Ferramenta Onomatopeica para Testes de Usabilidade com Pessoas com Deficiência Visual

Onomatopeic Tool for Usability Test with Visual Impaired People

Carlos Henrique Berg 1Doutor, Sustentare Escola de Negócios, Processos Gerenciais, Joinville, SC, Brasil, chbplan@gmail.com; Doutora, UFSC, EGC, Florianópolis, SC, Brasil, liefadel@gmail.com; Doutor, UFSC, EGC, Florianópolis, SC, Brasil, tvanzin@gmail.com
Luciane Fadel
Tarcísio Vanzin

Resumo: Esse artigo trata sobre ferramentas para Testes de Usabilidade que usam emoções para pessoas com deficiência visual. Com a falta de ferramentas especialmente desenvolvidas para pessoas com deficiência visual, o artigo apresenta a pesquisa efetuada visando suprir essa lacuna. A pesquisa identificou os processos cerebrais da pessoa com deficiência visual e propôs um protótipo auditivo, usando onomatopeias, para se identificar as emoções sentidas no uso de uma interface. O protótipo foi construído a partir das teorias de Russel e Desmet e usou o paradigma dos Métodos Mistos. Criou e validou-se quantitativamente uma ferramenta onomatopeica para testes de usabilidade que avaliam emoções, especialmente desenvolvida para pessoas com deficiência visual.

Palavras-chave: Acessibilidade; Cegos; Ferramenta Onomatopeica.

Abstract: This article talks about Usability Test with emotions for visual impaired people. With the void of especially developed tools for visual impaired people, the article presents the research done to supply this lack. The research identifies the brain processes of the blind people and proposes a hearing prototype, using onomatopoeias, to identify emotions during the use of a digital interface. The prototype was build using Russel’s and Desmet’s theories and use Mixed Methods as evaluation paradigm. It was created and validated quantitatively an onomatopoeic tool for application in Usability Test especially developed for visual impaired people.

Key-words: Accessibility, Blind People, Onomatopoeic tool.

Introdução

A acessibilidade digital deve abranger diferentes segmentos da população para permitir que a comunicação e o conhecimento possam ser compreendidos plenamente. Existem diversos paradigmas de avaliação que verificam a acessibilidade digital, principalmente nas que são para as interfaces, forma de relação homem-máquina. Jakob Nielsen começa sua pesquisa no início dos anos 1990, abrindo um campo de pesquisa sobre os paradigmas de avaliação e defende quatro tipos principais. Inspeção por Especialistas, Procedimentos Automatizados, Uso de Heurísticas de Computação e Testes de Usabilidade. Todos, de alguma forma, contribuem para a acessibilidade, porém o único que avalia diretamente uma interface digital são os Testes de Usabilidade, os demais o fazem indiretamente. Assim, para se conhecer a opinião de uma pessoa sobre um produto, recomenda-se o uso dos Testes de Usabilidade em interfaces, produtos ou serviços.

Em revisão sistemática efetuada (BERG, 2011), identificou-se que, apesar a da grande quantidade de Testes de Usabilidade disponíveis nenhum deles foi construído ou desenvolvido usando pessoas com deficiência visual. Isso impede que esse segmento da população possa opinar diretamente sobre uma interface, produto ou serviço e assim a acessibilidade pode ficar comprometida.

Testes de Usabilidade tradicionais avaliam dimensões de eficiência e eficácia, com a contagem de tempos de execução de tarefas, quantidade de erros e complementarmente com pesquisa de satisfação aplicado em grupos focais, entrevistas ou através de questionários. Todos esses medem indiretamente e subjetivamente as opiniões dos usuários, o que pode levar a desvios de avaliação.

Tzvetanova, Tang and Justice, (2007), defendem que as emoções afetam a memória, a motivação e o senso de comprometimento e consequentemente a usabilidade. Agarwal and Meyer (2009) corroboram afirmando que as emoções são importantes para a usabilidade, pois pessoas felizes são mais eficientes. Assim, buscou-se identificar Testes de Usabilidade que usassem emoções. Em revisão sistemática (BERG, 2011), identificou Testes de Usabilidade que avaliam emoções verbais (usa palavras para explicar a emoção), psicofisiológicos (medem mudanças da resistividade da pele, batimentos cardíacos e temperatura corporal) e os não verbais. Métodos que usam palavras sofrem de problemas de interpretação, pois o que foi dito é uma tradução do que foi pensado e pode não corresponder a emoção real – palavras são sinais (PIERCE, 2005) e significam algo para alguém que pode não significar o mesmo para outrem. O uso de medidas psicofisiológicas implica em investimentos em equipamentos e equipe profissional, o que impede sua universalização.

A pesquisa, portanto, seguiu investigando Testes de Usabilidade não verbais. A revisão efetuada identificou o Emocard (DESMET, 2003), cartão com 8 ilustrações de emoções humanas, conforme figura 1.

O Emocard foi desenvolvido partir do Modelo Circumplexo do Afeto criado por Russel (1980), que dispõe cartesianamente oito emoções humanas nos parâmetros do encantamento e empolgação.

Para permitir o uso desse e outros modelos de Testes de Usabilidade que usam emoções, (BERG et al, 2016) investigaram os processos de criação de representações das pessoas com deficiência visual para identificar que elementos poderiam ser utilizados para desenvolver uma ferramenta apropriada a esse público. Identificou-se que pessoas com deficiência visual constroem representações espacial da mesma forma que pessoas sem deficiência, porém usando os outros sentidos. Essa construção de representações acontece por conta da capacidade plástica do cérebro em compensar uma deficiência através dos demais sentidos.

Os sentidos que são mais usados por pessoas com deficiência visual identificados foram o tato e a visão. Considerando os dois sentidos, conjecturou-se a criação de ferramentas que usassem um ou outro sentido. Em pesquisas iniciais com pessoas com deficiência visual, o sentido do tato foi descartado, pois elas não possuem uma biblioteca de representações de expressões humanas – essa coisa de tocar no rosto das outras pessoas é coisa de filme, declarou um dos entrevistados (BERG, 2016).

A pesquisa então avaliou a possibilidade de usar-se o sentido da audição, não com palavras, mas com onomatopeias, de compreensão praticamente universal.

Essa pesquisa usou o paradigma de avaliação dos Métodos Mistos (CRESWELL, 2003), para uma compreensão maior do problema e usou concomitantemente avaliações qualitativas para a construção de um protótipo de ferramenta para Testes de Usabilidade para pessoas com deficiência visual e uma pesquisa quantitativa para a validação do protótipo construído. As seções a seguir apresentam a metodologia, o processo e os achados.

Construção do Protótipo

A construção do protótipo foi feita através de pesquisas qualitativas e partiu do Emocard. Foi pedido a 35 alunos de pós-graduação, igualmente divididos em gênero, que escrevessem uma ou mais onomatopeias para cada emoção do Emocard. Com os resultados as onomatopeias homófonas foram agrupadas, conforme quadro 1 a seguir.

Como passo seguinte, as onomatopeias homófonas foram gravadas em estúdio, com vozes feminina e masculina. De posse da gravação, o segundo passo para a construção do protótipo foi dado. 19 pessoas cegas, igualmente divididas por gênero, na Associação Catarinense para Inclusão do Cego – em Florianópolis, SC e na Associação Joinvilense de Inclusão do Deficiente Visual – em Joinville, SC, com idades entre 18 e 70 anos forma entrevistadas

Foi pedido que os sujeitos de pesquisa escolhessem a onomatopeia que mais condizia com a emoção escolhida. Cada sujeito escolheu apenas uma onomatopeia por emoção. As escolhas foram tabuladas e da tabulação pode-se identificar a onomatopeia que mais condizia com a emoção apresentada. As onomatopeias mais citadas serviram para construção de um protótipo feminino e um masculino que permitiu sua validação.

Validação do Protótipo

A validação do protótipo construído foi feita dentro do paradigma de avaliação dos Métodos Mistos, agora com uma pesquisa quantitativa. A pesquisa quantitativa usou a estrutura DECIDE de Preece, Rogers e Sharp (2002), desenvolvida especificamente para testes com humanos. Dentro dessa estrutura foram definidos os passos da pesquisa. DECIDE é acrônimo de Determinar as Metas, Explorar as Questões, Escolher (choose) o Paradigma de Avaliação, Identificação das Questões de Ordem Prática, Decidir Como Lidar Com as Questões Éticas e Avaliar (evaluate).

Assim, o objetivo de pesquisa é testar o protótipo, tendo como hipótese de pesquisa: Ferramentas de coleta de dados sobre emoções em testes de usabilidade com onomatopeias de emoções humanas não são significativamente diferentes de ferramentas que usam palavras para coletar as emoções de pessoas com diferentes habilidades visuais (BERG, 2017).

O Paradigma de Avaliação utilizado na pesquisa quantitativa foi o Teste de Usabilidade, permitindo avaliar a satisfação no uso do protótipo. Foram usados como ferramenta de coleta o próprio protótipo e a lista das emoções do Modelo Circumplexo de Russel. Cada grupo de sujeitos reponde ora com uma ora com outra ferramenta. Essa prática permite que se compare os resultados e assim se responda a hipótese de pesquisa.

Considerou-se um viés de pesquisa o uso de palavras (questões verbais), porém, mesmo ciente de que as palavras são uma tradução do pensamento e que o esforço cognitivo para sua tradução pode impedir de se conhecer a emoção realmente sentida, considerou-se a possibilidade em usar ferramentas verbais, por falta de opções melhores de comparação.

Os dados resultantes da coleta foram tratados em planilhas eletrônicas e permitiram duas avaliações distintas. A primeira, verificar a usabilidade do protótipo, tanto usando a coleta tanto com o protótipo, quanto com a lista de emoções de Russel. Em um segundo momento, para verificar a validade dos resultados foi aplicado o Teste do Chi Quadrado, para identificar a similaridade dos resultados das ferramentas.

Assim, foi definido que os sujeitos de pesquisa seriam os com a pior circunstância – a cegueira. Por inclusão, foram selecionados sujeitos maiores de idade, igualmente divididos pelo gênero, preferencialmente por cegueira congênita. Pessoas com baixa visão não foram pesquisadas. Para se ter uma amostra nacional, as cinco regiões brasileiras foram pesquisadas, a razão proporcional da população de cegos da região.

Resultados

Com a tabulação dos dados, foi possível avaliar os resultados em busca da resolução da hipótese levantada. No primeiro momento foi feita a avaliação de usabilidade dos resultados. A tabulação dos dados gerou a tabela 2, que permitiu a análise.

Com base nos resultados apresentados, de acordo com a lista de Russel, 84% das valências foram positivas (28 de 33) e de acordo com a ferramenta onomatopeica 72% das valências foram positivas (39 de 54). Considerando o total de respondentes 77% apontaram valências positivas.

A segunda avaliação feita foi com o uso do Chi Quadrado, para verificar se os resultados dos dados coletados pelas duas ferramentas são equivalentes. Para esse teste foi construída uma tabela de contingência, conforme tabela 3.

Fazendo o cálculo o resultado apresentou um Chi Quadrado Observado de 1,844, com uma probabilidade de significância de P = 0.17448. Para verificar a similaridade a frequência foi definida com um Chi Quadrado Tabelado de 3,841, com grau de liberdade de 1 e um nível de significância de 0,05, o que permitiu a comparação e percebendo que o Chi Quadrado Observado é menor que o Tabelado, comprovando a similaridade e independência dos resultados entre os dados coletados.

Assim, com base nos dados coletados e nas análises feitas, pode-se afirmar a verdade da hipótese, em que ferramentas onomatopeicas podem ser similares as ferramentas visuais ou verbais para pessoas com deficiência visual.

Considerações Finais

Quanto mais amigável uma interface possa parecer ao humano, tanto melhor sua efetividade. Assim identificar barreiras a acessibilidade é parte importante no desenvolvimento de interfaces digitais.

Essa pesquisa permitiu identificar a lacuna existente no que tange a ferramentas para Testes de Usabilidade para pessoas com deficiência visual. Através dos Métodos Mistos, foi possível identificar os mecanismos e ferramentas utilizadas nos processos de avaliação de interface e de funcionamento da mente da pessoa com deficiência.

A partir desse conhecimento prévio foi possível desenvolver e validar uma ferramenta onomatopeica para Testes de Usabilidade. Os dados coletados e analisados permitiram verificar que o protótipo onomatopeico pode ser similar a ferramentas que usam imagens ou palavras.

A ferramenta criada a partir da ideia central das emoções como importantes na avaliação tem como benefícios:

• a) Permite que pessoas com deficiência visual possam opinar sobre as emoções sentidas ao utilizar uma interface digital, aplicativo, produto ou serviço
• b) Define um procedimento para construção de ferramentas onomatopeicas, variando a ferramenta inicial ou a língua falada, de fácil reprodução
• c) Permite que desenvolvedores usem a ferramenta para melhorar a avaliação da percepção, mesmo com pessoas sem deficiência, de suas interfaces, aplicativos, produtos ou serviços.

A ferramenta encontra-se disponível na internet pelo endereço https://www.youtube.com/watch?v=PGd1Yy025Zk na versão feminina e no endereço https://www.youtube.com/watch?v=al_aUMDJ-TI na versão masculina.

Agradecimentos

ONCB - Organização Nacional de Cegos do Brasil, APEC - Associação Pernambucana de Cegos, ASCEPA Associação de e para Cegos do Pará, ASSOBECER - Sociedade Beneficente Dos Cegos De Recife, Associação Brasiliense de Deficientes Visuais, Associação de Amigos do Deficiente Visual de Brasília, Associação dos Cegos do Rio Grande do Sul, Associação dos Deficientes Visuais de Canoas, Associação dos Deficientes Visuais de Novo Hamburgo, Instituto de Cegos de Recife, LARAMARA - Associação Brasileira De Assistência Ao Deficiente Visual, Liga Paulista de Orientação e Assistência Aos Cegos, NACE Núcleo de Acessibilidade Universidade Cidade de São Paulo, Sessão Braille - Secretaria de Cultura - Governo do Pará, ACIC - Associação Catarinense para Inclusão do Cego e AJIDEVI – Associação Joinvilense para Inclusão do Deficiente Visual.

Essa pesquisa foi feita com recursos da Capes/CNPQ na Universidade Federal de Santa Catarina.

Referências

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BERG, Carlos Henrique et al. FERRAMENTAS PARA AVALIAÇÃO DE INTERFACE HUMANO COMPUTADOR EM SITES ACESSÍVEIS. In: CONAPHA, 5., 2011, Pelotas. Anais... Pelotas: Ufpel - Ufsc, 2011. p. 1 - 10.

BERG, Carlos Henrique et al. Pessoas cegas e representação espacial: uma revisão sistemática de literatura. Ergodesign e Hci, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p.20-27, fev. 2016. ISSN: 2317-8876.

CRESWELL, J. W., Research design: Qualitative, quantitative, and mixed method approaches I by John W. Creswel1.- 2nd ed. SAGE, Thousand Oaks, California, 2003 26p.

DESMET, P.M.A. (2003). Measuring emotion: Development and application of an instrument to measure emotional responses to products. In M.A. Blythe, A.F. Monk, K. Overbeeke, and P.C. Wright 115 (Eds.), Funology: From usability to enjoyment. (pp. 111-1 23). Dordrecht: Kluwer Academic Publishers.

PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. 349 p. Tradução José Teixeira Coelho Neto.

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