Recebi com imensa alegria e satisfação o convite para prefaciar a obra “O verde da minha roça vem de marte, aventura socioambiental no lado mais escuro da terra” do professor Alexandre Araújo. Como colega de trabalho na Universidade Federal de Goiás, venho acompanhando o seu empenho na divulgação da História Ambiental para além do universo acadêmico, alcançando também espaços não escolares. A densa formação intelectual do autor somada a vivência junto a populações camponesas, indígenas e quilombolas do Brasil Central faz com que a sua literatura rompa, sem dúvida, o academicismo alcançando as instituições educativas, bem como o público mais amplo, adulto e infantil.
Tal empreitada tem tido muito sucesso desde o seu primeiro livro de ficção ambiental “A Odisséia de um Jatobá”, publicado em 2000, como também o livro “O giro de Bolon: história ambiental para grandes crianças e pequenos adultos”, publicado em 2016, e que compõe o volume I desta coleção.
Na obra que tenho em mãos, o escritor goiano reúne temas polêmicos da realidade contemporânea. As culturas dos povos tradicionais estão interligadas ao ambiente e por causa disso se inserem nos desafios atuais gerados pelas tensões entre duas percepções inconciliáveis: as que sustentam a ideia de progresso/desenvolvimento e aquelas voltadas para modelos ecossustentáveis.
Na sua narrativa elementos polêmicos da pós-modernidade insurgem, tais como os reality shows, colonização de Marte e a gravidade do mal manejo do meio ambiente por parte do homem e as suas repercussões para gerações atuais e futuras. Em relação aos reality shows o que chama a atenção é como pessoas comuns são selecionadas e aceitam participar de programas televisivos, no qual suas vidas reais se tornam espetáculo e fazem o público vidrar em figuras anônimas alçadas a celebridades instantâneas. Nos programas midiáticos desse formato, pessoas estão sendo selecionadas a dedo para participar de projetos científicos mirabolantes, como viagens a outras dimensões do universo. Se no século passado a nova fronteira foi a Lua, hoje é Marte.
A busca por novos mundos e a aventura sempre instigaram o homem a romper confins desconhecidos sem mesmo saber se o retorno era possível. A busca por terras e riquezas em mundos distantes norteou a mente do homem dos séculos XV a XVII quando lançou-se ao mar nas explorações ultramarinas. Deixaram para traz suas famílias e os pequenos bens que possuíam. Nem mesmo mapas confiáveis existiam, as cartas geográficas, em forma de arabescos, desafiavam a mentalidade da época onde os mares desconhecidos eram repletos de seres mitológicos malignos e ferozes. Muitas dessas pessoas nunca mais voltaram para casa.
p. 04Nessa perspectiva, a colonização de Marte insurge como nova etapa da aventura humana. Milhares de candidatos de várias nações, incluindo o Brasil, já embarcaram nessa ideia atraídos pelo audacioso projeto “Mars One” de autoria do empresário holandez Bas Lansdorp cujo objetivo era implantar o primeiro assentamento humano em Marte, a partir de 2023. Tal projeto ainda previa, como fonte de renda, além do patrocínio de grandes corporações, também a produção de um grande reality show no qual os “terráqueos” selecionados seriam submetidos às condições inóspitas de sobrevivência. As personagens do livro em apreço também são seduzidas por ideias semelhantes e se arriscam a participar desse gênero de programa televisivo para empreender uma jornada, sem retorno, ao planeta vermelho.
O marketing exacerbado de projetos como Mars One ajuda a promover a naturalização da ideia de que a sobrevivência na Terra, em muito pouquíssimo tempo, será inviável. Não se pode negar, obviamente, que as mudanças climáticas, ondas de imenso calor e degelo das calotas polares são visíveis. A falta de consciência ambiental somado ao fracasso contínuo dos governos e da indústria em agir com a urgência necessária para preservá-la faz com que a habitabilidade se torne cada vez menos possível.
Diante desse cenário dantesco, o professor Araújo apresenta uma visão otimista sobre o futuro da nossa morada, mostrando que ações práticas podem fazer o inverso, ou seja, tornar o nosso planeta viável e cada vez mais promissor afastando do cataclismo propalado pelos cientistas e empresários oportunistas. A solução estaria no respeito as sociedades tradicionais que contém uma rede de conhecimentos que implica a sintonia com o meio ambiente e sabedorias ancestrais.
Na percepção do escritor, os conhecimentos tradicionais são resultados de um processo social de aprendizado, de criações, de trocas e desenvolvimentos, transmitidos de geração para geração — a língua, costumes rituais, crença nos mitos, e etc. — que devem ser resguardados como construção histórica. Tais culturas apresentam-se vinculadas a uma relação indissociável entre identidade e território, assim como com sua ancestralidade, tradições e práticas culturais.
O recado do autor, ao final da escrita, é que antes de aventurar-se em colonizar Marte deve-se cuidar da nossa casa, consertando os estragos que já foram feitos pela voracidade do capitalismo, apontando caminhos para uma vida mais vantajosa no nosso planeta, associando a economia, sociedade e natureza. Nas palavras de Alexandre, por meio do trabalho coletivo “pode-se lutar contra esse modelo destrutivo, apontando caminhos que permitam as pessoas produzirem um bem viver, com a natureza e consigo mesmo, de forma simples e saudável”. Assim, o trabalho coletivo e comunitário promove mudanças, recupera memórias e tradições, reconecta identidades.
“O verde da minha roça vem de marte: aventura socioambiental no lado mais escuro da terra” convoca a juventude para fomentar ações concretas para a sustentabilidade da Terra, como tem feito a estudante sueca Greta Thunberg que conclamou a atenção dos governantes do mundo para a gravidade da crise climática mundial e seus riscos para as gerações futuras.
Por essas e outras razões, escrever um livro para esse público seja uma das mais gratificantes realizações de um escritor. Iniciativas desse porte podem e devem fazer parte da agenda de trabalho da academia. Compartilhar conhecimentos e inspirar a infância e a juventude é um excelente indicador para a relevância desses projetos.
Profª. Sônia Maria de Magalhães
Faculdade de História — UFG