O VERDE DE MINHA ROÇA VEM DE MARTE • ISBN: 978-65-86422-43-6
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Com Gudina, e sem Gudina

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Levados por um ônibus de turismo, finalmente nossos candidatos a astronautas chegaram ao Parque Awash. A entrada principal do parque era bastante modesta: um portão de entrada e outro de saída, ao meio uma guarita revestida com pedras, uma placa com a mensagem em inglês “Welcome to the National Awash Park” e outra exibindo a imagem do imponente “guelengue-do-deserto”, o Oryx.

Em frente aquele portão, esperavam pelo grupo três pessoas: um guarda-parque trajando uma farda militar camuflada; um senhor de meia idade em vestes tipo safári, trazendo pendurada ao pescoço uma enorme câmera fotográfica; e um nativo da etnia Oromo, com uma farta cabeleira, vestindo seu tradicional traje composto de uma longa saia amarrada acima da linha da cintura, com motivos florais, nas cores amarelo, preto e vermelho, um longo xale envolvendo o pescoço caindo sobre os ombros, um bastão roliço medindo um pouco mais de um metro, e, preso a cintura, sua tradicional arma, a sinuosa e afiada espada Oromo com o punho feito de chifre de rinoceronte.

Então, o homem com a câmera fotográfica se apresentou:

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Após tirar as fotos, aquele homem sequer se despediu do grupo. Foi logo entrando em seu jipe e partindo.

Descalços, e com apenas as roupas do corpo, cruzaram o portão de entrada do parque.

Imediatamente, Gudina apontou o seu bastão em direção ao horizonte e pôs-se a andar.

Seguiram por um amplo descampado, salpicado de pequenos arbustos e alguns Oryx que os seguiam à distância.

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Todos se calaram aos argumentos de Silvestre.

O cair da tarde já se promulgava, quando Gudina parou junto a uma estreita trilha que parecia levar a um desfiladeiro. Assim que todos se aproximaram, Gudina apontou o seu bastão na direção da trilha reconduzindo o grupo. Exaustos e aos tropeços tomaram a direção indicada pelo guia. A pequena trilha se ramificava em dúzias de outras trilhas menores, sempre seguindo a declividade do terreno. Eram trilhas formadas pelo pisoteio de Oryx e outros quadrúpedes que buscavam o mesmo curso d’água.

E à medida que avançavam trilha abaixo, mais a vegetação se adensava. Até que chegaram a uma pequena vereda d’água margeada por altas touceiras de capins ressequidos e alguns arbustos intensamente verdes e espinhosos.

Gudina se abaixou sobre aquela estreitíssima calha hidrológica, apoiando seus joelhos e mãos sobre o terreno. Em seguida encostou seus lábios sobre o curso d’água e começou a sugar produzindo um forte ruído. A água estava barrenta devido ao incessante pisoteio. Suas margens arenosas exibiam centenas de diferentes marcas de pegadas e fezes deixadas por animais que disputavam diuturnamente aquele fio d’água. Aqueles sedentos astronautas não tiveram outra saída senão imitar a técnica de Gudina.

Cruzando o veio d’água em direção à margem contrária, Gudina aponta o seu bastão adentrando a vegetação ripária.

Abrindo a vegetação com ajuda de um galho, Silvestre tomou a dianteira conduzindo o grupo por uma trilha de capins amassados que Gudina acabara de fazer.

“Gudina! Gudina!” Gritavam apavorados temendo a aproximação da noite. Mas, assim que a trilha ganhou o descampado, enxergaram Gudina com a sua sinuosa espada Oromo desferindo golpes sobre as moitas de capins ressecados e os amontoando em feixes sobre o solo.

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Gudina apontava para os feixes que amontoava e fazia gestos pedindo que o grupo se aproximasse. Em seguida, foi apanhando e entregando um feixe para cada membro da equipe. Quando cada um deles se achou abraçado com uma enorme touceira de capim, Gudina apontou novamente o bastão informando a direção a seguir. Depois de caminharem aproximadamente um quilômetro morro acima, Gudina parou embaixo de uma enorme árvore que esbanjava uma frondosa copa em forma de sino. Rente ao seu tronco, Gudina depositou seu feixe espalhando-o em forma de esteira, mostrando aos demais o que deveriam fazer com seus respectivos feixes. Imediatamente, se afastou da árvore caminhando rápido na direção do descampado. Minutos depois retornou trazendo alguns galhos secos depositando-os próximo à árvore. Silvestre, Bhagat e os outros entenderam o recado.

Em poucos minutos conseguiram juntar uma quantidade de madeira suficiente para uma grande pira. Gudina, então, se aproximou do amontoado de galhos escolhendo alguns para servir como base para fogueira. De dentro de um pequeno embornal que trazia prezo a sua saia, Gudina retirou uma mistura de plumas com folhas secas trituradas e duas pequenas pedras escuras. Acomodou a mistura sob os galhos e começou a bater uma pedra contra a outra. Logo, pequeninas faíscas surgidas do atrito das pedras atingiram àquela mistura. Gudina assoprou compassadamente fazendo surgir uma pequena chama que incendiou o restante da base.

Exaustos, os astronautas adormeceram amparados tanto pelas labaredas da fogueira como pelos olhares vigilantes de Gudina.

Mal raiou o dia e aquela generosa árvore que lhes albergara também os despertou. Pois os pássaros, seus hóspedes do andar de cima, tinham hora marcada para tagarelarem. Misturados aos feixes de capim, e a uma temperatura de 10 ºC, os astronautas relutavam em se levantar.

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Enquanto discutiam, Gudina reaparece trazendo dentro de seu longo xale o café da manhã, uma boa porção de cereal nativo.

Ele, então, espalha o cereal sobre o xale e coloca uma porção em sua boca informando ao grupo de que aquilo se tratava de um alimento.

Famintos, e sem alternativa, os astronautas comeram todas aquelas sementes trazidas por Gudina, até o último grão. Terminada a refeição, Gudina apontou o seu inseparável bastão em direção às montanhas, informando que deveriam partir. Jennifer e Helga começaram a juntar os capins que lhes serviram de agasalho temendo não os encontrar adiante. Vendo aquilo, Gudina balançou a cabeça num gesto de negação espalhando os capins com os pés.

Seguiram, então, por uma extensa planície recoberta de gramíneas e arbustos retorcidos. Enquanto caminhavam eram seguidos à distância por um bando de gazelas. A certa altura começaram a enxergar, distante deles aproximadamente uns dez quilômetros, uma imponente montanha.

O calor era causticante e o grupo estava exausto. Gudina apontou novamente o seu cajado, desta vez na direção de uma pequena faixa de floresta baixa, distante uns quinhentos metros em declividade.

Com a precisão de um samurai, Gudina salta sobre Manolito e o imobiliza impedindo-o de chegar até a água.

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Manolito ficou paralisado.

Dito aquilo, o grupo se aproximou devagar e silencioso daquele generoso regato.

Após saciarem a sede, Gudina os reconduziu a jornada.

Ao se aproximarem do artefato viram que se tratava de um pequeno poste de aço com uma ponta cilíndrica.

Ao destorcerem o cilindro acharam um pequeno mapa pouco detalhado, contendo apenas a localização do Vulcão Fantale, e, no verso, uma descrição sucinta: “Saudações futuros astronautas. As missões de vocês estão gravadas em um pergaminho de couro próximo ao mirante do Vulcão Fantale. Caminhem 500 passos na cota altimétrica do Mirante, em direção ao sol nascente. Dentro de uma gruta, entre duas pedras, encontrarão o pergaminho. Boa sorte!”.

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— O mapa informa apenas que devemos nos dirigir até o Vulcão Fantale — comentou Samira. — Mas não mostra as distâncias, e nem os caminhos para se chegar até lá. O que faremos?

Depois de vários sobe-e-desce, Mariano, Bhagat e Silvestre conseguiram avistar outra montanha.

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Foram cinco votos a favor da proposta de Jennifer e três votos contra. Assim, Helga e Manolito; Ichiro e Jennifer; Samira e Mariano; e Silvestre e Bhagat formaram as duplas.

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Sob o sol de Afar, as duplas se separaram. Helga e Manolito, por terem se distanciado do curso d’água, começaram a ficar desidratados fazendo com que a busca pela água lhes desviasse a atenção do objetivo central. Por fim, exaustos e desidratados, voltaram ao ponto de início trazendo apenas alguns pedaços de madeira seca que encontraram pelo caminho. Ichiro e Jennifer, por sua vez, ao escolherem se orientar pela busca de arbustos verdes que, supostamente, lhes dariam frutos comestíveis, voltaram ao ponto de partida trazendo várias galhas de uma mesma espécie de planta, carregadas de pequenos frutos maduros com aparência de um melão em miniatura, e alguns feixes de capim seco. Já a dupla Samira e Mariano, apesar do infortúnio de terem sido atacados por maribondos, enquanto tentavam colher alguns ovos, usaram o peso de seus corpos para desfolhar algumas palmeiras. Depois, amarraram as folhas umas as outras tecendo uma grande esteira em forma de canoa. Dentro dela, depositaram algumas rochas escolhidas por Mariano, alguns ninhos contendo ovos, galhos e feixes de capim seco. Silvestre e Bhagat foram os últimos a regressar, e escolheram se orientar pelas atitudes de Gudina. Assim, a primeira decisão que tomaram foi a de encontrar o local onde ele teria colhido as sementes de Teffé, pois, além da certeza de sua presença nas proximidades, sabiam também que, caso nenhuma das duplas conseguisse encontrar outra forma de alimento, aquele cereal manteria o grupo a salvo por mais algum tempo. Deste modo, fizeram o caminho de volta até o primeiro acampamento e, de lá, seguiram até a sua parte mais elevada. Ao encontrarem o cereal, retiraram suas blusas transformando-as em sacolas. Uma vez lotadas, encontraram uma vara comprida e dependuraram as blusas em cada uma de suas extremidades. Equilibrada sobre os ombros, aquela vara poderia, facilmente, suportar pesos e ainda ser transportada ao longo de terrenos acidentados. Durante o caminho de volta avistaram uma árvore com dezenas de urubus, o que poderia ser o indício de algum grande mamífero abatido. Ao se aproximarem, constataram que se tratava de um Oryx possivelmente abatido por felinos. Com um pouco de esforço conseguiram dependurar na vara aquelas partes da carcaça que julgaram importantes, ou seja, parte da cabeça com os enormes chifres, e uma considerável extensão de couro contendo ainda camadas de carne em decomposição. Atravessando o riacho de água termal, perceberam a presença de um belo exemplar de Píton Sebae, dormindo tranquilamente entre as rochas. A dupla não hesitou em abater a serpente, antes mesmo que ela percebesse a sua presença. Em seguida, a dependuraram na vara. Porém, ao incorporarem o peso do Píton ao restante das coisas tornou-se impraticável seguir com aquela vara sobre os ombros até o destino. Assim, decidiram que Bhagat buscaria ajuda enquanto Silvestre permaneceria próximo ao riacho protegendo as importantes conquistas. Duas horas depois, Bhagat retorna na companhia de Manolito e Samira. Ainda distantes do acampamento puderam enxergar a fumaça que subia da fogueira que Mariano conseguira acender.

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Chegando ao acampamento foram recepcionados por Helga:

Depois de examinar cuidadosamente os frutos e as folhas, concluiu Bhagat:

Até que caiu a noite e o grupo se reuniu em volta da fogueira.

Acomodando uma laje de pedra sobre a fogueira, Mariano conseguiu uma espécie de chapa quente. Em seguida, depositou sobre ela as sementes de Teffé, alguns ovos e pedaços da Píton que conseguiu destroçar usando um cortador que fizera a partir do lascamento de rocha.

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A pergunta de Helga silenciou o grupo. Ninguém disse uma só palavra, até que Manolito quebrou o silêncio:

Depois das ponderações de Silvestre, o grupo trocou olhares em silêncio, até que Manolito interferiu novamente:

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Não houve resistência à proposta de Manolito. Ao amanhecer, Silvestre, Manolito e Jennifer se ocuparam da produção do acampamento. Para isso, precisaram da habilidade de Mariano na produção de machadinhas para que pudessem cortar madeiras e folhas de palmeiras. Bhagat, Samira e Helga seguiram o curso do riacho a procura de alimentos. Mariano e Ichiro continuaram na produção de ferramentas e utensílios. Ao final do dia o grupo conseguiu produzir duas cabanas suspensas e recobertas com folhas de palmeiras, bastante madeira seca para fogueira, cortadores, lanças de madeira e até alguns protetores para os pés feitos a partir do couro daquela carcaça de Oryx. Também coletaram cereal de Teffé e alguns tubérculos do tipo Inhame, rico em carboidrato, que encontraram à beira de um alagado. Mas, Bhagat ainda nutria a esperança de encontrar a sua árvore das vitaminas, a Moringa.

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Na manhã seguinte, ao contrário dos outros dias, não foram os pássaros que despertaram os astronautas, mas, o grito de Ichiro ecoando pelos céus de Afar.

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Manolito parecia ter incorporado a ideia de gerenciar as operações do grupo. Foi um dia de muito trabalho: secaram sementes, assaram tubérculos, produziram ferramentas e até uma armadilha para capturar aves, que fez Silvestre a partir de gravetos roliços e folhas de palmeira.

O dia mal havia clareado e a equipe composta por Mariano, Silvestre e Manolito partiu rumo ao vulcão Fantale. Portavam lanças de madeira com pontas afiadas, alguns cortadores em rocha lascada e os dois chifres de Oryx cheios de água. Às costas, embrulhadas no que restavam de suas camisas, levavam um pouco de sementes de Teffé secas e alguns tubérculos assados. E para vencer a longa distância improvisaram sandálias feitas a partir de tiras de couro retiradas do Píton. Também arrastavam um generoso pedaço do couro do Oryx para lhes servir de proteção contra o sol.

Abandonaram o curso do riacho ganhando um pequeno morro. De lá, puderam avistar o topo do Fantale, e constatar que haviam se desviado da rota programada, indo mais ao sul, quando deveriam seguir a sudoeste.

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Pouco depois estavam no meio de um vale, coberto por gramíneas típicas e uma vegetação arbustiva. Mais ao fundo, zebras e antílopes desfilavam lentamente sob o sol implacável de Afar.

Depois de muito esfolarem suas barrigas rastejando contra aquele solo pedregoso e quente, finalmente, os astronautas encontraram um ninho de avestruz.

Apanharam os ovos. Cada qual pesando mais de um quilo. Mas, no caminho de volta, foram surpreendidos pela mamãe avestruz.

Segurando os ovos com uma das mãos e empunhando as lanças com a outra os três bravos astronautas enfrentaram aquela gigantesca galinha raivosa da ordem dos Struthioniformes. Com as asas abertas e rápidos rodopios a avestruz tentava golpear seus adversários.

A obstinada ave não esmorecia. Quanto mais se sentia ameaçada mais furiosa ficava.

Deixaram os ovos no chão, mas, ainda assim, ela continuou a avançar. Após muitas varadas, bicadas, gritos e rodopios, a ave, finalmente, recuou. Exaustos, e sem ovos, os três retornaram até o ponto onde haviam deixado o restante de suas coisas.

Após transporem aquela vegetação, avistaram um imenso lago rodeado por capinzais e palmeiras.

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Assim, resolveram seguir um pequenino curso d’água que desaguava no lago. E em menos de cem metros morro acima, encontraram uma nascente de água fresca, além de um ninho de pássaros repleto de ovos.

Porém, um som peculiar lhes chamou a atenção. Foi quando olharam para a outra margem da nascente, debaixo de uma árvore.

Eram dois filhotes de leões comendo os restos de uma caça.

Apavorados com a possibilidade de serem surpreendidos por leões, se lançaram morro acima por entre a vegetação arbustiva. Subiram mais de mil e duzentos metros da vertente inclinada do vulcão, até chegarem ao topo. A longa aclividade do terreno, a dureza do solo vulcânico e o calor intenso quase os consumiram. Exauridos, se jogaram ao chão. A caldeira do vulcão tinha aproximadamente cinco quilômetros de diâmetro cuja cúpula apresentava paredes em escarpas de até quinhentos metros de altura, marcadas por enormes sulcos abertos pelo fluxo das lavas. Se esforçando para não se entregar ao cansaço, Manolito tenta encorajar os dois amigos:

Seguindo as orientações do mapa, caminharam quinhentos passos na cota altimétrica do Mirante, em direção ao sol nascente.

Mariano se enfiou buraco adentro até desaparecer por completo. Passado alguns minutos, seus pés brotaram para fora da cavidade.

A indicação no mapa era verdadeira. Mariano encontrou um cilindro metálico, medindo aproximadamente quarenta centímetros de comprimento por três polegadas de diâmetro.

Manolito desenroscou a tampa e encontrou um tipo de segredo como aqueles para cofres de parede. E na base da tampa uma informação: “Este artefato só poderá ser aberto na presença de todos os membros do grupo. Para destravar as combinações, informe a data de nascimento de cada um dos participantes”.

Descendo pelas escarpas da cúpula do vulcão, encontraram dezenas de cavidades formadas pela erupção, e que serviram de abrigo térmico contra o frio da noite.