VOLTAR À COLEÇÃO ISBN: 978-65-997623-7-6
Volume 3

Experiências Críticas de Ensino na Educação Básica:

Educação Sexual, Questões Étnico-raciais, Inclusivas e Ambientais

Reflexões sobre Educação Sexual na Escola: conceitos e abordagens

AUTORES
Rone Rosa Martins
Evandson Paiva Ferreira
19

1. Introdução

No ambiente escolar, crianças e adolescentes convivem, durante parte de seu dia, com colegas e servidores, cujos hábitos e experiências podem ser diferentes dos deles. De modo geral, as relações sociais e educativas que permeiam essa convivência podem intervir no modo de ser e agir dessas crianças. Educação Sexual é um tema a ser discutido nas escolas, dada a relevância de se descobrir essa realidade complexa. Apresentada como espaço de luta e anseios diante do processo de formação da educação básica, essa temática está alicerçada no currículo escolar. Os debates sobre Educação Sexual encontram-se permeados de perspectivas sociais, políticas e econômicas. Faz-se oportuno indagar se esses aspectos apresentam relação direta ou indireta e qual associação têm com a Educação Sexual no ambiente escolar.

Na escola, faz-se importante que ocorram intervenções efetivas quanto à sexualidade, mas a inserção dessa temática pode gerar conflitos; no próprio grupo de trabalho da escola - professores e técnicos administrativos – notam-se incertezas acerca das propostas de debates e reflexões sobre sexualidade no cotidiano e no planejamento das atividades pedagógicas.

Com maior ênfase e notoriedade, a partir de 2019, evidencia nas escolas um recuo quanto à realização de programas/ações sobre sexualidade. Propostas de implantação e diálogos foram ignoradas, retirando-se, inclusive, dos documentos de caráter normativo da educação, como a Base NacionalComum Curricular (BNCC), expressões, como: gênero e orientação sexual. Inicia-se, pois, a perseguição àqueles que defendem a implantação da Educação Sexual na escola.

Algumas questões, como as que se seguem problematizam este estudo, sendo: Quais são os conceitos de sexo, sexualidade e Educação Sexual? Quais são as abordagens da Educação Sexual e como se apresentam no ambiente escolar? Como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) orientam/normatizam questões relacionadas à sexualidade e à Educação Sexual?

Elencadas as questões que problematizam esta pesquisa, optou-se pela pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa como aporte teórico para a apresentação de conceitos e contexto histórico quanto à Educação Sexual no ambiente escolar. Teve-se por finalidade identificar e compreender de que os documentos oficiais, normativos e de orientação, como os PCN e a BNCC, dispõem acerca desse assunto.

A fundamentação teórica desta pesquisa tem como referencial as obras de autores, como: Foucault (2014; 2017) que discute a sexualidade segundo a interpretação do conceito de dispositivo, poder e relações de poder; Louro (2013; 2014) que se baseia na teoria Foucaultiana e também vê a sexualidade como constructo social e em permanente transformação; Figueiró (2010; 2014; 2020) que ressalta o valor da Educação Sexual para a construção do sujeito em uma abordagem emancipatória, entre outros autores.

Faz-se importante que a escola planeje suas ações de modo que o conhecimento ampliado sobre Educação Sexual possa acontecer, contribuindo para a formação continuada de profissionais à frente do processo de construção de conhecimento de crianças e adolescentes.

2. Conceito de Educação Sexual

A sexualidade compreende ampla conjunção de convicções, princípios, terminologias e classificações díspares, mas se inter-relacionam. Entre os termos adotados pelos pesquisadores da temática, habitualmente são citados sexo, sexualidade, orientação sexual e Educação Sexual. É essencial que haja reflexões, indagações e problematizações sobre os termos apresentados e como são usados nas instituições de ensino e fora delas.

20

Nunes e Silva (2006) afirmam que sexo é uma característica biológica, identificação genital e natural que distingue macho e fêmea. Em consonância, Guimarães (1995, p. 23) define sexo, similarmente, como uma origem natural, inata, hereditária e biológica, que identifica “[…] macho e fêmea, incluindo diferenças de anatomia, da fisiologia, da genética, do sistema hormonal”. Figueiró (2014) realça que, além da designação a partir da genitália, feita no nascimento, o termo sexo é empregue para caracterizar o ato sexual, a relação sexual entre as pessoas.

Foucault (2017, p. 71) evidencia que sexualidade é delineada de modo mais abrangente e complexo como dispositivo concebido por fatos históricos, sociais que podem demarcar discursos. Estes constituem normas e convicções, comedindo, regulando e controlando condutas, gerando “verdades”; que “[...] se constroem não apenas no biológico, mas principalmente no imaginário: a sexualidade se coloca não apenas no palpável, na ideologia subjacente aos padrões de normalidade, imposto na convivência social”.

Figueiró (2014, p. 02) menciona que o sexo compõe a sexualidade, mas ela perpassa a necessidade fisiológica. Inclui “[...] a afetividade, o carinho, o prazer, o amor ou o sentimento mútuo de bem querer, os gestos, a comunicação, o toque e a intimidade”. É importante realçar ainda concepções, normas e regras que cada povo possui acerca da conduta sexual sobre o corpo.

Outra expressão adotada ao se falar em sexualidade é “orientação sexual”. Tal como exposta nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a expressão é utilizada para definir como devem ser articulados os assuntos/conteúdos referentes à sexualidade na escola.

Entre as investigações e pesquisas nesse sentido não há uniformidade quanto ao uso do termo “Orientação Sexual” ou “Educação Sexual”. Segundo Figueiró (2010), são muitos os termos empregados para se falar de sexualidade na escola. Todavia, ela concorda com o posicionamento de Werebe (1998) que empregava, em seus textos anteriores a 1977, os termos “informação sexual” e “orientação sexual”; mas, posteriormente, decidiu pela utilização da terminologia Educação Sexual, por ser mais apropriada à dimensão que a temática demanda.

Figueiró (2010, p. 188) acredita que a expressão “Educação Sexual” seja mais pertinente, pois dá oportunidades a quem aprende de se sentir participante ativo do processo de construção do conhecimento. Desse modo, não diz respeito apenas ao ouvinte ou receptor de informações, tal como ocorre com o emprego da terminologia “orientação sexual” que dá destaque ao trabalho do professor.

Werebe (1998, p. 154) indica que optar pela utilização do termo “orientação sexual”, ainda que presente nos PCN, pode constituir desarranjo quanto aos conceitos, visto que “a expressão orientação sexual se presta a ambiguidades, podendo ser interpretada como orientação que a pessoa imprime à sua sexualidade, e que pode ser homossexual, heterossexual, bissexual ou [assexual]”. Neste estudo será empregado o termo “Educação Sexual” que Figueiró (2010, p. 10) define como,

[…] toda ação ensino-aprendizagem sobre a sexualidade humana, seja no nível do conhecimento de informações básicas, seja no nível do conhecimento e/ou discussões e reflexões sobre valores, normas, sentimentos, emoções e atitudes relacionadas à vida sexual.
21

A Educação Sexual é uma temática que não deve ser tratada de maneira isolada do processo de educação integral do sujeito e, sim, possibilitar a integração de experiências pessoais, frequentes, versáteis, a partir das quais o sujeito elege, percebe, entende e acolhe informações, associando-as ao conhecimento prévio. Aplica-as, inclusive, para elaborar novas informações guiando seus comportamentos e contribuindo para a mudança do meio em que está integrado (FIGUEIRÓ, 2014).

Figueiró (2014) definiu a classificação da Educação Sexual em duas categorias: Educação Sexual formal e Educação Sexual informal. A Educação Sexual formal é aquela que ocorre no ambiente escolar, em aula programada e estruturada com propósitos e objetivos. É algo organizado e com objetivos demarcados, programados. Pode acontecer também em casa e/ou outros ambientes, por exemplo, quando os pais e/ou alguém da família e/ou um adulto leem e conversam com as crianças usando uma revista, livro ou brinquedo/jogo que aborde a sexualidade (FIGUEIRÓ, 2014).

A Educação Sexual informal são os comportamentos dos adultos, conceitos, posicionamentos, letras de músicas, programas de TV, séries, revistas e jornais, ou seja: maneiras de agir em momentos não planejados, ocasiões em que não há objetivo demarcado e acontecem espontaneamente no cotidiano (FIGUEIRÓ, 2014).

A Educação Sexual, seja ela formal ou informal, coopera de modo direto para a formação do sujeito. Quando a escola, os pais e/ou responsáveis escolhem não se pronunciarem sobre o assunto também é uma maneira de se educar sexualmente; o silenciamento fortalece na criança a ideia de que é um conteúdo proibido e que não deve ser debatido ou indagado. Entonação da voz, expressões e feições são exemplos de comunicação que também podem ter significado nos pontos de vista da criança (FIGUEIRÓ, 2020).

3. Abordagens da Educação Sexual

A Educação Sexual constitui temática que deve compor os espaços de diálogos e reflexões na escola, buscando-se ações: revisar os métodos de trabalho e as atitudes dentro e fora da sala de aula; distinguir as concepções pedagógicas em que os profissionais da educação têm se empenhado; buscar a concretização de transformações significativas quanto à didática e à prática profissional.

Objetivando entendimento mais amplo da Educação Sexual como parte constituinte de transformação social, expõem-se as abordagens pautadas por Figueiró (2010): Abordagem Religiosa Católica (tradicional e libertadora); Abordagem Religiosa Protestante (tradicional e libertadora); Abordagem Médica, Abordagem Pedagógica e Abordagem Emancipatória.

As instituições religiosas influenciam e interferem na vida sexual das pessoas ao longo da vida. Sob uma perspectiva religiosa, a abordagem católica apresenta-se em duas linhas: a tradicional e a libertadora (FIGUEIRÓ, 2010).

A visão da Educação Sexual na abordagem religiosa católica tradicional relaciona a experiência da sexualidade ao amor de Deus e a submissão às normas da Igreja, com fundamentos nas decisões do Concílio de Trento. Possui como finalidade principal a preservação dos valores morais e o desenvolvimento das vivências espirituais. Associa o ato sexual ao amor pelo parceiro, ao casamento e à procriação. Reconhece que a única forma de viver uma aliança com Deus é mediante o matrimônio e/ou a virgindade/castidade.

22

Considera as informações referentes à sexualidade em segundo plano e tem como objetivo uma educação para a decência e o pudor, que “[…] busca promover o domínio de si, no educando, bem como as virtudes inerentes a esse domínio, que são: temperança, o respeito por si mesmo e pelos outros e a abertura ao próximo” (FIGUEIRÓ, 2010, p. 21).

Já a abordagem religiosa católica libertadora reconhece que a vivência da sexualidade está relacionada ao amor a Deus, como exposto na abordagem tradicional. Também está relacionada com o amor ao próximo. Traz por designo a conservação das perspectivas cristãs e a ponderação para a atuação na transformação social (FIGUEIRÓ, 2010).

A proposta libertadora considera os conhecimentos sobre sexualidade em uma conjuntura de diálogo, visando à consciência cidadã. Compreende a Educação Sexual como ato político, com empenho na transformação social (FIGUEIRÓ, 2010).

Assim como a Igreja Católica, o Protestantismo sempre se preocupou com a vida sexual de seus fiéis, orientando-se inclusive por princípios semelhantes em algumas situações. A abordagem religiosa protestante se fraciona em tradicional e libertadora (FIGUEIRÓ, 2010).

A abordagem protestante tradicional nutre a concepção da educação para a castidade/virgindade. O prazer só é permitido dentro do casamento, é contrária ao aborto, a práticas homossexuais, relações fora do matrimônio e à masturbação. Tem como sinônimo de certo e errado os textos bíblicos, sem contextualização com o que ocorre nos dias de hoje na sociedade (FIGUEIRÓ, 2010).

A abordagem religiosa protestante libertadora diverge das regras morais firmadas nos textos bíblicos sem contextualização, pois impossibilita o sujeito de desfrutar sua sexualidade e estabelece um sentimento de culpa. Ela estimula o cristão ao pensamento crítico, isto é, à autocrítica voltada à transformação da sociedade na qual está integrado (FIGUEIRÓ, 2010).

Em síntese, pode-se assegurar que tanto as abordagens católicas quanto as protestantes apresentam características parecidas, senão idênticas; a divergência entre elas, seja na abordagem tradicional ou libertadora, reside no seguinte entendimento: nas abordagens protestantes os direcionamentos são feitos, exclusivamente, de acordo com o definido na Bíblia; já nas abordagens católicas, além da bíblia, têm-se como parâmetros documentos oficiais vindos do Vaticano (FIGUEIRÓ, 2010).

Foucault (apud Giami, 2005, p. 10) expõe a relação que a Igreja possui com a sexualidade de seus fiéis, aproveitando-se de preceitos religiosos; aqui o autor se refere à igreja católica; no entanto, as abordagens religiosas do protestantismo também trazem semelhanças quanto a suas práticas, em dadas épocas, com expressões e nomenclaturas distintas, mas com o designo análogo para o domínio dos corpos.

Figueiró (2010) salienta que a sexualidade representada em abordagem médica tem destaque nas práticas terapêuticas para intervenções nos desarranjos sexuais, apreensões e inquietudes. Ela visa a compreender a influência dos pontos pessoais, familiares, sociais e culturais que podem intervir de maneira positiva ou negativa na sexualidade do sujeito, buscando meios para superá-los.

A abordagem médica aponta viabilidades para garantir e proteger os direitos sexuais e melhorar a vida sexual das pessoas e/ou dos casais. Ela procura, em especial, possibilitar informações, por meio de programas de saúde pública, referentes aos direitos sexuais e reprodutivos, bem como à saúde sexual individual e coletiva (FIGUEIRÓ, 2010).

23

Foucault (2017) distingue que a medicina se manifesta como mais um dispositivo empregado para o controle dos corpos, conduzindo como deveria ser vivida a sexualidade dos sujeitos, com foco em uma visão higienista e moralizante. Nesse período, compete atentar para a atribuição de histeria às mulheres que possuíam conduta sexual não-equivalente ao modelo sexual cristão hegemônico da época. Comumente, eram rotuladas com expressões, como: “mulher "nervosa"” e/ou “sofrendo de "vapores"” (FOUCAULT, 2017, p. 131). Todos esses assuntos e outros a eles associados são análogos a projetos moralizantes da sociedade da época e que ainda refletem nos comportamentos da sociedade atual.

A Educação Sexual também pode ser descrita sob uma abordagem pedagógica, pois compõe a educação formal e o processo de ensino aprendizagem do indivíduo construído, igualmente, nas escolas. Essa perspectiva preza pelo trabalho de mediação de conhecimentos sobre sexualidade, facilitando o debate quanto aos valores, atitudes, tabus e preconceitos que ocorrem dentro e fora das instituições de ensino (FIGUEIRÓ, 2010).

Por sua vez, a abordagem emancipatória, segundo Figueiró (2010), reconhece a imprescindibilidade dos conhecimentos científicos sobre sexualidade, considerando as perspectivas psicológicas e afetivas para que o sujeito conviva bem com sua sexualidade. Desse modo, a abordagem emancipatória abarca a abordagem pedagógica, mas a perpassa, pois tem comprometimento com a transformação social, na luta contra preconceitos e tabus, não apenas de um sujeito, mas de todos.

A abordagem emancipatória da Educação Sexual visa a cooperar com a reflexão das transformações sociais que intervêm nos padrões e normas sexuais interligados à organização social, política, econômica e cultural da sociedade.

Uma Educação Sexual emancipatória procura envolver-se em lutas coletivas, em ações de colaboração entre os indivíduos, buscando melhor convivência e interação social. De igual modo, procura viabilizar a tolerância e o reconhecimento da pluralidade, compreender a importância de se inquietar em relação às repreensões e autorrepreensões ligadas à sexualidade, possibilitando reflexões filosóficas e ideológicas.

4. Sexualidade e a Educação Sexual nos PCN e na BNCC

A elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) deu-se com o propósito de que o sistema educacional fosse estruturado por um currículo único em todo o país. Assim, esse documento revela-se como possibilidade de direcionamento à construção das matrizes curriculares da educação, atuando em toda a educação básica, isto é, da educação infantil ao ensino médio.

Em 1995 foi elaborando um documento preliminar dos PCN para a apreciação da população, mas somente em 1997 foi divulgada a primeira versão oficial dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Nos volumes destinados aos temas transversais, dar-se-á destaque aqui, como foco essencial deste estudo, o tópico denominado Orientação Sexual. Esse termo foi utilizado à época da concepção do documento, apesar de, como afirma Figueiró (2010), o termo mais adequado ser Educação Sexual.

24

Especificamente nos PCN dos anos finais do Ensino Fundamental, o tópico orientação sexual aponta que algumas temáticas devem ser abordadas, tais como: o início da atividade sexual, virgindade, namoro, homossexualidade, procriação, aborto, masturbação, pornografia e outras. Esses assuntos são citados somente nos PCN das séries finais do Ensino Fundamental. De acordo com o documento orientador, os alunos apresentam a necessidade desses diálogos e já possuem maturidade adequada, no que diz respeito à sexualidade, para problematizar e refletir sobre esses temas. Mas cabe a reflexão quanto ao argumento da maturidade, pois ela não é algo que se concebe somente com o passar do tempo e o progresso nas séries ou da idade; ela é estruturada socialmente e por intermédio da inserção desses temas desde o nascimento das crianças, pelos pais e/ou responsáveis e, no ambiente escolar, desde seu ingresso; a partir desse momento, a criança terá ligação com o tema de forma contínua, gradual e de acordo com a idade. Caso isto não ocorra, esses temas poderão ser entendidos como inadequados ao diálogo nas escolas, independente de série ou faixa etária.

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais direcionados ao Ensino Médio, não há um ponto específico que discuta a sexualidade e/ou Educação Sexual no ambiente escolar. Todavia, há o uso de termos mencionados nos volumes das disciplinas específicas, por exemplo: “igualdade entre os sexos” (BRASIL, 2000, p. 15), “atitudes sexistas” (BRASIL, 2000, p. 161), “sexualidade, um exercício de liberdade responsável” (BRASIL, 2000, p. 63). Nota-se que a temática sexualidade é sutilmente expressa nos documentos e, implicitamente, os professores terão maior respaldo nas diretrizes dirigidas às outras etapas da Educação Básica, caso queiram trabalhar temáticas nessa área.

Os PCN expõem pontos positivos, como a viabilidade de a Educação Sexual poder ser trabalhada durante todo o período letivo e não apenas em ações eventuais, por pessoas que, embora afastadas do meio escolar, tenham competência e habilidade quanto às concepções biológicas e também sociais e culturais. Ainda que não vivenciem a realidade do contexto particular da escola e não tenham proximidade com as crianças, essa relação auxilia o processo de construção do conhecimento e a segurança em abordar assuntos considerados polêmicos.

A interdisciplinaridade indicada pelos PCN, por se tratar de um documento de orientação sem cunho obrigatório, pode ter aplicabilidade ou não no ambiente escolar. A maneira interdisciplinar de trabalhar essa temática constitui um ponto a ser analisado, pois os educadores de áreas não-afins às disciplinas das áreas de ciências e biologia podem não se comprometer a trabalhar os conteúdos. Estes não estão recomendados nos livros, currículos e documentos normativos; incubem-se desse tema unicamente os professores

O ESP se fortaleceu e colaborou para que, em 2014, na construção do Plano Nacional de Educação (PNE) e consequentes Planos Estaduais de Educação (PEE) e Planos Municipais de Educação (PME) fossem suprimidas de seus textos, expressões, como: gênero, diversidade sexual e orientação sexual. Por certo, isto refletiu na elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Louro (2014) destaca o valor de se trabalhar a Educação Sexual na escola, pois o ambiente escolar, não somente apresenta abordagens de gênero e sexualidade da sociedade, mas constrói essas concepções. Mesmo que não sejam trabalhadas metodicamente mediante atividades e reflexões coerentes, fundamentadas pela ciência, fora do senso comum, a “sexualidade está nos comportamentos e nos princípios presentes na escola” (LOURO, 2013, p. 25).

25

Na BNCC aprovada em 2017, termos relativos à Educação Sexual estão dispostos somente no componente curricular de Ciências, em específico no oitavo ano do Ensino Fundamental, em que fortalece a perspectiva voltada à visão médica e higienista da sexualidade, com indicações, como: “compreender a organização e funcionamento do próprio corpo”, “interpretar as mudanças físicas e emocionais”, “autocuidado com seu corpo e respeito com o corpo do outro”, “esclarecimento sobre doenças”, entre outros referentes à anatomia e fisiologia humana (BRASIL, 2017, p. 235). Cabe distinguir que essas abordagens são imprescindíveis, mas não de forma isolada; elas devem estar correlacionadas às amplas perspectivas que a sexualidade abrange.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) indica que devem ser trabalhados os diversos aspectos da sexualidade - “biológico, sociocultural, afetivo e ético”. Este é, contudo, um ponto frágil, pois as demais habilidades recomendadas na Unidade Temática têm como concentração somente aspectos referentes à questão biológica. Deixa, pois, o professor sem subsídios para atuação quanto à abrangência da sexualidade. Não há diálogos entre as habilidades para que o professor se sinta seguro e encontre direção para o planejamento de sua prática pedagógica.

O silenciamento às temáticas de gênero é outra questão que precisa ser observado na BNCC, vez que as reflexões quanto aos papéis de gênero não constam do documento oficial. Vê-se aqui um ponto sensível, pois, se esse assunto não é posto em um documento dessa relevância, por certo, ele não integrará as matrizes curriculares que coordenarão o processo de ensino na educação brasileira. Essa ausência de referências específicas pode propiciar o não-debate, bem como a problematização da continuidade e a reprodução de preconceitos e discriminações.

Em síntese, a BNCC limita a sexualidade e a Educação Sexual ao viés biológico, pautando-se apenas nos cuidados quanto às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s) e gravidezes na adolescência. Destarte, reforça a abordagem médica e higienista para redução de problemas de saúde pública. O documento suprime ou aborda de maneira ampla temáticas como questões de gênero e preconceito. Por certo, isto provocará também o silenciamento desses pontos nos livros didáticos e paradidáticos, cursos de formação continuada dos professores e demais profissionais da educação, matrizes curriculares e práticas pedagógicas. Não é simplesmente a não-existência de um termo em um documento oficial; são os desdobramentos que esse silenciamento terá, afetando todo o sistema de ensino e a formação dos sujeitos.

Embora os PCN evidenciem questões a serem aperfeiçoadas, de modo geral, eles norteiam por meios mais assertivos as questões da sexualidade, particularmente, no âmbito da interdisciplinaridade. Presumem-se avanços quanto à abordagem da sexualidade em documentos oficiais e políticas públicas, mas nota-se também que, desde a construção dos PCN (1997/1998) à promulgação da BNCC (2017), ocorreram mais retrocessos do que progressos. Aqueles podem ter ocorrido por uma visão baseada no controle e regulação por parte do governo, aliado a grupos conservadores e tradicionais.

A Educação Sexual nas escolas é essencial para a formação de sujeitos com atitudes desprovidas de discriminações e preconceitos e, inclusive, saibam lidar com seus sentimentos, sensações e vivências à mercê de discursos moralizadores e controladores.

26

5. Considerações finais

A Educação Sexual ainda é causa de estranhamentos e inquietações por parte de professores e de toda a equipe escolar. Porém, é significativo que esses sujeitos, de maneira geral, a legitimem como importante para o desenvolvimento das crianças e adolescentes, bem como desenvolvam métodos e estratégias para que o ambiente escolar seja propício à reflexão e ao diálogo de maneira contínua e sistemática.

Para propiciar a construção de metodologias e selecionar conteúdos acerca da Educação Sexual, a priori, é fundamental que os professores e a equipe escolar tenham bem delineados os conceitos que integram o assunto. É fundamental que estejam conscientes do papel que essas temáticas podem representar na vida dos alunos e que a escola possa cooperar de maneira significativa para processo de formação do sujeito.

A sexualidade deve ser percebida a partir do meio em que o ser humano se insere e não de maneira isolada, marcada somente por questões biológicas, com conceito restrito e fechado. Ela inter-relaciona com fatores sociais, políticos, históricos, econômicos, culturais, psicológicos e está integralmente ligada às relações de poder, de dominação, de disciplina e de controle.

Para a compreensão do que é Educação Sexual é importante conhecer o conceito de sexo e compreender que a sexualidade vai além do envolvimento de corpos. Ela envolve o imaginário, é um invento social que se estabelece a partir da criação de “verdades”. Estas são produzidas a partir de discursos que regulam, normatizam a sexualidade e também envolvem a afetividade, o prazer, o respeito, a intimidade e a comunicação.

Educação Sexual é todo o processo de ensino-aprendizagem direcionado a estudos e reflexões acerca da sexualidade humana, de modo a integrar as questões biológicas e físicas a fatores sociais, culturais, históricos, entre outros, pois fazem parte do processo global de formação dos sujeitos.

A Educação Sexual pode ser percebida a partir de abordagens religiosas, médicas, pedagógicas e/ou emancipatórias. As abordagens não atuam de maneira isolada, podendo ser entremeadas; isto decorrerá do meio em que o sujeito está inserido. A abordagem emancipatória é a abordagem indicada para se trabalhar na escola; ela contribui para o diálogo e a reflexão da sexualidade relacionada às transformações sociais que influenciam os padrões estabelecidos pela sociedade. Por sua vez, esses padrões são relativos à estruturação social, econômica e cultural.

A Educação Sexual ocorre em espaços distintos e se priva de tratar assuntos relacionados a ela. A escola não a excluirá ou mesmo dissipará sua existência. O espaço escolar, além de experienciar, em vários momentos, questões relacionadas à sexualidade, ele mesmo produz as convicções de gênero e sexualidade que permeiam a sociedade.

A história da Educação Sexual é permeada de interesses diversos, principalmente na área da saúde. Com o intuito de prevenir infecções/doenças que acometeram e ainda acometem a sociedade, ela é adotada como meio de controle dos corpos, seja pela igreja, seja pelo governo.

Em um contexto de epidemia do HIV/AIDS, no Brasil, são preparados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) abordando orientações sobre outras questões relacionadas à amplitude da Educação Sexual. Este seria um período significativo para pesquisas e desenvolvimento de ações nessa área. Porém, apesar de alguns progressos nos últimos anos, em razão de uma onda conservadora, a Educação Sexual volta a ser posta como assunto a não-ser tratado nas escolas, o que se pode averiguar na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

27

A BNCC apresenta uma redação em que os termos/expressões relacionados/as à diversidade sexual e gênero são excluídos. Por conseguinte, não irão compor os currículos e materiais didáticos. Isto se desenha como ação planejada com o objetivo de impedir reflexões e abordagens de questões relacionadas à sexualidade na escola.

A Educação Sexual deve ser uma ação contínua e sistemática, iniciando-se na infância e permeando toda a vida dos sujeitos. Compreender o que é sexualidade, gênero, respeito ao próprio corpo e ao corpo do outro, afeto, carinho e outros temas que envolvem a sexualidade colabora para a formação dos sujeitos com visão ampla. Ademais, possibilita meios para o rompimento de preconceitos e tabus, com vistas às mudanças de comportamentos que o conhecimento pode oferecer.

6. Referências

BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Curriculares Nacionais:1ª a 4ª séries. Brasília, DF: MEC,1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/pnld/195-secretarias-112877938/seb-educacao-basica-2 007048997/12640-parametros-curriculares-nacionais-1o-a-4o-series. Acesso em: 10 jan. 2019.

______. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Curriculares Nacionais: 5ª a 8ª séries. Brasília, DF: MEC,1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/pnld/195-secretarias-112877938/seb-educacao-basica-2%20007048997/12640-parametros-curriculares-nacionais-1o-a-4o-series. Acesso em: 10 jan. 2021.

______. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília, DF: MEC, 2000. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/programa-saude-da-escola/195-secretarias-112877938/ seb-educacao-basica-2007048997/12598-publicacoes-sp-265002211. Acesso em: 10 jan. 2011.

______. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base. Brasília: MEC/CONSED/UNDIME, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 27 jul. 2021.

FIGUEIRÓ, Mary Neide Damico. Educação sexual: retomando uma proposta, um desafio. Londrina: EDUEL, 2010.

______. Formação de Educadores Sexuais: adiar não é mais possível. 2.ed. Londrina: EDUEL, 2014.

______. Conquistas e desafios das educadoras e educadores atuantes em Educação Sexual: subsídios para a formação docente. Revista Brasileira de Sexualidade Humana, v. 30, n. 1,2020.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 42ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2014.

______. História da sexualidade: A vontade de saber. 6. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2017.

GIAMI, Alain. A Medicalização da Sexualidade. Foucault e Lantéri-Laura: História da Medicina ou História da Sexualidade? PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, v.15, n.2, p.259-284. Rio de Janeiro, 2005.

GUIMARÃES, Isaura. Educação Sexual na Escola: mito e realidade. Campinas: Mercado de Letras, 1995.

LOURO, Guacira Lopes. Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação.9. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2013.

______. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 16. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2014.

NUNES, César; SILVA, Edna. A educação sexual da criança: subsídios e propostas práticas para uma abordagem da sexualidade para além da transversalidade. Campinas: Autores Associados, 2006.

WEREBE, Maria José Garcia. Sexualidade. 1.ed. Campinas: Editora Autores Associados, 1998.

CONTATOS
Rone Rosa Martins •
Universidade Federal de Goiás (UFG) •
ronerosamartins@ufg.br
Evandson Paiva Ferreira •
Universidade Federal de Goiás (UFG) •
evandson@ufg.br