...) Delacroix parte do princípio de que um quadro deve, antes de tudo, reproduzir o pensamento íntimo do artista, que domina seu modelo, como o criador à criatura”. (Curiosités Esthetiques, III, 4. Paris: Gallimard , 1975)

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Figura 10: Eugène Delacroix. A Barca de Dante. 1822.

Delacroix era mais afeito aos temas acadêmicos do que outros românticos de sua época. A maioria de suas telas retrata passagens literárias ou históricas, com uma grande predileção por cenários exóticos do mundo islâmico do norte africano. Estreou no Salon de 1822, com o quadro “A Barca de Dante”, e, no salon de 1824, confirmaria seu estilo de cores vibrantes e composições complexas como “A Chacina de Quios”. “A Morte de Sardanapalo”, exposto no salon de 1829, foi baseado em um poema de Byron e causou escândalo devido às suas cores fortes e ao tema exótico e violento. Teve uma vida profícua e, a certa altura, conseguiu encomendas oficiais, obtendo êxito e dinheiro.

Apesar disso, Delacroix não foi feliz. O grande público jamais o compreendera e, apesar da admiração e amizade de alguns poucos pares e intelectuais, como Baudelaire, sofria de melancolia e depressão profundas. Faleceu em Paris, em 1863.

Saiba mais

Faça um passeio virtual por Marrocos e descubra as cores que influenciaram Delacroix. Visite o site imagensdemarrocos.blogspot.com

Dicas de filmes

Goya (1999) do diretor Carlos Saura, com Francisco Rabal (Goya) e José Coronado (Jovem Goya).

Sombras de Goya (2007) do diretor Milos Forman, com Javier Bardem, Natalie Portman, Stellan Skarsgård, Randy Quaid, Blanca Portillo, Michael Lonsdale, José Luis Gómez, Mabel Rivera.

Unidade 2: Os Paisagistas, o Realismo, a Fotografia

2.1. Os Paisagistas

Ao mesmo tempo que o movimento romântico se desenvolvia na Inglaterra, dois pintores paisagistas faziam novas descobertas e tentavam inovações que influenciariam não apenas o próprio romantismo, mas também os movimentos posteriores. Eram eles John Constable (1776–1837) e William Turner (1775–1851). Ambos partilhavam a mesma paixão pelos grandes espaços abertos e pelas visões da natureza e encantavam-se com o que o romantismo chamou de pitoresco — pequenos recantos, maravilhas minúsculas oferecidas pela natureza — e sublime — as forças grandiosas e indomáveis do universo natural.

Constable e Turner descendem da velha escola holandesa, com contribuições dos paisagistas clássicos Claude Lorrain e Canaletto. Porém, renovam a pintura de paisagens, adotando uma nova postura diante da natureza, ou, como diz Argan, os dois “esclarecem com suas obras quais podem ser as atitudes do homem moderno diante da realidade nartural”. (Op. cit.)

Constable foi o primeiro, depois do Neoclassicismo, a pintar paisagens fora do ateliê a usar telas pequenas. Constable tentava plasmar as alterações nas condições da natureza tal como ocorriam: névoa, chuva fina, sol tênue, umidade. Tudo é captado com manchas coloridas, pinceladas rápidas, densas, num estilo veloz e brilhante, precursor do Impressionismo. Um dos quadros mais aceitos pela crítica foi “O Carro de Feno”, de 1821, que lhe valeu a medalha de ouro da Academia. A famosa exposição de pintura inglesa em Paris, em 1824, divulgou a obra de Constable na França e causou boa impressão. As visões do céu, em suas paisagens, influenciaram toda a escola francesa, e mesmo Delacroix tentaria imitá-las.

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Enquanto Constable se deixava entreter pelo pitoresco, pelo brilho das gotas nas folhas, pelas espirais das nuvens, Turner, por outro lado, via na natureza uma força sempre maior do que nossa compreensão, uma força cósmica em que luz e matéria giravam em vórtices cromáticos.

Figura 11: John Constable. O carro de feno. 1821.

Diz Argan:

Para Turner, é sempre a intuição a priori de um espaço universal ou cósmico que se concretiza e se apresenta à percepção em temas particulares.

(...) Para Turner, o espaço é uma extensão infinita, animada pelo agitar-se de grandes forças cósmicas, de modo que as coisas são tragadas em vórtices de ar e em turbilhões de luz, acabando por serem reabsorvidas e destruídas no ritmo do movimento universal. (Op. cit.)

Turner tem uma visão emocionada pelo sentimento do sublime, uma sensação de pequeneza e de maravilhamento diante das forças cósmicas. Seus céus, névoas, oceanos rugem a sua potência e a sua beleza diante de nós.

Por ser tão passional em sua obra e em sua visão de mundo, Turner pode ser considerado um romântico legítimo. Porém, enquanto outros românticos vasculhavam o fundo escuro da alma humana, em busca das forças terríveis que gostavam de plasmar, Turner buscava essas mesmas forças no exterior, na luz e nas coisas, unindo o infinito interior e o exterior, as forças de ambos os polos da percepção humana do incomensurável.

Também Constable, pela capacidade de produzir rapidamente a mancha precisa, de captar com vastas pinceladas os detalhes das coisas, as pequenas luzes do mundo, num estilo que junta intuição e técnica, é comumente classificado como romântico. Também ele, no entanto, quer, antes, lidar com as forças exteriores, e não as interiores, prefere as emoções da luz às da obscuridade.

A influência desses dois pintores se faria sentir no continente, sobretudo na França, não apenas nos céus de Delacroix, mas também nas luzes das paisagens de Corot e nas vistas dos paisagistas da Escola de Barbizon.

Figura 12: William Turner. The Great Western Railway. 1844.
Figura 13: Camille Corot. Catedral de Chartres. 1830.

Camille Corot (1796–1875) é certamente menos cósmico que Turner e menos pitoresco que Constable. Para Corot, tanto as forças do interior quanto as do exterior reunem-se no fato pictórico, e é para esse fato que ele está atento. Sobre ele, diz Argan:

(Para Corot) “o mundo não é um espetáculo a ser admirado, e sim uma experiência a ser vivida, e a pintura é um modo de vivê-la. (...) A natureza, para Corot, não é objeto, mas motivo: um termo que terá muita importância para toda a pintura oitocentista, até Cézanne”. (Op. cit.)

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Também os jovens pintores da École de Barbizon, como Theodore Rousseau (1812–1867) e Charles Daubigny (1817–1878), estavam mais atentos aos fatos pictóricos e queriam, sobretudo, “sentir” a natureza, tanto que se retiraram para viverem no campo. Em cada pincelada, tentam passar a impressão de plena capacidade de transmitir os sentimentos instantâneos que as visões naturais provocam; querem passar uma intensa familiaridade com o lugar. Essa familiaridade, diz Argan, revela uma ética diante da modernidade, como se se negassem a um pacto com a sociedade burguesa, preferindo fazê-lo com a natureza.

2.2. O Realismo

O aspecto político de negação de convívio com a sociedade burguesa adotado pelos pintores de Barbizon fazia eco à precoce desilusão causada pelo fracasso das promessas da Revolução Francesa. O Capitalismo, desde cedo, mostrou que não era, em si mesmo, igualitário, libertário ou fraternal. A dura vida dos camponeses e a proliferação de uma classe operária empobrecida nas periferias das grandes cidades, enquanto a burguesia festejava seu triunfo nos salões, suscitou, ao longo do século XIX, o surgimento de várias correntes de pensamento ditas socialistas, como as defendidas por Proudhon, na França, e Marx e Engels, na Alemanha.

Na arte, essa desilusão deu origem ao Realismo. Os realistas negavam o emocionalismo metafísico dos românticos, bem como a eleição da natureza como protagonista da imagem pintada, muitas vezes sem o elemento humano, como faziam os paisagistas. Para eles, o centro da investigação era o homem simples, do povo, imerso e em harmonia com as vastidões do campo ou, na cidade, entregue a duros afazeres braçais durante passagens corriqueiras do dia. Agora esses eram os motivos a serem vividos.

Figura 14: François Millet. Angelus. 1857.
Figura 15: Honeré Daumier. Trem de Terceira Classe. 1866.

Em seu livro Arte Moderna, Argan divide os realistas em dois grupos. Um, representado por François Millet (1814–1875), que gostava dos camponeses, mantinha a postura romântica e emocionada diante do motivo; outro, representado por Honeré Daumier (1808–1879), era mais combativo politicamente. Em Millet, ele aponta o sentimento de religiosidade, a influência do paisagismo romântico, os camponeses contextualizados em cenas “poéticas”. Sobre Millet, diz Baudelaire:

Seus camponeses são pedantes que possuem uma opinião demasiadamente alta sobre si mesmos. (...) Que trabalhem na colheita, que semeiem, (...), têm sempre o ar de dizer: “Pobres deserdados deste mundo, entretanto, somos nós que o fecundamos! Nós cumprimos uma missão, nós exercemos um sacerdócio!”Em sua monótona fealdade, todos esses pequenos párias têm uma pretensão filosófica, melancólica e rafaelesca. (Op. Cit)

Baudelaire, declaradamente, não gosta de Millet e prefere Daumier ou a Courbet. O elemento pretensioso que ele percebe em seus camponeses, no entanto, pode ser visto em todo o resto. Os realistas tinham por regra emprestar imensa dignidade aos seus modelos. Em sua rudeza, representados muitas vezes sem ter o rosto definido, anônimos e coletivos, todos os trabalhadores representados pelos realistas têm essa postura de grandeza diante da adversidade. É do caráter severo de seu trabalho, de sua rotina que eles tiram essa coragem, essa expressão heróica, exausta, mas valente.

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Figura 16: Gustave Courbet. Les Cribleuses de blé. 1854.

Daumier exercitara, por décadas, a sua verve politica como refinado chargista e caricaturista. Porém, o humor que guardava para os tablóides desaparecia em sua pintura, permanecendo o olhar politicamente agudo e os traços rápidos, insinuados, arrojados de seu desenho. Daumier gostava de temas urbanos ou, antes, suburbanos. Pintava operários no vagão popular do trem, anônimos em manifestações ou pelas ruas. Baudelaire via em Daumier um humanista que denunciava a miséria operária: “É um satírico, um zombador; mas a energia com a qual ele pinta o mal e sua sequela prova a beleza de seu coração”. (Op. cit.)

É certo que, ao lado de sua agudeza política, Daumier também dava vazão à sua veia mais poética, como em sua famosa série sobre o tema Dom Quixote.

Aquele que é considerado a figura central da pintura realista francesa, no entanto, é Gustave Courbet (1819–1877). Para Courbet, diz Argan,

Tudo o que é considerado poético a priori deve ser repudiado: o belo, o gracioso, o sentimento de natureza. Courbet quer viver a realidade como ela é, nem bela, nem feia (...). Para tocar a verdade, ele elimina a mentira, a ilusão, a fantasia. Tal é o seu Realismo, princípio antes moral do que estético: não culto e amor, devota imitação, mas simples constatação do verdadeiro. (Op. cit.)
Saiba mais

Pesquise informações sobre o Socialismo, suas principais ideias e correntes. Informações rápidas nos sites: pessoas.hsw.uol.com.br/socialism2.htm e brasilescola.com/historiag/socialismo.htm

Figura 17: Édouard Manet. Olympia. 1863.

Declaradamente socialista, Courbet tinha uma postura quase filosófica diante da pintura. Gostava de temas aparentemente sem qualquer interesse, os quais buscava representar sem qualquer idealismo. Suas figuras nada têm de espirituais, são pesadas, musculosas, rudes, por vezes, em posições pouco comuns, por exigência do trabalho. Suas mulheres não são ninfas, nem camponesas religiosas; são desengonçadas, desalinhadas, sem qualquer apelo poético.

Também Édouard Manet (1832–1883) buscava isenção de qualquer lirismo em suas pinturas. A crueza de suas imagens lhe valeu vários escândalos. O mais famoso deles talvez seja o suscitado por sua tela “Olympia”, de 1863.

A mulher está, indolentemente, deitada em uma cama desfeita e, a não ser pelas sandálias, por uma pulseira e uma gargantilha, está totalmente nua. Tem um hibisco do lado esquerdo da cabeça e nos olha com serena arrogância, desatenta à criada negra que chega com um ramalhete de flores. Quem seria? Afrodite, em alguma alegoria mitológica? Alguma outra alegoria moral? Uma representação de nudez como signo de inocência ou de pecado?

O Realismo é avesso a tudo isso. Não há julgamento, apenas representação honesta: é uma mulher, apenas. Não é, excepcionalmente, bela; pelo contrário, seu rosto ostenta um aspecto de desafiadora vulgaridade. Sua nudez, somada aos acessórios que porta, ganha fundo erótico. As flores que a criada traz, certamente, foram enviadas por um amante (quantos ela teria?). O hibisco (símbolo de fertilidade) assinala, no lado esquerdo, sua condição de mulher solteira e eroticamente disponível.

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Ela nos encara sem qualquer pudor, e o que é pior, na opinião do público da época, ela realmente existia: a pintura fora feita usando um modelo, como seu retrato. Qualquer um, naqueles dias, podia topar com aquela mulher em alguma calçada. Paris tremeu com o escândalo.

Manet usava pinceladas longas e soltas, quase rudes. Sua pintura mostra uma grande consciência do gesto e da matéria pictóricas, e seria ele quem, pouco depois, faria a transição do Realismo para o Impressionismo.

2.3. O surgimento da fotografia

Muito provavelmente, a primeira pessoa no mundo a tirar uma verdadeira fotografia — se a definirmos como uma imagem inalterável, produzida pela ação direta da luz — foi Joseph Nicéphore Niepce, em 1826. Ele conseguiu reproduzir, após dez anos de experiências, a vista descortinada da janela do sótão de sua casa, em Chalons-sur-Saône. Por volta de 1822, Niepce já trabalhara com um verniz de alfalto (betume da Judeia), aplicado sobre vidro, além de uma mistura de óleos destinada a fixar a imagem. Com esses materiais, obteve a fotografia das construções vistas da janela de sua sala de trabalho —após uma exposição de oito horas. Contudo, aquele sistema heliográfico era inadequado para a fotografia comum, e a descoberta decisiva seria feita por um cavalheiro muito mais cosmopolita: Louis Daguerre.

Figura 18: Louis Daguerre. Daguerreotipia de 1844.
Figura 19: Hercule Florence em 1875.

Ela ocorreu em 1835, quando Daguerre apanhou uma chapa revestida com prata e sensibilizada com iodeto de prata e que, apesar de exposta, não apresentara sequer vestígios de uma imagem, e a guardou, displicentemente, em um armário. Ao abri-lo, no dia seguinte, porém, encontrou sobre ela uma imagem revelada. Criou-se uma lenda em torno da origem do misterioso agente revelador — o vapor de mercúrio —, sendo atribuído a um termômetro quebrado. Entretanto, é mais provável que Daguerre tenha despendido algum tempo na busca daquele elemento vital, recorrendo a um sistema de eliminação. Em 1837, ele já havia padronizado esse processo, no qual usava chapas de cobre sensibilizadas com prata e tratadas com vapores de iodo, e revelava a imagem latente, expondo-a à ação do mercúrio aquecido. Para tornar a imagem inalterável, bastava simplesmente submergi-la em uma solução aquecida de NaCl (sal).

2.3.1. Surgimento no Brasil

Entre os anos 1824 e 1879, viveu no Brasil — mais precisamente na Vila de São Carlos, hoje Campinas — o desenhista e tipógrafo francês Hercule Florence e que, até há pouco tempo, era famoso apenas por ter feito parte da expedição do Barão Langsdorff pelo interior do Brasil. Recentemente, através de pesquisas do Foto-Cine Clube Bandeirante, publicadas como estudo por Boris Kossoy, uma não menos interessante faceta de Florence veio à tona: inventor da fotografia, em 1833.

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Em seus diários e anotações constam importantes descobertas feitas isoladamente e que, em muito, pareciam-se com as que Daguerre, Talbot e Herschel fizeram na Europa. As dificuldades que ele enfrentou, tendo que construir sua própria câmara escura de maneira rudimentar, e a busca pelos próprios métodos, com quase nenhum auxílio, fazem de sua descoberta um grande mérito. Florence chegou a um método de fixação de imagens por contato em papel que lhe renderam ótimos resultados, dos quais ainda sobrevivem encomendas de trabalhos, como rótulos de farmácia e um diploma maçônico. Apesar de Florence não ter dado nenhum nome específico a seu processo pela câmara escura, seu sistema de impressão por contato em negativo foi chamado de fotografia por ele e por um colaborador, o boticário Joaquim Corrêa de Mello. Segundo consta, foi a primeira vez que se utilizou o termo e ao que tudo indica, cabe a ele o mérito da nomenclatura.

Dica

Faça uma pesquisa sobre Hercule Florence, e saiba mais sobre a descoberta da fotografia no Brasil.

Informações no site: cpdoc.fgv.br

2.3.2. Surgimento na Inglaterra

Na Inglaterra, William Fox Talbot trabalhava também desde 1833 num processo similar para obtenção de imagens. Suas dificuldades foram as mesmas da maioria dos proponentes da descoberta: não conseguiu achar um meio eficaz de fixar as imagens e utilizava como base papel impregnado com emulsão de sais de prata. O que conseguiu de mais próximo foram impressões diretas, por contato sobre papel, que ele denominou Calótipo. Mas, Talbot experimentou também colocar o papel diretamente na câmara escura e obteve resultados satisfatórios, pouco antes de Daguerre. Cogita-se que Talbot nada tenha dito em relação à sua descoberta por não ter conseguido, como Daguerre, uma maneira eficiente de fixar a prata sensibilizada. Apesar de também ter usado sal de cozinha, a fixação numa solução de salmoura funcionava com uma chapa de metal, mas não com uma folha de papel, que se desmancharia depois de certo tempo. Talbot, assim como Nièpce, também queria desenvolver uma maneira de copiar essas imagens, razão pela qual insistir nas experiências com papel. Mas Talbot, que além de tudo era matemático e botânico, tinha em seu círculo de amigos alguns cientistas da Royal Society de Londres, entre eles um certo John William Frederick Herschel.

Filho do famoso astrônomo que descobriu o planeta Urano, Herschel também se interessou pela corrida à obtenção do que seria a imagem fotográfica. Herschel queria, na verdade, um método para “fotografar” as imagens da abóbada celeste obtidas por um grande telescópio que ele próprio construiu. Herschel conhecia, através de Talbot, as dificuldades que envolviam os pioneiros da fotografia e, sabendo que Daguerre havia conseguido resultados satisfatórios, resolveu pesquisar, ele próprio, métodos que pudessem resolver tais problemas. Ele e Talbot trocaram diversas experiências e informações durante algumas semanas, pois Herschel tinha conhecimento muito mais profundo de química e lembrou-se de algumas experiências feitas alguns anos antes. Ambos desenvolveriam, em parceria, o método que afinal permitiria que a fotografia em papel aos poucos tomasse o lugar do daguerreótipo.

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2.3.3. Surgimento nos Estados Unidos

A fotografia avançava na revelação do invisível. Por volta de 1870, Edward Muybridge iniciou os experimentos que o conduziram a fotografar todas as etapas do galope de um cavalo (em 1877) com a ajuda de doze câmeras (mais tarde ele chegaria a usar até 36 câmeras sincronizadas). Isso serviu para comprovar que o animal realmente levantava as quatro patas do solo simultaneamente, contrariando os moldes clássicos de representação do galope na pintura.

2.3.4. A polêmica

A popularização da fotografia deu-se com espantosa rapidez. Em vários lugares, diferentes pesquisadores desenvolveram, ao mesmo tempo, processos químicos e equipamentos diferenciados. Surge então a profissão do fotógrafo, cujos primeiros trabalho foram os retratos de personalidades e de famílias. Esses retratos, outrora, eram executados por pintores, a um custo bem mais elevado, em muito mais tempo e sem a exatidão na reprodução alcançada pela fotografia. Os fotógrafos, a seguir, tomaram espaço de pintores, gravadores e desenhistas na indústria gráfica. Isso gerou uma crise sem precedentes entre o grande número de artistas populares dedicados a essas especialidades. Sobre essa crise, Baudelaire, mesmo retratado por muitos fotógrafos famosos do século XIX, como Nadar, escreveu um longo artigo, do qual destacamos aqui alguns trechos:

Nestes dias deploráveis, produziu-se uma nova indústria que muito contribuirá para confirmar a idiotice da fé que nela se tem, e para arruinar o que poderia restar de divino no espírito francês(...). Em matéria de pintura e de escultura, o Credo atual do povo, sobretudo na França (e não creio que alguém ouse afirmar o contrário) é este: “Creio na natureza e creio somente na natureza (há boas razões para isso). Creio que a arte é e não pode ser outra coisa além da reprodução exata da natureza. Assim, o mecanismo que nos oferecerá um resultado idêntico à natureza será a arte absoluta”. Um Deus vingador acolheu as súplicas dessa multidão. Daguerre foi seu Messias. E então ela diz a si mesma: “Visto que a fotografia nos dá todas as garantias desejáveis de exatidão (eles creem nisso os insensatos), a arte é a fotografia”. (...) Como a indústria fotográfica foi o refúgio de todos os pintores fracassados, demasiado mal dotados ou preguiçosos para acabar seus estudos, esse deslumbramento universal teve não somente o caráter de cegueira e imbecilidade, mas também, a cor de uma vingança. (Op. cit.)
Figura 20: Muybrige. Galope. 1877.
Figura 21: Etienne Carjat. Baudelaire. 1863.
Sugestão de atividade

Inspirando-se na história do surgimento da fotografia, escolha um tema e faça um ensaio fotográfico de sua cidade. Você poderá utilizar câmera amadora, de celular ou outra forma de registro fotográfico. O importante é que você experimente, mostre o resultado a seus colegas e troque informações sobre as imagens captadas.

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Unidade 3: O Impressionismo e o Simbolismo

3.1. Fontes do impressionismo

A obra fundadora do Impressionismo é a pintura de Claude Monet intitulada Impressão: o sol se levanta, exposta na primeira mostra do grupo recém-formado, em 1874, no estúdio do fotógrafo Nadar (o grupo exporia, regularmente, até 1888). Participaram: Eugène Boudin, Paul Cézanne, Edgar Degas, Claude Monet, Camille Pissarro, Pierre-Auguste Renoir e Alfred Sisley. Um comentário ácido de um crítico sobre a tela em questão fez, como gesto de resistência, o grupo passar a se designar como Impressionistas. A nova escola descendia diretamente das conquistas e desdobramentos do realismo, mormente o de Manet, que adotava em seu estilo elementos de rapidez e precisão ilusionista buscados em Rubens e Velásquez. De fato, mesmo que não se assumisse impressionista, Manet aproximaria ainda mais da pintura executada por aqueles jovens artistas. Sobre o Impressionismo, diz Hauser:

Estilisticamente, o Impressionismo é um fenômeno extremamente complexo. Na realidade, não é mais do que o desenvolvimento lógico do naturalismo. Porque se o naturalismo se toma como progresso do geral para o particular, do típico para o individual, da ideia abstrata para a experiência concreta temporal e espacialmente condicionada, então a representação impressionista da realidade, com a ênfase que tem no instantâneo e no único, é realização notável do naturalismo. (Op.cit.)

Também complexa é a rede de influências, oriundas de várias disciplinas, que guiavam a experiência impressionista.

Da Arte veio a experiência dos grandes mestres: Rubens, Velásquez, Rembrandt, Turner, Constable, Delacroix. A matéria pictórica desses artistas foi examinada em detalhes. Em todos eles, os impressionistas buscavam as massas de tinta, as pinceladas ágeis, ora estreitas, ora largas, sempre exatas, os efeitos ópticos e de luz, as cores e os tons. Dos paisagistas do início do século XIX, herdaram o hábito de pintarem ao ar livre, sur le motif. De Courbet, copiaram a mochila que este levava às costas, onde cabia tela, tintas e ainda um cavalete retrátil.

Figura 21: Claude Monet. Impressão: o sol se levanta. 1872.
Figura 22: Alfred Sisley. Barco na enchente de Port-Marly. 1876.

Da fotografia veio a noção de que a natureza não era mais algo a ser imitado, na Pintura, uma vez que agora existia um processo técnico que produzia imitações da natureza inigualáveis. Dessa forma, se não se devia imitar a natureza, representá-la passou a ser uma questão de percepção ou de impressão. Também era interessante saber que, na fotografia, a imagem era formada por grãos, partículas justapostas que formavam um todo, ou um conjunto de fragmentos que se apresentavam à percepção como se fossem um todo. Em poucas palavras, o estilo impressionista soma essa experiência óptica com a busca da mancha precisa de Constable.

Por fim, da Medicina veio a informação de que também nosso olho funciona através da captação de uma imagen fragmentada que é reconstruída no cérebro. É como se o olho captasse a realidade luminosa e a montasse com pinceladas extremamente velozes em nossa tela mental.

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Porém, o maior aprendizado do pintor impressionista dava-se mesmo na observação dos fenômenos ópticos, na percepção das formas de decomposição, rebatimento, absorção, reflexão e ritmo da luz. Argan nos avisa de que essa técnica de percepção, ligada à técnica pictórica, torna-se “uma técnica de conhecimento que não pode ser excluída do sistema cultural do mundo moderno, eminentemente científico” (Op. cit).

Como se apresentam aos nossos olhos os fenômenos luminosos que comumente chamamos de “onda do mar“, ou “gota de orvalho na pétala”, ou “sol no telhado das casas”? Seria possível elaborar uma técnica de percepção-construção que pudesse ser suficientemente rigorosa para equiparar-se com o método científico? Esse foi o desafio e a questão a ser resolvida pelos impressionistas, buscar um rigor técnico que pudesse alinhar-se com o rigor das técnicas industriais, profundamente ligadas à Ciência, sem, contudo, perder o primado da percepção e da intuição.

3.2. O Estudo da luz: Monet, Pissarro, Sisley

Claude Monet (1840–1926) é apontado como o verdadeiro líder do grupo impressionista. Seus experimentos com a luz nos dão uma noção do quão científica era sua curiosidade e sua obsessão. Na famosa série da Catedral de Rouen, por exemplo, ele pinta o mesmo objeto visto do mesmo ângulo, em horas diferentes, com luzes diferentes e condições atmosféricas também distintas. Ele observa a ação do tempo sobre a catedral, como um botânico examina o resultado de sua experiência; ele vê a catedral mudar, conforme muda o dia, o sol, o céu, o ar, a umidade. Para Monet, nada é estático, e tudo é sutileza visual. Será ele quem nos revelará, nesses estudos, que a pretensa velocidade e dinamismo dos modernos nada mais é que reflexo do dinamismo implacável do tempo; das mudanças mínimas que a cada segundo o tempo provoca no mundo, corroendo as cordas do presente, tornando-o passado.

A grandiosidade da Catedral resiste ao tempo. Essa noção de tempo, em Monet, é cronológica e também atmosférica. Porém, ele não é portador da visão apaixonada, produtora de tempestades, de Turner, e nem da visão de tempo como decrepitude e morte, comum ao Romantismo.

Figura 21: Claude Monet. Catedral de Rouen. 1893.
Figura 22: Camille Pissarro. B, Montmartre: manhã. 1897.
Figura 21: Camille Pissarro. B, Montmartre: noite. 1897.

Para ele, o tempo não é infinito (por isso não atemoriza), dura uma manhã ou uma tarde, é visto em intervalos curtos de um dia ou poucas horas, é puro esvair-se e puro devir em frações de tempo, assim como fracionada é sua pintura.

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Comumente, Alfred Sisley (1839–1899) e Camille Pissarro (1830–1903) são tidos como figuras secundárias do impressionismo; isso não lhes faz justiça, afinal, ambos iniciaram seus estudos ao ar livre, influenciados por Corot, ainda no início dos anos 1960 e, juntamente com Monet, são pioneiros do movimento. Sisley é filho de pais ingleses falidos e padeceu miséria toda a vida, sem jamais abandonar o estilo impressionista, como fariam Renoir e Cézanne. Foi um dos principais articuladores da primeira exposição impressionista, em 1874, e durante toda a vida manteria contato e pintaria em companhia de Monet, Pissaro e Renoir. Especializou-se na pintura de paisagens sem muita presença do elemento humano, cenas de inverno no interior e em Paris, com largas massas de neve na paisagem, e cenas com espelhos de água. Superfícies de água, aliás, eram seu tema predileto; pintou o Sena, os canais de Paris, lagos e rios do interior e enchentes em Port-Marly.

Pissaro é filho de mãe crioula e pai português, nascido nas Índias Ocidentais Dinamarquesas (atuais Ilhas Virgens, hoje pertencentes aos EUA) e chegou a Paris em 1855, para estudar pintura, logo tornando-se amigo de Corot e também do jovem Monet, iniciando suas pinturas ao ar livre. Pissaro era considerado o mais amável dos impressionistas, sendo apreciado até mesmo pelo difícil Degas. Foi o principal articulador da primeira exposição impressionista, em 1874, e participaria de todas as oito exposições do grupo que se realizariam até 1888.

Pissaro, assim como Sisley, gostava particularmente das vistas com caminhos tortuosos, de cenas de inverno e também do efeito reflexivo que a chuva provocava na paisagem. É célebre a série de quadros em que, à maneira de Monet, retratou o Boullevard Montmartre, exatamente com o mesmo ângulo e enquadramento, mudando apenas a hora do dia ou da noite, a luz e as condições atmosféricas.

Sugestão de atividade

Faça fotos de objetos ou paisagens refletidas em superfícies de água. Explore efeitos de luz e distorções da forma. Depois, fotografe um mesmo objeto ou ângulo de paisagem em diferentes horas do dia. Perceba as mudanças de luz e de cor na imagem. Peça ao seu professor(a) para criar uma galeria para expor os resultados obtidos.

3.3. Negatividade e movimento: Manet e Degas

Édouard Manet (1832–1883) seguiu o caminho natural de seu realismo. Nunca chegou a expor com o grupo impressionista, embora todos o considerassem um mestre. A partição de suas pinceladas, ainda mais influenciadas por Velásquez e o abrandamento do seu chiaroscuro fizeram-no produzir, afinal, algumas das mais belas e significativas telas impressionistas.

Em sua tela “Um Bar no Folies- Bèrger”, por exemplo, ele retoma o tema geral da pintura Olympia, vinte anos depois. As cores são firmes como as dos interiores holandeses; a cena representa uma balconista que atende a um cliente no balcão de um bar; no grande espelho ao fundo, vemos que o recinto é amplo e está lotado. A semelhança entre a balconista e a Olympia é notável, ainda mais porque ambas usam uma gargantilha preta com um pequeno camafeu e, no braço direito, um bracelete dourado marroquino.

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Mas a semelhança entre ambas é apenas física, na verdade a balconista representa uma antiOlympia. A balconista não tem, nem de longe, a postura arrogante e lasciva da Olympia. Enquanto Olympia está despertando depois do que imaginamos ter sido uma noite romântica com algum amante que lhe manda flores pela manhã, a balconista trabalha até altas horas para sobreviver. Enquanto aquela nos olha de maneira desafiadora, essa nos olha com tédio e cansaço. Enquanto aquela é servida por uma criada, essa serve a um cliente do bar.

Tecnicamente, também há mudanças. As pinceladas da Olympia são mais largas e francas, ao estilo de Courbet, enquanto, no bar, ele usa pinceladas mais ligeiras próximas das de Constable. A influência dos velhos mestres é sempre forte em Manet: reparem na renda que ornamenta a roupa da mulher no bar; pinceladas aparentemente feitas a esmo que nos dão a perfeita ilusão de uma gola de renda francesa, numa clara referência a Velásquez.

Nessas duas pinturas, o que continua inalterado é o olhar profundamente realista de Manet. Para ele, o Impressioniosmo ainda é um veículo em que há alguma possibilidade política; e é por isso que ele, ao contrário da total isenção de Monet, continua emprestando à sua pintura essa agudeza social.

Figura 22: Édouard Manet. Um bar no Folies-Bèrger. 1882.

Edgard Degas (1834–1917) também adotava a atitude de cronista da vida burguesa. Porém, ao contrário do diurno Renoir, a maior parte de seus quadros representa cenas e ambientes interiores, como camarins, salas de banho e toucadores, salas de aula de dança, apresentações teatrais e cenas da vida noturna e boêmia de Paris. Assim como Manet, ele não se nega a representar (sem condenar) o lado decadente e patético dessa festa, prenunciando a crítica-celebração que, mais tarde, faria Toulouse-Lautrec.

A série mais popular de Degas é a de bailarinas aquecendo-se para a apresentação, em aulas de dança. Os gestos das bailarinas são congelados em suas poses técnicas. Degas foi o primeiro a demonstrar, pictoricamente, o repertório de gestos do ballet clássico. Nessas telas, Degas faz com o movimento dos corpos o mesmo que Monet faz com o movimento da luz: registra o momento, a impressão instantânea. A luz, nas folhas de uma árvore, está todo o tempo mudando. Assim é o gesto da bailarina: um contínuo do qual podemos apenas obter instantâneos visuais.

Do grupo dos impressionistas, Degas talvez tenha sido aquele que mais desdenhou a arte oficial e era considerado o de temperamento mais difícil. Era totalmente contrário à participação nos salões (criticava Monet e Renoir por fazê-lo) e consta que não gostava de vender seus quadros.

Figura 23: Edgard Degas. O Absinto. 1876.
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Para refletir

Observe o quadro Um bar no Folies-Bèrger. Desconsiderando o figurino e as peças de época, podemos dizer que a cena tem uma atitude e uma situação próximas à nossa contemporaneidade?

3.4. A vida em rosa e azul de Renoir

Pierre-Auguste Renoir (1841–1919) talvez seja o pintor impressionista que mais se parece com o retrato do artista moderno esboçado por Baudelaire, em seu famoso artigo. Iniciou como pintor em uma indústria de porcelanas, levaria a leveza desta técnica para a pintura de cenas em leques e persianas (que fazia para pagar seus estudos) e depois para a pintura ao ar livre.

Renoir pinta cenas do cotidiano alegre da Paris burguesa, gosta das luzes diurnas, seus personagens estão quase sempre envolvidos em alguma ação leve: conversam e festejam após uma regata, dançam no parque, tocam piano, namoram no jardim. Não há dramaticidade, não há dor nas cenas de Renoir.

Renoir é o pintor impressionista que registra pessoas de perto. Isso é pouco comum; na maioria das vezes, os personagens impressionistas são vistos de uma certa distância que os torna indefiníveis, senão de modo genérico: uma moça com vestido azul e sombrinha branca. Renoir dá identidade aos seus personagens, sempre em cores luminosas e alegres. Sabemos, por exemplo, quem são as pessoas no “Almoço dos barqueiros” e também no “Baile do Moulin de la Galette”. Apenas Degas, que gostava da proximidade, e Manet, que já fazia isso em sua fase realista, continuaria a dar tanta familiaridade aos modelos de seus quadros.

Renoir é possivelmente o Impressionista mais politicamente tendencioso ou, antes, talvez seja o mais alinhado com a mentalidade burguesa. Participou de inúmeros salões e gozou de sucesso ainda em vida.

Figura 24: Pierre-Auguste Renoir. O Almoço dos Remadores. 1881.

3.5. O Simbolismo

Ao contrário do Impressionismo, o Simbolismo nunca se propôs como um movimento progressista; Pelo contrário, derivado da escola romântica, o Simbolismo prefere temas religiosos ou mitológicos a temas do cotidiano.

À corrente realista que, de Courbet a Cézanne desenvolve uma pesquisa cognitiva, contrapõe-se a corrente espiritualista — mais reduzida, porém mais sugestiva e fluente — do Simbolismo (...). Afirmando a unidade e a eternidade do espírito, nega-se a ideia de progresso que, para a corrente realista é intrínseca à sua concepção de arte como pesquisa; a ideia de pesquisa é substituída pela ideia de uma contínua aspiração à transcendência. (ARGAN, op. cit.)

Assim como no Romantismo, as imagens simbolistas estão cheias de sugestões oníricas, imagens de sonhos ou pesadelos, fantasias do inconsciente coletivo. Também o Simbolismo é anticlássico e antirracionalista; ali conta, sobretudo, a atmosfera emocional: “Apenas os meus sentimentos me surgem eternos e incontestavelmente certos”, disse Gustave Moreau (1826–1898), para explicar a razão de optar pela obscuridade do símbolo, em vez de pela clareza da observação direta da realidade.

Essa ansiedade de fugir à realidade do presente tinha-se manifestado nos nazarenos alemães, no princípio do século, sob a forma de um desejo nostálgico de regressar ao misticismo da Idade Média. Seus temas giravam em torno das lendas das culturas locais pré-cristãs ou da cristandade heroica dos tempos das cruzadas e da cavalaria andante e outros mitos cheios de espiritualidade.

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Figura 25: Gustave Moreau. A Aparição. 1875.

A Irmandade Pré-Rafaelita representava o mesmo gênero de movimento na Inglaterra. Dante Gabriel Rosseti (1828–1882) e Burne-Jones, na Inglaterra, Von Marées, na Alemanha, e Ferdinand Hodler, na Suíça, todos executaram pinturas que remetiam a universos misteriosos, fantásticos, lendários ou oníricos, sempre nostálgicos, com elementos percebidos em William Blake e em Füssli e atestam o caráter internacional da pintura simbolista.

No entanto, os maiores nomes do Simbolismo viriam da França. São eles Moreau e Redon.

O estilo de Moreau foi influenciado por Ingres, Delacroix e por Rosseti. Suas figuras estão em uma posição de languidez graciosa, lembrando as figuras de Ingres e seus fundos mostram uma riqueza de pormenores entremeados de uma linha flutuante que forma arabescos. Seus temas são tratados como se fossem visões transcedentais de passagens bíblicas ou de antigas lendas. As cores de Moreau são de uma riqueza que remete a Rossetti e que evoca o brilho de pedras preciosas. Esta constante de jóias e pormenores fantásticos que estabelecem um paralelo entre suas imagens e a imagística dos poetas simbolistas, seus contemporâneos. De fato, Baudelaire e Mallarmé apreciaram pinturas de Moreau, em suas exposições em Paris, e essas pinturas mereceram comentários entusiasmados do crítico simbolista J. K. Huysmans.

No século XX, a obra de Moreau foi de grande interesse para os surrealistas, sobretudo para Max Ernst e André Breton. Os surrealistas aprenderiam com ele o conceito de transcendência simbolista, a porta de entrada para as visões espontâneas e incontroláveis dos sonhos e das alucinações. Moreau foi, também, por muitos anos, como professor na École des Beaux-Arts de Paris, mestre e influenciador de Matisse e de Rouault.

Figura 26: Dante Gabriel Rosseti. Casamento de S. Jorge e Sabra. 1857.

Além de Moreau, os poetas simbolistas franceses também admiravam a obra de Odilon Redon (1840–1916). Para eles, Moreau e Redon foram os únicos artistas franceses que lograram contemplar, na pintura, o programa e as exigências do Simbolismo.

Redon era um erudito que gostava de conversar sobre poesia indiana, Shakespeare, Flaubert, Mallarmé, além de versar sobre filosofia alemã. Foi desenhista e gravador durante a maior parte de sua vida profissional; e, apenas depois de 1890, a pintura se tornaria sua principal linguagem.

Como desenhista e ilustrador, publicou três volumes de desenhos e de litografias para “As Tentações de Santo Antão”, de Flaubert; ilustrou o “Apocalipse de São João” e também uma edição de luxo de “Les Fleurs du Mal”, de Charles Baudelaire. Em 1886, Redon expôs com o grupo impressionista, mais por sua pincelada ligeira e seu desenho solto do que por sua temática ou suas convicções. Embora muitos impressionistas desconfiassem dele, ele admirava Degas, a quem considerava o maior pintor vivo, interessava-se pelo trabalho de Gauguin, Van Gogh, Seurat e Cézanne e era amigo pessoal de Gauguin e Émile Bernard. Ainda em 1886 foi eleito presidente da Société des Artistes Indépendents. Nos anos seguintes, exporia com o grupo Les XX, de Bruxelas e depois com La Libre Esthétique. Apesar de sua temática exótica, Redon não encontrou grandes dificuldades para se fazer reconhecer. Sua obra como ilustrador tornara-o conhecido, e o obscurantismo simbolista tinha qualquer coisa de popular, além do quê, o aval que recebera dos poetas do movimento ajudaria a divulgar o seu trabalho entre os intelectuais de Paris.

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Em 1913, uma sala exclusiva para suas obras foi montada na exposição do New York Armory Show, causando grande sensação. Três anos depois, Redon morreria em Paris.

Figura 27: Odilon Redon. O Ciclope. 1914.
Saiba mais

Você sabia que Cruz e Sousa é o maior poeta simbolista brasileiro? Leia poemas de Cruz e Sousa no site: “http://br.geocities.com/edterranova/cruzpoe.htm”.

Unidade 4: O Pós-Impressionismo

O Impressionismo durou, oficialmente, 14 anos, e muitos impressionistas continuariam fiéis ao seu programa até o fim. Porém, uma jovem geração de pintores, inicialmente encantados pela proposta impressionista, romperam com o programa do movimento e partiram para novas pesquisas.

4.1. Cézanne, Seurat, Signac

Paul Cézanne (1839–1906)

Renunciou a ter uma vida para realizar sua obra, ou melhor, fez da obra a sua vida. Com posses suficientes para viver de seus recursos, isolou-se na Provença (...) mantendo apenas raros contatos com seus amigos mais caros, Monet, Pissarro, Renoir. (...) Trabalhava incansavelmente, consciente da enorme importância do que fazia, e, no entanto, sempre insatisfeito. (ARGAN, op. cit.)

De fato, a amizade de Cézanne com os outros impressionistas vinha desde as aulas de pintura. No entanto, enquanto aqueles exercitavam a pintura ao ar livre, Cézanne estava à procura de uma linguagem. No começo, pintou quadros escuros e com temas mórbidos, próximos do Romantismo, também pintou cenas mitológicas e alegóricas, com uma técnica de desenho rápido e caricato só percebida em Daumier. Sua fase propriamente impressionista é rápida e não é brilhante (Seu maior sucesso nesse estilo é a tela “A Casa do Enforcado em Auvers”.). Cézanne desconfiava do programa impressionista e nunca se deixou encantar pelas impressões visuais, ele buscava não a aparência luminosa, mas a estrutura “profunda” das coisas e, nesse sentido, aproximava-se mais de Corot do que de Constable, mais de Poussin do que de Rubens.

Por volta de 1880, Cézanne já tinha encontrado o caminho que o levaria a se tornar um dos principais nomes da Arte Moderna. Suas pinceladas se tornaram menos ligeiras e mais metódicas, ele justapunha pequenas pinceladas, compondo planos e massas pictóricos, como um desenhista faz com hachuras. Suas formas não são diluídas, como as formas impressionistas, são sólidas, compactas, simplificadas em seus volumes como se fossem sólidos geométricos. Seus temas dividem-se entre as paisagens, as naturezas mortas e retratos ou conjuntos humanos. Nas paisagens, dominam os tons terrosos, os verdes e os azuis e nos interiores dominam os ocres e as cores mais quentes.

Para Argan, Cézanne reinventa o classicismo na modernidade, uma vez que ele nega a aparência e busca uma representação essencialmente mental (estrutural) do espaço. Trata-se de um classicismo não canônico, mas empírico, construído no embate direto com a realidade: “seu classicismo não é um classicismo histórico, e sim uma classicidade pura como a de Fídias ou Giotto”. (Op. cit.)

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Figura 28: Paul Cézanne. Banhistas. 1905.
Figura 29: Paul Cézanne. Jogadores de cartas. 1890.
Figura 30: Paul Cézanne. Monte Saint-Victoire. 1885.

Cézanne buscava, sobretudo, um classicismo formal, diferentemente de Georges Seurat (1859–1891) e Paul Signac (1863–1935), que buscavam um classicismo que partia da cor. Se, em Cézanne a forma é o limite da cor, em Seurat, é a cor que realiza e limita a forma. Seurat e Signac conheceram-se no Salon des Indépendents e, juntos, desenvolveram as técnicas que Seurat vinha elaborando, de pintar usando pequenos pontos, agora com a contribuição de Signac, para quem os pontos deveriam ser sempre nas cores primárias. A esta técnica deu-se o nome de Pontilhismo.

Seurat considerava o Impressionismo excessivamente intuitivo e informal e buscava um método que se aproximasse ainda mais de uma técnica científica. Estudou a teoria das cores de Chevreul e as ideias do matemático Charles Henry, leu os Diários de Delacroix e decidiu-se por radicalizar a fragmentação Impressionista, explodindo a cor em pequenos pontos justapostos, contrastantes e complementares que, a distância, fundem-se em superfícies cromáticas. Sua mais notável realização nessa técnica é a tela “Domingo na Ilha da Grande Jatte”, de 1885, que segue a tendência impressionista de pintar a partir de cenas do cotidiano da cidade. Outras telas importantes são “O Banho”, de 1884, e “La Parade”, de 1989.

Quando Seurat morreu, com apenas 32 anos, em 1891, Signac continuou suas pesquisas, levando-as até o início do século XX, que influenciariam Matisse e Derain.

Figura 31: Georges Seurat. Domingo na Ilha da Grande Jatte. 1885.
Para refletir

Observe bem de perto uma fotografia impressa em um outdoor. Você perceberá que a imagem, embora pareça contínua e com grandes variações de cores, é na verdade, formada por pontos justapostos (retícula), nas cores azul, magenta, amarelo e preto. Como se vê, Seurat antecipou os modernos processos gráficos de impressão em cores.

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4.2. Lautrec, Van Gogh, Gauguin

Henry de Toulouse-Lautrec (1864–1901) sofreu um acidente de equitação aos doze anos de idade e, desde então, embora o resto de seu corpo se desenvolvesse normalmente, suas pernas pararam de crescer.

Lautrec estudou a obra de Cézanne e Manet e foi amigo pessoal de Van Gogh, porém, a maior influência de Lautrec viria da gravura japonesa e de Degas. Apesar de ter a saúde frágil, Toulouse-Lautrec amava a noite e a decadência festiva da belle époque parisiense e se tornou o seu principal cronista visual. De fato, quase não há quadros seus retratando ambientes diurnos e ao ar livre; suas cenas são noturnas, banhadas por luzes artificiais e dramáticas. A maior parte de seus desenhos e pinturas retrata a boêmia generalizada que animava as soirées nos cabarés de Paris, sempre representados com traços ligeiros e virtuosos, caricaturais e, por vezes, cruéis, remetendo à obra de Daumier.

Retratou o interior de bares, cabarés e prostíbulos; pintou a óleo e a pastel, dançarinas de can-can, atores e atrizes, gente de sociedade, mulheres fazendo sua toilette, prostitutas ao despertar ou espalhadas nos salões. Ao fazer isso Lautrec não estava escolhendo somente temas que o atraíam, mas estava retratando a sua própria vida, o seu cotidiano de excessos que poriam um fim precoce à sua existência de 37 anos.

Lautrec inovou os processos da litogravura, técnica com a qual executou dezenas de obras, e foi um dos maiores artistas gráficos de seu tempo. Ele participava ativamente das produções das casas noturnas que frequentava e fez programas de espetáculos, cartazes e folhetos para apresentações do Moulin Rouge.

Embora seu trabalho não fosse aceito nos círculos oficiais, a partir de 1889, Lautrec iria expor regularmente no Salon des Indépendents e ele manteria sempre fortes ligações com outros artistas de vanguarda, como Van Gogh. Admirava tanto este último, que, certa vez, desafiou para um duelo um pintor que falara mal da obra do artista holandês.

Apesar de serem grandes amigos, não poderia haver alguém mais diferente do boêmio e devasso Lautrec, do que o puritano e recluso Van Gogh.

Figura 32: Henri de Toulouse-Lautrec. Toilette. 1896.

Vincent van Gogh (1853–1890) era filho de um pastor protestante, nascido na Holanda. Durante a juventude, pensou em seguir a profissão do pai, mas, depois de uma experiência frustrada como pregador, dedicou-se à arte.

Em seus estudos, sentia forte admiração por Delacroix e seu simbolismo das cores, além de estudar Rembrandt, Daumier e seu favorito, Millet, do qual copiaria inúmeros temas.

Chegou em Paris, em 1886, ávido por travar conhecimento com os impressionistas e apreender as suas técnicas. Tornou-se amigo de Toulouse-Lautrec, Gauguin, Signac e de Émille Bernard e travou conhecimento com Degas, Seurat e Pissarro, que explicou-lhe a técnica pontilhista. A aproximação com o impressionismo tornou suas cores mais vivas e seus temas mais casuais e, nos dois anos que permaneceria em Paris, produziria algumas telas que podem ser consideradas impressionistas, em que incorporaria gradualmente uma pincelada que lembrava a técnica de Seurat, que ele aprimoraria mais tarde.

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A vida agitada de Paris não lhe faz bem, e Van Gogh passa a sofrer de depressão. Em 1888, mudou-se para o sul da França, em Arles, onde finalmente encontraria a luz e o ambiente que mudariam seu trabalho. Van Gogh passou a perseguir uma simbologia das cores em um sentido mais amplo, espiritual. Queria que as cores fossem o veículo das verdades emocionais de seus temas, que elas expressassem “as terríveis paixões humanas”.

Em sua produção madura, Van Gogh usou as cores fortes de Delacroix, o desenho simplificado de Daumier, as pinceladas rítmicas do pontilhismo, as massas grossas de tinta do impressionismo e os temas de Millet, em composições, muitas vezes, extraídas de gravuras japonesas.

Viveu en Arles até 1890, sempre sustentado pelo irmão Theo, que era marchand em Paris. Sofreu inúmeros acessos de loucura, quando precisava ser internado no asilo de Saint-Rémy. Em julho daquele ano, Van Gogh disparou uma pistola contra o próprio peito, morrendo dois dias depois. Sua obra foi reconhecida depois de sua morte, e ele é apontado como um dos principais influenciadores do fauvismo francês e do expressionismo alemão.

Van Gogh, assim como Cézanne, constitui o oposto do perfil do artista moderno proposto por Baudelaire. Para Baudelaire, o artista moderno deveria misturar-se à multidão e representá-la em sua obra, coisa que Monet, Pissarro, Lautrec, entre outros, fizeram muito bem. Porém, deve-se notar que outros artistas fizeram um movimento diametralmente contrário: fugiram da multidão e isolaram-se em locais pouco civilizados. Van Gogh e Cézanne fugiram para o interior da França e Gauguim fugiu para mais longe: para a colônia francesa do Taiti.

Figura 33: Vincent van Gogh. Noite estrelada. 1889.
Figura 34: Vincent van Gogh. Girassóis. 1888.

Paul Gauguin (1848–1903) passou parte da infância no Peru e depois serviu muitos anos na Marinha, as visões de países tropicais, de natureza exuberante, jamais sairiam de sua imaginação.

A despeito de ser casado e ter filhos, Gauguin passou boa parte da vida isolado. De 1880 a 1891, por duas vezes, foi para a Grã-Bretanha, passou algum tempo em Arles, com Van Gogh, morou na Dinamarca, terra de sua esposa e passou um ano viajando pelo Panamá e pela Martinica. Nesse mesmo período, participou das exposições dos impressionistas, em Paris, e organizou mostras em Bruxelas e em Copenhaguem, colecionando uma série de fracassos de público e críticas negativas.

Nesses anos, Gauguin desenvolveu uma pintura mais afastada da natureza, que lentamente o afastaria do impressionismo, a favor de um estilo composto por cores fortes contidas em áreas bem definidas.

Em 1891, sempre acalentado pelo sonho de encontrar uma sociedade incorrupta, pouco civilizada, em algum país tropical, Gauguim partiu para o Taiti. Ali ele pensou ter encontrado seu paraíso em meio aos nativos, apaixonando-se por sua cultura antiga e pelo intenso colorido local; amasiou-se com uma taitiana e pintou furiosamente, incorporando as cores e os motivos do lugar, apurando seu estilo, até seu material acabar, dois anos depois.

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De regresso a Paris, sua fase taitiana não foi compreendida nem mesmo por Pissarro, que era um incentivador de inovações. Em 1895, Gauguin fez um leilão de toda a sua obra e partiu definitivamente para o Taiti, já com a saúde debilitada. Em sua última fase, demonstrou grande vigor, pintando constantemente e apurando ainda mais sua palheta cromática, agora em uma conformação mais clássica. A sua vida no Taiti, entretanto, não foi fácil. Constantemente se desentendia com as autoridades francesas da ilha e, em 1901, mudou-se para as Ilhas Marquesas, onde morreu dois anos depois, miserável e solitário. Sua obra seria reconhecida e influenciaria definitivamente o Fauvismo, poucos anos depois de sua morte.

Figura 35: Paul Gauguin. Duas taitianas. 1899.
Saiba mais

O MASP (Museu de Arte de São Paulo) tem obras de todos os principais impressionistas e pós-impressionistas: Monet, Cézanne, Van Gogh e muitos outros. Você já pensou em fazer uma visita ao MASP? Organize-se com sua turma! Ou faça uma visita virtual ao museu pelo site www.masp.uol.com.br

Dicas de filmes

Vincent e Theo (1990) do diretor Robert Altman, com Tim Roth, Paul Rhys, Kitty Courbois, Jacques Commandeur.

Gauguin: um lobo atrás da porta (1986), do diretor Henning Carlsen, com os atores Donald Sutherland, Max von Sydow, Jean Yanne, Sofie Gråbøl, Valeri Glandut.

Moulin Rouge: amor em vermelho (2001), do diretor Baz Luhrmann, com Nicole Kidman Ewan McGregor, Richard Roxburgh, Jim Broadbent.

4.3. Os Nabis

Um grupo de pintores franceses muito jovens passou a se denominar os Nabis ou os Profetas e pretendiam estabelecer, à maneira do que já tinham feito os pré-rafaelitas na Inglaterra, uma arte mais espiritual e imaginativa.

O seu chefe, Paul Sérusier, conhecera Gauguin, na Bretanha, e deciciu imitar-lhe o estilo simples, sinuoso e de cores vibrantes. Porém, o teórico dos Nabis foi Maurice Denis (1870–1945), detentor de uma visão mística de mundo. Denis era

"defensor de uma essencial espiritualidade universal da arte, mas também de sua necessária concretização em objetos (um quadro não é senão uma superfície colorida), através dos quais ela ingressa no mundo moderno, opondo a liberdade da imaginação ao materialismo da máquina." (ARGAN, Op. cit.)

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Figura 36: Maurice Denis. Abril. 1892.

Denis era fervorosamente católico e seus primeiros trabalhos, como “Abril”, possuíam uma profunda melancolia poética.

Pierre Bonnard (1867–1947) e Édouard Vuillard (1868–1940) demonstram igualmente, em seus primeiros trabalhos, a influência de Gauguin e da gravura japonesa, inclusive pelo seu rigoroso sentido decorativo; no entanto, ambos desenvolveram um estilo mais próximo, formalmente, do Impressionismo, dando preferência a cenas interiores e domésticas. Ambos tinham também convições muito próximas do Simbolismo e apreciavam, sobretudo, os versos de Mallarmé. Inspirado por Mallarmé, Vuillard pretende “compor o quadro como um tecido de notas cromáticas que se respondem de perto e a distância com um desenvolvimento tipicamente musical” (Id. Ibid.). Já Bonnard estudou a “afinidade profunda ou estrutural (e não só de analogias temáticas) entre a pintura e a poesia” (Id. Ibid.).

Apesar de serem pintores figurativos, os Nabis viam suas imagens de maneira bastante abstrata, baseadas, sobretudo, em manchas rítmicas derivadas do Impressionismo e do neoimpressionismo, como Bonnard, por exemplo, “a tradição impressionista de Monet e Renoir sobrevive à revolução dos fauves e à revolução cubista, confluindo para a corrente tachista ou informal, que se desenvolverá na França, depois da Segunda Guerra Mundial”. (Id. ibid)

Figura 37: Pierre Bonnard. Mulher com meias pretas. 1900.

4.4. Munch, Ensor

O norueguês Edvard Munch (1863–1944) foi uma criança com problemas de saúde, que perdeu a mãe aos cinco anos de idade e a irmã, aos catorze. Seu pai, como consequência dessas perdas, passaria o resto da vida tendo perturbações mentais. Essa infância trágica desenvolveria na obra do jovem Munch um imaginário mórbido, em que a doença, o desespero, a desilusão e a morte apareceriam constantemente.

Munch estudou arte em Oslo e, em 1885, foi para Paris, decidido a conhecer a obra dos impressionistas. Permanece em Paris até 1892 e ali toma conhecimento da obra de Van Gogh e de Gauguin, na galeria de Theo Van Gogh, o que influenciaria definitivamente a sua pintura.

Em 1892, expôs sua nova e pungente produção em uma turnê pela Alemanha, com mostras em Berlim, Dresden e Munique. Sua obra “O Grito” (1893) causou sensação entre a crítica e os jovens artistas alemães e é apontada como o principal elemento deflagador do movimento expressionista alemão, que se iniciaria anos mais tarde.

A pintura de Munch conta com um colorido dramático e sombrio, aplicado com pinceladas fluidas. Seus temas são existenciais e sociais, sempre tratados com uma retórica próxima do Simbolismo; suas figuras são espectrais, com feições pouco definidas, pálidas e com expressões vazias ou de profunda angústia. Sua tela mais famosa, sem dúvida, e que reúne todos esses elementos de estilo, é “O Grito”, de 1893, desaparecido (roubado) desde 2004.

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Figura 38: Edvard Munch. O Grito. 1893.

Ao mesmo tempo em que Munch traduz sua visão de mundo com séria morbidez, o belga James Ensor (1860–1949) o faz com uma visão satírica impiedosa da sociedade e da natureza humana. Ensor talvez seja o mais anticlássico de todos os pós-impressionistas. Sua pintura é grosseira, rápida, com um desenho primitivo, quase infantil, mas com uma imensa capacidade de expressão. Seus personagens representam mascarados grotescos ou macabros que surgem em grupos, sempre em situações histéricas, com expressões jocosas, como se formassem um bloco de carnaval.

Ensor teve uma infância simples, dentro da lojinha de souvenirs de sua mãe, onde havia muitas máscaras de carnaval. Amargou, ainda pequeno, a separação dos pais. Tornou-se um homem recluso, ressentido, com um forte ódio pela sociedade em geral.

Seu trabalho encontrou fortes resistências, mesmo entre os mais progressistas de seus pares, em vista da virulência de sua figuração. Sua tela “A Entrada de Jesus Cristo em Bruxelas”, feita para a exposição do importante grupo belga Les XX, em 1889, por exemplo, foi recusada na época e só veio a público em 1929. A partir de 1900, entretanto, tendo já realizado a parte mais significativa de sua obra, Ensor começou a gozar de algum reconhecimento, expondo em Bruxelas, Antuérpia, Paris e Nova York. Alguns anos depois, sua obra influenciaria fortemente o expressionismo, particularmente, a obra de Emil Nolde.

Para refletir

Observe a obra A Intriga de Ensor. Em sua opinião, o que está acontecendo na cena?

Unidade 5: Escultura, Arquitetura e Artes Aplicadas

5.1. Escultura

Não é exagero dizer que o século XIX foi o século da pintura. Naquele período, em nenhuma outra linguagem artística se viu um volume tão significativo de realizações e rupturas. Porém, é impossível não notar os ganhos que a escultura logrou alcançar, principalmente, na segunda metade do século.

De maneira geral, os escultores trabalharam à margem das discussões da pintura, por vezes incorporando ao seu trabalho elementos de um ou outro movimento. Por exemplo, Rude incorporou elementos do romantismo para compor seus conjuntos.

François Rude (1784–1855) era um entusiasmado partidário de Napoleão, e seu trabalho mais conhecido é o relevo “A Marselhesa”, de 1836, realizado para fazer parte do Arco do Triunfo. Nesse relevo, Rude inpirou-se claramente na tela “A Liberdade guiando o Povo”, de Delacroix, que fora mostrada ao público alguns anos antes. Rude tinha um bom domínio dos valores emocionais que podiam ser transmitidos pela escultura. Assim como os pintores adensavam a atmosfera psicológica de seus quadros através do uso da cor, do movimento e do chiaroscuro, da mesma maneira, através de um hábil uso dos volumes e das sombras, Rude conseguia dar dramaticidade às suas composições.

Outro artista que tomou emprestado elementos do Romantismo foi Daumier. Apesar de ser preferencialmente desenhista e pintor, alinhando-se ideologicamente com os motivos do Realismo, Daumier fez dezenas de pequenos bustos e figuras caricaturais jocosas, que lembram muitas vezes a crueza do traço de Goya na série “Os Caprichos”.

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Nessas peças, surpreende o caráter francamente anticlássico e antirracionalista empregado, não há qualquer intenção de atingir o belo clássico, mas, sim, a forma satírica e grotesca. Assim como na sátira política, o que vem à tona em Daumier é o vício ou a maldade, moldados nos traços hiperbolizados dos modelos para que se tornem ridículos e risíveis.

As esculturas eram feitas em terracota ou cera. Algumas eram policromadas e eram, muitas vezes, utilizadas como estudos para as caricaturas que Daumier publicava nos jornais de Paris.

Figura 39: Rude. A Marselhesa (detalhe, 1836)
Figura 40: Daumier. Mr. Dupin. 1832.

Outros artistas buscaram seguir, na escultura, os mesmos princípios gerais que o Realismo propunha para a pintura. Esse é o caso do belga Constantin Meunier (1831–1905) e do francês Jules Dalou (1838–1902). Ambos preferiam a modelagem em bronze e o trabalho em tamanho natural e também, em ambos os casos, a representação era franca, sem adornos. Gostavam de representar personagens simples e rudes, trabalhadores portando as ferramentas de seu ofício ou em pleno trabalho, a quem emprestavam enorme dignidade em suas expressões e poses, lembrando o realismo social de Millet e Courbet. Dalou deixou vários monumentos públicos nos parques de Paris, bem como Meunier, em Bruxelas. Coincidentemente, ambos deixaram inacabados grandes conjuntos que homenagearam a classe trabalhadora.

De aparência realista também é o conjunto de estudos de bailarinas, feitas por Degas. Edgar Degas era um escultor ativo, além de pintor e desenhista; executava peças em pequenas dimensões, obedecendo ao programa do impressionismo. Embora suas esculturas não possam ser chamadas de impressionistas, eram exibidas nas exposições do grupo. Em 1881 contribuiu com uma pequena bailarina modelada com grande realismo, que portava um vestidinho com tutu de musselina e laço de fita nos cabelos (essa peça pertence, hoje, à coleção do Museu de Arte de São Paulo — MASP).

No fim da vida, com a visão muito prejudicada, Degas entregou-se mais constantemente à modelagem em cera ou barro. Suas figuras continuaram pequenas, agora, com traços menos definidos. Geralmente, eram nus femininos em posições de ballet ou de aquecimento, que produziu até a sua morte, em 1917. De temperamento difícil, Degas passou esses últimos anos isolado, com a cegueira evoluindo rapidamente. Não comparecia mais aos animados jantares mensais dos impressionistas e abandonara a verve culta e sarcástica com que esquentava as discussões nos cafés. Quando não pôde mais trabalhar, era encontrado vagando cego, a esmo, pelas ruas de Paris.

Talvez, o escultor que mais tenha alcançado sucesso em traduzir para as três dimensões as preocupações do Impressionismo seja Medardo Rosso —(1858–1928), italiano de Turin, mesmo sem ter, antes, visto qualquer pintura impressionista. O que os aproxima é a coincidente ansiedade em romper com a linha do desenho clássico. Os impressionistas dissolveram essa linha em pinceladas rápidas e sintetizantes, e Rosso dissolveu os limites da forma, na escultura, fundindo a forma e o conteúdo, ou seja, fazendo a escultura não se diferenciar mais do material com a qual era feita.

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Figura 41: Edagad Degas. Bailarina. 1881.
Figura 42: Rosso. Carne Altrui. 1886.

As figuras de Rosso parecem, à primeira vista, inacabadas, como se fossem esboços tridimensionais. Geralmente, são bustos, cabeças, rostos que emergem apenas em parte da matéria bruta, sem traços definidos, que lembram algumas das figuras petrificadas de Pompeia. Em suas modelagens, também não é fácil dizer onde a matéria é figura e onde passa a ser apenas matéria. Essa estratégia retoma o pensamento de Michelângelo, para quem as figuras habitavam já a pedra bruta, restando a ele o trabalho de desbastar a matéria e libertá-la. Em alguns casos, Michelângelo não chegou a libertar totalmente a figura, como no caso de seus famosos “Escravos”. É isso que move Rosso, matéria e figura são uma coisa só, e não é preciso que deixem de sê-lo. Isso deve ser revelado, fazendo a figura ser surpreendida no momento em que tenta se libertar de sua prisão.

Rosso sempre gozou de mais prestígio em Paris do que na Itália, apesar de ter morado na capital francesa apenas por poucos anos, quando expôs no Salon des Indépendents. Ali, conheceu Degas e conquistou a admiração de Rodin e de Dalou, que lhe emprestou seu estúdio. No entanto, seu nome se tornou mais popular quando vendeu um busto para o então badalado Émile Zola.

Contudo, aquele que é considerado o maior escultor do século XIX, cuja obra mudaria os rumos da escultura, é Auguste Rodin (1840–1917). Ainda jovem, Rodin enfrentou muitos problemas para se tornar artista, uma vez que não era considerado talentoso por seus mestres. Por três vezes foi recusado na École des Beaux-Arts de Paris, tornando-se auxiliar de modelador para ganhar a vida e teve vários trabalhos recusados no Salon.

Persistente, Rodin continuou fazendo suas tentativas, até que, em 1874, surgiu a oportunidade de conhecer a Itália. Ali, Rodin encantou-se definitivamente pela escultura de Michelângelo (influência que perduraria por toda a sua obra) e sucumbiu à liberdade que aquele demonstrava ao tratar dos temas.

De regresso da Itália, a obra de Rodim havia dado um salto, em 1887 teve uma escultura aceita no Salon, intitulada A Idade do Bronze. Essa peça gerou enorme polêmica, Rodin foi acusado de tirar o molde da escultura diretamente sobre um modelo vivo, tamanha era a naturalidade da anatomia e dos movimentos da figura representada. Escultores e altos funcionários do governo saíram em defesa de Rodin, conseguindo-lhe proteção oficial. Alguns anos mais tarde, o governo compraria o próprio molde da escultura.

Figura 43: Claude Rodin. O Pensador. 1906.
Figura 44: Joseph Paxton. Palácio de Cristal. 1851.
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Essa passagem muito contribuiu para a divulgação do nome e do trabalho de Rodin e, apenas três anos depois, ele receberia a maior encomenda de sua vida, esculpir os batentes da porta do novo Musée des Arts Décoratifs de Paris, obra à qual deu o nome de A Porta do Inferno, que consumiria mais de vinte anos de sua vida, antes de ser ocasionalmente abandonada, ainda inconclusa.

Nessa obra, Rodin decidira ilustar o Inferno de Dante, inspirado nas portas do Batistério de Florença, de Ghiberti. No entanto, sua imaginação excedeu-se e Rodin transformou este trabalho em um repositório de todas as suas ideias mais grandiosas. O conjunto escultórico exprime uma mistura de erotismo e desespero; muitas de suas figuras foram, depois, exibidas como esculturas individuais, como é o caso de Adão e de Eva, que ilustrariam a passagem do pecado original e estavam originalmente destinadas a se postarem de cada um dos lados da porta, sendo coroadas por aquela que é a mais popular figura de Rodin: “O Pensador”.

Entre 1885 e 1892, sua produção foi dominada por temas sensuais que refletiam a sua paixão por Camille Claudel, também escultora. É desse período a famosa peça “O Beijo”. Na última década do século XIX, criou séries de mãos interligadas, figuras femininas e bronzes masculinos com influência simbolista.

Argan afirma que Rodin não chegou a superar o caráter clássico da escultura, considerando-se o que o filósofo alemão Hegel dispõe sobre a classicidade da arte escultórica. Para Argan, Rodin modifica, antes, o conceito de monumento do que o de escultura. Seria na consciência de Rodin de que suas esculturas estariam expostas em locais públicos, interferindo diretamente na visualidade da cidade moderna, que teria ocorrido o grande salto. Sobre a obra de Rodin, diz Argan:

Rodin ultrapassa o equilíbrio clássico com uma monumentalidade exaltada (...). Faz explodir a estátua em ondas de massas liquefeitas, sustentadas por tensões lineares súbitas, às vezes, espasmódicas; o núcleo plástico ocupa o espaço circundante com efeitos de esbatimentos e dissolvências de luz ao longo dos planos íngremes e irregulares (...). Ainda acredita que o escultor tem uma missão histórica: dar à cidade moderna monumentos modernos. (Op. cit.)

Saiba mais

Faça uma visita virtual ao Museu Rodin no site: “www.musee-rodin.fr”

Dica de filme

Camille Claudel (1988) do diretor Bruno Nuytten, com Isabelle Adjani, Gérard Depardieu, Laurent Grévill, Alain Cuny, Madeleine Robinson, Katrine Boorman.

5.2. Aquitetura e Artes Aplicadas

Duas vertentes distintas orientaram os rumos da Arquitetura do século XIX: uma, progressista, tecnicista, sintética, grandiosa, e outra, nostálgica, eclética, decorativa e atenta ao detalhe. Em comum, essas duas vertentes têm o fato de que ambas compreendem o novo mundo moderno e industrial e querem interferir, conscientemente, na construção visual deste novo mundo.

A vertente tecnicista está intimamente ligada à Revolução Industrial, e às mudanças nas condições de produção e transporte dos materiais de construção. Em muitos casos, essa arquitetura monumental vinha exatamente celebrar e demonstrar as novas técnicas que os constantes avanços na indústria proporcionavam, como a possibilidade de produção em larga escala de grandes placas de vidro e grandes estruturas pré-moldadas de ferro ou de cimento. Celebravam também o volume e a velocidade com que esses materiais podiam ser entregues nos canteiros de obra.

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De fato, algumas das mais impressionantes construções do século XIX foram propostas como demonstrações espetaculares da pujança da técnica e da indústria na modernidade. Esse é o caso do Palácio de Cristal, projetado por Josefh Paxton (1803–1865), para a Exposição Universal de Londres, em 1851, em que uma estrutura simples e metálica, montada a partir de módulos pré-fabricados, foi totalmente revestida por placas de vidro.

Figura 45: William Morris. Papéis de parede. 1896.
Figura 46: Gustav Klimt. Mãe e filho (detalhe, 1905)

Também é esse o caso da torre projetada por A. G. Eiffel (1832–1923) para a exposição de Paris de 1889, a Torre Eiffel não tem qualquer finalidade prática senão a de demonstrar que, naquela época, ela poderia ser construída em pouco tempo e com impressionante precisão técnica. Com trezentos metros de altura, a torre fazia as vezes de arco do triunfo e servia como imenso portal para a entrada da exposição, elevando-se acima da silhueta urbana e destacando-se na paisagem como o símbolo da Paris moderna.

Em ambos os casos, a maior novidade é que a estrutura das obras são visíveis. Os esqueletos metálicos estão à mostra e não há revestimentos decorativos ocultando-os; a arquitetura tecnicista considerava inútil esses revestimentos, uma vez que a intenção dessas construções era mesmo a demonstração de sua intrincada e exata técnica estrutural.

As formas sintéticas dessa arquitetura tecnicista funcionavam nos monumentos modernos, mas não seduziam o cidadão comum para a construção de sua casa. A arquitetura popular era nostálgica e decorativa, alinhadas com os estilos neoclássico e neogótico e também com um estilo eclético que misturava elementos de várias épocas, adaptando-as às necessidades das construções modernas. A indústria provia o mercado de construções com ornamentos pré-moldados em cerâmica, ferro, cimento ou gesso, de toda ordem, além dos mais diferentes padrões de papel-de-parede. A banalização dos padrões e dos ornamentos, causada por sua serialização industrial, provocou a reação de artistas como William Morris (1834–1896), na Inglaterra.

Morris era pintor, escritor, propagandista e procurou montar equipes de artistas que, dedicando-se às artes aplicadas, conseguissem produzir padrões exclusivos com mais qualidade do que o comum serial da indústria. Morris propunha uma ética e uma política da produção artística; era um socialista convicto que vinculava as ideias estéticas de Ruskin com a filosofia política de Karl Marx e que achava que o operário não devia apenas ser um peça insensível na produção em massa, desprovida de emoção ou sentimento estético. Antes, o operário deveria tornar-se um refinado artesão, um artista capaz de dotar de sensibilidade criativa a produção comercial.

A corrente de Morris, embora seja amparada no pensamento materialista de Marx, alinha-se com o espiritualismo invocado por Ruskin e encarnado na Irmandade Pré-rafaelita; anseia por um sentimento de pureza na criação, uma espiritualidade que só era possível perceber no passado, na época das oficinas medievais, antes da ascenção da burguesia e do capitalismo. De maneira geral, esse sentimento era presente nas inúmeras academias de Artes e Ofícios que proliferavam pela Europa. Nessas academias, os alunos aprendiam antigas e refinadas técnicas artesanais destinadas ao mercado, do fabrico de vitrais ao de móveis, passando por todos os estágios da construção e da ornamentação de um ambiente.

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Figura 45: Lalique. Dragonfly woman. (Broche, 1898)
Figura 46: Gaudí. Casa Batlló. 1905.

O pensamento e a ação de Morris se fizeram sentir muito além da Inglaterra vitoriana. A produção de suas empresas envolveu de papéis de parede à tapeçaria e mobiliário e sua predileção por estilizações tomadas a partir de temas ligados à natureza, como padrões fitomórficos ou zoomórficos, daria início a um notável movimento que procuraria solucionar essa contradição entre a produção industrial e a qualidade estética, esse movimento foi chamado de Art-Nouveau.

O Art-Noveau surgiu no final do século XIX, tornando-se rapidamente um movimento internacional. Foi a primeira grande moda da modernidade, ramificando-se na arquitetura, no design de objetos domésticos, roupas e joias, artes gráficas e mesmo na pintura.

Derivado em parte dos padrões de Morris, o Art-Nouveau é francamente ornamental, utiliza-se de linhas sinuosas e orgânicas, formas vegetais e animais, arabescos, espirais, padrões ritmados e graciosos, geralmente dispostos em composições assimétricas. Significou uma junção entre a ética da forma exclusiva com a ética capitalista da forma serializada e popular. Designers exclusivos e caros produziam os padrões art-nouveau para objetos assinados e restritos ao consumo da burguesia; em contrapartida, esses mesmos padrões eram, depois, apropriados pela indústria e adicionados à produção de objetos em massa.

Na pintura, destaca-se o austríaco Gustav Klimt (1862–1918). Klimt pintava figuras lânguidas, esbeltas, em poses angulosas ou sinuosas, a se dissolverem em fundos repletos de detalhes fitomórficos ou imitando gemas e joias, com superfícies cobertas com folhas de ouro.

Na produção de joias e objetos de uso doméstico, destacamos René Lalique (1860–1945). As delicadas joias, cristais, frascos e abajures de Lalique, sempre em motivos fitomórficos ou zoomóficos, causaram furor na belle époque parisiense.

Na Arquitetura, ninguém destacou-se tanto quanto o catalão Antoni Gaudí (1852–1926). Gaudí elevou o Art-Nouveau à dimensão monumental, em seu Parque Güel, a Casa Milá, a Casa Batlló, e a Igreja da Sagrada Família, em Barcelona.

Gaudí, ao mesmo tempo que trabalhava em dimensões monumentais, estava sempre atento ao detalhe; suas construções estão repletas de delicados mosaicos e relevos executados à mão. Seus padrões são intrincados, as linhas são curvas, as formas orgânicas. Gaudí pretende aportar qualquer coisa do Simbolismo em seu Art-Nouveau; por isso, seus ambientes e construções desafiam a nossa racionalidade, parecem frutos de uma mente delirante.

De caráter eminentemente urbano e internacionalista, que alcançou todos os lugares onde o capitalismo se desenvolveu, o Art-Nouveau ganhou diferentes nomes, dependendo da região onde se instalava: Art-Nouveau na França, Jugendstil na Alemanha, Sezession na Áustria, Liberty em vários lugares. Sua estética era reproduzida, indefinidamente, nos liceus de artes e ofícios, e seus desenhos chegaram aos mais recônditos centros urbanos do Ocidente.

Considerações finais

Caro(a) aluno(a), como você já sabe, as informações apresentadas aqui são apenas pontuais, não pretendem esgotar e nem mesmo aprofundar os pontos apresentados. Cabe a você aprofundar a sua pesquisa, segundo os pontos do conteúdo que mais lhe interessarem. Desejamos que todos tenham conseguido tirar um bom proveito de nossa jornada, e até a próxima.

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Dica de filmes

Mr. Bing L’Art Nouveau (2004) do diretor Francoise Levie.

Klimt (2006) do diretor Raoul Ruiz, com John Malkovich, Veronica Ferres, Saffron Burrows, Nikolai Kinski, Stephen Dillane.

As Tardes de Gaudi (2001), da diretora Susan Seidelman, com Judy Davis, Márcia Gay Harden, Lili Taylor, Juliette Lewis.

Para refletir

Você, com certeza, já viu alguma fachada liberty no interior do nosso Estado. Foi um estilo muito em moda por aqui, com um ligeiro atraso, na década de 1920 do século XX, e chegou nas linhas da estrada de ferro. Rapidamente, arquitetos com formação no liceu paulista, ou mesmo autodidatas, espalharam centenas de fachadas e prédios em estilo liberty pelo nosso interior, como é o caso do coreto da Praça da Matriz, na Cidade de Goiás.

Figura 47: Cidade de Goiás, Coreto. 1923.

Referências Bibliográficas

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BOWNESS, Alan. Impressionistas e Pós-impressionistas. Lisboa: Grolier, 1971.

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