4. Parâmetros e Indicadores de Institucionalização e Qualidade da Educação a Distância
Considerando que a modalidade de Educação a Distância (EaD) possui especificidades e características próprias, se faz necessário reconhecer e utilizar parâmetros e indicadores de Institucionalização e Qualidade para seu desenvolvimento, como argumentam Ferreira e Carneiro (2015) e Lima e Alonso (2021) ao defenderem que a qualidade da EaD depende de alguns fatores, sendo alguns deles a compreensão de seu conceito e dos elementos necessários para seu processo de institucionalização.
4.1 Parâmetros e Indicadores de Institucionalização da EaD
A institucionalização da modalidade de Educação a Distância (EaD) na Universidade Federal de Goiás é compreendida como um processo progressivo, que não depende única e exclusivamente de se ter um órgão que faça a sua gestão, mas de uma série de regras, políticas, estruturas, procedimentos e estratégias incorporadas pela/na instituição para a modalidade, implicando uma perspectiva de desenvolvimento de rotinas que sejam implementadas para as mesmas ações de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas na modalidade presencial. Isso acontece de forma processual, seguindo estágios de desenvolvimento institucional. A distinção desses estágios permite verificar a intensidade da compreensão do objeto a ser institucionalizado (nesse caso a EaD), compreensão e normatização das regras e princípios, além do grau de desenvolvimento e difusão na identidade institucional, garantindo a sua permanência (Ferreira; Carneiro, 2015; Lima, 2021).
Os autores que tratam da institucionalização da EaD geralmente classificam esses estágios em três, com diferentes nomenclaturas e focos, porém sempre similares nas características de cada fase, independente da nomenclatura, conforme o quadro a seguir:
Autores | Etapas |
---|---|
Tolbert e Zucker (1999 apud Ferreira; Carneiro, 2015) | (1)Pré-institucional (2)Semi-institucional (3)Total institucionalização |
Wiseman (2007) | (1)Pré-institucionalização (2)Institucionalização (3)Pós-institucionalização |
Kesar e Sam (2012) e Platt (2009) | (1)Mobilização (2)Implementação (3)Institucionalização |
Fonte: Elaborado pelos autores
Considerando as três etapas da institucionalização, podemos dizer que, na primeira fase, a instituição não possui ainda uma agenda clara para o objeto a ser institucionalizado, não existe ainda compromisso, mas se iniciam as primeiras conversas, planos de ação e forças-tarefa, ainda realizadas por unidades particulares. A segunda fase é marcada pela possibilidade de colocar em prática as primeiras ideias, programas e estruturas, com criação de infraestrutura e introdução de incentivos. A última fase é marcada pelo conhecimento instaurado do objeto, sendo ele incorporado na memória organizacional e de rotina da instituição, integrado na programação global da instituição e desenvolvido globalmente, com normas claras e estabelecidas. Todas essas ações demonstram que o processo de institucionalização é demarcado por diferentes características e elementos, que vão se consolidando gradualmente e processualmente.
Sendo assim, considera-se um processo ou objeto institucionalizado quando:
[...] é visto como um processo que ocorre em fases ao longo do tempo, resultante de fatores que interagem para criar um ambiente que lhe dê suporte. É o estabelecimento de uma prática ou ação em um sistema humano, caracterizada pela rotina difundida e legitimada, esperada, apoiada, permanente e resiliente. Exige uma liderança comprometida com a criação de um ambiente voltado para a ação e engajada no processo de transferência de uma agenda de progresso para institucionalizar uma nova maneira de fazer o trabalho ou a ação (Kesar, 2007 apud Lima, 2021, p. 28).
Quando relacionadas essas características à EaD, para que seja institucionalizada, é importante considerar alguns pilares, dimensões e indicadores. Com relação aos pilares, Cruz (2022) defende a articulação de três:
- (i) infraestrutura - física, de manutenção, funcionamento e implementação tecnológica;
- (ii) engajamento - envolvimento dos atores envolvidos diretamente no processo de institucionalização da EaD;
- (iii) amparo - apoio que os atores envolvidos diretamente no processo de institucionalização da EaD recebem da gestão macro da instituição.
Considerando as dimensões, destacam-se: planejamento, organização, infraestrutura, recursos, políticas de gestão e de pessoal envolvido com a modalidade, serviços de apoio ao discente (Ferreira; Carneiro, 2015; Cruz, 2022).
Como indicadores, devemos considerar (Lima, 2014; Ferreira; Carneiro, 2015; Cruz, 2022):
- Articulação entre os documentos institucionais e a modalidade: Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), Projeto Pedagógico Institucional (PPI), Projeto Pedagógico de Curso (PPC) e outros
- A EaD na agenda da instituição
- Rotina de procedimentos relacionada à EaD
- Incorporação das especificidades da EaD na gestão e organização
- Representatividade de profissionais que atuam na EaD nas instâncias decisórias
- Ações de EaD continuadas após mudança de gestão
- Recursos para EaD na Matriz Orçamentária
- Espaço e Estrutura física e condições tecnológicas
- Ambiente virtual de aprendizagem institucional
- Ferramentas tecnológicas de suporte ao processo ensino-aprendizagem e à gestão
- Apoio técnico e formação para professores e demais profissionais
- Equipes de gestão, multidisciplinares e administrativas, com dedicação exclusiva e estabilidade
- Oferta de cursos próprios em EaD, sem dependência de fomento externo
- Apoio discente
- Oferta e acompanhamento institucional de carga horária a distância em cursos presenciais
- Política de formação continuada para a EaD, que evite o desenvolvimento de projetos e ações aleatórias, desvinculadas do contexto institucional
- Política de avaliação contínua dos indicadores para institucionalização e desenvolvimento da EaD com qualidade.
4.2 Parâmetros e Indicadores de Qualidade da EaD
A qualidade da Educação Superior, seja presencial ou a distância, se tornou tema central na agenda dessa etapa, tendo sido considerada por seus pesquisadores e estudiosos como polissêmica, devido à complexidade que seu conceito, uso e valores que dela ensejam, além de não proporcionar consensos. Mesmo assim, seu conceito não é neutro, mas carregado de posicionamento político e ideológico, a depender da abordagem em que é pensada. Numa sociedade neoliberal, acaba por ser influenciada pelos mecanismos do mercado no seu processo conceitual e desenvolvimental, o que necessita um olhar cuidadoso. Relacionada à educação,
A qualidade é, então, conformidade a padrões previamente estabelecidos por especialistas e pelos membros de órgãos que definem os critérios e padrões através dos quais são controlados os setores acadêmicos e efetuadas as medidas. Como tendência geral, se observa que, quando a avaliação e o conceito de qualidade estão determinados pelos especialistas externos e as autoridades governamentais, em geral, se limitam a controlar, medir, certificar e regular, em detrimento dos processos participativos e formativos de reflexão e debates da comunidade acadêmica e científica, com prejuízo, portanto, ao exercício da autonomia universitária (Dias Sobrinho, 2008, p. 819).
Sendo assim, a maioria dos estudiosos vai defender duas vertentes de lente teórica para sua compreensão: uma com viés quantitativo intitulada “mercoeconomicista” (de cunho neoliberal) e outra qualitativa intitulada “socialmente referenciada” (mais democrática e que envolve a instituição na sua construção e acompanhamento), conforme pode ser visualizado no quadro a seguir:
Mercoeconomicista | Socialmente referenciada |
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Fonte: Lima e Alonso (2021, p. 32) com base em Silva (2009)
No Brasil, a qualidade da Educação Superior tem sido medida na graduação com base na lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004, que institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), formado por três componentes principais: a avaliação das instituições, a avaliação dos cursos e a avaliação do desempenho dos estudantes (ENADE). Mensurados por índices (com escalas numéricas), esses componentes têm provocado controle, hierarquização, comparação e ranqueamento entre as instituições, sendo que Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, responsável pela avaliação) ainda coloca como centro das atenções um desses processos, o ENADE. Vale, entretanto, destacar que "não há teoria educacional que sustente que o desempenho de um estudante numa prova seja plena garantia de aprendizagem, nem de que o resultado de um conjunto de estudantes num exame seja igual à qualidade de um curso" (DIAS SOBRINHO, 2008, p. 822).
Na pós-graduação, a avaliação da qualidade tem sido realizada pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior), por meio do Sistema Nacional de Pós-graduação (SNPG), implementado em 1976, em que se fazia uma avaliação trienal (até 2013-2016), passando a ser quadrienal a partir de 2017-2020. O processo de avaliação não é unívoco: há argumentos de que essa avaliação tem sido fundamental para o crescimento e amadurecimento da Pós-graduação no Brasil, enquanto outros criticam as consequências negativas dadas pelo maior peso nas publicações em detrimento de seu impacto social, acadêmico e científico, ocasionando também ranqueamento, com lógica competitiva por financiamento e consequente intensificação do trabalho docente, visto que o resultado também é finalizado por meio de índices - notas dos programas por áreas do conhecimento (MARQUES, VEIGA e BORGES, 2020).
Considerando, então, que no Brasil os índices quantitativos têm sido utilizados como medidores de qualidade (há que pese as críticas em relação a isso), as instituições de Educação Superior não podem desconsiderá-los, porém não deveriam usá-los exclusivamente como única ferramenta para seu acompanhamento. Considerando essa realidade e a necessidade de se considerar uma qualidade socialmente referenciada, inicialmente recomendamos:
- A criação de um Conselho de acompanhamento e monitoramento da EaD na UFG, por meio de Portaria da Reitoria, subordinado à diretoria do CIAR e composto pelos Coordenadores de EaD de cada Unidade. Assim, esse Conselho acompanharia: (1) A avaliação oficial/nacional e seus resultados dos cursos e programas (graduação e pós-graduação) em EaD comparados aos equivalentes presenciais; (2) Porcentagem de uso da EaD em cursos presenciais e na curricularização da extensão; (3) Indicadores de institucionalização da EaD na UFG; (4) Indicadores de qualidade socialmente referenciada da EaD na UFG. Com isso, a proposta é que essa comissão, representativa e colegiada, possa definir os indicadores de institucionalização e qualidade socialmente referenciada (que pode ser embasada em estudos e pesquisas já realizadas, como as propostas nos apêndices 1, 2, 3) para esse acompanhamento e desenvolvimento da modalidade na universidade.
Com relação à qualidade socialmente referenciada da EaD na Educação Superior, esta precisa ser planejada e ter definidas suas dimensões e indicadores em nível institucional (considerando a sua própria realidade), atrelada aos indicadores também definidos institucionalmente de sua institucionalização. Porém, com base nas dimensões defendidas pela maioria dos autores que tratam do tema, é importante considerar neste âmbito de forma geral:
- Os autores que tratam da qualidade socialmente referenciada geralmente tratam de aspectos em nível meso (institucional) e micro (dos cursos), sendo que a instituição ter um órgão específico para fazer a gestão e acompanhamento da EaD é condição sine qua non e este transita entre as duas dimensões, no caso da UFG temos o CIAR, órgão vinculado diretamente à Reitoria.
- As dimensões devem tratar:
- Meso: Definição de política institucional para a oferta, desenvolvimento e acompanhamento da modalidade EaD na Universidade; Diretrizes institucionais claras, resilientes e rotineiras; previsão da modalidade em todos os documentos institucionais; existência de um órgão específico para desenvolvimento, formação e acompanhamento da modalidade na universidade, com infraestrutura física, tecnológica e de pessoal compatíveis com as necessidades institucionais e representatividade em todas as suas instâncias; desenvolvimento da modalidade na universidade de forma que dialogue com as demais frentes e ações e que possibilitem mobilidade, cooperação, acesso à políticas inclusivas, dentre outros.
- Micro: Contemplar indicadores e ações de gestão; organização didático-pedagógica e de processos comunicativos; mecanismos de orientação, formação e acompanhamento discente; mecanismos de orientação, formação e acompanhamento ao docente e equipe multidisciplinar; desenvolvimento e sustentabilidade de infraestrutura compatível, tecnologias, inovação e possibilidade de espaços para atendimento presencial.
Dentre os indicadores a compor as dimensões a serem previstos e acompanhados, de forma geral, destacam-se:
- No âmbito dos/as profissionais que irão compor os cursos a distância, além da equipe multidisciplinar necessária no órgão de gestão de EaD da Universidade (CIAR) e que apoia os cursos, não defendemos a figura do/a tutor/a, mas do/a profissional docente que desenvolverá as atividades de ensino e aprendizagem com as turmas previstas. Sendo assim, é importante manter a mesma previsão dos cursos presenciais, com relação ao número máximo de estudantes por docente, previsto no Projeto Pedagógico de Curso (PPC).
- A utilização da carga horária a distância em cursos presenciais precisa ser normatizada na UFG, com previsão de formação docente, discente e de acompanhamento e registro dessas atividades. Promover e incentivar a pesquisa e a inovação na EaD, com mecanismos de incentivo e orçamentos próprios para a modalidade.
- O CIAR precisa ter pessoal em quantidade e representatividade compatíveis com as funções das equipes multidisciplinares e de gestão necessárias (garantindo a interação e coordenação entre os atores envolvidos), com capacidade de atendimento e acompanhamento, além de desenvolver política de formação inicial e continuada para a EaD para toda a universidade em nível de graduação, pós-graduação e extensão universitária, em parceria com as unidades acadêmicas.
- Definição e investimento em desenvolvimento constante de ambientes ou plataformas digitais inclusivas e acessíveis a pessoas com deficiências, assim como uso/disponibilidade de variadas ferramentas/tecnologias digitais de informação e comunicação que contribuam para uma melhor experiência do usuário, com itinerários motivadores e que contribuam nos processos de interação e interatividade.
- O projeto de implementação da EaD deve prever o modo como os discentes terão acesso às TDICs, tanto na dimensão de hardwares (computadores, dispositivos móveis e outras tecnologias) quanto de softwares (acesso à rede de Internet, aplicativos e programas usados nas disciplinas). Tal previsão deve apontar para soluções de acesso que não sejam necessariamente de responsabilidade do/a discente e docente, seja por meio de laboratórios disponíveis nos campi/polos ou pela disponibilização dessas tecnologias de modo individual ou apoio ao seu acesso;
- Desenvolvimento de políticas de mobilidade e internacionalização. Garantia de financiamento adequado, com orçamentos próprios e aquisição de materiais e equipamentos adequados para a modalidade.
- Promoção de ações que visem a institucionalização e desenvolvimento da modalidade em âmbito institucional e não só por pequenos grupos, com base socialmente referenciada, com formação e apoio específico.
- As políticas de apoio à permanência do estudante da modalidade a distância devem ser equivalentes às dos estudantes nas modalidades presenciais.
- Os sistemas de registro e gestão acadêmica devem ser adequados às especificidades das metodologias da EaD no que tange ao controle de frequências, registro de notas, calendário acadêmico, registro de alunos por polos, definição de turno, dentre outras. E isso deve se estender às disciplinas em EaD nos cursos presenciais.