Unidade 1: Introdução à Educação Ambiental
3. Um breve histórico sobre Educação Ambiental
3.1 Precedentes
O incremento da atividade industrial impulsionou o crescimento urbano e demográfico e ao final da primeira metade do século XX, havia uma visão otimista sobre as ciências e tecnologia como promotoras de riqueza e bem-estar social. Contudo, tal crescimento veio acompanhado de nítida degradação ambiental, despertando o mundo para as questões ambientais, para a importância dos estudos do meio e para o papel da educação na formação de novas competências (DIAS, 2010).
O poder de destruição das bombas atômicas lançadas sob Hiroshima e Nagazaki, durante a Segunda Guerra Mundial, se tornaram exemplo de que nem sempre os avanços da ciência e tecnologia estavam agindo em favor da humanidade como todo.
Durante o período pós-guerra, na América do Norte, movimentos contra a energia nuclear para fins bélicos e contra o uso de pesticidas começavam a ganhar força. A obra “Primavera Silenciosa”, da jornalista americana Rachel Carson, se tornou um clássico do movimento ambientalista e alimentou as inquietações de muitos que já possuíam uma percepção de um entorno perturbado pelo “desenvolvimento econômico”. O livro, escrito em linguagem muito acessível, tecia uma crítica aos modelos de produção, fundamentada em argumentações científicas que expunham uma série de incidentes ambientais ocasionados pela indústria de pesticidas em vários países.
Em 1968, o Clube de Roma lançou um relatório chamado “Os limites do crescimento econômico” que predizia que a humanidade estava à beira de um colapso em termos de crescimento populacional, já que a demanda por recursos naturais estaria acima da capacidade suporte em poucos anos, se mantidos os modelos de produção e consumo. O relatório teve grande repercussão mundial, mas politicamente foi considerado pessimista (DIAS, 1991).
Neste cenário, entre as décadas de 60 e 70, surge o movimento Ciências, Tecnologia e Sociedade (CTS) alicerçado por duas tradições distintas: a norte-americana, de caráter ativista e de protesto; e a tradição europeia, de caráter acadêmico e atuante dentro do campo das ciências sociais. Tal movimento enfatizava que as Ciências e Tecnologia deveriam orientar suas ações a partir de uma análise da sociedade em sua dimensão histórica, social, econômica e política, em oposição à corrente preexistente, chamada Ciências e Tecnologia (CT), que era otimista em relação à capacidade das ciências de promover bem-estar social por si (RICARDO, 2007).
Embora num primeiro momento, a denominação CTS seja utilizada para indicar um movimento sociológico, o termo também é empregado para designar uma abordagem educacional, o ensino CTS, que segundo Cavalcanti et al. (2014), surge “visando implantar um currículo centrado no desenvolvimento de conhecimentos e atitudes úteis para a vida diária dos educandos”.
Mais tarde, dentro do campo do ensino, a letra A, referente à dimensão “Ambiente”, foi incorporada à sigla CTS preexistente, passando então a exprimir Ciências, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA). Para Invernizzi & Fraga (2007), tal alteração se justifica para evidenciar a crescente importância contida na dimensão socioambiental e na necessidade de conciliar tal abordagem com a proposta da Educação Ambiental, embora o ambiente já estivesse conceitualmente contemplado dentro do campo CTS.
3.2 Eventos de relevância para a institucionalização da Educação Ambiental no Brasil
Diante da perspectiva de que só uma mudança nos padrões de produção e consumo poderia conter a degradação ambiental, a educação foi apontada como principal meio para que tal mudança fosse alcançada. A primeira menção ao termo “Educação Ambiental” data de 1965, por ocasião da Conferência de Educação da Universidade de Keele, na Inglaterra (MORALES, 2008).
Embora as raízes do movimento ambientalista e CTS já estivessem bem estabelecidas no cenário mundial, a temática da Educação Ambiental só foi inserida nas pautas de discussão intergovernamentais a partir da Conferência de Estocolmo, na Suécia, em 1972. Esta conferência sobre o Ambiente Humano, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), contou com a participação de 113 países e gerou como documentos a “Declaração sobre o Ambiente Humano” e um “Plano de Ação Mundial”, que em sua recomendação nº 96, reconhecia o desenvolvimento da EA como elemento fundamental para o combate à crise ambiental mundial (DIAS, 1991).
Contrária à corrente ambientalista que ganhava forças no Brasil e no mundo, a delegação brasileira que participou da Conferência de Estocolmo, autorizada pelo então Ministro General Costa Cavalcanti, destacou que sendo a natureza um bem comum, seria injusto que os países desenvolvidos apelassem pela contenção do desenvolvimento econômico nos países em desenvolvimento, como forma de proteger o meio ambiente, uma vez que, historicamente, o crescimento destas nações se fez a custo da deterioração do meio, sendo, desta forma, mais justo que incentivassem o desenvolvimento acelerado daquelas nações menos desenvolvidas, promovendo igualdade de condições sociais, para que então fosse discutido o fretamento do desenvolvimento econômico (LAGO, 2006). Por meio deste discurso, o Brasil assumiu internacionalmente que o crescimento econômico tem tanta importância quanto o meio ambiente.
Este fato repercutiu na criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), vinculada ao Ministério do Interior, pelo presidente da República Emílio Médici, em 1973. A SEMA constituiu o primeiro órgão oficial de gestão do meio ambiente no Brasil e contribuiu na criação das bases das leis ambientais que perduraram, em grande parte, até os dias atuais (DIAS, 1991). Esta secretaria também esteve envolvida nas primeiras tentativas de se estabelecer a EA no Brasil, com sua criação sendo considerada o primeiro passo para a institucionalização da EA no País (PRONEA, 2005).
Atendendo às recomendações feitas pela Conferência de Estocolmo, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) promoveu um encontro internacional sobre Educação Ambiental em Belgrado, Iugoslávia (atualmente Sérvia), em 1975. A Conferência de Estocolmo gerou como documento a “Carta de Belgrado”, que estabelecia metas para os Programas de Educação Ambiental de todos os povos, indicando que a EA deveria ser contínua, multidisciplinar, ser orientada para uma perspectiva mundial, mas também considerar particularidades regionais, ser baseada nas questões ambientais atuais e futuras, promovendo a cooperação local e internacional na solução de seus problemas (DIAS, 2010). A carta também expressava a necessidade da igualdade social e da educação para todas as sociedades sem distinção, promovendo novos aspectos éticos que tiveram um papel muito importante na evolução do conceito da EA.
No Brasil, a primeira tentativa de incluir a EA nos currículos da educação básica foi em 1976, realizada através do “Curso de Extensão para Profissionais de Ensino do 1º Grau – Ecologia”, pela parceria entre a SEMA, a Fundação Universidade de Brasília e Fundação Educacional do Distrito Federal. No ano seguinte, deu-se início ao Projeto de Educação Ambiental da Ceilândia, também em Brasília, de caráter interdisciplinar e voltado às questões ambientais da comunidade local. Tal projeto durou até 1981, mas, infelizmente, propostas de EA como esta não se multiplicaram na época, seja por falta de recursos financeiros ou de apoio político (DIAS, 1991).
Entre 1972 e 1976, ocorreu a implantação de vários cursos de ecologia nas universidades federais do Brasil; o Ministério da Educação e Cultura (MEC) tornou a disciplina “Ciências Ambientais” obrigatória nos currículos dos cursos de graduação em engenharia e fez uma série de proposições para reorganização dos currículos da educação básica sobre o eixo da ecologia. Embora estas iniciativas de difusão da ecologia tenham sido importantes, não foram suficientes para implementar, na época, uma EA abrangente como aquela idealizada pela Conferência de Estocolmo (DIAS, 2010).
Em 1977, realizou-se a Primeira Conferência Internacional sobre Educação Ambiental, em Tibilisi, Georgia (ex-União Soviética), considerada um dos marcos para a EA mundial, dando continuidade às discussões iniciadas na Conferência de Belgrado. Na Conferência de Tibilisi, foi recomendada a adoção de estratégias que visassem à consolidação da Educação Ambiental pelas nações que integravam a ONU, levando em conta as discussões realizadas internamente por cada país participante em suas reuniões preparatórias (MORALES, 2008). Neste evento, a EA ficou posta como elemento essencial para uma educação global orientada para a formação de recursos humanos críticos e com iniciativa para resolver os problemas ambientais.
Segundo González-Gaudiano (1997), tal conferência representa um marco para a EA por promover avanços na discussão socioambiental, bem como por delinear as políticas e diretrizes desse campo, sendo a maior prova disto, que “as finalidades e recomendações da Educação Ambiental estabelecidas em Tbilisi continuam vigentes e persistentes”.
Em 1981, no Brasil, instituiu-se a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), que reconhecia como necessária a inclusão da EA nos currículos de todos os níveis do ensino formal e não formal, objetivando o envolvimento ativo de toda a comunidade na defesa do meio ambiente. Esta mesma meta foi contemplada pela Constituição Federal de 1988, no artigo 225, inciso VI.
A partir deste período, a institucionalização das políticas de educação ambiental se tornou mais clara no Brasil pela formação de vários segmentos dentro de órgãos públicos, como o Ministério de Educação e Cultura (MEC) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), destinados especialmente ao desenvolvimento da causa. Em 1992, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) é criado.
Segundo Dias (1991), embora as políticas relacionadas à educação ambiental estivessem legalmente firmadas no Brasil, até 1991, com o lançamento de um encarte denominado “Projeto de Informações sobre Educação Ambiental” pelo IBAMA, nenhuma orientação sobre como as escolas deveriam incorporar a EA em sua prática pedagógica havia sido divulgada pelo governo.
Outro evento de grande relevância para a história da EA foi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, também conhecida como Rio-92 ou Eco-92, que reuniu delegações de 172 países e também representantes de Organizações Não Governamentais (ONGs). Esta conferência gerou como documentos “A Carta da Terra”, a “Agenda 21” e o “Tratado de Educação Ambiental para as Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global”, que reconheciam o papel central da educação na formação de valores e na ação social (MARCATTO, 2002).
Para legitimar as ações educativas previstas pela Constituição Federal de 1988 e com as quais o Brasil havia se comprometido por ocasião da Rio-92, tem início em 1994, o Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA). Tal programa tinha como alicerces a capacitação de gestores e educadores, o desenvolvimento de ações educativas e de instrumentos e metodologias voltadas para o ensino e gestão ambiental (PRONEA, 2005).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), promulgada em 1996, não contém uma indicação direta à educação ambiental, embora verse no artigo 23, parágrafo 1º, sobre a obrigatoriedade da abordagem do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil, nos currículos do ensino fundamental (BRASIL, 1996).
Em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) foram aprovados pelo MEC como um subsídio para apoiar a elaboração do projeto educativo das escolas do ensino básico, em reconhecimento à necessidade de se tratar de alguns temas urgentes no cenário atual, denominados temas transversais. Entre os temas transversais apresentados aparecem o meio ambiente, a saúde, a ética, a pluralidade cultural, a orientação sexual e os temas locais (BRASIL, 1997).
Em 1999, foi promulgada a Lei Nº 9.795, que dispõe sobre a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), porém, somente em 2002, por meio do Decreto Nº 4.281, fica estabelecido o Órgão Gestor da PNEA, encarregado de definir as diretrizes de implementação de tal política.
Em 2002, realizou-se em Joanesburgo, África do Sul, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio +10, com objetivo de rever as metas propostas na Agenda 21 e zelar pela implementação dos compromissos firmados em 1992. O quadro geral observado durante o encontro foi o de agravamento dos problemas ambientais já apontados na Rio-92 e o próprio cenário político do momento, às vésperas do aniversário de um ano do atentado de 11 de setembro, dificultava a cooperação internacional (SEQUINEL, 2002). Contudo para Diniz (2002):
A Rio +10 destaca-se mais por mencionar os problemas da globalização e detalhar um plano de implementação que, embora quase não traga metas quantitativas, inicia uma ação coletiva rumo à proteção ambiental conjugada ao desenvolvimento econômico e social.
Passados mais 10 anos, uma nova edição da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável teve sede no Rio de Janeiro, a Rio+20, visando que os governantes reafirmassem os compromissos políticos com o desenvolvimento sustentável já firmados anteriormente e promover nova avaliação dos progressos e falhas das ações efetuadas até aquele momento (GUIMARÃES & FONTOURA, 2012).
Quando analisamos os documentos gerados por esta série de eventos relacionados ao ambiente, identificamos a Educação Ambiental como principal mecanismo apontado como capaz de reverter o quadro ambiental mundial. Alguns autores, embora acreditem que EA tenha o potencial para realizar esta mudança, acreditam que este discurso político por trás da EA seja uma tentativa das classes dominantes de controle das massas, colocando a educação ambiental como resposta de maior visibilidade à crise ambiental e isentando os governantes de tomar outras medidas que possam resultar em melhorias ambientais, mas que não servem a seus interesses econômicos ou políticos (GUIMARÃES, 2000; MORALES, 2008).
Segundo Morales (2008), quando traçamos a trajetória da institucionalização da educação ambiental no Brasil, buscamos compreender a dinâmica que envolveu a convergência entre discursos e ações que, gradualmente, se constituiu em uma área de saber da EA, ao longo do tempo:
Assim, por meio de programas institucionais, políticas públicas, conferências, organizações governamentais e não governamentais e grupos civis e empresariais é que se configura o processo formativo da educação ambiental, porém, muitas vezes, em processo conflitante, de modo descontínuo, contraditório e precário (MORALES, 2008).
Ao analisar esta trajetória no Brasil, apesar da morosidade durante o processo, ficam nítidas as vitórias obtidas no campo legal, no que rege a educação ambiental. Contudo, passados quase vinte anos da publicação dos PCN, observa-se que a prática da EA no Brasil cresceu rapidamente em termos quantitativos, ou seja, a maioria das escolas oferece educação ambiental, o que não significa que este crescimento tenha sido acompanhado de aumento qualitativo na forma do fazer educativo (LAYRARGUES, 2012).
Para Leff (2001) e Carvalho (2001), falta fundamentação teórica para dirigir a prática da educação ambiental na escola. Layrargues (2012), diz ainda que:
[...] parece que as políticas de educação ambiental para a escola ainda são formuladas de fora para dentro, desvalorizando-as, o que implica no esvaziamento das discussões históricas dos trabalhadores da educação. Tudo indica que a educação ambiental não encontrou as condições ideais para ser estruturante nas políticas centrais da educação (currículo, gestão escolar, planejamento de carga horária docente, carreira docente, função social das escolas etc).
Dias (1992) reconhece a precariedade com que a EA é feita no Brasil, contudo, defende que a falta de uma direção sobre como fazer EA por parte dos governantes não deve impedir a sua prática:
[...] os professores e a comunidade já estão praticando a EA. Com suas deficiências e erros, inadequações e falta de apoio, estão indo. Afinal a pedagogia e as estratégias de ensino conhecidas são as mesmas utilizadas em atividades de EA. Ninguém inventou nada em Tbilisi, houve apenas uma reorientação.
Os próprios caminhos percorridos pela EA sugerem a reconfiguração do fazer educativo preexistente para atender às necessidades da atualidade na capacitação humana para o enfrentamento de uma nova realidade. Neste contexto, a educação ambiental não pode ser concebida como uma fórmula pronta, uma vez que seu processo formativo deve se adequar a diferentes realidades e aos problemas locais.