AUTORES

Felipe Sobczynski Gonçalves

Gabriela Cardoso Machado

Capítulo 10
Gestão escolar e experiência docente em Educação Física durante o Ensino Remoto Emergencial na cidade de Curitiba/PR

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Este texto trata-se de uma entrevista realizada no dia 16 agosto de 2021 com o professor doutor Felipe Sobczynski Gonçalves, e tem como objetivo retratar a realidade do Ensino Remoto Emergencial vivida por ele durante a pandemia da Covid-19 na cidade de Curitiba/PR. O professor Felipe possui licenciatura plena em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná (2003), especialização em Educação Física Escolar (2005) e Gestão Escolar (2010), mestrado em Educação Física (2008) e doutorado em Educação Física (2018) pela Universidade Federal do Paraná. É pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Lazer, Espaço e Cidade (GEPLEC-UFPR). Atualmente é diretor em um colégio da rede estadual do Paraná e professor de Educação Física em uma escola da rede municipal de ensino de Curitiba. Tem experiência na área de Educação Física, com ênfase em estudos do Lazer e Cidade, atuando principalmente nos seguintes temas: lazer e planejamento urbano, lazer e educação urbana, espaços e equipamentos de esporte e lazer, além de experiência na área de Educação com ênfase em Metodologias do Ensino da Educação Física, atuando principalmente, nos seguintes temas: educação física e metodologias do ensino.

Gabriela: Agradeço Felipe por aceitar nosso convite, para começar nosso diálogo gostaria de saber: como foram as decisões iniciais da Secretaria de Educação do Município e do Estado onde você está atuando com relação às indicações da necessidade do distanciamento social? As aulas ficaram suspensas? Quanto tempo? Como vocês ficaram sabendo que deveriam atuar com o ensino remoto? Como foi essa relação no início da pandemia nas escolas em que você atua?

Felipe: Trabalho em duas realidades distintas na cidade de Curitiba. Na rede de ensino estadual do Paraná eu estou na direção, assumida em 2019, e na semana passada finalizamos nossa gestão, eu e o professor Gilson, que é o vice-diretor da escola. Porém, a partir do mês que vem, em agosto, a gente assume por mais um mandato de 2021 até 2024. Sempre digo, estou na direção, não sou o diretor da escola, porque a qualquer momento a gente pode sair, pode entrar outra pessoa, ainda mais levando em consideração que esse processo é sempre democrático. No Estado, mais ou menos no dia 15 de março de 2020, a responsável pela unidade de saúde do bairro onde a escola fica localizada pediu para conversar comigo na escola, porque, inicialmente, a unidade de saúde precisaria da escola para fazer o processo de vacinação dos idosos da gripe do ano passado (2020). E ela foi pedir apoio da escola, para a gente, porque sabia que as escolas seriam fechadas, então ela já tinha uma informação anterior aos próprios gestores das escolas com relação à pandemia, que, até então, a achavámos que ia permanecer longe de nós e quando percebemos, no dia 20 de março, nossa escola precisou ser fechada. Conversando com essa responsável pela unidade de saúde, ela comentou que nós ficaríamos aproximadamente três meses afastados. E eu perguntei: "mas não é muito tempo ficar três meses por causa dessa pandemia?" Daí ela falou: "Olha, a gente acredita que isso é o tempo mínimo, a gente não sabe qual vai ser o tempo máximo." Naquele momento que a gente começa, enquanto escola, gestor e professor, a ter uma noção do que poderia acontecer, do que poderia vir pela frente a partir dessa pandemia da Covid-19.

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Então, no dia 20 de março as escolas fecham, tanto do Estado quanto da prefeitura. Em Curitiba a prefeitura dialogou com o Estado. No Estado, como estava na direção, sabia mais ou menos o que estava acontecendo e quando começaria o processo de ensino remoto. Na prefeitura a gente não tinha muita ideia, porque é diferente quando você está na escola, e precisa responder pela escola, você precisa ter essas informações com antecedência. Quando a escola fechou, a secretária de Educação conversou com os chefes de núcleo e depois conosco, com os gestores, avisando que teríamos o recesso antecipadamente. O nosso recesso foi até o dia 04 de abril, então de 20 de março a 04 de abril, o recesso de julho foi antecipado para que a Secretaria de Educação pudesse se organizar para pensar em alternativas que dessem condições das escolas continuarem a desenvolver os seus trabalhos, já que eles tinham essa ideia de que a pandemia não duraria pouco tempo. Tanto no Estado quanto na prefeitura, o recesso foi antecipado. Então, nas duas, só retomamos às atividades no dia 06 de abril, que foi uma segunda-feira. No Estado, eles compraram a licença do Google Classroom para que todos os professores e estudantes tivessem acesso, e quase para o final do ano eles começaram com a necessidade da obrigação do professor realizar o Google Meet; que é isso que a gente está fazendo agora, nesse momento, nessa conversa aqui que a gente está, não é presencial, mas conseguimos perceber a reação de quem está falando e de quem está ouvindo. Não é o ideal, mas observamos que a gente tem uma troca; diferente se você ficasse com a câmera fechada e eu falando para o nada, não é? E era o que acontecia naquele momento, no final do ano, havia a obrigatoriedade de o professor fazer o Google Meet com os seus estudantes mantendo as câmeras abertas para que a interação fosse maior, mas o final do ano acabou, até o final do ano não deu muito certo. E no decorrer de 2020 qual era a obrigatoriedade do professor? Ele precisava entrar em todas as aulas durante o dia. Então, vamos supor, hoje eu tenho aula de educação física, e tenho cinco aulas de manhã e cinco aulas à noite; durante o dia, desde as 07h30 da manhã, até as 23h da noite precisava postar no mural. Tinha que colocar lá quais eram as atividades que os alunos deveriam fazer durante o dia, mas bastava eu colocar as atividades no mural que isso já contabilizava minha presença, a minha frequência enquanto professor. Se o estudante fizesse ou não a atividade, naquele momento não teria problema, o aluno teria que realizar as atividades e cada vez que ele as realizava, o professor contabilizava a frequência. No Estado foi mais ou menos assim que aconteceu no ano passado. Nesse ano, eles fizeram um trabalho muito intenso, principalmente com a direção da escola, foi quase que uma obrigação, que nós, enquanto Secretaria Estadual de Educação, desenvolvêssemos um processo de frequência on-line. O professor fazia o Google Meet, e, a partir do momento, que ele fizesse isso já gerava a frequência dele automático. É o que ele chamava de frequência EAD. Não precisava saber se ele foi lá no mural e postou a atividade para o aluno, ele tinha que dar a sua aula. O Estado optou por essa forma de aula, ao vivo, porém, o professor em sua casa e o estudante na dele. Se ele tiver alguma dúvida, ele pode tirar a dúvida direta, no momento em que o professor está explicando. E isso ainda é assim, desde o início do ano e agora a gente está chegando na metade do ano, ainda é uma obrigatoriedade do professor realizar o Google Meet. Agora para o segundo semestre, vamos retornar com o ensino híbrido. Teremos que fazer essa parte do distanciamento social, que é até a pergunta que você fez. Nas aulas presenciais, teremos que ter um metro e meio de distância frente, trás, lado direito e lado esquerdo de cada estudante em sala de aula. A nossa escola comporta no máximo dez estudantes por turma, a nossa sala não é muito grande, tem 48 metros quadrados, mas não é uma sala que a gente consiga trazer todos os estudantes ao mesmo tempo.

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Para o segundo semestre, já estamos fazendo todo o processo de organização para chamar os estudantes. Só que não é uma obrigatoriedade, só se a família quiser que o aluno retorne para a escola. Existe um termo de compromisso, que a família precisa se responsabilizar pelo seu estudante, e aí a gente fala com os responsáveis, porque alguns estudantes não têm nem pai, nem mãe, quem cuida são os avós, ou são os tios, então a gente fala que são os responsáveis que precisam assinar esse termo. E quem assina esse termo é quem fez a matrícula do aluno, quem foi o responsável pela matrícula é quem vai poder permitir que o estudante vá para o ensino híbrido. A ideia é que retornemos agora no dia 21 de julho de 2021 com o ensino híbrido e a gente não precisa voltar com todas as turmas, vai ter que voltar com um número reduzido, vamos começar aos poucos, com duas, três turmas de manhã; duas três turmas à tarde e com duas, três turmas à noite. À noite nossa escola não é o regular, é Educação de Jovens e Adultos - EJA, então nós trabalhamos com duas turmas do ensino médio e uma turma do ensino fundamental no período noturno. Do médio, são alunos maiores de 18 anos, então a maior parte dos nossos alunos são adultos, que têm em média 40-45 anos de idade, cursando o ensino médio. E do ensino fundamental, podemos ter estudantes matriculados a partir dos 15 anos, então temos muito mais adolescentes frequentando do que adultos. É a realidade da EJA. Muitos são alunos que deram problema no regular, ou que estão há muito tempo sem estudar, e que para terminar o fundamental eles podem ter 15 anos, mas, para entrar no médio, eles têm que esperar completar 18 anos.

Para fazer esse retorno, a escola recebeu em janeiro uma quantidade alta de álcool gel, mas nós temos uma verba que veio do Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE, emergencial, que é do governo federal, destinado a compra de equipamentos de segurança dos nossos alunos. Para comprar o totem, o dispenser de álcool gel, isso foi disponibilizado. E o governo do Estado também disponibilizou máscaras, só que estamos com um problema bem grande com elas, pois não foram feitas aquelas análises para ver a sua eficácia, não foi necessário fazer o processo de licitação, a unidade saiu a R$1,65, é um material muito simples. Por isso, precisamos tomar muito cuidado com a nossa segurança também. Se o estudante não for para a escola com máscara, a escola tem essa máscara para dar, mas ela é muito simples, então é muito complicado, dá muito medo de liberar essas máscaras para os alunos, porque a gente sabe que a eficácia não é comprovada. A sugestão é que eles levem, no mínimo, duas máscaras por dia, porque o ideal é que eles troquem a cada duas horas. Nós obtemos esse material na escola, e o álcool gel, temos também os funcionários que realizam o processo de limpeza durante os turnos.

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Uma grande dificuldade que a gente encontra enquanto gestão da escola, é o número de funcionários que temos. Hoje estamos com três funcionários para poder fazer a limpeza da escola toda, e nós não temos funcionário no período noturno. Então, como que vai funcionar, a gente vai ter que dividir o número de salas para esses funcionários, eles limpam manhã e tarde, à noite, os alunos recebem essas salas limpas, mas, para o outro dia, vamos precisar de um funcionário que chegue na escola mais cedo para poder fazer a limpeza para os alunos do turno da manhã. Isso é um complicador, porque temos que tomar cuidado, manter o distanciamento social, o uso de máscara, de álcool gel e a limpeza. Se não tivermos esses cuidados, e, por exemplo, se esse funcionário falta, e acabo sabendo que ele faltou só quando chegar na escola, acaba não dando tempo de realizar essa limpeza para a turma que vai chegar às 07h30 da manhã. Tudo é muito novo para todos nós, nesse retorno. Temos que tomar muito cuidado, ainda não sabemos muito bem como lidar, mas vai ser escalonado. Por exemplo, pela manhã temos oitavos e nonos anos e à tarde sextos e sétimos, começaremos por ordem de chamada, da letra A até a G, por exemplo, vem na primeira semana, depois da letra H em diante, vem na segunda semana. Se for necessário dividir em três cada turma, vamos reduzir o número de estudantes, ficando, no máximo, dez para então poder receber na outra semana. A gente vê assim que pode ser que seja um fator positivo trazer os estudantes para a escola, porém nossos professores ainda não foram vacinados com a segunda dose. Já temos 100% dos nossos professores vacinados com a primeira dose. Para completar a segunda dose vamos ter professores que vão tomar somente no início de outubro de 2021. Isso é algo que deixa a gente um pouco preocupado, porque tem professor que não vai estar imunizado ainda quando a escola retornar no ensino híbrido. Mesmo com esse receio, a Secretaria de Educação do Estado do Paraná já solicitou esse retorno a partir do dia 21 de julho de 2021, e aí vamos ver como conseguiremos retornar sabendo que há uma possibilidade ainda dos professores que não concordarem com esse retorno entrarem em greve. Essa é outra problemática que pode acontecer, não recebermos os nossos estudantes devido ao número reduzido de professores, infelizmente não vou conseguir ter pessoas que fiquem dentro das salas de aula para poder cuidar no momento que não tivermos professor.

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Retomando como foi o processo inicial na prefeitura, a partir do dia 06 de abril de 2020, começamos as nossas atividades, mas é um pouco estranho, porque não temos o Google Classroom, e nem o Google Meet. O que nós temos? A obrigatoriedade de assistir às aulas que são disponibilizadas pela Secretaria Municipal de Educação. Existe um canal no YouTube chamado TV Escola Curitiba, onde as aulas são gravadas e ficam disponíveis nesse canal (aulas de educação física, aulas de artes, de todos os componentes curriculares), e aí cada aula tem o seu período certinho. Por exemplo, de educação física, são duas aulas por semana, eu, enquanto professor de educação física, a princípio, tinha que assistir às aulas de educação física, obrigatoriamente, mas, também, precisava fazer o relatório de outros componentes curriculares, fechando três aula na realização do relatório. A professora de educação física dava a aula, a gente assistia essas aulas e fazia o relatório. Dou aula para o terceiro, quarto e quinto ano do ensino fundamental de educação física. Então tinha que assistir às aulas do terceiro, do quarto e do quinto. E como é efetivado esse relatório? As professoras trabalhavam com o conteúdo jogos e brincadeiras, então toda atividade que elas faziam, eu relatava na planilha semanal, descrevendo as estratégias metodológicas e quais eram os materiais utilizados. Dessa forma, semanalmente, eu tinha que fazer o relatório de 15 aulas por semana. Algumas vezes, tínhamos reunião com a direção da escola, com a equipe pedagógica, e até, aproximadamente, junho de 2020, fazíamos apenas os relatórios, depois começamos a fazer atividades complementares. A aula que eu assistia de casa, é a mesma aula que o aluno assistia na casa dele. E aí o que é que o aluno tinha que fazer? Ele deveria realizar um relatório; só que assim, da aula de educação física, a gente observou que a maior parte dos estudantes colocava apenas a data da aula, o nome do professor que estava dando aquela aula e o conteúdo, e acabavam não descrevendo o que foi trabalhado. Agora da aula de língua portuguesa, de matemática, eles faziam uma descrição mais detalhada. É claro, para o estudante é muito. Seria muito melhor que ele fizesse a atividade, que se a professora estava dando a aula, que ele fizesse aquela atividade do que ele ficasse fazendo relatório. E de língua portuguesa e matemática, realmente eles iam descrevendo porque era aquilo que a professora solicitava na videoaula também. Então, da prefeitura, a cada 15 dias fazíamos essas atividades complementares, que deveriam estar relacionadas com o conteúdo trabalhado. No primeiro trimestre, é trabalhada a parte da ginástica. No segundo trimestre, jogos e brincadeiras, e no terceiro, danças e lutas. Durante o ano todo realizamos esses relatórios e permanecemos fazendo (julho de 2021).

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As aulas são gravadas por professores convidados pela Secretaria Municipal, nossa função é assistir às aulas toda semana e fazer o relatório, e a cada 15 dias fazemos as atividades complementares. Depois de 15 dias, essas atividades retornam para nós professores, a gente corrige, e lança em uma planilha. Então, enquanto professor de educação física, o meu trabalho é esse. Não preciso dar aula ao vivo, ao mesmo tempo, como acontece no Estado. Poderia dizer que é mais tranquilo no sentido que eu só preciso fazer o relatório e planejar as atividades complementares que estejam ao alcance do desenvolvimento dos estudantes, mas não tenho a obrigatoriedade de estar conectado o tempo todo, que é diferente do Estado. Na prefeitura, há previsão de retorno das aulas para o ensino híbrido na primeira semana de agosto. O número máximo de estudantes por turma são de dez alunos, mas acreditamos que não vamos ter a lotação máxima, porque os pais também vão precisar autorizar, terão que assinar um termo concordando com o ensino híbrido.

Gabriela: Na sequência, gostaria que você falasse um pouco mais de você enquanto professor e também da sua experiência como diretor, gestor de um coletivo de professores. Como foi sua formação com as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação - TDICs, e a relação com o Ensino Remoto Emergencial? Teve algum curso de formação para os professores? Já utilizava em suas aulas de educação física presenciais alguns recursos digitais ou não?

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Felipe: Certo. Vou começar falando a partir da prefeitura, que estou em sala de aula. Eu dificilmente utilizava recursos tecnológicos, primeiro porque a estrutura que temos na escola acaba não possibilitando. Porém, acabo utilizando a televisão para passar algum vídeos para tentar exemplificar o contéudo que trabalharemos. Tenho o costume de realizar pequenas apresentações como forma de avaliação, filmo cada grupo e depois assistimos juntos às apresentações. Nesse momento vamos analisando conjuntamente quais foram os critérios solicitados para as apresentações e se conseguiram cumprir (utilizamos rubricas para fazer as avaliações) (STEVENS & LEVI, 2005; ZARZUETA & HERRERA, 2008). Em 2019, tive a oportunidade de fazer um intercâmbio no Canadá de dois meses, e foi possível ver uma realidade completamente diferente. Aí, claro, trouxe várias ideias para a sala de aula. Em 2019, nos meses de outubro e novembro, consegui desenvolver algumas coisas e acabei me empolgando, pois fiquei bem feliz pelo retorno que os estudantes nos davam, foi bem interessante. Mas, em 2020, acabou parando tudo devido à pandemia, então acabei não desenvolvendo outros trabalhos. Na prefeitura não tivemos formação nenhuma, porque eles não trabalharam com as tecnologias, a única coisa são as aulas gravadas. Então, a gente tem que ter ou a televisão ou o computador utilizando o YouTube para assistir aula, e ponto, é isso que a gente precisa. O professor não teve formação, não teve essa necessidade de se adaptar ou de ter um processo contínuo para aprender usar o Google Meet e o Google Classroom, ou utilizar outras ferramentas tecnológicas durante esse período de pandemia. Já no Estado foi diferente, logo que voltamos para as aulas, nós tínhamos que usar o Google Classroom, porém, não tivemos uma formação específica para os professores. Os professores não tinham a possibilidade de utilizar outra ferramenta, eles deveriam postar mensagens no mural de todas as turmas e inserir atividades avaliativas ou não. Esse processo de postar no mural estava relacionado com a frequência, então o professor tinha que entrar e, no mínimo, colocar uma atividade no seu mural. O que foi difícil? Principalmente os professores que são mais velhos, que têm dificuldade com o uso da tecnologia. Claro, tem professores mais novos que têm dificuldade e que têm má vontade, e tem professor mais velho que tem dificuldade, mas que se dispõe a aprender, e tem professor que já usava o Google Classroom há muito tempo. A formação o que a Secretaria de Educação possibilitou foram diversas lives, e eles continuam fazendo, eles têm um canal chamado canal do professor, onde postam toda semana exemplos de aulas e de como utilizar os recursos tecnológicos. Só que enquanto gestor o que a gente tem observado é que os professores têm muita resistência em participar do processo formativo. Vejo com bons olhos esse processo de tentar mostrar para o professor que existem possibilidades e alternativas, utilizando recursos tecnológicos, mas o professor precisa querer e se dedicar, mas, para isso, também precisa ser valorizado.

Gabriela: É importante a gente saber se os professores já tinham alguma habilidade ou algum conhecimento acerca das tecnologias e como isso afetou ou favoreceu o Ensino Remoto Emergencial, além de pensarmos na importância da formação continuada. Provavelmente, as escolas no pós-pandemia, que todos esperamos que seja breve, irão refletir sobre a importância das tecnologias na educação.

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Felipe: Sim. É o que vejo, enquanto gestor, poucos professores tiveram interesse. Poucos professores dominavam, e esses que dominavam, digamos assim, eles saíram na frente, porque conseguiam desenvolver atividades, por exemplo, no Google Formulário. Eles conseguiam realizar as suas avaliações, não precisavam utilizar as avaliações que a Secretaria de Educação disponibilizava na plataforma, eles podiam criar as suas, tendo assim mais autonomia. E aí foi legal que a gente observou que os professores começaram a trocar ideias entre eles, o professor que já dominava um pouco mais fazia alguns meets para ensinar e poder dar sequência no seu trabalho. E quando a gente pensa nesse processo, infelizmente se não tiver uma obrigatoriedade, boa parte dos professores não faz. Acabei buscando alguns cursos para poder entender um pouco mais como funcionam esses recursos, mais para poder tirar dúvidas das famílias, os estudantes não tiveram formação; os estudantes receberam: olha, está aí o Google Meet, se você tem acesso, você assiste pelo Meet, ou pelo Classroom, se você não tem, você vai na escola buscar a atividade impressa. Uma questão importante de ser comentada é que a gestão não parou na pandemia. O professor está em casa desde o ano passado. A gestão e a equipe pedagógica precisaram estar na escola desde o início. Por quê? Porque a gente tem que atender às famílias carentes, tem família que não tem acesso à internet, e que vai até a escola buscar o kit de/ atividades e o de alimentação. Retomando, o processo formativo precisaria ser mais constante para que o professor dominasse um pouco mais a tecnologia, e aí eu digo assim, dominar a tecnologia para qualificar a sua aula. Porque para o aluno é muito interessante quando o professor consegue, além de dar a sua aula de maneira expositiva como a gente está conversando aqui, colocar um vídeo nesse momento da aula, no Google Meet, consegue trazer uma apresentação via PowerPoint; usam o Jamboard, que é uma ferramenta que tem na Plataforma Google. E se o professor não buscar esse processo formativo ele acaba apenas dando a sua aula, como aconteceu com alguns professores nossos, de ficar 40 minutos falando. Como a gente está conversando aqui, de já estar há quase meia hora, com o aluno escutando. E aí o que acontece? O aluno ele desestimula, acaba não tendo interesse, a aula não fica atrativa, e isso prejudica o processo de aprendizagem.

Gabriela: Em relação à qualidade das aulas e as habilidades necessárias para o uso das tecnologias, gostaria de saber especificamente sobre a sua atuação e, também, sobre a sua observação enquanto diretor. Como se deu o desenvolvimento do Ensino Remoto Emergencial em relação à organização dos conteúdos e estratégias metodológicas? Houve situações marcantes ou experiências positivas que poderiam, inclusive, serem aproveitadas na modalidade de ensino presencial?

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Felipe: A metodologia que eles utilizam nas gravações das aulas de educação física são de 30 minutos, então são aulas relativamente curtas, que têm início, meio e fim, mas que não usam uma metodologia específica de ensino. Elas são trabalhadas pensando, principalmente, no primeiro, segundo e terceiro ano. Geralmente, são duas professoras que apresentam as aulas, que sempre retomam o que foi trabalhado na aula anterior. Então, não sou eu, professor, que trabalha com a metodologia, são os alunos, os alunos assistem sempre as mesmas professoras dando aula. Do quarto e quinto ano, que são os mais velhos, eles estão trabalhando os jogos de tabuleiro, por exemplo. Elas ensinam como que joga dama; o xadrez; a trilha, e acabou. Não há uma preocupação metodológica, de aprofundamento do conteúdo, a gente observa que para o ensino, que a gente chama de ciclo dois, a preocupação é que os estudantes tenham uma aula. Agora, qual vai ser a estratégia metodológica utilizada, a gente não vê tanta preocupação nesse processo. Isso com relação à prefeitura.

Do Estado, quando a gente retornar, acredito que vai ser possível o professor utilizar aquilo que ele aprendeu, o que ele desenvolveu nesse ensino remoto. Se a gente pensar que o professor aprendeu, por exemplo, a fazer o Google Formulário, quando ele for pensar o processo avaliativo dele e de seus estudantes, ele não precisa utilizar só a prova escrita, pode utilizar várias ferramentas e estratégias para qualificar e facilitar até o seu trabalho dentro da escola. Como tinha comentado, a experiência de conhecer uma ferramenta chamada Plickers, um aplicativo que você faz as questões com até quatro alternativas e realiza a leitura dos cartões como se fosse um QR Code. Cada estudante fica com um cartãozinho para responder as questões, vamos supor que na sua turma tenham 30 alunos, você pode numerar de acordo com a chamada e no momento que as respostas forem aparecendo, já fica registrado no nome de cada aluno. O estudante mostra o “QR Code” ao professor, ele escanea com o celular e já aparece o nome do estudante e a resposta dele. É muito rápido. Claro, não digo para fazer uma prova final com o estudante para avaliar todo o conteúdo, mas para fazer uma avaliação diagnóstica, é muito bom e muito rápido, porque cada questão você consegue ver as respostas em 30 segundos, se você estiver projetando ela já aparece projetada quais estudantes acertaram e quais estudantes erraram. Nesse momento, você pode omitir o nome do estudante, mas já vai tendo o resultado imediatamente, e isso fica gravado no aplicativo. É uma ferramenta muito legal e que a minha ideia é levar para os professores. Mostrei para alguns em 2019, mas, quando a gente retornar, é levar para a sala de aula para que eles tenham essa possibilidade de conhecer. Acho que isso é viável, não há necessidade de muitos recursos. O professor tem que ter o celular, os cartões que foram plastificados e o professor pode usar o mesmo. O professor pode usar os cartõezinhos, claro, tendo a preocupação depois sempre de higienizar, que nesse momento de pandemia vai ser necessário, então plastificado ajuda muito. Mas, aí o que a gente pensa, não é? Isso são ações individuais e que vamos trazer e tentar propor para os professores. Claro, da mesma maneira que tem gente que vai gostar, tem quem não vai gostar e não vai usar. Mas acho que tudo o que os professores estão aprendendo nesse processo, eles poderão levar para a sua sala de aula como estratégia metodológica para qualificar o seu trabalho. E acho que muitos vão usar. Acredito que muitos professores vão deixar de usar apenas o quadro e o giz, pelo menos essa é minha esperança.

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Gabriela: Você comentou que a escola agregou em suas ações e conhecimentos acerca da pandemia, pode nos dar mais alguns detalhes do modo como está temática foi abordada?

Felipe: Na prefeitura, a todo momento que começa a aula gravada, as professoras retomam a importância de lavar a mão, do uso do álcool gel, do uso da máscara. Todas as aulas elas já falam para os estudantes da importância: _ “olha, não esqueçam, é importante que vocês lavem as mãos”. Acredito que quando os estudantes do município voltarem, de tanto que eles ouviram isso, vai acabar automatizando a importância de passar o álcool gel, de lavar a mão, de ter o uso da máscara; porque não sei se foi de propósito, mas acho que foi uma boa estratégia todo início e todo final de aula o professor retomar essas questões.

Gabriela: Também penso que o uso das tecnologias na educação se fará mais presente nas escolas depois desta experiência com o Ensino Remoto Emergencial. A próxima questão é mais de cunho pessoal, pensando no Felipe pai, marido, filho. Sabemos que a implementação do Ensino Remoto Emergencial foi difícil para todo mundo. Exigindo nesse processo adaptações tanto no campo pessoal, como no acadêmico. No seu caso, você teve condições de acesso à internet, equipamentos de tecnologia adequados, organização de tempo e espaço para o trabalho em casa? Houve alteração na rotina com familiar? A carga horária de trabalho se alterou, havendo excesso de trabalho? Você também citou antes a possibilidade da adoção do ensino híbrido, com o trabalho presencial e ainda dar conta das atividades remotas, uma atuação dupla, como você vê essa questão?

Felipe: Nós não tivemos, por exemplo, da prefeitura, como a gente precisa, é da televisão e do YouTube, é mais tranquilo. Os professores que não têm acesso ao computador, podem ver as aulas que passam direto na televisão, porque aí ficou no canal aberto. Então, tanto no Estado quanto na prefeitura as aulas são gravadas, não são ao vivo, mas elas passam nesses canais de televisão. Não foi disponibilizado aos professores um pacote de internet e nem computador ou celular. Não tivemos esse incentivo, nem no Estado e nem na prefeitura.

Para mim, claro, nós, tanto eu quanto a minha esposa, estamos em home office. Ela tem o computador do trabalho para poder utilizar, mas a internet é por nossa conta. A única coisa que aconteceu foi que aumentou o consumo, o plano permanece o mesmo, mas aumentou o consumo porque é o dia inteiro conectado. Para todo mundo que me pergunta se eu trabalho mais, menos ou a mesma coisa do presencial? Respondo que é muito mais, porque enquanto gestor, trabalho manhã, tarde e noite. Mas se tivesse no presencial só trabalharia manhã e noite. À tarde, no presencial, estou na escola do município, e quando estamos de maneira presencial não tenho como responder, não posso ficar com o celular o tempo todo. Então se as pessoas tiverem alguma dúvida à tarde, elas vão ter que esperar eu sair da escola, depois das 17 horas, para poder responder. E agora nesse momento da pandemia, os professores mandam mensagem 14 horas, parece que é um vício, você olha o celular e já vai ver o que está acontecendo. Preciso responder as dúvidas dos professores, e não vem só dúvida de professor, tenho que responder à Secretaria de Educação. Tem vezes que eles perguntam, mesmo sabendo que trabalho à tarde, mandam mensagem: “Felipe, quantos professores estão desenvolvendo as atividades?” E tenho que responder na hora, não tenho como deixar para depois, pois têm questões que são imediatas. Então eu falo, nós professores, estamos trabalhando muito mais. A carga de trabalho, o estresse, são muito maiores do que se você estivesse na escola, que você vai dar os seus 50 minutos de aula naquela turma e acabou, você vai para outra. Deu o seu horário, você vai para casa.

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A pandemia, ao mesmo tempo em que foi difícil para todo mundo, eu digo assim, ela possibilitou que eu visse o Vicente (filho de 10 meses) crescer, coisa que com a Clarice (filha de 4 anos), eu não tive. Com a Clarice, eu trabalhava manhã, tarde e noite. Saía de casa às 7 horas e voltava 22h30 da noite. Via a Clarice, às vezes, na hora do almoço, cinco, dez minutos. Com o Vicente foi diferentes, eu vi nascer, e esses dez meses que a gente está, desde quando ele nasceu, todos os dias estou com ele. Não teve nenhum dia que não estive com ele e essa construção enquanto pai foi muito boa. Mas a gente sabe que o trabalho, a carga de trabalho aumentou muito, e muito eu tive que dividir com minha esposa. Pela manhã, a gente tinha que ter um cronograma: _ “Olha, Felipe, o que você tem? Tem reunião?” _ “Olha, eu tenho reunião de manhã.” _ “Então você vai ter que ficar com as crianças de manhã para que eu possa trabalhar”. Se a minha reunião coincidisse com a dela, aí a gente tinha que chamar a nossa sogra para ajudar, então, em alguns momentos, terceirizamos o cuidado das crianças.

Na prefeitura, quando voltar o ensino híbrido, os professores terão que cumprir as suas horas na escola, eu trabalho das 13h da tarde às 17h, e vou cumprir a minha carga horária na escola, então vou dar aula para aqueles estudantes que foram para a escola, se foram três, se foram dez, serei eu que desenvolverei a aula com os estudantes, e aqueles que não foram, vão continuar assistindo às aulas via YouTube ou pela televisão. E vão continuar fazendo o seu relatório. Posso trabalhar a minha aula dando sequência ao conteúdo que é o conteúdo programático da Secretaria Municipal de Educação. Vou continuar trabalhando com o conteúdo de jogos e brincadeiras, depois no terceiro trimestre, com dança e lutas. E será só em sala de aula mesmo, não vamos poder sair de sala, se for trabalhar na quadra, tem que ser separado, tem que ter o distanciamento. Não posso trabalhar com um único material, por exemplo, uma única bola ao mesmo tempo com todos os estudantes. Se eu for trabalhar, tenho que trabalhar com materiais individualizados. E aí, claro, vai depender da estrutura da escola. Cada escola é uma realidade, então: quero trabalhar com dança, vou trabalhar com bambolê, por exemplo. Até na escola municipal eu consigo, tenho um bambolê para cada aluno, só que o risco é muito grande, porque a gente sabe, o aluno, a criança vai jogar o bambolê, o outro vai sair correndo vai pegar. Tudo isso tem que ser levado em consideração nesse retorno, nesse trabalho que a gente vai desenvolver com os estudantes de maneira presencial. No Estado já é um pouco diferente.

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O que a Secretaria de Educação disponibilizou para as escolas foi um netbook para cada sala. Então, na verdade, a nossa escola recebeu de doação de uma outra escola estadual esses netbooks, temos 12 salas de aula. O professor vai trabalhar de maneira síncrona, ao mesmo tempo que ele está em sala de aula, dando aula para os alunos que vierem para o ensino híbrido, ele vai dar aula via Google Meet. É como se eu estivesse falando com você aqui, e na sala aqui tivesse mais dez estudantes. Tudo o que eu estou falando para você, eles estão ouvindo também. Isso vai ser o que chamamos de síncrono. Ao mesmo tempo em que dou aula para quem está em sala de aula, a gente vai dar aula para quem está em casa. No Estado, vai acontecer do estudante que não tem acesso ter que assistir à aula de casa, que é pela TV ou pelo YouTube. Do Estado existem outras possibilidades, vai ter atividade impressa, só que a ideia daqueles que precisam da atividade impressa é que ele participe do ensino híbrido, que deixe de ter atividade só impressa e que vá para a escola para poder qualificar o seu aprendizado. Porque é muito difícil essa parte do aluno ter autonomia, de ler, de pegar a atividade que o professor faz, ler a atividade e responder; e não conseguir tirar dúvida. A gente percebe que a qualidade está bem inferior do que o aluno que tem esse acesso à tecnologia. No Estado ele vai poder, se optar por fazer um ensino híbrido, ele vai uma semana para a escola, uma semana fica em casa, mas esse ficar em casa, se ele tiver acesso à tecnologia, pode continuar assistindo à aula via Meet, a mesma aula que o professor está dando da sala. Se ele não quiser, só vai fazer a atividade impressa ou via Google Classroom. Nesse momento de ensino híbrido a preferência deve ser para o aluno que não tem acesso à tecnologia. Caso a família opte pelo remoto continuará com as atividades impressas. E o estudante que não tem acesso à internet vai poder ficar de casa fazendo as atividades, mas, o ideal, é que ele sempre possa ir à escola para poder ter acesso ao conteúdo e ao conhecimento, que o professor vai poder tirar dúvida, vai poder explicar e de maneira presencial, qualifica muito mais. Teremos, ao mesmo tempo, o ensino híbrido, só que o professor vai ser obrigado a estar na escola durante todas as aulas. O professor não vai ter autonomia de dar aula de casa, terá que vir para a escola. Já a família tem autonomia de escolha, se ela quer ou não que o aluno vá para a escola.

Gabriela: Chegando quase ao final da nossa entrevista vou fazer apenas mais algumas perguntas: como que você avalia o acesso, a qualidade de acesso e aprendizagem dos estudantes com relação à internet? Qual a qualidade das tecnologias que eles dispunham? E só para finalizar: o que você pensa sobre os aprendizados que ficam dessa forma de praticar a docência, dessa modalidade de ensino remoto, emergencial, como você avalia a relação de professor-aluno, o uso das tecnologias, as estratégias utilizadas, as práticas com os outros professores, trocas de experiência?

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Felipe: O processo de ensino e aprendizagem para ser recuperado pode levar entre 4 a 10 anos, dependendo da região do país. É possível observar que não são todos os estudantes que realizam as atividades complementares, pois poucas retornam completas. Alguns alunos não fizeram nenhuma atividade por quê? Porque os pais acabaram não participando desse processo, eles simplesmente abriram mão, deixaram os filhos à mercê e se eles conseguirem fazer alguma coisa, tudo bem, se não fizerem, também não tem problema. A gente observa famílias super comprometidas, de estudantes que fazem tudo, com relatórios completos. E aí, claro, você pensa: meu Deus, se o aluno fez isso, será que ele conseguiu descansar durante o dia? São quatro aulas, e pelo relatório que vem descrito, com certeza ele ficou muito mais de quatro horas se dedicando. Só que assim, será que ele aprendeu mesmo? Ou será que ele só descreveu? Isso a gente só vai conseguir ter ideia quando voltar ao presencial. A gente não tem como, da prefeitura, eu diria assim, não tem como avaliar o quanto esses estudantes aprenderam. Sabemos que a defasagem é muito grande, a gente sabe que a qualidade foi muito inferior, mas que teremos que fazer um processo de retomada muito grande, desde o ano passado até esse período que a gente está. Essa é a visão que eu tenho da prefeitura, enquanto professor, porque não dei aula, não tive essa oportunidade de dar aula. Fiz os relatórios como os alunos fazem, e o que eu tive que fazer foi desenvolver atividades complementares. Mandava por email, a equipe pedagógica e a direção imprimiam, e entregavam para os pais a cada 15 dias, era isso. E depois de 15 dias voltava para a escola para poder fazer a correção. Então, posso dizer que vai ser necessário um trabalho muito grande, uma dedicação muito grande dos professores em geral para poder qualificar novamente o processo de ensino e aprendizagem.

Da aprendizagem dos nossos alunos no Estado, temos alunos que acompanham todas as aulas via Google Meet, têm alunos que não faltaram nenhuma aula, têm 100% de frequência e com a câmera aberta. Tem aluno, a maior parte dos nossos alunos, fica com a câmera fechada, e aí são vários os motivos: ou porque realmente ainda estão dormindo, estão com o Meet aberto, mas estão dormindo, pois eles não respondem ao professor, que conversa e não tem uma resposta. Muitas famílias têm uma realidade precária e eles têm vergonha de mostrar a casa, tem vergonha de deixar a câmera aberta e as pessoas acabarem tirando sarro, ou fazerem brincadeiras de mau gosto, ou, muitas vezes, é porque é um celular que não tem uma câmera adequada, não tem computador, e por isso que não funciona. A maior parte dos nossos alunos fica com a câmera fechada.

Gabriela: E qual a qualidade dos materiais impressos disponibilizados na escola para os estudantes sem acesso à tecnologia? E como são as devolutivas das atividades que os estudantes pegam impressas?

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Felipe: Tem alunos que não têm acesso a nenhuma tecnologia, e aí só pegam a atividade impressa na escola, e tem alunos que não têm tecnologia e não tem a condição de ir até a escola. E o que a gente faz? Temos que fazer a busca ativa desses alunos. Muitas vezes, eu e o Gilson, enquanto gestores, vamos até a casa do aluno e levamos essas atividades impressas para ele. Entregamos a atividade que ele tem que fazer, e pegamos a que já fez. Agora essas atividades que chegam de maneira impressa, que chegam para o professor, muitas vezes elas vêm sem respostas, porque o estudante não conseguiu, ele não entendeu o que o professor queria, não entendeu o enunciado e acaba não respondendo. Então quem tem a possibilidade da tecnologia, de poder tirar a dúvida com o professor ao vivo, esse tem um processo de aprendizagem muito melhor do que o estudante que não tem acesso, que fica só pelo Classroom, por exemplo, que daí eles só respondem os questionários. Mas esse que responde o questionário tem uma condição melhor de aprendizagem do que esse que pega a atividade impressa. Das atividades impressas, percebemos que são alunos que simplesmente fazem para não ficar com falta e para não reprovar. Mas que vão ter uma dificuldade muito grande quando retornarem.

Gabriela: E como observação final, foi feita alguma reforma estrutural de melhoria significativa na escola, seja adquirindo equipamentos, computadores ou internet?

Felipe: Na escola do município não teve nenhum incentivo para aumentar, por exemplo, a capacidade de internet, colocar computadores nas salas. Para os estudantes que não tinham acesso à tecnologia, que não tinham computadores, foram feitas algumas doações. Organizações individuais de professores e gestão da escola para doar um computador para o aluno, ou até mesmo doar televisores. A escola onde atuo doou dois televisores para as famílias para que as crianças pudessem acompanhar as atividades. Então de tecnologia, por parte da prefeitura, não teve nada, nenhum avanço considerável, pensando no retorno que teremos no mês que vem.

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Agora vamos para o Estado. Nossa escola conta com aproximadamente 650 estudantes, manhã, tarde e noite. No final do ano passado recebemos uma verba de aproximadamente 20 mil reais do programa PDDE emergencial, essa verba poderia ser utilizada para compra de equipamentos, para que pudéssemos manter a higienização da escola. E o governo do Estado fez uma parceria com o governo federal para a gente instalar uma rede lógica nas escolas. Então, no início do ano, instalamos essa rede lógica que é o cabeamento de toda escola, para que todas as salas tivessem internet. Mas qual é o grande problema? Quanto chega de internet para cada sala de aula? Foi prometido pelo governo do Estado 100 mega para cada sala, e o que a gente recebe são 20. E o que acontece? Se conectarmos todos os computadores ao mesmo tempo, trava. Então, em algumas salas, que ficam mais próximas à central, o professor consegue dar a aula, pois a distância é menor dos cabos e oscila menos. Mas, nas últimas salas de aula, tem vezes que você conecta a internet, não abre o Google Meet. Então, a propaganda que é feita muitas vezes pelo governo é que todas as escolas têm acesso à internet; ok, têm acesso, mas qual é a qualidade desse acesso? Nós ainda não tivemos aula na escola com todas as salas funcionando ao mesmo tempo, fizemos alguns testes. E a gente percebeu que vai travar, não vai ter qualidade. Então o que vai acontecer? Quando o professor estiver dando a aula em sala de aula e o Meet travar, ele vai ter que parar a sua aula, ter que esperar voltar, reconectar, para depois continuar sua aula, porque não tem como. Como estamos fazendo aqui a entrevista, tem vezes que a nossa internet, a minha internet aqui trava, aí eu paro. Tem vezes que trava a tua, não é? Isso que estamos aqui com um computador cada um para poder desenvolver essa nossa fala. Então foi disponibilizado, mas não foi o governo do Estado, foi o governo federal em parceria com o governo estadual. Acho que isso é importante de falar porque o governo do Estado faz uma propaganda muito grande, sabe? Falando que todas as escolas têm a rede lógica porque o governo do Estado que disponibilizou, e não é verdade. Nós temos computadores, mas são computadores emprestados. Quando acabar a pandemia e voltarmos ao ensino presencial, vamos ter que devolver esses computadores para a escola que emprestou. E aí qual foi a nossa estratégia enquanto gestor? Nós tínhamos uma verba do PDDE, que é do governo federal também, que possibilita a compra de alguns equipamentos, dentre os equipamentos, televisores. Eu e o Gilson, que somos os gestores, conversamos com as famílias, com os professores e fizemos o levantamento do que seria mais importante. Comprar computador para sala, para fazer um laboratório de informática ou comprar Smart TV para todas as salas de aula? A comunidade achou melhor os televisores, então compramos uma Smart TV de 40 polegadas para cada sala de aula. Isso é legal, que daí é uma discussão da gestão, da escola, não é o governo do Estado que está dando esse material para nós. Até o final do mês, vamos instalar todos os televisores nas salas, vai ser legal que tem o cabeamento e vamos poder conectar o cabo da internet à televisão para os professores, se eles quiserem passar algum vídeo, usar algum filme da Netflix, o YouTube, usar alguns aplicativos que possibilitam esse desenvolvimento da atividade. Será interessante porque o professor terá esse acesso, se ele não quiser usar, a autonomia é dele, mas ele não vai poder falar: a gente não tem. Mas isso aí é um trabalho que a escola conseguiu desenvolver. Acabou a pandemia, a gente tem esse equipamento disponível. Se o professor quer usar, por exemplo, um datashow, um multimídia, temos dois multimídias na escola que podemos emprestar para os professores. Então, tem esses recursos tecnológicos, ainda não é o ideal, mas já é um avanço. O ideal seria que a gente tivesse um projetor e um computador em cada sala de aula, isso seria a escola que a gente acredita como ideal, mas por enquanto não temos.

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Gabriela: Acredito que esse livro é importante, porque apresenta um relato detalhado de professores que vivenciaram diferentes realidades com o Ensino Remoto Emergencial. Enfim, o ensino híbrido está se anunciando, que seja tempo de cuidado mútuo, e que possamos desenvolver nosso trabalho de maneira satisfatória e com o compromisso pedagógico. Agradeço por ter aceitado o convite e por ter retratado seu trabalho nesse livro, como forma de resistência e sobrevivência da escola pública.

Referências

STEVENS, D. D.; LEVI, A. J. Introduction to rubrics: an assessment tool to save grading time, convey effective feedback and promote student learning. StylusPublishing, LLC., 2005.

ZARZUETA, M.; HERRERA, L. Rúbrica o matriz de valoración, herramienta de evaluación formativa y sumativa. Quaderns Digital, 2008.