O VERDE DE MINHA ROÇA VEM DE MARTE • ISBN: 978-65-86422-43-6
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Depois de Zurique, Afar

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E lá estava Silvestre, poltrona de número 42-E, rente a janela, em um voo direto de Brasília para Zurique, cidade escolhida para sediar o primeiro encontro entre a equipe da Nova Marte e os demais candidatos nomeados para a última fase da seleção.

Em frente ao portão de desembarque, um homem calvo, extremamente alto e usando um estreito par de óculos escuros, o esperava segurando, a altura do peito, um cartaz com o nome Silvestre, impresso ao centro em tom de vermelho.

Silvestre se apresentou, e os dois seguiram para fora do aeroporto, onde um furgão na cor azul escuro o esperava. Dentro do furgão, apenas o motorista e o homem calvo que o recepcionara. Durante o trajeto, Sivestre encantou-se com a vista. Ele não cabia dentro de si. Ao atravessar uma das pontes sobre o rio Limmat, ele tentou quebrar o gelo:

Nenhuma resposta. Sequer moveram suas cabeças.

Após aproximadamente quarenta minutos de silêncio sepulcral, o furgão estaciona na porta de um velho sobrado, que se achava praticamente encoberto por um pequeno bosque, na Rua Orellistrasse, no bairro de Fluntern.

Com uma das mãos segurando a bagagem de Silvestre e a outra empurrando o velho portão, finalmente o calvo proferiu a sua mais longa frase desde que saíra do aeroporto: “Por aqui, senhor”.

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Dentro do velho sobrado, uma senhora de meia idade, olhos profundamente azuis, e com a mesma aspiração que a do homem calvo em falar, conduziu Silvestre ao seu aposento. Em seguida, com um quase imperceptível sorriso de canto de boca disse: “daqui a quarenta minutos o senhor deverá se apresentar. Com sua licença”.

Mas Silvestre não trazia em sua bagagem nada que podia lhe informar as horas. Então se lembrou:

Silvestre, então, improvisou: Deitou-se na cama e contou até sessenta, quarenta vezes; só não se lembrou de descontar o tempo transcorrido entre o momento em que recebera a informação e o início de sua contagem.

Já no saguão, a mesma senhora o esperava.

Em uma pequena saleta sem janelas um homem magro, aparentemente de origem indiana, o aguardava. Tratava-se de um dos candidatos que, assim como Silvestre, ainda não sabia nada sobre como seriam as próximas etapas da seleção. Após trocarem alguns breves olhares, Silvestre se arrisca primeiro:

Bhagat e Silvestre conversaram por horas. Bhagat era um indiano de trinta e quatro anos, botânico, especialista em Agroecologia e com doutorado em Biodinâmica, nascido no vilarejo de Malana, em Himachal Pradesh.

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Bhagat e Silvestre, assim, permaneceram naquele sobrado por quatro dias, tempo necessário para que fossem apresentados aos outros seis membros restantes que comporiam o grupo de finalistas: Helga Günther, enfermeira, trinta e oito anos, nascida em Bremerhaven, Bremen; Jennifer Williams, advogada, trinta e três anos, nascida em Roswell, Geórgia; Ichiro Kato, fisioterapeuta, trinta anos, nascido em Takamatsu, Kagawa; Manolito López, metalúrgico, trinta anos, nascido em Mérida, Iucatã; Mariano Flores, arqueólogo, trinta e nove anos, nascido em Bucaramanga, Santander; e Samira Saddi, trinta e um anos, professora de Matemática, nascida em Zahlé, vale do Begaa.

Reunido o grupo, todos os oito finalistas foram conduzidos para um pequeno auditório, no subsolo do velho sobrado. E lá ficaram aguardando as informações seguintes. Após alguns minutos de espera, aquele mesmo homem calvo anuncia:

Todos estavam muito ansiosos. Então, subitamente, surge por detrás de uma cortina um homem baixinho, de terno e sapatos brancos, ostentando sobre a cabeça um quepe estampado com a figura de um foguete espacial.

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Tendo dito aquilo, Dr. Banks se retirou imediatamente, acompanhado de uma sorridente jovem ruiva em traje de vedete. O grupo permaneceu no local esboçando um misto de espanto e entusiasmo.

Após o jantar, Silvestre e Bhagat julgaram oportuno discutir as comparações que fizera Dr. Banks a respeito das capacidades adaptativas entre os contemporâneos de Lucy e os humanos atuais.

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Por mais ameaçador que pudesse parecer aquele quadro descrito por Bhagat, Silvestre se enchia de motivação. Sentia-se como um daqueles super-heróis de cinema prestes mudar o destino da humanidade.

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No dia seguinte, já no aeroporto internacional de Bole, em Adis Abeba, nem mesmo as intermináveis nove horas de voo conseguiram arrefecer o entusiasmo daqueles candidatos a astronautas. E no portão de desembarque, um típico etíope os esperava. Tratava-se de um homem alto, magro e vestido com o traje tradicional de sua etnia: calças jodhpur, um xale reluzente sobre os ombros e uma longa camisa coberta por um envoltório branco de algodão macio, chamado de gabi.

Ao contrário do que imaginavam, Tariku os conduziu para um bairro afastado, longe dos holofotes da mídia. Nada de repórteres, curiosos, ou qualquer emissora local. Era como se aquela parte da missão devesse permanecer em segredo. Assim, exatamente às quatorze horas, todo o grupo foi conduzido para dentro de uma espécie de porão, no interior de uma casa que ficava atrás de um velho depósito de material reciclável. Sentaram-se em torno de uma grande mesa oval. A luz fraca e amarelada que saia de uma luminária rebaixada sobre o centro da mesa lhes escondia os rostos, somente suas mãos ficavam a mostras.

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Há poucos milênios, os humanos usavam apenas a ferramenta mais complexa de que se tem notícia para fazer anotações, o cérebro. E como pode notar — prosseguiu Tariku. — Nós, os humanos, ainda estamos aqui, não é uma maravilhosa prova de que eles venceram as adversidades?

Em meio aquela penumbra, o clima de insegurança era total. Então foi a vez de Helga:

Percebendo a ansiedade crescente entre o grupo, e o rumo que tomavam as perguntas, Tariku decidiu iniciar o detalhamento da missão no Parque Awash.

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Acostumada aos acampamentos de verão, nos parques do EUA, durante a sua juventude, Jennifer tentou advogar em nome do grupo:

Ichiro e Jennifer ainda não haviam se convencido de que a cooperação entre o grupo seria uma das chaves adaptativas. Para os dois, a ideia de competir e ao mesmo tempo cooperar carregava uma contradição incontornável. Em algum momento — imaginavam eles — teriam que escolher entre uma coisa e outra.

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Por favor, informe—nos sobre o ambiente do parque.

Ouvindo os comentários entre Ichiro e Jennifer, Tariku os advertiu olhando fixamente para os dois:

Todos estavam atentos àquela refinada descrição.

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As revelações de Tariku geraram um efeito avassalador sobre o ânimo da equipe. Apavorados, permaneceram sentados. Trocavam olhares mudos na esperança de que algo os resgatasse daquele naufrágio coletivo. Enquanto Jennifer tentava esconder algumas lágrimas insistentes, Ichiro arrastava os pés sobre o piso formando figuras imaginárias. Bhagat, com o olhar fixo na linha do horizonte, balbuciava algumas palavras em sânscrito. Os demais, cada um ao seu modo, tentavam driblar a indignação e o medo.

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E os milhões de dólares que estarão em jogo quando nossas imagens viralizarem pelo mundo?

Os argumentos de Silvestre, Bhagat e Mariano conseguiram, não apenas convencer o restante do grupo, mas também reascender os ânimos.

E no dia seguinte, antes mesmo que o ardente sol da Etiópia lançasse seus primeiros raios, conforme programara Tariku, um velho micro-ônibus fretado já os esperava em frente ao hotel.

Conforme o dia clareava, a incrível paisagem local, atravessada pela famosa via expressa trans—africana Addis Ababa — Aadama, revelou-se ao grupo.

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Uma vasta vegetação de Savana, já em parte ressequida, podia ser vista até a linha do horizonte, onde uma imponente cadeia de montanhas sobrelevava.