— Acorda Mundico! Seu pai já tá na lida, e num é de hoje... Pega o Tramela e vai pra roça levá a matula prô seu pai.
— Diacho, Mãe! Hoje é dumingo!
— Anda ligêro minino! Ara sô! Intão, causo que hoje é dumingo, nenhum bicho come, nenhum passarin avôa, e as pranta pára de crescê?
— Vem Tramela! Ô cavalo danado! Hora que eu te pegá, cê vai vê...
Incrível! Repentinamente comecei a ter sensações estranhas. Senti meus pés tocando a água! Pasmado, implorei pela presença de Tepeu, mas, ele não me ouvia.
— Cavalo disgramado! Mi fêiz entrá n’água di novo!
Ó! Mestre, onde estais que não responde? Implorei. Estava totalmente confuso.
— Nossa!!! Tô uvino umas vóis isquisita dentro da minha cabeça. Será assombração?! Vô amuntá no Tramela e corrê di vorta prá casa.
— Mãe?! Acódi eu!
— Que foi Mundico? Cê viu arguma cobra?
— Não mãe, foi coisa pió. Vi assombração! Elas táva falano nos meu zuvido!
— Dêxa de sê cagão Mundico! Deve de sê barúio do vento nas fôia.
— Não mãe! Era assombração mêmo! Só que eu num consiguia intendê o que elas falava.
— Dêxa de bobage minino! Amunta logo nesse cavalo e vai logo pra roça, se não vô te dá uma taca!
— Minha mãe num credita neu; intão, vô contá prô meu pai.
Após uma longa cavalgada, o ser que pilotava aquele animal resolveu parar.
— Ôa Tramela, ôa! Cavalo fí duma égua, num qué pará!
Sobre aquele cavalo, podia sentir o meu corpo balançar, o barulho do vento, e o canto dos pássaros. Este planeta é realmente inacreditável!
— Óia sô! Tô uvino as vóiz di novo! Minha nossa sinhora d’abadia; vô contá pro pai!
— Mundico, por quê que ocê demorô, meu fí? O pai já tava cuma fome danada!
— Pai?! Escuita só: Desde a hora que eu fui pegá o Tramela, lá perto do brejin, que eu tô escuitano umas vóiz dentro da minha cabeça. Contei pra mãe, mais ela num creditô neu.
— E essas vóis fala o quê procê meu fí?
— Num sei não pai. Num consigo intendê nadinha.
— Mundico, meu fí, acho que ocê tá pricisano é de rezá.
Os dias se passaram e eu continuava habitando a mente do jovem Mundico. Eu podia sentir o seu corpo e ele podia ouvir meus pensamentos. Ele não entendia o que eu pensava, e eu não compreendia o seu mundo...
p. 13Eu também podia sentir a sua angustia, pois toda vez que ele captava meus pensamentos, ficava transtornado. Sua mãe também notara algo de estranho em seu comportamento. Certa noite a escutei contando ao marido sobre as estranhezas que percebera nas condutas de Mundico:
— Osório? Tá acordado?
— Que é muié? Dêxa eu drumí!
— Sabe o que é marido? Tô percupada cum o nosso Mundico. Tá aconteceno umas coisa isquisita cum o coitadin. Ele anda vuado, num fáiz as tarefa da escola, e nem qué brincá cum os ôtro minino.
— E as tar vóiz, muié? Ele ainda continua iscuitano?
— Quais todo dia. Será que o nosso minino tá ficano doido?
— Num fala bestêra muié! Isso deve de sê verme. Amanhã vô prepará uma garrafada prêle, e ocê vai vê cumé qui ele vai ficá bão dimais da conta. Agora, vê se trata de drumí.
Logo pela manhã, Osório e Mundico saíram para apanhar os ingredientes, necessários à fabricação do remédio.
— Onde nóis tâmo ino pai?
— Nois tâmo ino prô cerrado. Tá veno aquele pé de jatubá lá no arto?
— Tô.
— Pois é lá que nóis vai. Pá tráis dele tem um discampado onde nóis vai apanhá as pranta pra fazê o seu remédio.
— Remédio?! Eu tô duente, pai?
p. 14— É verme meu fí. Cê tá cum verme. E deve de sê muito, porquê ocê tá inté iscuitano eles falá dentro da sua cabeça! Óia só, meu fí, essa pranta aqui é o Baru ; nois usa ela prum monte de coisa, pa pobrema de rins e tamém pa coluna. Das casca dela nóis fáiz o chá, fáiz o chá e põe ni garrafada. A fruita a gente usa tamém; quebra aquela semente e fáiz um pó pra matá os verme. Esse pó tamém é bão pra animia sabe? Faiz um pó, junta cum a casca de ovo, cum a semente de Croá, fáiz um pó e usa. Pode tamém pô pra frevê e tomá o chá. A fôia dela pode usá pra picada de cobra tamém — prosseguiu o pai levando Mundico até outras espécies. — Essa ôta prantinha aqui é a Cainca. Cainca nóis usa aqui pa dor de dente e pa dor de estâmbo. Ele é margoso e é bão tamém pra diabeti; pa verme tamém ele é bão, ranca a raiz, massa e põe pra frevê. — mais adiante, outra espécie. — Essa aqui é a Curriola. Ela dá umas fruitinha chêrosa que é bão pa dá pras pessoa que tá cum verme, quinem ocê Mundico! — continuaram andando cerrado adentro. — Essa é a mió que tem pa verme! O nome dela é Jacatiá. Cuidado cum os ispinho dela! Nóis come as fruita dela tamém — alguns metros depois, outra planta. — E essa aí ó, que parece um mamãozin, é pra combatê os verme tamém.
— Pai? Comé que o sinhô sabe de toda essas coisa? — perguntou Mundico admirado.
class="dialogo"— Eu aprendi do mêmo jeito que eu tô insinano procê agora. Esses conhecimento é passado de pai pra fí. Quano eu era do seu tamanho, eu acompanhava seu avô quano ele ia buscá as pranta no cerrado pra fazê remédio, quinem nóis tá fazeno agora.
— Então, pai, quano eu tivé a sua idade, tamém vô levá meu fí prô cerrado pra buscá remédio?
— Vai sim, meu fí. Se Deus quisé!
Naquele mesmo dia, o pai de Mundico deu início à preparação do remédio contra verme. Todas as plantas colhidas, juntamente com suas raízes, foram cozidas. Em seguida, a água do cozimento depositada dentro de uma garrafa.
No dia seguinte, logo que Mundico acordou, sua mãe veio ao seu encontro.
p. 15— Mundico? É hora de tomá a garrafada que seu pai preparô pra módi matá os verme.
— Tem que sê agora mãe? — perguntou Mundico amedrontado.
— Toma logo minino! — insistiu a mãe.
— Vô tomá só um pôquin.
— Vai tomá tudo! — sentenciou a mãe. — Se não cê vai ficá escuitano os verme falá na sua cabeça pro resto da vida.
— Nossa! Mãe, esse trem é margoso dimais da conta! — protestou Mundico ingerindo todo o conteúdo que havia dentro de uma grande caneca de metal.
Por três dias seguidos, a mãe de Mundico continuou dando-lhe o remédio.
Após Mundico ter ingerido aquela porção, algo estranho lhe ocorreu: Embora a minha mente continuasse conectada a dele, ele não mais acessara meus pensamentos.
Percebi, então, que além das propriedades curativas que aquelas plantas possuíam, a crença que depositavam em seus poderes era tão forte a ponto de deixar seus usuários mentalmente sugestionados. Por essa razão, após o tratamento, Mundico acreditou que o verme que lhe falava aos ouvidos fora para sempre eliminado. Tal certeza produziu um bloqueio em nossa comunicação telepática. Exatamente como o mestre Tepeu havia me dito, os terráqueos apresentam grandes dificuldades para se comunicarem telepaticamente.