Introdução
Nas últimas décadas, a temática da formação de professores tem ganhado maior relevância nas discussões relacionadas à Educação Física, especialmente no âmbito curricular e das práticas docentes. As políticas públicas na educação desempenham um papel essencial na melhoria qualitativa da formação docente e do ensino.
Como destaque sobre o fomento das políticas de formação de professores temos o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), uma iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que visa contribuir com a formação de professores/as da Educação Básica por meio da inserção de estudantes de licenciatura nas escolas. Este programa, criado em 2007, materializando-se como parte da formação docente dos cursos de licenciatura a partir de 2008, representa um avanço significativo nas políticas públicas de educação, visto que permite o contato dos licenciandos com os ambientes da prática de atuação profissional.
Para Reis e Simões (2019), esta política pública de valorização da formação de professores/as tem ressonâncias importantes na Educação Física, já que a área foi contemplada no PIBID, o qual promove uma aproximação entre as/os licenciandas/os da Educação Física das Instituições de Ensino Superior (IES) e as escolas de educação básica. A partir disso, tivemos um avanço significativo de pesquisas sobre PIBID e Educação Física nas escolas. No entanto, ressaltam aquelas autoras, estes estudos ainda estão focados na formação inicial dos professores, com poucos estudos relacionados aos processos de ensino e aprendizagem com os alunos e as alunas na escola, e sobre a produção de conhecimento com as práticas corporais.
Outro ponto é que a formação de professores no Brasil está atualmente diante de vários obstáculos em um cenário pós-pandêmico, conforme observado por Gatti, Shaw e Pereira (2021). Um dos desafios mais proeminentes diz respeito às transformações nas condições sociotécnicas, econômicas e socioculturais enfrentadas por professoras e professores e pelos/as estudantes. Especificamente, a presença cada vez mais significativa de tecnologias digitais tem causado um impacto notável nos âmbitos político, cultural e estético. Essa nova realidade tecno-política demanda uma reconfiguração das aprendizagens sociais, que já estavam em transformação nos anos que antecederam a pandemia da Covid-19.
Diante desses desafios é que conduzimos a escrita deste trabalho, com o objetivo de analisar os processos formativos e pedagógicos desenvolvidos a partir do subprojeto da Educação Física do PIBID no Instituto Federal do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS), campus de Muzambinho, que vem enfrentando inflexões importantes desde o desencadeamento da pandemia da Covid-19.
O subprojeto da Educação Física do PIBID no IFSULDEMINAS antes da Covid-19
Em texto anterior (Pereira; Leitão; Brant, 2021) apresentamos as realizações do PIBID Educação Física no IFSULDEMINAS antes da pandemia da Covid-19 (período entre 2012 e 2018), e refletimos sobre dois ciclos importantes do desenvolvimento do projeto em nossa instituição.
Em um primeiro momento, a nossa preocupação no programa foi a tematização das práticas corporais e suas formas de diversificação nas intervenções nas escolas parceiras . Naquele momento buscamos um rompimento com a tradição da Educação Física escolar que contempla apenas quatro modalidades esportivas coletivas (futsal, handebol, voleibol, basquetebol). Nossa preocupação inicial era possibilitar que os bolsistas e supervisores pudessem refletir e sistematizar os conteúdos da Educação Física em uma perspectiva mais ampla, com foco no conceito de “cultura corporal de movimento”, como vemos a seguir:
Nessa perspectiva, as práticas pedagógicas devem proporcionar ao sujeito o acesso às diversas dimensões do conhecimento que no acontecimento da aula produz e articula um sentido, e leva a uma experiência singular, insubstituível do ponto de vista da acessibilidade do conhecimento de cada sujeito... A partir dessa proposta de diversificar os conteúdos das aulas de Educação Física, os alunos bolsistas do subprojeto IFSULDEMINAS tiveram contato com diversas manifestações da cultura corporal de movimento como: rugby, frisbee, parkour, capoeira, atividades com raquete, circo e lutas. Tal proposta estava em conformidade com os princípios pedagógicos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (Brasil, 1997), especificamente da diversificação de conteúdos e inclusão dos(as) alunos(as). Nesse sentido, contribuímos com os desafios atuais da formação docente na área, em especial, de romper com a lógica centrada no desempenho físico esportivo baseado no tecnicismo (Pereira; Leitão; Brant, 2021, p. 43-44).
Nesse primeiro momento, tal perspectiva foi importante, mas logo percebemos que somente a diversificação dos conteúdos não proporcionava “efetivamente os valores nos processos de ensino e aprendizagem no sentido de buscar a apropriação crítica dos elementos da cultura corporal de movimento e promover a inclusão de todos” (Pereira; Leitão; Brant, 2021, p. 44). Nos relatos de supervisores e bolsistas emergiam situações- limite, marcadas por temas que atravessavam as práticas corporais, como gênero, diferença e inclusão social, e que precisavam ser tematizadas para possibilitar a construção de aprendizagens significativas nas aulas de Educação Física.
Diante disso, caminhamos no programa para um segundo ciclo do subprojeto da Educação Física no IFSULDEMINAS, em que avançamos na problematização da questão das “diferenças” e do “gênero”, no sentido de tornar visível a segregação social e a desigualdade das mulheres, que estão transversalizadas nas práticas corporais, e que as práticas pedagógicas na Educação Física precisam buscar o reconhecimento da cidadania e respeito pela diferença. Como se pode perceber neste relato a seguir:
Nessa nova configuração as questões de gênero perpassaram as intervenções a partir de duas estratégias centrais: a tematização da diferença e das desigualdades como objeto de reflexão com os alunos – sempre geradas a partir de situação provenientes da própria aula –, e a adoção de estratégias de ensino que tornassem possível o aprendizado.... Buscamos em uma das nossas intervenções tratar algumas manifestações da cultura corporal de movimento, como o parkour, slackline e jogos de aventura na natureza, transversalizadas pela temática gênero e sexualidade. (Pereira; Leitão; Brant, 2021, p. 45)
Identificamos neste momento as dificuldades de um tratamento pedagógico das questões de gênero, que perpassam, como aponta Souza Júnior (2022), pelo fato de o campo esportivo moderno possuir forte relação com a validação da masculinidade como categoria social superior, em detrimento e com cerceamentos das mulheres. Com isso, o esporte moderno engendra formas de como produzimos sentidos sobre nossos corpos e movimentalidades/corporalidades, os quais transitam entre o machismo, homogeneização de códigos culturais e binarismo de gênero. Isto fica evidente neste relato a seguir, em que percebemos que as dificuldades das/dos pibidianas/os estavam imbricadas nos valores e sentidos que eles traziam em suas próprias experiências corporais.
Nesse percurso os bolsistas tiveram que lidar com algumas dificuldades, tais como: ter que desenvolver um planejamento didático-pedagógico que sistematizasse estas práticas corporais pouco vistas pelos alunos; apenas uma aula de Educação Física por semana; baixa participação das meninas, já que a aula Educação Física não fazia sentido para elas, sobretudo pelo lógica tecnicista e competitiva que se colocava na tradição das aulas vivenciadas por elas ao longo do percurso escolar; resistência às práticas corporais diferenciadas que eram sugeridas, devido às mudanças propostas nas relações estabelecidas entre meninos e meninas; dificuldades e estranhamentos dos alunos em participarem dos debates sobre a aula, especialmente quando eram problematizadas as questões de gênero e sexualidade (Pereira; Leitão; Brant, 2021, p. 46).
Esses dois primeiros ciclos nos possibilitaram alguns pontos de reflexão, em especial pela possibilidade de os/as pibidianos/as se aproximarem (do ponto de vista teórico e metodológico) dos sistemas de significação das práticas corporais, que têm íntima relação com a cultura e as experiências de si no percurso escolar. O PIBID em nossa instituição propiciou momentos que favoreceram os processos de (res)significação, de novos entendimentos sobre práticas corporais, esporte e docência, com o intuito de promover uma formação crítica dos alunos e a melhoria qualitativa das práticas pedagógicas nas escolas parceiras. Esse diálogo, entre sistemas de significação cultural das práticas corporais, realidade escolar e processos de construção dos saberes da experiência e dos saberes docentes, foi um dos fatores mobilizadores para o nosso próximo passo, como veremos no tópico seguinte.
Tematizações emergentes no subprojeto da Educação Física do PIBID em contextos sociotécnicos
Desde o início de 2020, com o alastramento de um surto de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o novo coronavírus (Covid-19) – e o início de uma pandemia, tivemos que reorganizar nossas atividades conforme as demandas de nossa localidade, assim como enfrentar os desafios disparadores da nova ambiência sociotécnico que se intensificou neste contexto social.
Percebemos que esses desafios nos exigiram articular, de forma mais qualificada, questões teórico-práticas, políticas e epistemológicas com problemas estruturais da sociedade, que envolviam desde temas socioeconômicos, crises sanitárias, precarização da educação, e culminavam na formação de professores, nos dilemas ético-políticos e pedagógicos emergentes desta condição pandêmica para a qual estávamos todos pouco preparados, já que se tratava de um cenário inédito na história da humanidade.
Tal contexto nos revelou que era necessário dedicar maior atenção em nosso programa PIBID à tríade: professor-supervisor na sua relação com as condições formativas de professores; alunos e alunas nas condições concretas das escolas; e nossos alunos e alunas bolsistas e seus processos de construção de saberes docentes.
Essa condição revelou-se fortemente em um curso de extensão oferecido no segundo semestre de 2021 pelo Grupo de Estudos e Pesquisas de Professores(as) de Educação Física (GEPROFEF) do IFSULDEMINAS - Muzambinho, que buscou problematizar, (re)pensar processos de ensino e aprendizagem, e compartilhar narrativas docentes diante da emergência social, especialmente na relação com os dispositivos educacionais digitais em contextos sociotécnicos e digitais.
Estamos utilizando o termo “dispositivos educacionais digitais”, por entender que os dispositivos sociotécnicos, culturais e digitais engendram formas de produção de sentidos em movimentos de territorialização e reterritorialização . Entendemos ainda que os dilemas trazidos pela pandemia têm relação com os meios digitais, e que os processos de “desterritorializações” vividos neste contexto nos lançou na busca de novas 6 Utilizamos o conceito de “territorialidades” a partir de nossa leitura do filósofo Gilles Deleuze e do psicanalista Félix Guattari. Assim, os territórios são entendidos no sentido mais amplo, não apenas restrito ao espaço físico ou geopolítico; podem ser entendidos também como espaço vivido ou percebido. O território é um conjunto de apropriações, projetos e representações que se desempenham nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos e cognitivos (Guattari; Rolnik, 1986). territorialidades, na construção de territórios mais múltiplos (multiterritorialidade), ou seja, novas configurações mais complexas das práticas educativas em tematizações emergentes (Haesbaert, 2005).
Tal movimento nos deslocou para outro olhar do programa do PIBID e suas relações formativas nas experiências vividas em contexto escolar. Propusemos então outras iniciativas: (i) o oferecimento de um Curso de Formação Inicial e Continuada (FIC) intitulado “Produção de Materiais Didáticos Digitais na Educação Física Escolar” (com a participação por volta de 30 professores/as); (ii) a criação do blog “Nas Redes das Educações Físicas” utilizado no PIBID, no âmbito dos cursos de graduação e pós- graduação de Educação Física do IFSULDEMINAS, e desenvolvido pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Física Escolar (LEPEFES); e (iii) o oferecimento de cursos e oficinas de capacitações de professores na região do Sul de Minas Gerais. Tais realizações nos fizeram perceber que era preciso ampliar as discussões sobre as tecnologias e as práticas pedagógicas sob o viés dos agenciamentos dos dispositivos, que implicam uma complexa teia da cultura digital, que perpassa as temporalidades de formação (Pineau, 2004).
De acordo com Camilo e Betti (2010), as reflexões sobre as relações pedagógicas com as mídias, em cenários de aceleração dos agenciamentos das culturas digitais, precisam avançar para a compreensão das possibilidades teórico-metodológicas da reflexão e produção de propostas didático-pedagógicas com professores(as) e estudantes, e no reconhecimento de que há novas formas de significação em situações dilemáticas, bem como novos lugares da experiência humana na interface educação e comunicação.
Kellner e Share (2008) acrescentam que as mídias desempenham um papel crucial na construção de significados e no condicionamento sociocultural que afetam nossa percepção, emoções e comportamentos em relação ao mundo. De certa forma, é essencial que as pessoas desenvolvam a capacidade de analisar esses dispositivos de maneira crítica e empregar suas capacidades técnicas para se expressar/comunicar e se envolver de forma significativa na sociedade.
Isso exposto, vamos focalizar nossas análises em uma intervenção específica, em contexto pandêmico, que se desdobrou nas relações de formação do PIBID (o professor- supervisor na sua relação com as condições formativas de professores no Brasil, os alunos/as nas suas condições na realidade escolar e as/os licenciandas/os bolsistas e os processo de construção de saberes docentes), que vislumbramos ao final como um memorial-propositivo para futuros movimentos formativos do programa.
Dispositivos em formação: análises e desdobramentos do projeto “Pedalando na educação física escolar - o percurso da escola para a sociedade”
Essa experimentação, no âmbito do programa do subprojeto da Educação Física do PIBID do IFSULDEMINAS, surgiu diante dos desafios enfrentados pelos/as professores/as, acentuados durante a pandemia, e exigiu uma reavaliação da formação docente, buscando uma superação do tradicional modelo centrado na mera transmissão de conteúdos e habilidades (Ferreira; Santos; Costa, 2015). Os dispositivos educacionais digitais ofereceram uma oportunidade do estar-com as professoras e professores, de explorar novos modelos de produção e comunicação e de assumir os diferentes espaços e tempos de formação dos sujeitos-autores-professores em seus contextos.
De acordo com Leitão et al. (2022), a formação inicial e continuada, com ênfase nas análises dos dispositivos educacionais digitais, na criação de materiais didáticos e na reflexão sobre o uso desses recursos, pode desempenhar um papel fundamental para colocar em relevo os saberes pedagógicos e da experiência docente. Intencionamos que esse espaço de formação docente instituído pelo PIBID pudesse contribuir para a construção de conhecimentos sensíveis às afetações ético-política-lógicas em diferentes contextos de aprendizagem. Em nosso entendimento, a construção de saberes e a busca de conhecimentos é um processo que deve ser partilhado, em comunhão, nas comunidades docentes aprendentes que devem estar constantemente atentas às dinâmicas socioculturais. Segundo Freire (1986), a educação não pode estar desvinculada do cotidiano dos estudantes na busca da conscientização e transformação da realidade imanente.
Com isso, direcionamos nosso olhar para uma realização denominada “Pedalando na educação física escolar - o percurso da escola para a sociedade”. Esta proposta foi realizada no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) por um grupo de seis bolsistas, um supervisor e o coordenador, que elaboraram um material didático digital, que tematizou a bicicleta para alunos/as dos anos iniciais do ensino fundamental. Também participaram dessa experiência 517 alunos(as) da rede pública municipal de uma cidade do Sul de Minas Gerais.
A opção por tematizar a “bicicleta” considerou a dimensão da sua relevância no cenário cultural da sociedade, que não deve estar associada apenas à fase infantil, e desse modo poder contribuir com a ampliação de estudos que tratam da bicicleta como uma prática pedagógica na educação. A escolha do tema deu-se a partir de Carneiro (2007), para quem a bicicleta faz parte do mundo vivido pela criança. Desse modo, tratar este tema, especialmente em tempos de distanciamento social, nos faz participar do processo de aprendizagem cultural, o diálogo com o mundo, por intermédio das mediações do professor, que podem fomentar a problematização e criação de novos significados. Essa experiência tratou de temáticas como: a história da bicicleta, componentes e equipamentos da bicicleta, regras de trânsito, jogo digital com o ciclismo, ecologia, inclusão, dentre outras.
A etapa de planejamento da ação pedagógica foi realizada durante dois meses no âmbito do PIBID, em encontros semanais com duração de 4 horas. Nestes encontros foram elencados problemas relacionados às aulas de Educação Física no ensino remoto; estratégias de atuação; estudo sobre o tema do ciclismo nas aulas de Educação Física e formas de avaliação.
A etapa de confecção do material didático digital levou aproximadamente um mês. O grupo (professor-pesquisador, coordenador e bolsistas) optou pela montagem de um material didático digital em formato de e-book denominado “Pedalando na Educação Física Escolar: o percurso da Escola para a Sociedade”. Este material foi impresso e apresentado para a Secretaria Municipal de Educação, e aprovado para o início da intervenção.
A etapa da intervenção ocorreu em cerca de dois meses, de 19/03/2021 a 28/05/2021. As aulas aconteciam uma vez na semana com a mediação de vídeos sobre cada tema da aula, com as orientações preliminares das atividades contidas no material impresso, e-book; mensagem instantânea via Whatsapp; realização das atividades por fotos, vídeos, áudios e escritas.
Na fase de avaliação da proposta foram elaborados relatórios de cada atividade desenvolvida, diários de campo, questionário e análise do e-book e do material impresso das/dos estudantes. A triangulação destes dados nos permitiu a análise da proposta de intervenção que apresentamos neste texto.
Esse projeto desdobrou-se na produção de três trabalhos de pesquisa. Três deles foram Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) de bolsistas – “Pedalando nas Aulas de Educação Física: relações com os estudantes em tempos remotos” (Assis; Souza, 2022); “A formação de professores(as) de Educação Física no âmbito de um curso de extensão sobre o ciclismo no ensino remoto” (Miranda; Silva, 2022); “Os processos auto(formativos) na construção de materiais didáticos digitais na educação física escolar: uma análise do olhar docente” (Machado, Oliveira, 2022). E outro uma dissertação de mestrado no âmbito do programa de Mestrado em Educação Física em Rede Nacional (ProEF) de um professor-supervisor participante do projeto, intitulada “A tematização da bicicleta na Educação Física escolar: uma intervenção emergida das experiências do PIBID” (Passos, 2023).
Além da realização desse projeto e seus desdobramentos em produtos de pesquisa, também promovemos uma oficina de capacitação para os/as professores/as da rede municipal de Monte Belo, na qual o supervisor do PIBID estava inserido. O interesse dos professores surgiu diante da repercussão do projeto nas escolas e da possibilidade de reflexão sobre os processos de ensino e aprendizagem em período pandêmico, visto que eles e elas tiveram poucas oportunidades de formação sobre o ensino remoto
Essa realização constituiu-se em um exemplo profícuo de enraizamento de uma proposta pedagógica no contexto escolar, com recursos educacionais digitais aliados aos processos formativos docentes e discentes durante o ensino remoto. Nesse sentido, apontamos fecundas possibilidades da construção de propostas pedagógicas com e pelos/as professores/as, que estão implicados em suas realidades escolares, e de modo autoral identificam suas demandas e estabelecem relações com saberes no tempo vivido e vívido, “mais próximo das realidades educativas e do cotidiano dos professores” (Venâncio; Sanches Neto, 2019, p. 732).
Percebemos que um processo de formação como este desenvolvido no PIBID pode desencadear importantes reflexões sobre as experiências pedagógicas em tempos de mudanças sociotécnicas. Por exemplo, um dos professores participantes manifestou algumas inquietações e lacunas da formação inicial com relação ao ciclismo na escola, o que o levou a uma busca por cursos, lives e palestras relacionados ao tema, a fim de ampliar seus conhecimentos, no que diz respeito a esse olhar reflexivo sobre a “bicicleta” na condição de prática pedagógica na Educação Física Escolar.
[…] depois disso, que eu comecei a estudar um pouco mais, eu também comecei a pesquisar né, sobre essa possibilidade, mas aí eu encontrei muitos poucos conteúdos na oferta de aperfeiçoamento ou capacitação para professores que pudesse trazer o ciclismo […] (Diário - professor supervisor).
O professor-supervisor relatou que programas como o PIBID são importantes na formação docente, e que ele pode participar de inúmeros cursos e palestras com diversas temáticas do ciclismo.
[…] o Instituto Federal mesmo, eles tiveram várias palestras que tinham o ciclismo envolvido e eu participei de todas elas, então teve assim algumas pessoas de renome nacional e eu sempre entrava nas lives e questionava sobre esse processo, por que não levar a pedagogia do ciclismo como proposta na escola, né? E eles davam sempre algumas possibilidades e aquilo me instigava ainda mais, só que o interesse em desenvolver o projeto partiu de dentro do PIBID. (Diário - professor supervisor).
Outro aspecto importante foram os processos colaborativos que aconteceram nos encontros no âmbito do PIBID, momentos em que foi possível realizar estudos e discussões que caminhavam para a percepção da importância da elaboração de estratégias que pudessem promover uma prática pedagógica contextualizada, possibilitando assim a construção de sentidos a partir dos conteúdos das aulas de Educação Física. Sendo assim, o ciclismo foi escolhido como temática a ser tratada devido ao aumento de praticantes durante a pandemia, e por ser um tema de interesse do professor-supervisor, mesmo antes da sua entrada no PIBID:
[…] então foi muito nesse aspecto né, de conversar no PIBID, de levantar possibilidades, porque ali nasceu nas reuniões do PIBID, e a gente aceitou o ciclismo. A gente montou um grupo e começamos a debater vários temas, várias propostas, várias ideias, e aí que surgiu aquela, sabe aquela inquietação que eu tinha te falado agora pouco? Eu joguei pro grupo, falei assim: ó pessoal, eu tenho uma ideia, essa ideia talvez pra vocês que são graduandos pode parecer um pouco loucura mas eu tenho um … sei lá, eu tenho alguma coisinha comigo aqui que talvez possa dar certo, porque é uma coisa inédita. Pesquisando nos principais sites acadêmicos não tinha muita pesquisa sobre. As próprias palestras que o Instituto deu sobre o ciclismo falou muito sobre alto rendimento e não trazia o ciclismo como produto educacional. Então foi uma válvula de escape que eu achei, essa entrada no PIBID, a possibilidade de trocar experiências. (Diário - professor supervisor).
Após a intervenção do “Pedalando na Educação Física Escolar – o percurso da Escola para a Sociedade”, desenvolvido no ensino remoto, a análise dos dados colhidos durante o processo, e as devolutivas das aulas com o material didático digital e impresso do curso de capacitação, permitiu aos participantes sugerirem, por considerarem viável, a inclusão da proposta no ensino presencial (Passos; Leitão, 2021; Passos et al., 2021). O projeto alcançou projeção nas mídias, com a repercussão entre alunas/os e familiares, e algumas famílias passaram a andar de bicicleta juntos por influência do projeto (https://www.youtube.com/watch?v=VGlSwrscORs).
O TCC “Pedalando nas Aulas de Educação Física: relações com os estudantes em tempos remotos”, de autoria de dois bolsistas participantes do projeto (Assis; Souza, 2022), analisou a relação dos/das alunos/as com os processos de ensino e aprendizagem, por meio do material proposto pelo PIBID, e foi possível perceber que o conteúdo, aliado às estratégias utilizadas, mobilizaram os alunos para o uso da bicicleta, como podemos ver no vídeo de divulgação dos resultados do projeto na cidade de Juruaia. Diante disso, percebemos a importância do tratamento de conteúdos da Educação Física (no caso, o andar de bicicleta), que estejam vinculados à produção de materiais didáticos digitais, como forma de aproximação de caráter afetivo-estético aos conteúdos, que em momento pandêmico estavam distantes dos estudantes, e que considerem os(as) docentes e discentes como produtores ativos do processo pedagógico.
Considerações finais
Avaliamos que houve adesão e envolvimento das comunidades escolares participantes no projeto (Secretaria da Educação, professoras/es, bolsistas, alunos/as e famílias envolvidas), o que possibilitou uma ampliação e compartilhamento dos espaços de trocas e reflexão sobre as práticas pedagógicas e as práticas corporais em suas relações com a mídia/cultura digital, bem como o reconhecimento e debate sobre gênero, diferença e inclusão social.
As várias etapas e realizações do PIBD do IFSULDEMINAS, em seu subprojeto de Educação Física no campus de Muzambinho, tais como aqui descritas e avaliadas, deixou evidente, para nós, que os dispositivos educacionais digitais favorecem e potencializam o compartilhamento e o debate de práticas e saberes, envolvendo docentes e licenciandos/as, de modo crescentemente autoral e implicado nos contextos escolares concretos. Assim sendo, enriquecem, sobremaneira, os processos formativos e de construção dos saberes docentes e dos saberes da experiência.
Referências
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Notas
1. Doutor em Educação Física, Universidade de Estadual de Campinas, arnaldo.leitao@muz.ifsuldeminas.edu.br, https://orcid.org/0000-0002-3768-048X.
2. Doutor em Educação, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), maurobettionline@gmail.com, https://orcid.org/0000-0002-4252-6188.
3. O projeto principal do IFSULDEMINAS foi submetido e aprovado no Edital nº 23/2022 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). No total foram aprovados 12 núcleos para atuar como subprojeto em diversos campi. O subprojeto da Educação Física está sediado no campus de Muzambinho.
4. No início, tínhamos duas escolas parceiras em Muzambinho. O projeto atual conta com quatro escolas parceiras, sendo duas escolas em outros municípios da nossa região (Juruaia e Monte Belo).
5. Utilizamos o conceito de “territorialidades” a partir de nossa leitura do filósofo Gilles Deleuze e do psicanalista Félix Guattari. Assim, os territórios são entendidos no sentido mais amplo, não apenas restrito ao espaço físico ou geopolítico; podem ser entendidos também como espaço vivido ou percebido. O território é um conjunto de apropriações, projetos e representações que se desempenham nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos e cognitivos (Guattari; Rolnik, 1986).
6. Link do site: https://nasredesdaseducacoesfisicas.blogspot.com/.