Esporte Educacional

Módulo 2

MÓDULO 2

Módulo 2
2.1 Transformação Social no Esporte Escolar

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O trato com o esporte nos projetos sociais é, de forma recorrente, usado como bandeira de transformação social, com forte apelo político na medida em que esporte e educação são popularmente associados (MACHADO, GALATTI, PAES, 2015, p. 415).

Mas para que o esporte educacional tenha efetividade como produtor de cidadania e realize alguma transformação social precisa utilizar-se do planejamento participativo por meio da participação da comunidade, ter seus objetivos claros, ser sistematicamente e intencionalmente organizado e aplicado com fim de atingir a esses objetivos.

Rezer (2010) relata que há uma densa produção científica na área da Educação Física na contemporaneidade, mas faltam elementos didáticos pedagógicos que contribuam efetivamente para o exercício da docência. Assim, a dificuldade do professor de Educação Física em efetivar o esporte como transformação social se dá pelo formato hegemônico que recebeu sua formação inicial, que resulta em práticas pedagógicas não transformadoras, reprodutivas, submissas, ingênuas, sem espaço para reflexão, decisão e resolução de problemas, com fim em si mesmas.

“O envolvimento dos indivíduos com o esporte pode ter consequências benéficas ou não, determinadas pela forma e atitude desse envolvimento” (GASPARI; SCHWARTZ, 2001, p.108). Da mesma forma que o Esporte Educacional pode trazer benefícios para os participantes, pode ser direcionado para outros caminhos ou não devidamente planejados proporcionar malefícios como violência, desrespeito, preconceitos, entre outros. O importante, então, é a qualidade de vida voltada para a profundidade, para a perfeição do ser, para o atendimento das reais necessidades humanas e, nesse caso, do adolescente enquanto sujeito construtor de sua própria vida. Definir qualidade de vida não é tarefa simples, dada a complexidade da abrangência dessa expressão (GASPARI; SCHWARTZ, 2001, p.108).

Para propor os princípios que buscaremos com o Esporte Educacional, com objetivo de promover transformações sociais positivas, relembramos que a Política Nacional de Esporte (BRASIL, 2005) traz que o esporte é educativo quando visa os princípios da cidadania, da diversidade, da inclusão social e da democracia.

Ainda considerando tal legislação, o esporte educativo configura-se quando este é garantido para todas as pessoas, sem distinção de cor, etnia, gênero, ou condição socioeconômica, em especial para as populações empobrecidas e para os menos hábeis para a prática esportiva, “ao mesmo tempo em que se denunciam e se combatem permanentemente as mazelas da desigualdade” (BRASIL, 2005, p.23).

Assim, para efetivar a transformação social por meio da inclusão, sugerimos os direcionamentos dados a este material formativo por meio da Educação Inclusiva, como o ensino colaborativo, desenho universal da aprendizagem, ênfase para as eficiências, entre outras.

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2.1.1 Discutir Elementos sobre Transformação Social

Para discutirmos elementos sobre transformação social por meio do Esporte Educacional iremos inicialmente pensar em quais temas objetivar na formação humana, cidadã e inclusiva das crianças e adolescentes.

Para Darido (2012), os temas relacionados à formação humana, cidadã e inclusiva devem ser determinados identificando os interesses e contexto social de cada grupo social. Mas toma como possibilidade os temas transversais citados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1997; 1998), que são: Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde, Orientação Sexual, como também Trabalho e Consumo. São temas que devem ser tratados nas disciplinas, inclusive na Educação Física na escola, mas que podemos levar para o Esporte Educacional em qualquer espaço em que ele se efetive.

Entramos então na reflexão sobre quais práticas corporais trabalhar para atingir aos temas de formação humana, cidadã e inclusiva propostos. Muitas vezes, a prática corporal oferecida nos projetos/programas parte da experiência/excelência do professor que a propõe. No entanto, no Esporte Educacional, quando não buscamos medalhas, e grandes performances, é possível que um professor estudioso e ex-atleta de voleibol ofereça, para além do vôlei proporcionando a vivência da cooperação por meio da convivência em equipe ou outros elementos para formação humana, busque segurança e conhecimento, e ofereça outras práticas corporais que atendam a outros temas transversais. Nesse sentido, o professor pode, por exemplo, buscar na comunidade pessoas que tenham vivência ou conhecimento em alguma prática corporal produzida ou culturalmente ativa nesse espaço, como as danças populares, danças circulares, lutas, entre outras. Esse encaminhamento vai ao encontro do que discutiremos mais a frente com a pedagogia sistêmica.

Sugerimos que a prática corporal seja proposta a partir do tema escolhido, assim o objetivo de formação humana, cidadã e inclusiva vem antes da aprendizagem do esporte. Mas o esporte tem que ser entendido como um eficiente e potente instrumento de transformação social e ser tratado com o mesmo carinho e atenção durante o planejamento que os temas transversais.

Já discutimos no capítulo 1 que no Esporte Educacional ao selecionar as modalidades deve-se considerar “um maior potencial de universalidade e compreensão dos elementos culturais brasileiros” (BRASIL, 2005, p.25), atender às diferentes expectativas e interesses, considerando-se toda diversidade de gênero, idade, deficiência e aptidão, com atividades diversas (MELO; BRETAS; MONTEIRO, 2009), utilizando-se de diferentes unidades das categorias: brincadeiras e jogos, esportes, ginásticas, danças, lutas e práticas corporais de aventura (BRASIL, 2018).

Nesse sentido Gonzalez, Darido e Oliveira (2014, p.11) relatam que ao selecionar os conteúdos abordam “o esporte na perspectiva educacional” e incluem “outras práticas corporais, como as danças, as ginásticas, as lutas, a capoeira, as práticas corporais de aventura, as atividades circenses, que compõem o universo da cultura corporal”. Dizem ainda:

As Práticas Corporais se apresentam como manifestações culturais que podem possibilitar condições para a ampliação do número de praticantes, por conta de sua condição atrativa, assim como sua riqueza cultural, agregando sentido e significado à construção da formação integral, facilitando o vínculo dos participantes com os processos educativos formais” (GONZALEZ; DARIDO; OLIVEIRA, 2014, p.11).
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Ampliar o olhar para as culturas corporais nos Projetos/Programas de Esporte Educacional significa exatamente “ampliar o olhar” e não deixar de trabalhar com alguns conteúdos que o professor já tem prazer em trabalhar. Rodrigues (2009) nos mostra como podemos ressignificar a prática corporal e buscar nela o sentido de ser um “patrimônio a ser transmitido” para aquele grupo de participantes que faz parte de uma comunidade e que tem características próprias, dizendo:

Um dos motivos pelo qual deveríamos nos preocupar em ensinar o basquetebol diz respeito à cultura corporal. Ou seja, compreender o basquetebol como um patrimônio a ser transmitido aos alunos...Para que o aluno tenha uma compreensão do basquetebol como uma manifestação da cultura não basta ensinar o esporte como algo que está pronto e acabado, será imprescindível que os alunos percebam a historicidade de suas transformações, o contexto em que foi modificado e com quais interesses e finalidades são praticados. (RODRIGUES, 2009, p.22)

EXEMPLO

Nesse sentido, o professor pode, por exemplo, buscar na comunidade pessoas que tenham vivência ou conhecimento em alguma prática corporal produzida ou culturalmente ativa nesse espaço, como as danças populares, danças circulares, lutas, entre outras. Esse encaminhamento vai ao encontro do que discutiremos mais a frente com a pedagogia sistêmica.

2.1.2 Princípios da Escola Inclusiva

A inclusão implica a combinação de três elementos: desenvolvimento dos sujeitos, pluralidade cognitiva e convivência com a diversidade cultural, numa escola/universidade com todos e para todos (PRETSCH, 2020, p.67).

Muitas vezes, quando falamos de Escola Inclusiva, Esporte Inclusivo ou Inclusão, as pessoas logo acham que vamos falar apenas dos grupos considerados como “os que mais precisam de adaptações para serem incluídos”. Assim, é necessário discutir esses preconceitos. Quando falamos de inclusão falamos de inclusão de todos, olhando cada participante no Esporte Educacional como diferente, que todos têm eficiências e deficiências que em alguns espaços/situações são ampliadas ou reduzidas. Quando elencamos um grupo como “grupo de inclusão” reduzimos nosso olhar e não vemos a eficiência dos indivíduos que fazem parte desse grupo, e também não enxergamos as necessidades dos demais.

Nossa experiência na Educação Inclusiva nos mostra que grupos de pessoas com deficiência ainda enfrentam muitas dificuldades de serem incluídos. Mas isso não acontece na maioria das vezes pelas suas deficiências e sim pelos espaços que são excludentes. Dessa forma, o olhar para essas pessoas, para suas lutas e direitos nos dá um olhar mais ampliado da necessidade da mudança dos espaços (escola, esportivos e sociedade) que agem como se fossemos todos iguais.

TOME NOTA

A inclusão implica a combinação de três elementos: desenvolvimento dos sujeitos, pluralidade cognitiva e convivência com a diversidade cultural, numa escola/universidade com todos e para todos (PRETSCH, 2020, p.67).

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Uma reflexão interessante que podemos fazer para inclusão de todos a partir da luta pela inclusão das pessoas com deficiência pode ser iniciada pelo conceito de pessoa com deficiência que foi gerado pela Convenção Internacional da Pessoa com deficiência e que está na Lei Brasileira de Inclusão ou Lei 13.146 que diz que:

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015, p.01).

Anteriormente era considerada pessoa com deficiência aquela que tinha impedimento e ponto. O olhar todo era direcionado, já na conceituação, para a deficiência. O que realmente obstrui a “participação plena e efetiva na sociedade” (na sociedade, na escola, no esporte, …) são as barreiras que essas pessoas encontram e não a deficiência em si. Se uma pessoa com deficiência física vai para uma quadra onde o ginásio todo tem acessibilidade arquitetônica e uma prática com acessibilidade pedagógica, ele pode ser tão eficiente no basquetebol quanto os demais participantes. Essa acessibilidade arquitetônica vai favorecer a todos (obesos, menos habéis, familiares, …).

Da mesma forma posso pensar para todos os meus alunos. O aluno tímido muitas vezes deixa de ir na minha aula porque minha prática pedagógica ultrapassa seu limite de possibilidade de exposição. Assim, muitas ações direcionadas para pessoas com transtorno do espectro autista, por exemplo pode beneficiar a muitos outros participantes do Esporte Educacional, como as pessoas tímidas ou as pessoas que têm dificuldades comunicacionais, que podem vir de muitos motivos sociais, políticos, históricos, físicos, entre muitos outros motivos que calam as pessoas na nossa sociedade.

Pensando assim, pressupostos da Educação Especial, como desenho universal da aprendizagem, ensino colaborativo e acessibilidade, podem favorecer que o projeto/programa de Esporte Educacional se torne mais inclusivo para todos os participantes. Assim, ao analisarmos informações que são direcionadas para inclusão das pessoas com deficiência podemos verificar que é o ideal de tratamento para todos. Veja, por exemplo, como as orientações gerais para a inclusão de alunos com deficiências sugeridas por Marques, Cidade e Lopes (2009) nas atividades esportivas no Esporte Educacional podem proporcionar uma ação pedagógica mais inclusiva para todos:

a) Agir naturalmente. Receba todos com o mesmo nível de atenção e consideração. Perguntas vão surgir. Responda naturalmente. b) Atenção e prestígio é muito bom. TODOS gostam! Não superproteja, nem dê excesso de atenção para alguns, pois estes talvez não irão gostar e os demais irão reclamar c) Garantir a participação de todos (individualmente ou em grupo), desafiando cada um a realizar o melhor considerando as suas potencialidades. d) Realizar adaptações compartilhando opiniões. Regras sempre podem ser combinadas e recombinadas, inventadas e reinventadas. Jogos cooperativos são uma excelente opção. e) Promover e adequar desafios, incentivando e ajudando a superar dificuldades. f) Não subestimar. Aceitar formas diferentes de execução de movimentos. g) Promover sucesso para desenvolver a autoestima. Oferecer a oportunidade de pensar, decidir, agir por seus próprios meios. Garantir autonomia. h) Avaliar a aptidão física relacionada à saúde e ao desempenho motor. i) Estimular a prática esportiva competitiva, sem preconceitos ou medos.(MARQUES; CIDADE; LOPES, 2009, p. 152/154)