Governo Federal República Federativa do Brasil Ministério da Educação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Universidade Federal de Goiás

EM DEFESA DO DIREITO À EDUCAÇÃO ESCOLAR:

DIDÁTICA, CURRÍCULO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM DEBATE

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SEÇÃO 1
AUTORAS Marlene Ribeiro da Silva Graciano • Cristina Helou Gomide
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Políticas Educacionais: o Ensino Médio no Brasil – Avanços e Retrocessos

Este estudo texto tem como objetivo analisar as atuais políticas educacionais, especialmente a Lei n. 13.415/2017 e suas relações com políticas anteriores, que normatizam e orientam a Educação Básica em seus diferentes níveis, buscando levantar avanços ou retrocessos no direito de todos à educação ministrado em igualdade de condições, garantido desde a Constituição de 1988 e referendado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), Lei n. 9.394/1996.

O Art. 3º da carta magna, estabelece que o ensino será direito de todos à educação e oferecido em condições de igualdade: isso é um fato real em todos os níveis da Educação Básica? Quais os avanços e retrocessos advindos das políticas educacionais posteriores à Constituição de 1988 e à LDB, na garantia deste direito nos diferentes níveis da Educação Básica?

Outras questões elencadas por Sacristán (1988) na reflexão sobre o currículo também são relevantes a este estudo: que objetivo o ensino em determinado nível visa? Quem está autorizado a participar das decisões do conteúdo da escolaridade e a quem e a quê estes conteúdos interessam? Como articulá-los de forma coerente para o aluno? Que processos incidem e transformam as decisões tomadas na prática real? Como o poder público federal buscou o convencimento da população com relação à recente Reforma do Ensino Médio por meio das propagandas televisivas?

Nesse sentido, intentando problematizar tais questionamentos, nos ocupamos em analisar o Ensino Médio no Brasil.

Ensino Médio – avanço ou retrocesso no direito à educação básica.

Para analisar se houve avanço ou retrocesso no direito à educação básica no Ensino Médio com a MP746/2016, convertida na Lei 13.415/17 que torna a formação profissional compulsória na rede pública, necessário se faz retomar as principais leis destinadas a esta modalidade neste nível de ensino. Martins; Czernisz (2016) e Dore e Lüscher (2011) fazem um resgate histórico da educação profissional no Brasil.

Segundo Martins e Czernisz (2016) a profissionalização pode ser encontrada com o estudo profissional agrícola promovido pela Companhia de Jesus desde os anos de 1556. No período colonial, criou-se um tipo de ensino para formar mão de obra para o trabalho, os artífices para as oficinas, fábricas e arsenais, separado do secundário e do superior, dando início à dualidade no ensino ao oferecer a educação intelectual para a elite e as escolas de primeiras letras para as massas populares (MANFREDI, 2002 apud MARTINS; CZERNISZ (2016).

Dore e Lüscher (2011) também reconhecem a dualidade de objetivos e de organização na escola média brasileira desde 1930 aos dias atuais. De um lado a formação geral para dar continuidade aos estudos no nível superior, por outro, a formação profissional para atuação imediata no mercado de trabalho. As autoras afirmam que se verifica um revezamento de perspectivas que ora unificam, articulando a formação geral com a técnica, ora dissociam, sem, no entanto, conseguirem resolver esta dualidade que esteve presente em todas as reformas.

A dualidade entre formação geral e técnica persistiu nas Leis de Diretrizes e Bases para a Educação Brasileira para o Ensino Médio. A Lei 4014/61 promoveu a equivalências entre cursos técnicos e o curso secundário como forma de acesso aos cursos superiores, no entanto, a dualidade curricular persistiu. Esta equivalência foi substituída pela obrigatoriedade da habilitação profissional para todos os alunos do 2º grau, atendendo às demandas do mercado de trabalho (KUENZER, 2001), ditada pela Lei 5.692/71.

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Esta medida gerou grande insatisfação no segmento social da classe dominante, que pressionou e conseguiu que a educação propedêutica voltasse a ser oferecida separada da formação técnica com a promulgação da Lei n° 7.044/82 e pelo Decreto nº 2.208/07, que desobrigam a formação profissionalizante no 2º grau re-estabelecendo a dualidade entre a formação propedêutica e a profissional.

A dualidade entre formação propedêutica e profissionalizante é reafirmada na atual LDB 9.394/96 nos artigos 39 e 42 ao desobrigar o Estado de custear a educação profissional. Esta medida é reforçada pelo Decreto Federal 2.208/07, à Medida Provisória 1.549/97 e à Portaria 646/97, que estabelecem as bases para a reforma do ensino profissional, re-estabelecem a dualidade entre educação geral e profissional em sistemas e redes distintos ao prever a organização curricular da educação profissional de nível técnico poderia ser oferecida de forma concomitante ou seqüencial ao Ensino Médio, portanto independente deste nível de ensino.

Segundo Martin e Czernisz (2016), com o Decreto 2.208/97 os cursos técnicos profissionais rápidos e direcionados às necessidades do mercado de trabalho passaram a ser oferecidos por instituições particulares desvinculados da educação básica, fazendo com que, por necessidade, os jovens de baixa renda optassem por estes cursos e desistissem da formação geral, acentuando com isso, a divisão de classes. A partir deste decreto, as políticas públicas têm estreitado parcerias com a sociedade civil reforçando ainda mais a privatização da educação profissional e a precarização da formação educativa ao desvalorizar o conhecimento científico. Este fato atende, obviamente, aos interesses do setor produtivo por formar os trabalhadores de forma mais rápida para o mercado de trabalho e também aos interesses governamentais, ao diminuir a demanda pelo Ensino Superior.

O Decreto 2.208/97 também foi um decreto que gerou grandes embates teóricos e críticos e muitas lutas sociais nos anos 80, pela redemocratização do país. Os docentes e servidores técnico administrativos dos então CEFET’s, atuais IF’s, realizaram grandes movimentos, incluindo greves de longa duração, visando combater esse decreto. A insatisfação com a formação técnica no modelo fordista e taylorista centrados na especialização e segmentação do processo produtivo não atendia as exigências do mercado no final do século passado, que exigiam formação geral com base científica e tecnológica.

Neste contexto e como forma de reduzir a dualidade curricular e articular o Ensino Médio ao técnico surge o Decreto 5.154/04, que cria a modalidade integrada para o Ensino Médio e procura expandi-la na rede federal de ensino, visto que 55% das matrículas ainda se encontravam na rede particular de ensino.

A modalidade integrada oferece a formação básica integrada à profissional concomitantemente. Espera-se que esta formação integrada seja desenvolvida na concepção de formação omnilateral como ressalta Ramos (2005) pois, sob outra concepção não atende aos propósitos almejados e sim à formalidade das leis.

O Decreto 5.154/04 parece ter trazido avanços à educação profissional ao possibilitar novamente uma base nacional comum com a integração entre ensino médio e educação profissional. Mas, como ressalta Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, apud MARTIN E CZERNISZ (2016) várias análises apontam que as mudanças estruturais necessárias ao pleno desenvolvimento desta modalidade não foram feitas, comprometendo assim os seus propósitos e eficácia.

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Na visão de Kuenzer (2007) o Decreto 5.154/04 poderia dizimar a dualidade estrutural entre formação geral e profissional de qualidade se o governo tomasse para si a oferta pública da educação profissional, no entanto, este decreto não revogou os interesses mercadológicos beneficiados por políticas anteriores como Lei 5.692/71, Decreto 2.208/07, MP 1.549/97, Portaria 646/97 e, diante da falta de oferta de cursos na rede pública, as instituições privadas que oferecem uma variedade de cursos se fortalecem ao receber financiamento do governo para atender as necessidades do mercado.

Portanto, esta medida não traz grandes mudanças ao cenário do ensino médio, visto que as condições de acesso, permanência, desempenho escolar e evasão dificultam o acesso dos alunos à formação técnica, seja na forma concomitante ou sub seqüente ao ensino médio (MARTIN; CZERNISZ, 2016).

Na visão de Martin e Czernisz (2016, p. 15) esta revisão do Ensino Médio para acabar com a dualidade estrutural é necessária e urgente, visto que, “da forma como está estruturado (...), não está preparando os alunos para a inserção na universidade, nem “qualificando-os” para o mercado de trabalho”.

É o que vem acontecendo com a Reforma do Ensino Médio proposta pela Lei 13.415/2017, que conta com uma grande campanha publicitária em todas as mídias para que a população veja com bons olhos a reforma e não questione as ideologias da classe dominante que subjazem esta lei.

As atuais políticas direcionadas ao Ensino Médio são representadas pela Medida Provisória 746/2016, convertida na Lei 13.415/2017 que traz as seguintes alterações à organização deste nível de ensino, até então normatizado pela LDB 9.394/96, Medida Provisória 1.549/97, Portaria 646/97 e Decreto 2.208/07.

  • Art. 24 § 1º: Ampliação da carga horária no ensino médio de 800 para 1.400 horas, de forma progressiva sendo que a partir de 2017 já deverá oferecer no mínimo 1000 h e concluir a progressão para 1.400horas no período de 5 anos.
  • Art. 24 § 2º: A BNC do ensino médio deverá incluir obrigatoriamente “estudos e práticas” de educação física, arte, sociologia e filosofia.
  • Art. 35 em seus vários parágrafos: Flexibilização curricular, tornando a Língua Portuguesa, Matemática e Inglês obrigatórias. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) será composta pelas seguintes áreas do conhecimento: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas, formação técnica e profissional. A parte diversificada deverá se harmonizar com a BNCC e com o contexto sócio-histórico-cultural.

Pergunta-se: por que não disciplinas? Como será estruturado e garantido o tempo e espaço para o seu desenvolvimento no currículo escolar? Passarão a ser desenvolvidos como os temas transversais, em momentos estanques ou simplesmente não irão acontecer? Com a atual configuração, o trabalhador está contemplado, ou em que medida está contemplado?

  • Art. 3o, § 5º: A carga horária destinada a BNCC não poderá exceder 1800 horas das 2.400 destinadas ao Ensino Médio, “de acordo com a definição dos sistemas de ensino”.
  • Art. 3o, § 7o: Os currículos do Ensino Médio deverão considerar a formação integral do aluno.

Se o sistema de ensino definir por uma carga bem menor, priorizando a formação técnica para atender ao mercado de trabalho, prejudicando a formação básica, isso não contraria a orientação para a formação integral prevista do Art. 3º § 7º da referida lei?

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  • Art. 4o altera o artigo 36 da LDB que passa a vigorar como: O currículo do ensino médio será formado pela BNCC e por “itinerários formativos” por meio de “diferentes arranjos curriculares”.
  • De acordo com o § 3º do Art. 4o da Lei 13.415/2017 também caberá aos critérios dos sistemas de ensino compor o “itinerário formativo integrado” com componentes da BNCC e dos itinerários formativos.

O que representará na prática, em contexto real, esta indefinição nas orientações curriculares? Cada sistema de ensino faz a seu modo e de acordo com seus interesses e sua estrutura ou a falta dela?

  • Art. 4o, § 5o A possibilidade do aluno cursar mais de um itinerário formativo “mediante disponibilidade de vagas na rede”.

No contexto geral de contenção de custos, será garantido o direito do aluno se formar em outra área ou a disponibilidade de vagas justificará a redução do direito à formação básica em igualdade de condições?

  • Art. 4o, § 6o Também a critério do sistema de ensino, a formação com ênfase técnica e profissional considerará vivências práticas de trabalho no setor produtivo, poderá ser desenvolvida na própria instituição ou por meio de parcerias com outras instituições.

Esta parceria não seria para reduzir investimentos nas escolas em sua estrutura física como laboratórios e aprofundar a política neoliberal de financiamento das instituições privadas e do segmento industrial e\ou comercial por meio de parcerias como no Decreto 2.208/97?

As parcerias com outras instituições atendem a interesses mercadológicos das instituições privadas como no Decreto 5.154/04, que segundo Kuenzer (2007) não revogou os interesses das políticas anteriores como Lei 5.692/71, Decreto 2.208/07, MP 1.549/97, Portaria 646/97.

  • O ensino médio poderá ser organizado em módulos. Este fato poderá motivar os alunos que concluirão em menos tempo cada etapa de sua formação, mas poderá também fragmentar ainda mais os componentes curriculares reforçando a dualidade curricular impedindo a integração tão almejada.
  • Art. 4o § 12. Caberão às escolas orientar os alunos na escolha das áreas de conhecimento a serem cursadas ou de atuação profissional.

Novamente, o questionamento: as escolas públicas brasileiras estão preparadas para esta orientação? Têm estrutura? Quais serão os parâmetros? Atendendo a interesses de quem?

  • Reconhecimento do notório saber para o processo de ensino na formação técnica e profissional.
  • Art. 13. Instituição da Política de Fomento e apoio financeiro à implantação de escolas de ensino médio integral no prazo de 10 anos.

Como já apontado por Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) em referência ao Decreto 5.154/04 que instituía a modalidade integrada, a falta de mudanças estruturais necessárias ao pleno desenvolvimento desta nova política poderá comprometer seus propósitos.

O Art. 13 da nova Lei 13.415/17 reafirma os artigos 39 e 42 da LDB 9.394/96 que desobrigam o Estado de custear a educação profissional, o que é muito conveniente ao Estado e atende aos preceitos da política neoliberal ao tornar a educação uma mercadoria que favorece as instituições privadas. Se a população quer um tipo de educação, que não a oferecida pelas redes públicas, terá que comprar das instituições privadas.

Constata-se, pois, nas recentes mudanças propostas pela Lei 13.415/17 que, dentre várias reformulações propostas, algumas como flexibilização curricular, itinerários formativos, módulos, parcerias com outras instituições reforçam ainda mais a dualidade curricular tecnicista ao fragmentar e hierarquizar o conhecimento científico, além de atender a um modelo de educação pensado pelas e para o mercado de trabalho, em uma perspectiva do empresariado.

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Nesse sentido, como ressaltou Kuenzer (2007) as políticas públicas propõem às escolas o desenvolvimento de competências necessárias à realização de tarefas práticas, não valorizam o desenvolvimento científico.

Também nesta perspectiva, Gimento Sacristán (1998) afirma que além dos conhecimentos próprios de cada disciplina é preciso considerar também como conteúdo habilidades específicas a serem desenvolvidas e necessárias para que o aluno continue aprendendo ao longo da vida, ou seja, o método, os processos de pensamento no ato de aprender, os valores relacionados ao conhecimento em estudo, a inter-relação com a vida real, enfim, atitudes favoráveis à aprendizagem significativa.

De acordo com Dore e Lüscher (2011) as perspectivas se revezam, a Lei 7.044/82 desobriga a formação profissionalizante no 2º grau ditada pela 5.692/71 e pelo decreto 2.208/07 agora novamente tornada compulsória pela Lei 13.415/17, reforçando a dualidade curricular, reduzindo as oportunidades educacionais e ampliando as desigualdades sociais.

Parece-nos que o direito de todos à Educação em condições de igualdade não é um fato real no Ensino Médio, a dualidade curricular continua a reforçar a desigualdade social. O Ensino Médio objetiva a formação profissional. A população não está autorizada a participar das decisões dos conteúdos da escola, visto que não houve abertura, consulta nem aos educadores, quem realmente desenvolve a educação básica no país. Os conteúdos, a BNCC, diante da indefinição atual de orientações e métodos parecem atender à classe dominante, pois está cada vez mais difícil de inter-relacioná-los de forma coerente para o aluno e, portanto, mais distante da perspectiva integrada na visão omnilateral.

É importante aqui retomar as palavras de Ciavatta (CIAVATTA; RAMOS, 2005) ao afirmar que toda a sociedade: escola, gestores, professores, alunos e familiares precisam recusar as formas duais de educação a nível médio e profissional. Porém, essa é uma tarefa complexa, se analisadas as estratégias de marketing utilizadas pelo Estado para a implementação de projetos políticos que caminham em outra direção.

Pontuadas as considerações sobre a Educação Básico, seus avanços e retrocessos, trouxemos algumas reflexões sobre a proposta de reforma do Ensino Médio de 2017 e as propagandas vinculadas às redes televisivas. Interessa-nos tratá-las como fonte, e portanto, interpretá-las de modo crítico, afim de contribuirmos com os questionamentos dos leitores.

Analisamos seis propagandas que foram postas nas redes de televisão abertas. Na primeira, o destaque está para a concepção de liberdade apresentada no texto e na condução da encenação. O professor, um dos personagens, coloca-se amigavelmente, como um companheiro de turma, e a cena acontece com um clima de harmonia que nos lembra “propagandas de margarina”, onde as famílias se encontram na mesa para o café, e, sorridentes, ingerem o produto a ser vendido. Vejamos o texto:

Professor:“E ae, galera?”

Jovem 1: “Eu quero ser professora”

Jovem 2: “Eu quero um curso técnico, pra já poder trabalhar”

Jovem 3: “É a liberdade que você queria para decidir o seu futuro.”

Jovem 4 finaliza: “Quem conhece a reforma do ensino médio, aprova!”

Nas segunda e terceira propagandas, também vê-se um professor companheiro, sorridente. Nela, a ênfase está na possibilidade do aluno escolher entre quatro áreas do conhecimento, fora o ensino técnico, como também vimos na propaganda anterior.

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O professor: dá um toque de mão no aluno.

Um aluno pergunta: “Eu vou continuar estudando Geografia, História e filosofia?”

O professor responde: “Claro, a Base Comum Curricular contemplará tudo isso!”

Aluno 2: “Eu vou poder escolher uma área do conhecimento?”

O professor: “Vai sim, uma parte do currículo será obrigatória, as outras, você escolhe.”

É possível perceber que uma concepção de “liberdade” está implícita nas narrativas Essa concepção, apresenta a possibilidade de “você” escolher o que deseja para sua vida, como se conhecimento se fizesse em fragmentos, e como se a formação técnica se constituísse em saída para as mazelas da desigualdade e incertezas de uma sociedade capitalista de terceira via - como discutem Celso João Ferreti e Mônica Ribeiro da Silva (2017). Nessa direção, os autores apontam como o empresariado vem aumentando seu interesse no campo da educação básica, sobretudo no que se refere ao ensino médio, desde a década de 1970. Vê-se que desde os governos Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma, o empresariado tem agido de forma a consolidar sua concepção de “educação de qualidade”, embora isso tenha sido alvo de crítica de muitos profissionais da educação, dentre eles, os da Sociologia do Trabalho. A negação do conflito de classes e, portanto, da contradição é parte de uma política neoliberal - como já foi anunciamos anteriormente – onde também ocorre a conciliação de posições políticas diversas. Ações como trabalho voluntário e trabalhos sociais ligados à economia privada, compõem o cenário do chamado mundo neoliberal de terceira via (FERRETI e SILVA, 2017). Nesse sentido, o que nos parece aqui, é que as ações propagandísticas do governo, caminham nessa direção. Embora tenhamos críticas ao atual trabalho do Governo, não se pode negar que vivemos o ápice desse processo. Lembremo-nos dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que supostamente agregaram áreas importantes das ciências humanas, mas o fizeram “pelas beiradas”, colocando as ciências sociais como temas transversais, e não como fundamentais e obrigatórios à formação humana. Podemos, a partir daí, pensar sobre a exclusão da obrigatoriedade de campos do conhecimento que são significativos para a constituição de cidadãos não fragmentados, que se vejam no processo e transformem o mundo em que vivem.

A estratégia propagandística, como ela é colocada, constrói a idéia de que, como algo que é almejado por toda sociedade há muito tempo. Dá-se a entender que a sociedade deseja o que está sendo proposto, tornando necessidades políticas hegemônicas em “interesse público”, e desse modo, “a esfera pública acabaria transformando a política em espetáculo dirigido, em que líderes e partidos pretendem, de tempos em tempos, obter a aclamação plebiscitária de uma população despolitizada (KALLÁS, 2017, p. 135). Portanto, nossa inquietação, no que se refere às propagandas, é que em função desse movimento, elas se constituem em mecanismos para encaminhar o cidadão a se sentir livre, quando na verdade, está sendo orientado por uma tendência, uma concepção política ligada, muitas vezes, a interesses privados, e não públicos, despolitizando a “esfera pública”. Quando a propaganda serve para influenciar politicamente os sujeitos, mais aparentemente “apolítica” ela se apresenta (KALLÁS, 2017). Nesse sentido, em tese, as pessoas que lutam por uma educação de qualidade – aos moldes do que o empresariado considera boa educação – sentem que estão garantindo a participação de toda a família no processo formativo do discente. Nas propagandas que trazemos a seguir, pode-se perceber que somos conduzidos a pensar na possibilidade de definição de nossa própria trajetória:

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Jovem 1: “mas eu não sei que profissão seguir.”

Professor: “Não precisa escolher a profissão agora, só a área do conhecimento.”

Jovem 2, em uma das últimas falas: “Agora é você quem decide o seu futuro.”

Interessante notar que há liberdade para a dúvida, retirando deles a pressão de construção de uma vida profissional. Essa propaganda começa com alunos e alunas olhando o site do MEC sobre a reforma do ensino médio. Mostra o semblante de aprovação, de como estão felizes por poderem escolher entre quatro áreas do conhecimento. E vejam, o nome da propaganda é “O Novo Ensino Médio vai Melhorar a Educação dos Jovens”. O conceito de qualidade não é, definitivamente, de uma concepção de ciência que contempla a formação humana, pois divide as ciências, e reforça um perfil de trabalhador e de divisão social do trabalho na perspectiva das empresas privadas, que incentivam o padrão de produção industrial. Na propaganda seguinte nós podemos perceber isso. Não aparece nenhum professor. É um diálogo entre alunos e alunas, e uma delas diz: “E tem uma novidade também para quem quer terminar os estudos e já começar a trabalhar. Antes, quem queria uma formação técnica precisava cursar o Ensino Médio e ainda fazer o curso técnico.”

Ferreti e Silva (2017) apontam questões importantes, como por exemplo, que os profissionais da educação foram ouvidos. Os próprios educadores trouxeram a questão do excesso de disciplinas que acabavam se concentrando no ensino médio, sobrecarregando o aluno. Também temos o ensino técnico, facilitado aí na possibilidade de fazê-lo logo nessa etapa. Entretanto, levando em consideração essa tendência neoliberal, posta aqui repetidas vezes, as inquietações desses profissionais foram deturpadas, servindo a um projeto que vem caminhando na direção dos interesses das empresas privadas. O ensino integral, por exemplo, tende a excluir o aluno trabalhador, cujo tempo deve se dividir entre duas tarefas, estudar e trabalhar. O estímulo à formação técnica como uma saída para os “que tem que trabalhar cedo”, como veremos na propaganda seguinte, se tornou uma saída para o aluno que precisa trabalhar. A política do ingresso à Universidade restringiu as expectativas dos alunos, que perderam a oportunidade da formação humana completa que os estimulasse a escolhas não por competências, mas como projeto de vida, e caminha concomitantemente ao sucateamento dos espaços das Universidades Públicas, comumente bombardeadas economicamente e midiaticamente, sendo empurradas a “parcerias” com as empresas privadas.

A última propaganda analisada mostra o cenário de uma reunião em família, com pai, mãe e filho. O filho fala de liberdade, dizendo que “vai ser bom porque tem muito jovem fora da escola”. A mãe completa: “E pra quem precisa trabalhar cedo, tem a formação técnica e profissional. Ele termina o ensino médio e vai direto para o mercado de trabalho.”

Enfim, nossas últimas considerações nos remetem às palavras de Ciavatta (In CIAVATTA; RAMOS, 2005) quando afirma que toda a sociedade: escola, gestores, professores, alunos e familiares precisam recusar as formas duais de educação a nível médio e profissional.

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Sobre as autoras

MARLENE RIBEIRO DA SILVA GRACIANO • Doutora em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC SP (2015). Mestre em Educação – Formação de Professores pela Universidade de Uberaba - UNIUBE (2004). Licenciada em Pedagogia (1984) e Letras (1987) pelo Instituto Superior de Ensino e Pesquisa de Ituiutaba. Professora da Licenciatura em Química do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás - IFG. Vice coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Processos Educacionais (NuPEPE) do IFG – Campus Itumbiara. Link do Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2325476987077623. E-mail: marlenersgraciano@gmail.com.

CRISTINA HELOU GOMIDE • Doutora em História pela PUC-SP (2007). Mestre em História pela UFG (1999). Graduada em História pela UFG (1997). Professora do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da UFG. Professora da disciplina de Fundamentos e Metodologia de Ciências Humanas e História de Goiás. Link do Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2676997228526690. E-mail: cristinahelou@gmail.com.

Referências

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