Educação Intercultural
O Curso de Educação Intercultural vinculado ao Núcleo Takinahaky de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Goiás foi criado pela Resolução n° 0011/2006/CONSUNI, iniciando-se em 2007. Surgiu em atendimento à solicitação de lideranças indígenas da região Araguaia-Tocantins e a partir de diálogos, reuniões e seminários ocorridos entre indígenas dos estados de Goiás, Tocantins, Maranhão, Roraima e Rondônia, professores e professoras da UFG, profissionais da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Ministério da Educação (MEC/SESU/SECADI) e das Secretarias de Educação dos Estados de Goiás (SEDUCs), Tocantins e Maranhão.
O processo seletivo para o provimento das vagas do curso de Educação Intercultural é anual, específico e se destina a professores e professoras indígenas da área de Educação Escolar Indígena da Rede Pública de Ensino. Atende a sete Territórios Etnoeducacionais, dos Estados de Goiás, Mato Grosso, Maranhão, Tocantins e parte de Minas Gerais, onde havia, e ainda há, uma demanda crescente pela formação de professores e professoras indígenas que atuam e/ou possam atuar em suas escolas: 1) Vale do Araguaia: Memõrtũmre e Apànjêhkra (Canela do Araguaia), Guarani (do Tocantins), Bero Biawa Mahadu (Javaé), Iny (Karajá), Ixỹbiòwa (Karajá Xambioá), Apyãwa (Tapirapé) e Tapuia; 2) Xingu: Ikpeng, Yuja (Juruna), Kawaiwete (Kaiabi), Kamaiurá, Kalapalo, Kuhikugu (Kuikuro), Mehinaku, Mentuktire, Yawalapiti e Wauja (Waurá); 3) Timbira: Panhĩ (Apinajé), Canela do Maranhão, Pyhcop cati ji (Gavião), Mehĩ (Krahô) e Crẽh Cateh cati ji (Krikati); 4) Akwẽ (Xerente); 5) A’uwe Uptabi (Xavante); 6) Tenetehara (Guajajara); 7) Baixada Cuiabana: Boe (Bororo).
O curso está organizado por meio da Pedagogia da Alternância, que se dá em dois encontros presenciais anuais em Goiânia/GO, no câmpus Samambaia, as ‘Etapas de Estudos na UFG’, nos meses de janeiro-fevereiro e julho-agosto, e dois encontros em terra indígena, as ‘Etapas de Estudos em Terras Indígenas’, que se realizam entre os meses de abril e junho, e de setembro e novembro, nas aldeias onde moram os(as) estudantes. O curso tem duração de cinco anos e seu Projeto Pedagógico compreende uma Matriz Básica, com duração de dois anos e as Matrizes Específicas, ‘Ciências da Linguagem’, ‘Ciências da Cultura’ e ‘Ciências da Natureza e Matemática’, com duração de três anos.
As matrizes básica e específica são constituídas por Temas Contextuais, Estudos Complementares, Pesquisa, Informática e diversas tecnologias. Compõem também essas matrizes a ‘Prática como Componente Curricular’, voltada para a produção e a discussão sobre materiais didáticos, projetos políticos pedagógicos, dentre outros temas, e as ‘Atividades Complementares’, que são compostas por participações em seminários, congressos, oficinas e palestras. As matrizes específicas são constituídas pelo ‘Estágio Pedagógico Supervisionado’ e o ‘Projeto Extraescolar’.
O Estágio tem como principal meta a reflexão sobre a prática pedagógica e a relação teoria e cotidiano da sala de aula. As práticas pedagógicas do Estágio no Curso de Educação Intercultural propõem a descolonização da educação por meio da construção de uma educação contextualizada que favoreça um diálogo permanente entre os saberes indígenas e os não indígenas. A partir desse exercício de refletir sobre a prática de ser professor(a) indígena estamos realmente contribuindo com a construção de uma proposta de educação escolar diferenciada, com características próprias e específicas aos diversos povos e comunidades.
Os Projetos Extra Escolares, dos quais participam crianças, jovens, professores(as), lideranças, e demais membros das comunidades, são orientados(as) pelos sábios, buscam envolver todas as comunidades, no resgate e na promoção de atividades que visam à pesquisa, à documentação dos conhecimentos das tradições indígenas e à valorização das línguas e ciências indígenas, e, em muitos casos, contribuem para a reconstituição dos espaços de produção de saberes especializados, e de outros temas ligados à convivência intercultural. Promovem, assim, a articulação entre as gerações, o fortalecimento de ações culturais e a formação do(a) estudante indígena em contextos específicos e interculturais.
O curso teve sua proposta construída coletivamente, considerando-se as necessidades, os projetos e as propostas educacionais desejadas pelas comunidades indígenas, que sonham com outro tipo de escola, ou seja, uma escola que atenda às suas demandas e não às políticas externas e descontextualizadas. Priorizaram-se as reivindicações das comunidades indígenas, no que dizia respeito à implantação de programas de valorização de suas línguas e culturas. O grande desafio, desde o início, sempre foi o trabalho colaborativo, com base nas línguas e culturas indígenas, privilegiando os argumentos pedagógicos e valorizando as epistemologias de cada povo indígena.
O Curso de Educação Intercultural tem como base princípios vinculados à decolonialidade, à transdisciplinaridade e à interculturalidade crítica, se afastando de modelos disciplinares coloniais e propondo a elaboração de uma nova educação escolar indígena. Produz igualmente conhecimento pluriepistêmico, centrado em uma política acadêmica e editorial de vanguarda, realizada em línguas originárias e/ou de maneira bilíngue. Trata-se, portanto, de um espaço de inovação na formação de professores e professoras indígenas, por meio da composição das matrizes curriculares decoloniais, novas práticas pedagógicas e modelos de gestão, baseadas nas epistemologias indígenas.
O curso é referência, ainda, para as políticas afirmativas, por meio de sua proposta inovadora, pelo reconhecimento da pluralidade, pela possibilidade de vinculação às comunidades indígenas e pelo respeito aos direitos dos povos indígenas em acessar uma educação intercultural e diferenciada. A partir desse curso a universidade dá um passo importante em direção à democratização do acesso ao ensino universitário para as populações discriminadas e vitimadas pela exclusão socioeconômica no passado e no presente.