Formação Antirracista na Escola:

Possibilidades para o Ensino das Relações Étnico-Raciais na Educação Básica

Introdução

p.03 próxima página

O ensino antirracista tem se fortalecido na educação básica no Brasil, se consolidando como elemento imprescindível dos parâmetros curriculares escolares, das práticas educativas e da formação de professores. Esse fortalecimento ocorre apesar dos atuais movimentos conservadores e revisionistas que buscam enquadrar o ensino antirracista como ideologia e doutrinação, que negam os processos sociais de discriminação e naturalizam a desigualdade, inclusive racial, como resultado das distinções de méritos pessoais.

Neste horizonte de luta social, cada vez mais professores da educação básica buscam aperfeiçoar sua qualificação e se tornarem pesquisadores na temática do ensino para as relações étnico raciais. O interesse e a iniciativa de um conjunto de professores/pesquisadores resultaram na realização das pesquisas que compõem este ebook, formado por trabalhos desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica, nível mestrado, do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (Cepae) da Universidade Federal de Goiás (UFG). Este programa, em funcionamento desde o ano de 2012, é um mestrado profissional em que trabalhadores da educação básica podem desenvolver pesquisas na área de ensino, assim como elaborar e aplicar processos ou produtos educacionais destinados à sala de aula ou a outros contextos e espaços de ensino. Entre as pesquisas desenvolvidas no âmbito do programa, são aqui apresentados seis trabalhos que envolvem o ensino para as relações étnico-raciais e a defesa de uma educação antirracista.

No primeiro capítulo, intitulado Apresentando a Lei 10.639/2003: seus desdobramentos históricos e a legislação educacional, os autores Marcela Jayme Costa e Glauco Roberto Gonçalves abordam a questão étnico-racial no Brasil por meio de um exame da legislação educacional. O estudo abrange as constituições federais do Brasil, desde a Constituição de 1824, outorgada durante o Brasil Império, até a Constituição vigente, promulgada em 1988. Contudo, não se trata de apenas uma listagem cronológica das leis, tampouco o traçado de uma evolução linear rumo à consolidação do ensino antirracista no Brasil, mas sim de uma análise que problematiza as lacunas, os limites e as contradições de cada legislação. Por exemplo, os autores apontam que a Constituição de 1934 representou avanço ao condenar, pela primeira vez nas linhas constitucionais brasileiras, a discriminações por motivo de raça, contudo, essa mesma Constituição, paradoxalmente, respaldava e incentivava a educação eugênica de sua época. O capítulo também apresenta um levantamento detalhado de leis municipais e estaduais, assim como projetos de leis, que antecederam a Lei 10.639/2003, compreendendo como diferentes iniciativas locais e regionais convergiam dentro de um processo de luta social, e finaliza com uma análise dos desdobramentos da Lei 10.639/2003.

No segundo capítulo, denominado Educação Antirracista: Encontros Com Escolas Quilombolas E A Educação Após A Lei 10.639, as autoras Lara Fogaça dos Santos e Clêidna Aparecida de Lima tratam da forma em que as comunidades quilombolas são invisibilizadas na educação básica, refletindo tanto uma postura colonial e de racismo estrutural. Nesse sentido, a escola quilombola não é apenas um espaço escolar, mas também um local de resgate histórico e identitário do povo negro, bem como espaço de resistência e lutas pelos seus direitos e reconhecimento de suas terras. As autoras também relatam como ocorre uma educação antirracista em duas escolas quilombolas urbanas localizadas no município de Aparecida de Goiânia-GO, apresentando suas ações e os limites impostos pelo distanciamento dos espaços acadêmicos e pelo racismo institucional.

No terceiro capítulo, Ensino para as relações étnico-raciais: proposta para uma educação antirracista, os autores Flávia Fernanda Rodrigues Mendonça e Danilo Rabelo investigaram a percepção dos(as) estudantes da educação básica de uma escola pública sobre o racismo e situações de racismo vivenciadas na escola e fora dela. Diante da constatação de que a maioria dos(as) estudantes percebiam racismo apenas como mais um tipo de bullying, sem compreendê-lo como um processo histórico e estrutural, os autores elaboraram uma sequência didática numa perspectiva antirracista, que emprega diferentes metodologias e recursos didáticos, tais como: o uso do curta metragem O Xadrez das Cores (Brasil 2004, 21 min.), de Márcio Schiavono, os conceitos de racismo segundo autores acadêmicos, a canção Racismo é burrice, composta e interpretada pelo músico Gabriel, O Pensador, rodas de conversa centradas na questão da negritude e corporeidade e confecção de cartazes. Os autores também apresentam as avaliações feitas pelas professoras participantes que conduziram a aplicação da sequência didática proposta, reconhecendo as referidas professoras da educação básica como sujeitos mediadores do processo de ensino e aprendizagem.

Já no capítulo Percepções De Estudantes E Professores Da Eja Sobre O Racismo: Questões Sobre O Racismo Individual E O Racismo Estrutural, as autoras Thâmara Nayara A. P. Borges e Anna Maria Dias Vreeswijk analisam as representações sobre o racismo individual e o racismo estrutural de docentes e estudantes de uma escola municipal de educação de jovens e adultos de Goiânia-GO. Na pesquisa-ação, são apresentadas as percepções dos(as) estudantes como uma ação individual e não como parte de uma estrutura social racista, confundindo, às vezes, o conceito de racismo com bullying. Também foram analisadas as representações docentes e as ações pedagógicas da escola campo em relação à educação para as relações étnicas e raciais. Por fim, é discutida uma ação ou intervenção pedagógica para ressignificar as concepções de racismo, a compreensão do racismo estrutural na sociedade brasileira e a necessidade de combatê-lo. As autoras não supervalorizam os resultados de sua intervenção na realidade pesquisada, reconhecendo implicitamente que toda grande caminhada começa sempre com um primeiro passo.

página anterior p.04

No capítulo seguinte, Reflexões sobre a cultura dos ciganos Calon em Trindade GO, os autores Maria Lúcia Rodrigues Mota e Elson Rodrigues Olanda apresentam as nuances da cultura de vida da etnia cigana Calon. Respaldados por uma perspectiva etnográfica, autor e autora, buscam compreender o povo cigano como integrantes das dimensões social, cultural e histórica das quais todos nós fazemos parte. O contexto da pesquisa traz um mosaico desta comunidade que se reconhece como grupo étnico, busca representar o povo cigano e sua visibilidade, respeitando a diversidade cultural. Por fim, os autores concluem que esta cultura étnica deve ter respeitados seus direitos de ser inserida no Currículo Escolar, tomando como prerrogativas estabelecidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais, nas Leis de Diretrizes e Bases e no Projeto Político Pedagógico, buscando respeitar e valorizar as diferenças étnicas e culturais e, principalmente, defendendo a formação de educadores embasada em premissas de humanização, resultando no exercício de uma educação emancipatória.

No capítulo final, Discutindo e Valorizando Cabelos Crespos e Cacheados de Estudantes Afrodescendentes em Umas Escola Pública de Aparecida de Goiânia, os autores Danilo Rabelo e Kênia Patrícia Araújo sensibilizam o leitor para a origem histórico cultural da importância dos cabelos em nossa identidade individual ou grupal. O campo de pesquisa fortalece-se a partir de uma análise sociológica de acontecimento do cotidiano escolar envolvendo a busca de afirmação de uma identidade grupal, e da constatação óbvia de que as representações sobre o cabelo crespo ou cacheado dos sujeitos negros são resultantes do racismo estrutural da sociedade brasileira. Nesta perspectiva, a pesquisa possibilita refletir, discutir e debater as relações étnico-raciais brasileiras. O estudo ressalta a importância de evidenciar a história e culturas africana e afro-brasileiras e da valorização das vivências e estéticas do sujeito negros no Brasil. Conclui-se que para que o racismo deixe de ser um obstáculo na vida dos estudantes negros, é urgente criar novas e eficazes Políticas Públicas para combate ao racismo, e aplicar aquelas já existentes no âmbito escolar, utilizando se de políticas afirmativas e propagando as leis antirracistas.

Ao longo dos capítulos, foi evidenciado que a educação antirracista se efetiva quando a realidade social e a experiência de grupos não brancos (como negros, quilombolas, indígenas, ciganos, entre outros) passam a ser refletidas no processo pedagógico. É imprescindível considerar a experiência vivida desses educandos e dessas educandas, promovendo esta experiência como parte imanente dos processos de construção do conhecimento para uma educação emancipadora, que critique e combata a desigualdade racial no Brasil e que fortaleça a representatividade e a autorrepresentação identitária desses grupos.

Por fim, este ebook buscou reforçar a importância e a atualidade do ensino antirracista na educação básica, assim como analisar diferentes questões que perpassam tal temática e caminhos possíveis para o ensino das relações étnico-raciais na escola, no fortalecimento de uma educação baseada na formação humana e cidadã e na defesa de uma sociedade igualitária, inclusiva e multicultural.