Parte II - Unidade I: Protozoários
Unidade I: Protozoários
Os protozoários são organismos unicelulares com grande importância biológica. Atualmente existem cerca de 40.000 espécies, das quais aproximadamente 10.000 interagem com outros seres vivos. Tais interações podem variar de simbiontes, comensais a parasitos. A palavra “protozoário” significa “antes de animal” (do grego: protos = antes, zoário = animal) (NEVES, 2009).
1. Introdução
A compreensão da biologia dos protozoários parasitos é de grande importância no ensino-aprendizagem em saúde uma vez que estes conhecimentos podem auxiliar em discussões acerca da prevenção de diversas doenças.
De acordo com Neves (2009), os protozoários parasitos podem apresentar as seguintes formas evolutivas:
Trofozoíto: forma ativa do protozoário, na qual observamos os processos de alimentação e reprodução.
Cisto ou oocisto: formas de resistência no meio exterior ou em tecidos.
Os protozoários possuem algumas estruturas especiais com funções extremamente importantes em sua biologia. Dentre elas, Neves (2009) destaca:
Cílios e flagelos: estruturas delicadas e filamentosas que geralmente estão envolvidas na movimentação destes organismos.
Pseudópodos: caracterizados por prolongamentos externos ao citoplasma, são temporários e estão associados ao movimento. Além disso, também participam do processo de ingestão de partículas.
Para compreendermos melhor o ciclo evolutivo dos protozoários precisamos entender um pouco sobre a sua reprodução, que pode acontecer basicamente pela forma assexuada ou pela forma sexuada.
Assexuada: processo de reprodução por divisão binária (um organismo dá origem a duas células filhas iguais, que continuam o processo reprodutivo); brotamento (uma célula dá origem a um broto que desprende da célula mãe); endodiogenia, endopoligenia e esquizogonia (nestes há uma rápida divisão das organelas e do núcleo).
Sexuada: neste tipo de reprodução tem-se a conjugação (união temporária de dois indivíduos com troca mútua de materiais nucleares) e a singamia ou fecundação, que é a penetração do microgameta (célula masculina) no macrogameta (célula feminina).
Vamos conhecer alguns dos principais protozoários que se destacam dentre as enteroparasitoses ou dentre as doenças de maior importância no brasil!
1.1 Giardia lamblia
O gênero Giardia inclui flagelados parasitos do intestino delgado de mamíferos, aves, répteis e anfíbios. As denominações Giardia lamblia, Giardia duodenalis e Giardia intestinalis têm sido utilizadas como sinônimos (SOGAYAR; GUIMARÃES, 2005).
A giardiose humana ou giardíase destaca-se entre uma das principais infecções parasitárias que acometem crianças e adolescentes (PACHECO et al., 2014; SALDANHA et al., 2014; Castro et al., 2015). É considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma zoonose, devido ao fato de existirem relatos de contaminação de reservatórios de água por animais parasitados (CIMERMAN; CIMERMAN, 2009).
Este protozoário possui duas formas de vida em seu ciclo biológico: o cisto e o trofozoíto. O cisto é oval e quando maduro apresenta quatro núcleos. A forma de trofozoíto com simetria bilateral é bastante característica. Na porção ventral observa-se um disco suctorial localizado na área mais larga. Com esta estrutura, que é bastante complexa, o parasito adere à mucosa por ação mecânica e ação de proteínas contráteis (NEVES, 2009).
Figura 1
O ciclo vital deste protozoário apresenta duas formas (cisto e trofozoíto). O cisto é elipsóide com uma membrana delgada que se destaca do citoplasma. São observados quatro núcleos e quatro axonemas. Esta é a fase de resistência do parasito, pois em água podem permanecer viáveis por até dois meses ou mais. Quando ingeridos devido a ação do suco pancreático tem-se o desencistamento e sua eclosão no intestino. A fase de trofozoíto, que coloniza o duodeno e as primeiras porções do jejuno, apresenta-se com contorno piriforme onde se evidencia dois discos suctoriais e um par de núcleos. São observados também quatro pares de flagelos. Os trofozoítos aderem grande número à superfície da mucosa utilizando dos discos suctoriais. Nesta fase tem-se a reprodução de forma assexuada por divisão binária longitudinal. Nas fezes diarréicas os trofozoítos são encontrados em grande quantidade, mas em fezes formadas é predominante a presença de cistos.
Os trofozoítos podem ser encontrados em grande quantidade em fezes diarréicas. Nesta fase, o encontro de cisto é bem menos comum, pois estes são frequentemente observados em fezes formadas. Como o ciclo biológico da G. lamblia é monoxênico, ou seja, não há a participação de hospedeiros intermediários, a transmissão ocorre basicamente por meio da ingestão de cistos geralmente presentes em água, verduras e mãos sujas. É importante comentar que embora o ciclo seja monoxênico, uma vez que a higiene é um fator importante na prevenção desta doença, a veiculação dos cistos também pode acontecer por meio de insetos, como as baratas e moscas (NEVES, 2009).
A giardíase é mais comum em crianças e pessoas com algum comprometimento do sistema imunológico. Tal afirmação se dá devido ao fato de que esta doença evolui para a cura ou para a cronicidade assintomática na maioria dos indivíduos (NEVES, 2009). Sendo assim, o estado imunológico do hospedeiro é um fator extremamente relevante na intensidade e persistência das infecções por Giardia sp. (HEYWORTH, 2014). Nos indivíduos sintomáticos, a colonização da mucosa duodenal pela G. lamblia causa acentuada irritação desta região, edema, dor, irritabilidade, insônia e sintomas de má absorção. Observa-se também diarreia bem característica com aspecto gorduroso e amarelo-esverdeada (NEVES, 2009).
De acordo com Neves (2009), o diagnóstico é realizado pela identificação do parasito nas fezes utilizando métodos específicos, tanto para o encontro quanto para a coloração de protozoários.
Entendendo o ciclo da Giardia sp.:
Em condições inadequadas de saneamento básico, a transmissão de giardíase ocorre pela contaminação ambiental e de alimentos pelos cistos do parasito. Por isso, os manipuladores de alimentos crus merecem destaque uma vez que podem ser fonte de infecção. Uma das últimas formas de transmissão descrita foi via atividade sexual anal-oral, uma vez que resulta na transmissão fecal-oral (SOGAYAR; GUIMARÃES, 2005).
1.2 Toxoplasma gondii
Atualmente também têm sido relatados quadros graves em indivíduos com o sistema imune comprometido, como por exemplo: pacientes com AIDS, indivíduos transplantados e pacientes submetidos à terapias para o tratamento de câncer (KAWAZOE, 2005; YOHANES; DEBALKE; ZEMENE, 2014; LU et al., 2015).
Quanto à biologia deste parasito, é importante citar que durante o seu desenvolvimento, o T. gondii passa por diversas fases que precisamos conhecer antes de comentar sobre o seu ciclo biológico. De acordo com Neves (2009), essas fases podem ser definidas e caracterizadas da seguinte maneira:
- Taquizoíto, trofozoíto ou forma de vida livre: encontrado na fase aguda da doença sendo conhecido como forma proliferativa de desenvolvimento rápido.
- Bradizoíto, cistozoíto ou forma de latência: encontrado dentro de “cistos” em células de diversos tecidos. Forma de desenvolvimento lento e característica da fase crônica.
- Oocisto: forma ovalada encontrada nas fezes de felinos. Após ser eliminado, passa pelo processo de esporulação no meio ambiente tornando-se, então, um oocisto maduro. Pode permanecer viável por mais de um ano se as condições estiverem favoráveis (umidade, sombra e temperatura entre 0 e 35 graus centígrados).
Ainda de acordo com Neves (2009), dentre os mecanismos de transmissão podemos destacar: ingestão de taquizoítos (leite cru), ingestão de cistos (carne crua ou mal cozida), ingestão de oocistos (alimentos, mãos sujas, caixas de areia onde os gatos defecam) e a congênita ou transplacentária (quando taquizoítos provenientes da mãe infectada alcançam o feto).
Figura 2
O gato é o hospedeiro definitivo, onde o parasito desenvolve-se pela fase sexuada resultando na produção de oocistos, que por sua vez contaminarão o meio ambiente. Os demais vertebrados, são hospedeiros intermediários, onde ao se infectarem pela ingestão de oocistos maduros desenvolverão em seus tecidos os cistos contendo bradizoítos. O homem infecta-se ao ingerir carne mal cozida destes hospedeiros ou ingestão acidental de oocistos eliminados pelos gatos. A transmissão congênita pode acontecer tanto entre os animais quanto em humanos. A transmissão também pode ocorrer em casos de transfusão de órgãos contendo os cistos.
Quanto à patogenia da toxoplasmose, as formas clínicas podem variar bastante dependendo principalmente do estado imunológico e da idade do paciente. Usualmente, a sintomatologia está associada à forma congênita (pré-natal) ou adquirida (pós-natal). Nesta última, basicamente será o estado imunitário que influenciará na presença ou não dos sintomas (NEVES, 2009).
Por isso, dentre as doenças de transmissão congênita, a toxoplasmose é uma das que mais requer atenção. O diagnóstico correto desta forma de transmissão é extremamente útil, principalmente para as mulheres que tiveram o diagnóstico da infecção aguda durante a gestação, as quais, junto com seus médicos, poderão decidir sobre a melhor conduta a ser tomada, principalmente quanto ao tratamento (AMENDOEIRA; CAMILLO-COURA, 2010). Deste modo, alguns autores têm apresentado a importância do acompanhamento de gestantes quanto à sorologia para a toxoplasmose, e dependendo do resultado, o encaminhamento terapêutico particularmente a ser indicado em cada caso (AMENDOEIRA; CAMILLO-COURA, 2010; AVELINO et al., 2014).
1.3 Trypanosoma cruzi
A Doença de Chagas, antropozoonose causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, encontra-se amplamente distribuída desde o Sul dos Estados Unidos até o Sul da Argentina (FERREIRA et al., 2009). De acordo com a OMS, a Doença de Chagas é uma das principais causas de morte súbita entre indivíduos na fase mais produtiva da vida, constituindo, portanto, um problema médico-social grave (LANA; TAFURI, 2005).
Devido às campanhas de combate ao principal inseto transmissor e cobertura de sorologia pré-transfusional foi possível reduzir significativamente a transmissão do parasito por estas vias. Mesmo assim, a Doença de Chagas ainda é transmitida por outras vias, como por exemplo: congênita (da mãe para o feto), transplante de órgão contaminado com o T. cruzi e oral (ingestão de suco de açaí, caldo de cana ou amamentação) (FERREIRA et al 2009).
Este parasito possui um ciclo biológico tipo heteroxênico, passando por uma fase de multiplicação intracelular no hospedeiro vertebrado (homem e mamíferos) e extracelular no inseto vetor, que são os triatomíneos (LANA; TAFURI, 2005).
De acordo com Neves (2009), no ciclo do T. cruzi são identificadas as seguintes formas evolutivas:
- No inseto vetor: esferomastígotas, epimastígotas e tripomastígotas metacíclicas, sendo todas encontradas livres no tubo digestivo do barbeiro.
- No homem e mamíferos: amastígotas (intracelulares) e tripomastígotas sanguíneos (na corrente sanguínea).
Curiosidades sobre a Doença De Chagas:
Algumas dúvidas são frequentes quanto às formas de transmissão da Doença de Chagas. Por isso é importante salientar que:
A transmissão vetorial não ocorre por meio da picada do barbeiro uma vez que as formas infectantes estão presentes nas fezes e urina deste vetor. Durante o repasto sanguíneo o barbeiro tem o hábito de deixar seus dejetos próximos ao local da picada, e devido à prática usual de coçar o local da picada os hospedeiros possibilitam que as tripomastígotas metacíclicas entrem em contato com a pele lesionada.
Outra curiosidade a respeito deste parasito, é que estas formas não são capazes de penetrar na pele íntegra do hospedeiro, sendo necessária a presença de alguma lesão, seja esta resultante do ato de coçar ou mesmo apenas a lesão resultante da perfuração pelo aparelho bucal do barbeiro.
Ah! As mucosas, principalmente a conjuntiva, são excelentes portas de entrada para as formas infectantes. Nestes casos, basta que o hospedeiro leve as mãos contaminadas aos olhos para que ocorra a penetração do parasito. Por estas regiões serem extremamente irrigadas e facilitarem a hematofagia do barbeiro, são comumente picadas resultando em uma das manifestações mais clássicas da Doença de Chagas, o sinal de Romaña (edema bipalpebral unilateral).
Figura 3: Ciclo epidemiológico do T. cruzi demonstrando os ciclos: silvestre (tatu e gambá nos ecótopos naturais), paradoméstico (telhado tipo cafua, galinheiro e outros locais onde ratos e morcegos podem se esconder) e doméstico (homem, cão, gato, telhado tipo cafua e frestas nas paredes).
A transmissão vetorial ocorre pela eliminação de formas infectantes presentes nas fezes e urina do vetor sobre a pele de mamíferos. A transmissão oral pode resultar da ingestão de alimentos contaminados, tais como o açaí e caldo de cana, ambos in natura são responsáveis por pequenos surtos epidêmicos no Brasil. A transmissão vertical pode acontecer pela passagem de formas tripomastígotas através da placenta ou pela amamentação devido a presença destas formas infectantes no leite materno. A transmissão transfusional resulta do uso de sangue contaminado o transplante de órgãos também pode ser responsável por casos de doença de chagas quando o receptor recebe indevidamente um órgão ou tecido de um paciente com doença de chagas.
1.3.1 Alterações ambientais e dinâmica vetorial
As mudanças climáticas e ambientais das últimas décadas geram para a sociedade e governantes um desafio sobre as causas e consequências dessas alterações sobre as condições de saúde. Consequentemente, as doenças transmitidas por vetores aparecem como um dos principais problemas de saúde pública que podem decorrer das flutuações climáticas sazonais. Tais alterações climáticas interferem diretamente no ambiente colocando em risco o equilíbrio ecológico do planeta (GOMES; MORAES, 2009). Os trabalhos de vigilância entomológica garantem a eficácia no controle de doenças transmitidas por vetores (NETO et al., 2006).
A precipitação pluviométrica, a temperatura e o ciclo hidrológico afetam a sobrevivência e reprodução de agentes patogênicos, principalmente dos vetores de agentes infecciosos. Perante esses fatores, no Brasil existem várias doenças infecciosas endêmicas que, em diversos casos, são sensíveis às mudanças climáticas, sobretudo a de transmissão vetorial que ocorre também por veiculação hídrica, como o Aedes aegypti, vetor transmissor do vírus da dengue (SILVA; MARIANO; SCOPEL, 2007).
Em um trabalho realizado por Purcino (2011) em parceria com o centro de controle de doenças transmitidas por vetores em Catalão, foi constatado que em Goiás a população de Aedes aegypti aumentou significativamente durante o período de chuva devido ao acúmulo de água nos reservatórios naturais e/ou artificiais, como lixo (recipientes plásticos, garrafas, latas), sucatas em pátios e ferros velhos, entulhos de construção, proporcionando o habitat de reprodução do mosquito.
Alterações no bioma também podem influenciar na dinâmica de reprodução de diferentes vetores. Em relação à Doença de Chagas, a transmissão desta doença está ligada a uma estreita relação homem-triatomíneo. Em virtude da invasão do homem no ambiente silvestre, habitat natural do inseto, observou-se a domiciliação do principal vetor da doença (OLIVEIRA; SILVA, 2007).
A forma vetorial é o meio mais importante de transmissão da doença. Parasita de diversos animais silvestres, domésticos e do homem, os triatomíneos são invertebrados hemípteros hematófagos da subfamília Triatominae e família Reduviidae (VILLELA, 2010). Existem outras formas de infecção por Trypanosoma cruzi, como a transfusão de sangue, congênita, via oral, e acidentes de laboratório (ARAÚJO et al., 2008).
Em 2000, o Estado de Goiás recebeu da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) um certificado que o Triatoma infestans foi considerado eliminado do território goiano, não podendo descartar o trabalho rotineiro de vigilância epidemiológica domiciliar de outras espécies presentes. Com a eliminação do Triatoma infestans, outras espécies começaram a sobressair na transmissão da Doença de Chagas (OLIVEIRA; SILVA, 2007). Por fim, em 9 de junho de 2006, o Ministério da Saúde recebeu a certificação internacional de eliminação da transmissão da Doença de Chagas pelo Triatoma infestans, conferida pela OPAS (FERREIRA; SILVA, 2006).
A eliminação do principal vetor da Doença de Chagas não acarreta na paralisação de transmissão da doença. A evolução conjunta de parasitos, hospedeiros e vetores e a busca constante pelo sucesso adaptativo faz com que Trypanosoma cruzi se adaptasse a outras espécies com potencial vetorial. Este fato pode ser evidenciado no trabalho de Machado (2011), onde, em conjunto com o programa de controle de doenças transmitidas por vetores de Catalão (GO), detectou uma espécie de triatomíneo, Panstrongylus megistus, infectado com Trypanosoma cruzi. Deste modo, tornam-se de grande relevância os programas de controles de vetores e campanhas de orientação em todas as áreas onde se tem registro do ciclo silvestre do Trypanosoma cruzi.