Capítulo 3 - Diversidade e Inclusão no Ensino de Biologia
1. Tessituras políticas e históricas da constituição da diversidade e inclusão na Educação Básica
Conforme Mendes (2006), ao longo da década de 1980, o que marca a Educação Especial no panorama mundial é a filosofia de normalização, um modelo que se pautava na “(...) idéia de que toda pessoa com deficiência teria o direito inalienável de experienciar um estilo ou padrão de vida que seria comum ou normal em sua cultura” (MENDES, 2006, p. 389) e, com base nisso, deveriam existir oportunidades iguais a todos, o que provocou mudanças nos cenários educacionais, marcando a aceitação de crianças e adolescentes em classes comuns ou, pelo menos, em classes especiais (MENDES, 2006).
No Brasil, em 1854, com a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, atual Instituto Benjamin Constant, e, em 1856, do Instituto dos Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), instituíam-se locais de atendimento às pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, e isso impulsionou o surgimento de outras instituições dessa natureza. O princípio da igualdade de direito e de não segregação desses sujeitos, associada ao movimento de ampliação da educação, conforme Mendes (2006), foram alguns dos aspectos que influenciaram o movimento em defesa pela integração nas décadas de 1960 e 1970.
O processo conhecido como “integração” era baseado em uma proposta que consistia na tentativa de eliminar as precárias condições de educação escolar oferecidas aos alunos público alvo da Educação Especial e, ainda, amenizar os preconceitos, inserindo esses alunos em classes especiais localizadas em escolas de ensino comum, para que, posteriormente, estes pudessem ser inseridos na sala comum. Nesse sentido, a Educação Especial disseminou uma proposta de educação escolar que buscava alcançar os direitos de uma escolarização de qualidade às pessoas com deficiência em escolas comuns da rede regular, ainda que para isso esses alunos tivessem que passar por um período de “preparação”, via serviços de escola especial ou classe especial.
No Estado de Goiás não foi diferente, a proposta de integração das pessoas com deficiência foi admitida, pois se acreditava que estas seriam capazes de se adaptar às escolas do ensino regular, principalmente por meio das classes especiais. Assim, foram inúmeras as escolas regulares de todo o Estado que aderiram a esta modalidade de atendimento (ALMEIDA, 2003). Todavia, cabe destacar que a “integração” não era para todos os alunos com deficiências, mas para aqueles que conseguissem se “adaptar” a essa escola, ou seja, os que possuíssem características consideradas “menos graves” e que não limitassem tanto o desenvolvimento e a socialização do estudante.
A integração ocorria de diferentes formas, desde uma integração parcial a uma integração total, e era definida em virtude do tempo de contato estabelecido entre os estudantes com e sem deficiência. Entretanto, os resultados da referida proposta educacional acabaram por gerar uma série de críticas, entre elas a ausência de progresso dos alunos e a segregação que acabou ocorrendo. Diante de tais críticas ao movimento e das reformas vivenciadas no final da década de 1980 e início da década de 1990, inicia-se a defesa pela transformação dos sistemas de ensino em sistemas de educação inclusiva, que ocorreu a partir da priorização do direito à diversidade, que impulsionou a ampliação não só do acesso, mas da escolarização para todos no ensino regular.
Kassar (2011) afirma, a partir de um panorama mundial das políticas sociais, a existência de três aspectos que influenciaram a constituição de uma educação capaz de unir a educação geral e a Educação Especial em um único sistema de ensino. O primeiro ressalta a preocupação com a garantia de emprego e indenizações para os mutilados de guerra; o segundo firma-se nos movimentos de pessoas com deficiência, ou de pais e profissionais ligados a elas, que se organizaram em busca de seus direitos; e, por último, as convenções internacionais que trataram dos direitos humanos e da educação, que são aceitas e ratificadas pelo Brasil.
Em relação a esse último aspecto, apontado pela autora, são vários os estudos que tomam os documentos produzidos nessas convenções como direcionadores das políticas educacionais inclusivas. Nesse sentido, o movimento de educação inclusiva, associado ao movimento de educação para todos, vem se instituindo através de bases construídas no âmbito internacional, que são configuradas em declarações, destacando-se: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (1975), a Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem (1990), a Declaração de Salamanca (1994), a Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão (2001) e a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência de 2007 ⚑, homologada pela Assembleia da Organização das Nações Unidas - todas estas oportunizaram políticas de inclusão escolar à sociedade e acesso à educação para todos.
Assim, o Brasil, como signatário da Declaração de 1948, já preconizava, na Constituição de 1988, o direito público subjetivo à educação para todos – inclusive para aqueles com algum tipo de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino – demonstrando suas relações políticas de âmbito internacional na formulação de políticas públicas brasileiras. Também, com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96, garante-se modificações curriculares baseadas nas potencialidades dos alunos públicos alvo da Educação Especial e, ainda, a organização de métodos e recursos para auxiliar na aprendizagem, de acordo com estas necessidades. No Art. 58, é apontado que a Educação Especial é "a modalidade escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para os educandos portadores de necessidades especiais" (BRASIL, 1996, p. 43) e este ensino deve proporcionar ao aluno possibilidades de sucesso em sua vida escolar e profissional (BRASIL, 1996).