O VERDE DE MINHA ROÇA VEM DE MARTE • ISBN: 978-65-86422-43-6
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O Povo Capim

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Tomando todo o cuidado necessário para não ser notado, Silvestre se aproximou o máximo que pôde das crianças. Por alguns minutos permaneceu ali, amoitado, pensando na melhor estratégia de abordagem. Foi, então, que se lembrou da época em que lecionava para crianças. Assim, encheu-se de coragem e entrou em cena:

As crianças ficaram imóveis e mudas olhando aquele adulto esfarrapado, barbudo, desnutrido e recém-surgido do nada. Desconcertado, Silvestre insistiu:

Mas, uma delas, a que parecia ser a mais velha, aproximou-se de Silvestre, com ar de desconfiado, e foi logo perguntando:

Silvestre empalideceu-se. Não apenas pelas informações contidas na resposta da criança, mas, principalmente, pelo o seu sotaque.

Ouvindo aquilo, Silvestre não se conteve dando um forte abraço no menino.

class="dialogo"— O sinhô é turista?

Não se cabendo de alegria, Silvestre retorna ao ponto em que deixara Bhagat e Mariano.

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O segundo ponto é que, na minha condição de nativo e de educador, preciso dar um crédito a mim mesmo quanto a minha capacidade de persuasão.

Assim, Silvestre conduziu Mariano e Bhagat até as crianças para que elas os conhecessem. As crianças se divertiram muito com as maneiras de falar dos dois, principalmente quando Bhagat cantou para elas em híndi, uma das línguas faladas em seu país. Enquanto se divertiam com as estranhezas daqueles turistas, algumas crianças trouxeram como presente bananas e alguns pedaços de rapadura; o que as deixou ainda mais impressionadas devido à velocidade com que devoraram tais iguarias. As brincadeiras só cessaram quando se ouviu os latidos dos cães que acompanhavam os pais das crianças enquanto voltavam de suas roças.

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O momento do encontro foi de grande tensão, pois, sabiam se tratar de uma cartada decisiva. Silvestre se esmerou na oratória, a fim de convencê-los da veracidade de sua história. A parte mais delicada foi a de persuadi-los a não contarem nada ao pessoal do jipe, caso os reencontrassem novamente. Para isso, Silvestre os amedrontou alegando se tratar de uma quadrilha internacional especializada em sequestros e atos de terrorismo. Convencidos de que Silvestre falara a verdade, os campesinos lhes ofereceram abrigo.

Enquanto D. Zeferina, esposa de Justino, caprichava na produção de uma panelada de arroz com galinha, o anfitrião armava três redes na varanda de sua pequena casa de paredes de taipa e forrada com folhas de buriti. A pequena chama que saltava da velha lamparina iluminava os semblantes curiosos das crianças que insistiam em rodear aqueles turistas, na esperança de os escutarem falar em suas estranhas línguas. Após se fartarem com o banquete, Bhagat, como forma de agradecimento, entoou uma longa cantiga em sânscrito. Acabada a cantoria, D. Zeferina cuidou para que as crianças se recolhessem.

Assim que amanheceu, Zeferina não quis perder tempo. Antes mesmo que os turistas acordassem, ela já havia preparado toda a matula necessária à viagem: cuscuz, ovos cozidos e pedaços de rapadura. Justino também já estava todo paramentado para a ocasião: um velho facão preso à cintura, cabaça d’água a tiracolo, chapéu de palha e seus dois inseparáveis amigos caninos. Da casa vizinha, veio outro casal e lhes ofereceu alguns pares de chinelos, roupas usadas e uma porção de farinha.

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Apressado, Justino convoca os turistas para a partida:

Aquela convocação apressada não era por capricho de Justino. Embora a distância de quatro léguas, aproximadamente vinte quilômetros, não representasse algo tão difícil para os ex-astronautas - ainda mais agora alimentados e calçados, Justino sabia que o trajeto até a Comunidade do Capim não seria somente por relevo de chapadões, também reservava grandes dificuldades devido à presença de extensas dunas de areia e profundos cânions. Então, partiram por um trieiro que descia dos fundos de sua casa em direção a uma pequena vereda d’água. As crianças em algazarra os acompanharam até a uma distância que Justino julgou segura, em seguida ordenou que voltassem para junto de suas mães.

Após andarem por aproximadamente duas horas, Mariano comenta esbaforido após vencerem a terceira duna de areia:

Bhagat, apesar de fatigado, não se cansava de contemplar a exuberante paisagem local. Já Silvestre, tentava, em vão, acompanhar os passos do incansável Justino. Embira e Pelado, seus dois cachorros, entravam e saíam velozmente de dentro da campina no encalço de alguns animais que conseguiam farejar pelo caminho. Na medida em que iam vencendo os desafios impostos pelo percurso, o medo de serem novamente capturados pelo pessoal da Nova Marte ia deixando de existir, pois, sabiam que veículo algum poderia transpor alguns dos cânions que já haviam deixado para trás. E mesmo que eles os seguissem a pé já não mais os alcançaria àquela altura do trajeto.

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O morro está “logo ali”, dizia Justino, repetidas vezes, na esperança de amenizar a angústia dos três. Sua preocupação, porém, era menos com o percurso até o morro e mais com a difícil tarefa de transpô-lo, pois, além de seu acentuado grau de inclinação, também havia, ao longo de toda a sua superfície, a presença de uma infinidade de pequenas rochas soltas. Assim, temendo que escorregassem caso tentassem usá-las como ponto de apoio, Justino, cuidou de ensiná-los a vencer os riscos usando as próprias características do morro:

Assim, Justino compartilhou alguns de seus conhecimentos. Os ensinou, por exemplo, que não deveriam confiar nas pedras para apoiarem seus corpos, no momento de mudarem o passo, pois elas poderiam rolar jogando-os morro abaixo. Ao contrário das pedras, informou que as pequeninas moitas de capins que brotavam entre elas, apesar da aparente fragilidade, eram muito mais confiáveis, pois eram capazes de sustentar todo o peso de seus corpos. Igualmente, disse a eles que não deveriam confiar nas galhas dos arbustos para se sustentarem, pois eram extremamente quebradiças. Prosseguindo com os ensinamentos, sugeriu que caminhassem morro acima substituindo o traçado perpendicular por outro em zigue-zague, conforme faz o gado como forma de estabelecer uma boa relação entre o grau de inclinação do terreno e seus pesos corporais, ou seja, perde-se na distância percorrida para ganhar na diminuição do esforço desprendido.

E depois de dezenas de breves paradas, a fim de recobrirem o fôlego, alcançaram o topo da serra.

Exatamente como dissera Justino, lá estava a comunidade. Pouco mais de trinta casas, a maioria delas de paredes barreadas, cobertas com folhas de palmeiras. Vistas do alto pareciam com cupinzeiros espalhados sobre a campina.

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Ao aproximarem do sopé da montanha, Justino começou a gritar, a fim de chamar a atenção dos moradores da comunidade. Imediatamente, alguns deles, percebendo a aproximação de Justino, responderam com vibrantes berros onomatopaicos. O grupo foi recebido com grande alegria. Crianças, mulheres, anciãos, todos queriam abraçar Justino. Alguns o chamavam de primo, outros de tio, compadre; a impressão era a de que todos os moradores possuíam algum grau de parentesco com ele. Até mesmo os cachorros da comunidade pareciam já conhecer Imbira e Pelado.

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Justino contou a Osório o que ocorrera com os três turistas pedindo a ele que os escondessem no povoado até se sentirem seguros para retornarem aos seus lugares de origem. Osório acatou o pedido de Justino e os conduziu até a casa de dona Dita, viúva de seu irmão mais velho. A casa de Dita seguia o padrão das demais casas do povoado, paredes de taipa, coberta de folhas de palmeiras e chão batido. A viúva já os esperava do lado de fora, sentada em um banco de madeira, fumando seu velho cachimbo. Convidando-os a entrar, ela mostrou o quarto onde ficariam alojados. Nele, havia duas redes, presas a dois esteios de madeira que sustentavam o telhado, e ao lado de uma pequena janela de paus roliços, um colchão de capim sobre um estrado feito de varas, apoiado sobre quatro estacas em forquilhas fincadas no chão. Em seguida, D. Dita os levou até a sua cozinha. O fogão era feito a partir de pedras chatas sobrepostas, revestidas com uma combinação de argila e cinza, todo ele sustentado por uma estrutura de madeira semelhante a que sustentava o colchão de capim.

As paredes da cozinha estavam completamente enegrecidas pelo picumã, resultado da ação da fuligem produzida pela queima da lenha. Sobre o fogão, uma lamparina de latão iluminava dois pequenos caldeirões de ferro.

Seguindo o conselho da anfitriã, partiram em direção ao poço.

Devido à singela denominação, Silvestre imaginou que encontraria algo como uma pequena cacimba incrustada no solo arenoso. Mas, ao chegarem, ficaram boquiabertos com a beleza do lugar. Um lindo riacho que descia das encostas da serra cujas águas, de tão cristalina, criava a sensação de se estar flutuando sobre o seu leito.

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Mas, enquanto se deliciavam naquelas águas, um helicóptero passou rápido sobrevoando o povoado.

Por precaução, voltaram acelerados para dentro da casa de D. Dita.

No dia seguinte, logo ao amanhecer, Justino chega à casa de Dita:

Percebendo a presença de Justino, os três se apresentaram à entrada da casa.

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Sem perder tempo, Silvestre se despediu de Justino dando-lhe um carinhoso abraço. Mariano e Bhagat seguraram a sua mão pronunciando em dueto um confuso muito obrigado.

Assim que pôs os olhos em Sinvaldo, Mariano lembrou-se da fisionomia do rapaz quando o viu pela primeira vez na companhia dos homens da equipe de filmagem.

Sinvaldo, assim como alguns outros moradores daquele quilombo, já estava habituado ao trabalho de guia local para turistas em visita ao Jalapão. Entretanto, a equipe da Nova Marte o escolhera por possuir razoável domínio da língua inglesa. Questionado por Silvestre, Sinvaldo contou que o líder da equipe do caminhão recebera um comunicado informando que a missão havia chegado ao fim e que deveriam retornar imediatamente. Assim, chamaram um helicóptero para recolher três mulheres e um homem. Ao ser questionado sobre a suposta existência de três outras pessoas que também deveriam ter embarcado naquele helicóptero, mas que não haviam sido localizadas, Sinvaldo disse ter ouvido o líder comunicar pelo rádio que três membros do grupo haviam desertado, e que após vários dias de buscas foram dados como desparecidos.