Processo de Ensino Aprendizagem Musical no Projeto de Ação Social da Paróquia Nossa Senhora da Assunção: análise da experiência no campo de estágio supervisionado em Espaços Alternativos do Curso de Música - Licenciatura da EMAC-UFG
64Resumo
O presente relato de experiência tem como objetivo principal a análise crítica e reflexiva de como se desenvolveu o processo de ensino aprendizagem musical no projeto de ação social da Paróquia Nossa Senhora da Assunção, realizado na Casa São José. Tal projeto é fruto de uma parceria com a Universidade Federal de Goiás, em que os alunos de licenciatura em Música matriculados na disciplina de Estágio Supervisionado exercem suas atividades teórico-práticas em campo. A metodologia deste relato baseou-se na pesquisa etnográfica cuja ferramenta é a observação e a coleta de dados das aulas/ensaios durante o período de 4 (quatro) meses, somados à ministração de aulas teóricas e práticas de violão feitas pelos estagiários. Os dados coletados serviram de base para a percepção quanto à forma de ensino e aprendizagem aplicados pela Dra. Flavia Maria Cruvinel, professora adjunta da Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás-EMAC/UFG. Em virtude disso, a metodologia Ensino Coletivo de Instrumento Musical - ECIM, outrora proposta pela professora citada, contemplou de forma significativa e plausível no que se refere às necessidades presentes neste projeto de ação social da Paróquia Nossa Senhora da Assunção. Uma vez que, a metodologia ECIM garante a socialização do ensino, a interação social entre os alunos e democratiza o acesso do aluno no que tange à formação musical, ou seja, é uma ferramenta metodológica eficiente para o ensino musical escolar e para qualquer projeto que tenha como necessidade o Ensino Coletivo de Instrumento Musical. Essa metodologia de ensino fora desenvolvida pela professora Flavia Cruvinel e, ainda, pode-se acrescentar que houve um belíssimo desempenho da metodologia em pauta no referido campo de estágio.
Palavras-Chave: Educação Musical em Espaços Alternativos. Processo de Ensino- aprendizagem Musical. Ação Social pela Música por meio do Ensino Coletivo de Violão.
Introdução
O projeto de ação social por meio da Música na Paróquia Nossa Senhora da Assunção é um exemplo de como a Educação Musical pode transformar a vida das pessoas (CRUVINEL, 2005), uma vez que o projeto tem como finalidade o acesso e a musicalização de pessoas com baixa renda. Kater (2004, p. 44) afirma que: “É como decorrência da ampliação de perspectivas que as profissões evoluem, inaugurando novas situações de trabalho e avançando suas condições de contribuição social”. Desta forma, o autor explica que dentre as funções da educação musical têm-se a de favorecer modalidades de compreensão e consciência de dimensões superiores de si e do mundo, de aspectos muitas vezes pouco acessíveis no cotidiano, estimulando uma visão mais autêntica e criativa da realidade. Esta é uma educação musical humanizadora que esteve presente na Casa São José. Pois é por meio de uma formação musical como esta que os educandos poderão fazer leituras diferentes do mundo, que resultará em mudanças e transformações na forma de se observar, pensar questões cotidianas e olhar para o próximo.
65O processo de ensino e aprendizagem, segundo Lima e Stencel (2016, apud Gentil, 2017, p.1) orientar-se-á como um espaço de formação plural, dinâmico e multicultural, fundamentado nos referenciais didático-pedagógicos, de forma flexível e dinâmica, fazendo com que o educador inspire e contribua para o desenvolvimento das potencialidades do educando - buscando não só a aprendizagem musical, mas o aprofundamento na formação pessoal, social e profissional do aluno como ser humano. Este ambiente dinâmico e plural se fez presente, desde a estruturação das abordagens teórico-técnicas das aulas até a escolha dos repertórios a serem desenvolvidos pelos alunos do projeto. Portanto, o presente relato de experiência tem como objetivo a análise crítica e reflexiva de como se desenvolveu o processo de ensino aprendizagem musicais orientados e realizados pelos docentes e discentes, na Casa São José.
A relevância deste relato se dá mediante a existência de um projeto de ação social que terá como análise o processo de ensino aprendizagem aplicado a pessoas de baixa renda, muitas vezes com uma estrutura familiar disfuncional, em que existe a ausência do instrumento musical que será utilizado em aula, difícil acesso a formação musical, dentre outros empecilhos. Este relato de experiência tem o propósito de apresentar a abordagem metodológica que se desenvolveu e como esta produziu impacto tanto no processo de aprendizagem musical como na formação humanística dos alunos. Em virtude de a formação humanística dos cidadãos não ser prezada pelos atuais governantes, o projeto de ação social proposto pela Dra. Flavia Maria Cruvinel se destacou pela importância que uma formação crítico-reflexiva possui tanto para o corpo docente quanto do discente.
Desenvolvimento
O Estágio Supervisionado 2 da EMAC (Escola de Música e Artes e Cênicas) - UFG (Universidade Federal de Goiás) é um estágio que tem como objetivo principal a educação musical em espaços alternativos de ensino, visando a transformação social por meio do ensino coletivo de instrumento musical. A EMAC-UFG oferece 6 disciplinas de estágio obrigatórias e não remuneradas, estágios estes que possuem o propósito de uma formação crítico-reflexiva, discente, docente e humanizadora. O Estágio Supervisionado 2 é uma disciplina de 64 horas, em que se dividem em dois eixos temáticos formadores de 32 horas. O primeiro eixo temático é o estágio em sala de aula, que tem como alvo principal a leitura e discussão de textos que embasam a formação crítico-reflexiva do aluno. Textos que propõem ações no campo de estágio relacionando educação musical e transformação social, sempre pensando muito acerca da inclusão social e os processos de ensino aprendizagem. Foram lidos textos de diversos autores, entretanto, neste presente relato de experiência será dada ênfase aos textos de Carlos Kater, de Brito e o da professora Flavia Maria Cruvinel.
O segundo eixo temático, que consiste nas 32 horas restantes, é o estágio destinado ao campo. Fora um estágio discente-docente, porque além do acompanhamento individual, para corrigir postura e técnica, também fora dada a honra de os estagiários ministrarem algumas aulas. O estágio em campo tem como objetivo a promoção da relação aluno-professor, professor-aluno, a vivência do ensino aprendizagem em sala de aula e no presente caso a busca de uma formação que vai além da técnica instrumental. Por quê? Porque este estágio visava uma formação musical em um projeto de ação social e o propósito da educação musical neste ambiente é buscar uma formação humanizadora.
66Em ações junto a comunidades como esta é de fundamental importância distinguir sistematicamente a realidade que pressupomos ao conceber e planejar o projeto, do mosaico vivo de realidades que incessantemente reconstruímos em representação durante sua realização concreta. Isto implica em aceitar deliberadamente um grande desafio: desenvolver uma postura de trabalho que seja dinâmica e flexível, capaz de compatibilizar por um lado à atualização da imagem de realidade do projeto e a consequente aceitação de transformações do plano original e por outro uma relativa persistência, determinação e rigor em perseguir a meta e os objetivos fundamentais originalmente propostos (KATER, 1998, p. 114).
A oficina de violão é um projeto de ação social da Paróquia Nossa Senhora da Assunção, pertencente a uma parceria com a UFG, realizada na região do Campus Samambaia. A Paróquia possui vários projetos de ação social, como oficina de canto que também faz parte da mesma parceria com a UFG, cursos de capacitação/profissionalização, dentistas, fisioterapeutas com preços acessíveis etc. A oficina de violão fora realizada na Casa São José, que é uma casa adaptada para se realizar as ações sociais da Paróquia Nossa Senhora da Assunção.
A oficina foi realizada em uma área coberta da Casa São José, como é um ambiente adaptado para as aulas de violão, apresentou alguns problemas. Dentre eles, as salas não possuem cadeiras apropriadas para se tocar o instrumento, não possuem os banquinhos para apoiar o pé, tem aluno que não possui instrumento para estudar, é um ambiente que há muito estímulo sonoro advindo de outros ambientes, não possui refrigeração na sala, entre outros. Devido a isso, muitas vezes os alunos ficavam dispersos durante a aula por causa destes estímulos e isso acabava dificultando a dinâmica das aulas.
O estágio em campo também não apresenta um plano de curso estabelecido e o plano de aula ocorre de acordo com o andamento das aulas, partindo do processo de intervenção social por meio da quantidade de alunos inscritos na oficina e do perfil musical de cada indivíduo. Com isso, o planejamento pedagógico se dá de acordo com o perfil de cada aluno inscrito no semestre. Este planejamento estratégico adaptado às necessidades de cada aluno é corroborado por Koellreutter em Brito (2001, p.35), onde é proposto o ensino chamado de pré-figurativo, que orienta e guia o aluno, não o obrigando a sujeitar-se à tradição, valendo-se do diálogo e de estudos concernentes àquilo que há de existir ou pode existir, ou se receia que exista.
O autor mostra que é preciso partir da realidade do aluno e não da realidade do professor, pois é comum alguns professores basearem a partir de uma abordagem tradicional que preza extremamente o conhecimento, se esquecendo do diálogo e das circunstâncias em que partiram os alunos. Assim:
A educação musical deve considerar o estágio em que se encontram as nossas sociedades em virtude do desenvolvimento tecnológico e cientifico acelerados, em virtude dos problemas socioeconômicos, das diferenças culturais, dos interesses e modos de pensar das crianças e jovens, já que esse amplo e complexo quadro exige a revisão permanente do papel que a música tem a desempenhar na formação dos cidadãos (KOELLREUTTER, apud BRITO, 2001, p.37).67
O Estágio Supervisionado 2 teve a orientação e supervisão da professora Dra. Flavia Maria Cruvinel e professora Letícia Ramos de Oliveira Gentil Ferreira. A professora Letícia Ramos orientou todo o processo documental do estágio, supervisionou e orientou o estágio em campo por meio de sugestões pedagógicas e didáticas para as ações docentes. Já a professora Dra. Flavia Maria Cruvinel, que carrega uma grande bagagem experiencial de estágio em espaços alternativos e Ensino Coletivo de Instrumento Musical, ministrou a maior parte das aulas em campo, guiou a parte da correção de postura e técnica, deu oportunidade de regência aos estagiários, mostrou como chamar a atenção dos alunos do projeto e como desenvolver a motivação deles pelos estudos musicais.
A oficina de violão carregou uma proposta pedagógica baseada no Ensino Coletivo de Instrumento Musical - ECIM. É um ensino que promove uma ótima interação social entre os alunos, relação interpessoal, de competitividade (esta relação pode ser usada pelo professor como ferramenta de evolução), persistência nos estudos e desenvolvimento de elementos musicais que somente a prática em conjunto oferece. A metodologia ECIM é assumida no espaço alternativo para se adequar a proposta de ação social, porque se poderá alcançar uma quantidade grande de alunos em um curto intervalo de tempo semanal (somente 2 horas/aula). Cruvinel (2009) expõe que o ECIM pode ser uma importante ferramenta para o processo de socialização do ensino, democratizando o acesso do cidadão à formação musical e que tanto a musicalização como a formação instrumental inicial por meio do ensino coletivo pode ser uma metodologia eficiente para o ensino musical escolar.
A professora Flavia Cruvinel, em 2003, pesquisou acerca de quais seriam as vantagens pedagógicas que o ECIM poderia oferecer. Assim, algum tempo depois, foram constatados: “maior estímulo e rendimento pedagógico, aspecto lúdico, economia do professor, mudança de atitude do professor e dos alunos, interação social e democratização do ensino musical e transformação social” (CRUVINEL, 2009, p. 74). Portanto, fica nítida a importância do ECIM nos projetos de ação social e o desenvolvimento significativo que os alunos e os professores alcançam com esta metodologia de ensino.
Para a realização das aulas em campo foram utilizados alguns materiais pedagógico- didáticos, como violões, quadro, cadeiras e uma apostila organizada pela professora Flavia Maria Cruvinel. O processo de ensino-aprendizagem no decorrer do semestre fora bem didático e flexível, foi ensinado a técnica violonista erudita: técnica de mão direita, dedilhado com variações e músicas populares como Asa Branca e Trem Bala. Este processo de ensino que fora baseado no Ensino Coletivo de Instrumento Musical possuiu vários aspectos pedagógicos, neste presente relato serão listados os 12 aspectos que foram presentes no campo do estágio:
1) Ensino coletivo homogêneo e heterogêneo; 2) Professor-regente e professor-assistente; 3) Estudo dirigido; 4) Assistência manual; 5) Linguagem verbal direta; 6) Repetição constantes dos exercícios e trechos musicais; 7) Utilização do solfejo; 8) Atenção com a postura; 9) Escolha do repertório; 10) Estrutura da aula; 11) Perfil do professor; 12) Carga horária e duração (CRUVINEL, 2009, p.75).68
Todos estes aspectos pedagógicos do ECIM fazem parte da metodologia proposta pela professora Flavia Maria Cruvinel, metodologia de ensino desenvolvida por ela e aplicada com os os estagiários na Paróquia Nossa Senhora da Assunção, resultando em um belíssimo desempenho no campo de estágio. Vale ressaltar, que todo o processo de ensino-aprendizagem culminou em um recital no final do semestre, que demonstrando o resultado do esforço individual e em conjunto dos alunos, estagiários e professores.
Considerações Finais
Conclui-se que fora muito satisfatório o desenvolvimento de todos os alunos a despeito de todas as dificuldades apresentadas neste relato. A metodologia de Ensino Coletivo de Instrumento Musical proposta pela Dra. Flavia Maria Cruvinel satisfez de forma significativa e plausível as necessidades presentes neste projeto de ação social da Paróquia Nossa Senhora da Assunção. Os alunos finalizaram o semestre entendendo e executando alguns aspectos performáticos, como postura, técnica de mão direita e esquerda, posições de alguns acordes maiores e menores, leitura de partitura, exercícios técnicos, pauta, repertório etc.
A experiência no campo de estágio foi de total importância, tanto profissional como pessoal, porque o projeto de ação social mostrou que a música está muito além da performance. Retomando Kater (2004), “é como decorrência da ampliação de perspectivas que as profissões evoluem, inaugurando novas situações de trabalho e avançando suas condições de contribuição social”. Este estágio mostrou o papel de contribuição social que a música exerce com um caráter humanizador, transformador e formador do cidadão. Assim, foi percebido que os alunos além de compreenderem os aspectos técnico-musicais, devem ter uma formação humana, crítico-reflexiva e autônoma.
Referências
BRITO, Teca Alencar de. Koellreutter educador: o humano como objetivo da educação musical. São Paulo: Petrópolis, 2001.
CRUVINEL, Flavia Maria. O Ensino Coletivo de Instrumento Musical como alternativa metodológica na educação básica. In: ALCÂNTARA, Luz Marina de. O ensino da música: desafios e possibilidades contemporâneas. GRAFSET: Goiânia, 2009.
CRUVINEL, Flavia Maria. Educação Musical e Transformação Social: uma experiência com o ensino coletivo de cordas. Goiânia: Instituto Centro-Brasileiro de Cultura, 2005.
GENTIL, Letícia Ramos de Oliveira. Processo de aprendizagem musical no projeto revoada: analisando uma experiência em campo de estágio. Goiânia, 2017.
KATER, Carlos. O que podemos esperar da educação musical em projetos de ação social. Revista da ABEM. Porto Alegre, v. 10, 43-51, mar. 2004.
PIMENTA, Selma Garrido. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2011.
Notas
1. Graduando do curso de Licenciatura em Música/Educação Musical da EMAC-UFG.
2. Doutora em Educação, atualmente é professora Adjunta da Escola de Música e Artes Cênicas e Pró-Reitora Adjunta de Extensão e Cultura e Diretora de Cultura da UFG.
3. Graduada em Música – Licenciatura pela Universidade Federal de Góias, atualmente é professora substituta da Escola de Música e Artes Cênicas da UFG.
4. Textos-Base: O que podemos esperar da educação musical em projetos de ação social (Carlos Kater); Aprendendo a apreender do aluno o que ensinar (Teca Alencar de Brito); O ensino coletivo de instrumento musical como alternativa metodológica na educação básica (Flavia Maria Cruvinel).