3. Conceitos, fundamentos e características de modelos educacionais com o uso de tecnologias
No contexto do uso mais intenso das TDICs e da efetivação do processo de institucionalização da EaD na UFG, seja por oferta de cursos na modalidade a distância, ou em modelos híbridos e, particularmente, no referente à implementação de cargas horárias em EaD nos cursos presenciais, cabe, primeiramente, destacar o que entendemos por presencialidade. Esta se caracteriza como a simultaneidade temporal e de interação face a face entre os agentes do processo educativo. Peixoto (2022, p. 49, grifo nosso) nos indica que
O que distingue a educação presencial da Educação a Distância é o fato de, nesta última, a localização dos sujeitos em lugares e tempos diversos se dar de forma mais estendida, uma vez que, na educação presencial, além dos horários regulares de aulas presenciais, as demais atividades também se dão com professores e estudantes em distintos tempos e espaços.
Entretanto, para o pesquisador Oreste Preti, importante nome de referência nos estudos em EaD no país, a presencialidade ultrapassa as barreiras do espaço físico, para ele:
“Presencialidade” pode significar, também, “estar juntos virtualmente”. O espaço físico está dando lugar ao ciberespaço ou à construção de “redes de aprendizagem”, em que professores e alunos aprendem juntos, interagem e cooperam entre si. (Preti, 2011, p.57)
A presencialidade, portanto, se verificaria para além da simultaneidade dos atores em um mesmo espaço físico. É neste sentido que se considera, como instrumentos de verificação de frequência dos estudantes na modalidade a distância, algumas ferramentas assíncronas, como a verificação da quantidade de acessos ao ambiente de aprendizagem, a realização de tarefas on-line, a participação em fóruns, wikis e outras ferramentas colaborativas etc. Embora distantes no espaço e no tempo, esses estudantes estão presentes no curso como um todo.
A despeito de sua validação, essa “presencialidade virtual” evidentemente não se caracteriza como uma sinonímia da “presencialidade atual”, aquela em que o estar juntos se materializa no mesmo espaço-tempo. Esta última já tem evidenciada sua importância no processo de aprendizagem, seja pela interação não mediada entre docentes e discentes nas quais entram em evidência o cenário, as expressões corporais, o compartilhamento de ferramentas, seja pelas interações dos discentes entre si, nas espontaneidades e vivências normalmente limitadas pelas janelas dos dispositivos eletrônicos.
Ao se falar nessas “presencialidades”, é importante ressaltar que elas, por si só, não caracterizam uma modalidade ou outra. Neste sentido, a modalidade presencial faz uso de atividades não presenciais em sua estrutura, desde suas configurações mais tradicionais, como nas tarefas para serem realizadas em casa, até os processos mais recentes de metodologias ativas, como por exemplo a "sala de aula invertida". Nesta configuração:
tem-se uma mudança na forma tradicional de ensinar. O conteúdo passa a ser estudado em casa e as atividades, realizadas em sala de aula. Com isso, o estudante deixa para trás aquela postura passiva de ouvinte e assume o papel de protagonista do seu aprendizado." (Júnior, 2020).
Do mesmo modo, a maior parte dos cursos de graduação na modalidade a distância consideram a importância de “encontros presenciais”, tanto para a realização de atividades avaliativas, como para a interação entre estudantes, ou mesmo para atividades laboratoriais.
Assim, entendemos que a determinação da modalidade não é definida pela existência de atividades pontuais presenciais ou não presenciais, mas sim pela sua estruturação como um todo, em que se evidenciam métodos específicos que vão desde a configuração da organização e exposição de conteúdos até os processos avaliativos. Portanto, da mesma forma que o mero uso de tecnologias digitais de informação e comunicação não desconfiguram a presencialidade de um curso ou disciplina, a realização de aulas síncronas via webconferências não caracteriza este mesmo curso ou disciplina como na modalidade EaD.
Ainda por esses motivos, as práticas usadas no Ensino Remoto Emergencial (ERE), durante a pandemia da Covid-19, não se caracterizam como práticas de EaD, visto que reduzem as atividades síncronas presenciais a uma “substituição” pela sincronicidade mediada por softwares de webconferência, dispensando as experiências da EaD, obtidas pela articulação entre as tecnologias síncronas/assíncronas, a dinamicidade potencializada por ambientes virtuais de aprendizagem, os materiais didáticos adaptados para a modalidade, bem como as metodologias de ensino/aprendizagem próprias que podem, inclusive, considerar “encontros presenciais”.
A partir disso, cabe distinguir alguns conceitos que derivam da inserção das tecnologias digitais de informação e comunicação no trabalho pedagógico-didático, e que, portanto, atuam no campo das metodologias de ensino:
- Ensino ou aprendizagem híbrida - “modo de organização do processo de ensino e aprendizagem, o qual inclui a adoção de estratégias e metodologias que mesclam elementos do ensino presencial – momentos de interação face a face – e do ensino on-line, supondo a utilização de tecnologias da informação e comunicação” (Maia, 2021, p. 36). Neste modelo, a mistura de elementos do ensino presencial e do ensino on-line deve ocorrer de forma integrada, a partir de relações baseadas em um trabalho interativo e colaborativo entre professores e estudantes. Existe uma multiplicidade de concepções e terminologias sobre o ensino híbrido, configurada por incertezas quanto ao entendimento sobre o tema, que já é discutido há alguns anos.
- Ensino Remoto (Emergencial) - é uma proposta de ensino emergencial para realização de atividades acadêmicas por meio da utilização de diferentes recursos tecnológicos, a fim de garantir o distanciamento social, recomendado pelas autoridades sanitárias e de saúde diante da Pandemia da Covid-19. Portanto, é importante compreender que "ensino remoto, educação remota, ensino virtual, educação virtual, educação online, entre outras expressões recorrentes utilizadas na atualidade, não são sinônimos de Educação a Distância. São sim, modelos pedagógicos que, por articularem mediação pedagógica à mediação tecnológica de diferentes tipos, carregam características organizacionais (relação tempo e espaço mais flexível, por exemplo) que, guardadas as devidas proporções, aproximam-se parcialmente daquelas desenvolvidas na EaD” (Sá et al., 2020, p.3). Ou seja, o ensino remoto constitui-se em adequações para dar continuidade ao ensino que foi planejado para a rotina da educação presencial e já teve suas atividades finalizadas na UFG por meio de legislação específica.
- Ensino Semipresencial - a Portaria n.º 4.054/2004, em seu Art. 1º §1, caracteriza a modalidade semipresencial “como quaisquer atividades didáticas, módulo ou unidades de ensino e aprendizagem centrados na autoaprendizagem e com a mediação de recursos didáticos organizados em diferentes suportes de informação que utilizem tecnologias de comunicação remota”. O conceito caiu em desuso em função do avanço da compreensão das tecnologias no trabalho pedagógico, tanto para curso a distância, quanto para disciplinas a distância em cursos presenciais.
- Abordagem autoinstrucional - cursos de formação continuada poderão fazer uso da abordagem autoinstrucional, ou seja, modelo de curso em que o conteúdo é disponibilizado em diferentes tecnologias e o/a estudante o desenvolve de forma independente, acessando material em seu próprio horário e local de escolha. Isso não quer dizer que o curso terá uma abordagem voltada apenas para o ensino, mas seja planejado e concebido na perspectiva defendida neste documento de educação, com material dialógico e processo avaliativo regular, com feedback constante, para garantir o processo de construção de novos conhecimentos (Lemos, A. S. P.; Dutra, E.B.; Rezende, M. J., 2021; Ramos, 2005).
- Educação Flexível - a educação é flexível quando é possível fazer escolhas (no currículo, nas possibilidades docentes e discentes) sobre o que, como e quando vai lidar com o processo ensino e aprendizagem, suas trajetórias, no seu tempo, ritmo de estudo, flexibilidade relacionada ao conteúdo, requisitos de entrada, abordagem, aos recursos e lugar/local. Essa flexibilidade pode ocorrer tanto na educação presencial quanto na educação a distância, podendo ter flexibilidade: do currículo (na escolha de disciplinas, eixos/módulos, conteúdos); na ordem/percurso educativo; no local (se presencial ou on-line); no tipo de material didático ou recursos educacionais; no tempo; na abordagem do conteúdo ou outros tipos de flexibilidade (Houden; George, 2021; Naidu; Roberts, 2018).
Ainda que a presença de alguns componentes presenciais em cursos na modalidade EaD, assim como alguns componentes EaD em cursos presenciais não desconfigura sua caracterização original, para fins documentais, como resoluções de mobilidade acadêmica, é possível a indicação explícita da realização “integral” ou “parcial” da modalidade EaD ou presencial no curso sem, com isso, retornar-se ao conceito de hibridismo, já discutido anteriormente como não adequado à essa definição.
Com relação à Educação Básica, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n.º 9.394/1996, a Educação a Distância só pode ser utilizada no ensino fundamental como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais e é permitida na oferta de cursos técnicos a nível médio a distância, desde que devidamente autorizados. Porém, a Resolução CNE/CEB n.º 7/2010 vai dizer no seu artigo 46 que a oferta de cursos de Educação de Jovens e Adultos, nos anos finais, entre o sexto e nono anos, poderão ser a distância, desde que devidamente credenciados para tal. Assim, na Universidade Federal de Goiás não vimos a necessidade de uso da modalidade EaD na educação básica, porém o uso de tecnologias e da educação híbrida são possibilidades a serem regulamentadas a posteriori.
No que tange à oferta de carga horária na modalidade EaD em cursos de graduação e pós-graduação presenciais, ofertados por Instituições de Educação Superior - IES pertencentes ao Sistema Federal de Ensino, normalmente regulamentada por portarias do MEC/CNE, cabe destacar que ela não mais caracteriza os cursos de graduação e pós-graduação em nenhuma das definições apresentadas acima.
No entanto, ressaltamos que, referente a essa possibilidade de oferta (adoção de percentual de carga-horária em EaD em curso presencial), desde que em consonância com a legislação vigente, este percentual estará sujeito às mesmas definições e orientações indicadas no presente documento, uma vez que é entendido como análogo à modalidade a distância e apresentando as mesmas demandas de disciplinas oferecidas em um curso totalmente a distância ou no modelo híbrido.
Por fim, a UFG entende que a EaD, enquanto modalidade, não se resume a uma metodologia estanque, ou à mera substituição da presencialidade de sala de aula por encontros síncronos mediados pelas tecnologias. Sendo assim, seu alcance nos cursos deve depender das especificidades de cada área e do modo como seu corpo docente visa sua implementação para o melhor atendimento às demandas dos alunos, seja na qualidade na formação, seja na democratização do acesso à universidade.