Isa

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– Mãe, essa é a Isa, a minha amiga lá da escola que te falei – diz Jorge ao chegarmos à sua casa. A mãe dele me abraça, diz que é para eu ficar à vontade e me pergunta se eu quero alguma coisa: um suco, um refrigerante ou um chá.

Não me lembro de ter estado tão insegura e nervosa quanto naquele momento. Jorge me buscou em casa, lá mesmo na minha casa simples, na rua de terra, no conjunto com casinhas iguais. Estava muito apreensiva, preocupada com o que ele pensaria da minha vida. Mas quando entrei no carro os olhos dele brilhavam. Ele estava feliz por estarmos juntos fora da escola pela primeira vez.

Ele já havia me convidado para ir à casa dele. Mas eu sempre inventava uma desculpa, porque sabia que não ia me sentir confortável naquele lugar tão diferente do que eu vivo. Mas foi tudo tão natural! O jeito dele, a recepção da mãe dele, tudo me surpreendeu.

Falamos das coisas da escola sentados em umas cadeiras na área externa, perto da piscina. Eu digo que só vou aceitar ir lá quando a mãe dele estiver em casa. Em vez de ficar chateado, Jorge diz que entende e que vai fazer como eu achar melhor.

Dona Helena se senta alguns minutos conosco, fala coisas sobre o tempo estar muito seco. Me pergunta sobre o concurso de redação, pois o Jorge contou para ela, todo contente, que eu havia ganhado o concurso.

Ela pergunta que tipo de coisa eu gosto de escrever e conta que na minha idade ela também escrevia muito, tinha vários diários e até arriscava poesias. Ela é muito gentil, embora de um jeito bem diferente das outras mães de colegas meus. Logo ela pede licença, diz que vai trabalhar no escritório e que, se precisarmos de alguma coisa, é só falar com a Josefa.

Eles têm uma empregada fixa e outros empregados que vêm algumas vezes por semana. Têm mesmo de ter muitos empregados para aquela casa gigantesca: jardineiro, limpador de piscina, diaristas etc. A minha casa cabe inteirinha na sala daquela casa. Começo a pensar que foi um erro ter ido àquele lugar.

– Nunca tinha te visto de vestido. Você está linda! – Jorge me desarma neste momento.

Ele me convida a dar um passeio pelo condomínio, que tem animais silvestres como veados, raposas, tatus, guaxinim, capivaras, lagartos, emas, macacos, tamanduá-mirim e aves como araras e tucanos. Diz que gosta de caminhar ali para pensar sobre a vida e os sentimentos e apreciar a paisagem. É realmente um lugar lindo, tem muito verde e um lago enorme. Caminhamos até a beira do lago e nos sentamos no deck.

– Quando me transferi para o colégio, não sabia o que esperar. Foi um momento muito conturbado para mim. Na verdade, ainda é um momento um pouco confuso, mas vejo que foi uma decisão acertada. Conheci pessoas e vivi situações que, se não estivesse lá, jamais teria conhecido ou vivido. Te conhecer, especialmente, me fez querer enxergar a vida de um jeito diferente – diz Jorge, olhando no fundo dos meus olhos.

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Nesse momento, meu coração começa a disparar. Estamos a sós pela primeira vez.

– Eu também fiquei muito feliz com a nossa amizade, nossa aproximação. Mas você sabe que eu gosto de você de outra maneira, que não é só como amigo, né? Não sou boa em demonstrar, mas é o que sinto e o que decidi que te falaria hoje – falo, determinada.

Ele fica nitidamente surpreso com a minha revelação tão direta. Então pega a minha mão e, quando começa a falar alguma coisa, eu o beijo. Ele corresponde com carinho. Aquele cenário lindo e finalmente, somos mais que amigos.

Ficamos no deck durante algum tempo, até que o sol da tarde nos alcança. Ele diz que está com fome e me convida para fazer um lanche. No caminho para sua casa, passamos na frente de várias mansões, e em uma delas eu vejo minha mãe. Está lavando as janelas do lado de fora de uma das casas. Entro em pânico. Não sei o que fazer. Só consigo seguir em frente, em silêncio, como se não tivesse visto nada.

A partir daí, fico inquieta; minha tranquilidade foi embora. Logo depois do lanche, peço ao Jorge para me levar pra casa. Invento alguma desculpa sobre minhas irmãs. Ele acha estranho, pergunta se aconteceu alguma coisa, mas eu digo que não.

· · ·

Na escola, as coisas se acalmam. A Noeli e a professora de português nos esqueceram, ao que parece. A iniciativa do Grêmio esfria por conta das pichações, que deixaram os colegas com medo de represálias, como o que aconteceu comigo e com o Maycon.

Fico pensando na Noeli e, honestamente, nem acho que ela seja tão má pessoa assim. A professora Ediane me disse que o pai dela era militar; que ela estudou em uma escola militar, com regras de quartel. Então, ela pensa que a melhor escola é aquela parecida com a onde estudou. Eu acho que, como ela ainda não tem filhos – soube que ela tenta há anos engravidar e não consegue –, ela não entende que as crianças e os adolescentes não são só um bando de gente que não sabe nada.

Nós também temos ideias, posicionamentos. Acho mesmo que ela não faz por mal. Só que esse jeito de pensar a educação está ultrapassado. Os jovens mudaram. Não queremos só acatar ordens, queremos ter direito de ser ouvidos e de participar das decisões. Quem sabe um dia ela não pense de outra forma, né?

A Geovanna também tá distante. Havíamos nos aproximado por conta das ações do Grêmio; mas como ela está sempre com o Dan, e eu, com Jorge, não temos nos falado muito.

Lá no curso, me dizem que vão me indicar para uma vaga. Tem mais duas meninas concorrendo, mas elas entraram agora no curso e, segundo o instrutor, as empresas procuram jovens aprendizes que já estão concluindo. Amanhã terei uma entrevista logo depois do almoço. Mas nem estou muito preocupada com isso, pois o erro que cometi hoje à tarde não sai da minha cabeça. Por que agi daquela forma? Estou me sentido horrível.

· · ·

– Oi, mãe! – digo, apreensiva, assim que ela chega.

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– Oi, filha – ela responde com uma expressão de cansaço.

– Tirei o frango do congelador à tarde, já deve estar no ponto para cozinhar. Você quer que eu faça a janta? – pergunto.

Ela, já no banheiro, responde:

– Não precisa.

E vai tomar banho.

Entro no quarto e as meninas não estão lá. Logo o Vilson chega e ele não gosta que elas não estejam em casa à noite. Pego o celular e me sento na sala. Minha mãe vai direto para a cozinha. Está amassando o alho e, depois, não ouço barulho nenhum. Nem de faca, nem de panela no fogo, nem nada. Vou à cozinha e minha mãe estava parada como uma estátua, de frente para a pia, segurando o pilão, sem fazer nenhum gesto. Acho aquilo estranho e me aproximo. É aí que vejo as lágrimas caindo do seu rosto.

– Mãe, me perdoa! Me perdoa, pelo amor de Deus! Não fiz por mal. Não sabia o que fazer. Não fique assim! Me perdoa – digo, desesperada e também em prantos.

– Minha filha, hoje foi um dos dias mais tristes da minha vida. Nós somos pobres, eu sei, mas te ver me ignorar daquele jeito… fingir que não sabia quem era a empregada que limpava a mansão que você passeava em frente… me senti tão pequena, tão inútil. Minha filha, que eu amo tanto, com vergonha de mim – diz ela em meio aos soluços de choro, com a cabeça baixa e em uma profunda mágoa e desgosto.

– Me perdoa, mãe. Eu não sei por que fiz aquilo. Estava nervosa, foi a primeira vez que eu encontrei o Jorge fora da escola. Não soube como lidar com a situação. Me perdoa, mãe! Por favor!

– Mãe sempre perdoa, minha filha. – E continua cozinhando enquanto as lágrimas vão caindo.

· · ·

Não vou para a escola hoje. Não tenho estrutura nem para me levantar da cama. Minha mãe nem jantou ontem e foi dormir, se é que ela conseguiu dormir. Estou me sentindo tão culpada, desprezível, envergonhada. Ela se levantou muito mais cedo do que de costume e foi trabalhar antes que eu tivesse acordado. Possivelmente não queria me ver. Eu a entendo, também não queria ter que conviver comigo mesma.

O Jorge mandou várias mensagens desde ontem. Não as respondo. Não tenho coragem de contar a ele o que fiz. Nem de mentir.

Vou tentar me concentrar na entrevista de hoje. O representante da empresa vai lá no curso. O instrutor me explicou como devo me comportar e o que eu devo ou não dizer. A vaga é para trabalhar na recepção de uma clínica de estética. Recepcionar os clientes, verificar no computador os horários e quais são os pacientes de cada especialista, leva-los às salas dos procedimentos, essas coisas.

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Apesar de tudo o que está acontecendo, consigo me concentrar e a entrevista me parece ótima. Não percebo se por acaso eu me saio mal em alguma resposta, e o entrevistador elogia o meu modo de falar. Diz que é muito correto e que não é cheio de gírias como boa parte dos adolescentes da minha idade.

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Uma das meninas que também será entrevistada não compareceu. Então apenas a outra garota, que começou o curso há apenas um mês, também vai concorrer à vaga. O entrevistador diz que vai dar a resposta ainda hoje, que ele só vai obter mais algumas informações.

Continuo no curso até o final da tarde e, antes de sair, o instrutor me chama na sala dele. Diz que a outra menina foi escolhida. E eu, pasma só consigo perguntar:

– Por quê?

– Duas coisas, Isa: a primeira é que eles vieram me perguntar como você era aqui no curso.

– E o que você disse? – pergunto, já indignada.

– Calma. Eu disse a ele a verdade. Que você não falta, não chega atrasada, é esforçada, inteligente e educada.

– E então? – digo, impaciente.

– Então que ele pediu o nome do colégio onde você estuda. E lá ele teve informação de que a “Isa” do curso não é a mesma “Isa” da escola. Não sei exatamente o que disseram, mas esse foi um dos motivos. O segundo deles, segundo ele, é que eles têm preferência por garotas que tenham uma aparência semelhante à dos clientes da clínica. Foi o que ele disse.

Nem sei direito o que respondo. Só penso em ir para casa, mas lá também terei de enfrentar outro grande problema. E essa história de o Jorge não ter ido à aula? E a transferência da Ediane. Que dia é esse? Parece que caí no meio de um furacão.

A menina conseguiu a vaga porque é branquinha, do cabelo liso e olhos claros. E também porque a escola fez a minha caveira para o empregador. Eu venci aquela merda de concurso de redação. Eu escrevi a melhor redação de toda a escola. São dezoito salas, com mais de trinta alunos em cada. Minhas notas são boas em todas as matérias. Eu não falto, não chego atrasada e entrego todos os trabalhos e atividades. Mas eles se concentraram, com toda certeza, nos protestos para a criação do grêmio e na suspeita de que fui eu quem pichei a escola.

· · ·

Choro durante toda a viagem de ônibus. E, para completar, o Jorge está com o celular desligado desde o final da manhã. Ou será que me bloqueou? Ontem ele viu onde eu moro e a discrepância de nossas realidades. É isso. Só quero chegar em casa e dormir.

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Durmo até meio-dia. Minhas irmãs saíram cedo para ir à casa de uma colega. Vão passar o dia em um clube do qual a mãe da garota é associada por conta do trabalho. Vou dar banho no Dog Mc. Amanhã tenho trabalho em uma festa infantil, lá no DeltaVille de novo. Tem vaga ainda. Bem que a Geo poderia ir.

Minha mãe não toca mais no assunto. Eu também não. Mas eu sinto que ela está triste. Hoje ela também tem faxina lá no condomínio. Não consigo mais falar com o Jorge. Acho mesmo que ele me bloqueou. É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que não sei nem por onde começar.

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Dessa vez, estou servindo as mesas. A dona da festa não quis algodão-doce. A única coisa boa dessa função é comer salgadinho até não caber mais. Toda vez que vou reabastecer a bandeja, como dois ou três. Concentrada no trabalho, eu me esqueço, ao menos por algumas horas, do furacão que está minha vida.

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Contei para a minha mãe e para o Vilson o que aconteceu na entrevista de emprego. Vou terminar o curso só porque já perdi muito tempo, gastei dinheiro e não posso perder esse certificado. Mas já entendi que ali não vou conseguir um trabalho. A escola estragou tudo.

Minha mãe contou que uma das patroas dela tinha dito que ia tentar conseguir uma vaga para mim em uma das empresas da família. Essa é das legais, minha mãe conta que a maioria só conversa sobre a faxina e para pedir para fazer mais coisas. Mas ela não reclama. É muito boa de serviço e tem a semana cheia. Ganha mais do que se fosse fixa em alguma casa. Mas também cansa muito mais.

Dessas coisas todas que estão acontecendo, a que mais mexe comigo é o que fiz com minha mãe. O resto, eu sei que vai passar. Eu vou sair um dia daquela escola, vou ter uma profissão e quero deixar minha mãe orgulhosa; mas, por enquanto, tenho de lidar com o erro que cometi.

A Geo não pôde vir trabalhar, ela tem um compromisso na igreja. Ela faz parte do grupo de jovens e canta no coral. A mãe dela é muito católica, e a Geo gosta muito de participar. Pena que eu trabalho quase todo final de semana, senão eu ia querer ir com ela.

Minha mãe também não é de igreja, não nos acostumamos a frequentar. A minha avó escuta a missa no rádio. Ela mora na zona rural, então fica difícil para ela ir, mas ela sempre reza antes das refeições. Quando a gente vai para lá, tem de rezar antes de dormir.

Tenho sentido vontade de rezar, de conversar com Deus para pedir forças e coragem para encarar os desafios dessa fase difícil que estou vivendo. Apesar de estar sentida com o que fiz com a minha mãe, esse sumiço do Jorge não me sai da cabeça. Mas amanhã eu converso com ele na escola.

Hoje a festa vai terminar mais cedo, vou conseguir chegar em casa e terminar o livro que estou lendo. Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves. É um livro fantástico, tenho aprendido muito com a história. Especialmente sobre minha mãe, mulher negra de pele escura, e sobre mim, que me considerei a vida toda como “morena”, mas tenho me descoberto como “negra” e valorizado essa minha característica.

Tenho pensado no que a Geo me disse sobre o Jorge. Penso que ela pode ter razão, pelo menos em parte. Somos mesmo de mundos muito distantes. Esse romance nunca daria certo. A Josefa, ou Zefa, como o Jorge chama, é a cara da minha mãe. Vestida de uniforme, ouvi dele a frase “ela é minha segunda mãe”.

Fiquei pensando: que mãe que veste uniforme?

· · ·

– O que você está fazendo aqui? – Essa é a primeira coisa que digo à Geo quando a vejo no meu quarto às 6h da manhã.

– O Jorge postou nas redes sociais um texto que viralizou, tem milhares de compartilhamentos. Quando vi, eram umas três da manhã. Te liguei umas trinta vezes, mas você não atendeu. Assim que amanheceu, eu vim para te avisar. Tem centenas de comentários na postagem. Os colegas da escola, os pais dos colegas e pessoas de outras escolas e professores de tudo quanto é lugar – diz Geovanna, esbaforida.

– Como assim? O que diz o texto? – pergunto, ainda meio sonolenta e sem entender direito o que ela está falando.

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– São coisas pessoais, mas ele fala de você. Fala da escola, dos caminhos da criação do Grêmio. Ele também postou a foto com a nossa lista de reivindicações. Abre e lê – diz a Geo, impaciente.

Estou tão ansiosa que nem consigo desbloquear a tela do celular. Quando começo a ler, vejo que foi mesmo o Jorge quem escreveu.

– Morri! A postagem já tem mais de 2 mil compartilhamentos e milhares de curtidas. Tantos comentários! Não consigo ler antes de ir para a escola.

– Isa, tem comentário até da Secretária de Educação! Pira nisso! Ela disse que vai cuidar pessoalmente do caso – diz a Geo, rindo de alegria.

– Tô vendo! Meu Deus, tem comentário de mães e pais apoiando. Será que a Noeli viu? – pergunto, agora também empolgada. Nós duas não conseguimos parar de rir.

Nesse momento, o meu telefone toca. É o Jorge. Meu coração dispara.

– Oi, Isa. Agora vamos conseguir, né? – diz ele também com a voz animada.

Mas a minha vontade é de atacá-lo com as palavras de raiva que estão no meu coração, ao mesmo tempo que também quero entrar dentro do celular e abraçá-lo.

– Por que você me bloqueou? Eu estava preocupada com você. O que aconteceu? – digo de forma impulsiva, ignorando a sua pergunta.

– Eu não te bloqueei. Desativei as redes sociais, deixei o celular em casa e fui para o sítio. Precisava de um tempo para pensar. Depois que nos encontramos na minha casa, foi um momento tão feliz, mas me fez lembrar de que eu não consegui cumprir o que prometi para você. Que era te ajudar a não sofrer tanto naquela escola. E eu só piorei as coisas.

– Não foi culpa sua. Como você diz na postagem, nós lutamos. E agora milhares de pessoas também estão do nosso lado! – digo, aliviada e emocionada ao mesmo tempo.

– Isa, você viu o comentário da Secretária de Educação?

– Vi, sim. Mas estamos atrasados para a escola. Conversamos lá, certo?

– Eu já estou aqui na porta do colégio, te esperando.

· · ·

– E a professora Ediane? Você soube o que aconteceu? – pergunto à Geo na hora do intervalo.

– Disseram que foi ela quem pediu transferência. Parece que a Noeli e os aliados estavam fazendo um inferno na vida dela. Eles acham que as coisas que estão acontecendo na escola, os protestos e a pichação, são culpa dela. Afinal, ela foi a única professora que participou da reunião da criação do Grêmio e também nos defendeu muitas vezes – diz a Geo.

– Será que alguém tem o contato dela para a gente perguntar pra ela?

– Vou ver com o Dan que está há mais tempo aqui no colégio.

– Você viu a Noeli aí na escola? – pergunto.

– Acho que ela ainda não apareceu hoje, Isa. Cadê o Jorge? – pergunta a Geo, desconfiada.

– O Jorge virou celebridade. – Eu rio. – Está conversando com a galera sobre a postagem e a repercussão.

– E ele, o que pensa que vai acontecer agora?

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– Geo, ao mesmo tempo que ele está empolgado com a possibilidade de mudanças, ele também está com medo de retaliações. Afinal, nós conhecemos como a Noeli e seu grupo de apoiadores são. Mas eu sinto que dessa vez vai dar certo.

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A consequência da postagem é tão ampla que o Jorge é convidado por uma jornalista, amiga da mãe dele que também mora no condomínio, a participar de uma reportagem em um jornal da TV local. Ele fala sobre o que o motivou a publicar o texto e também sobre as ações que o Grêmio organizou e a dificuldade de abertura para o diálogo. É uma emissora pequena, mas ficamos empolgados.

A repórter vai à escola e fala também com a Noeli, que repete o mesmo discurso usado nas salas de aula. Diz que entendeu que os estudantes estão fazendo reivindicações justas e que vai promover uma gestão mais participativa com a comunidade escolar. Obviamente, eles filmam as pichações, e isso também aparece na TV, mas não de um modo negativo.

O Jorge também entrega a lista de reivindicações para a jornalista, e ela é postada na reportagem publicada no site do jornal. Isso também gera muitos comentários no site e nas redes sociais, pois um dos primeiros itens é a solicitação de papel higiênico e sabonete nos banheiros. Ganhamos ainda mais apoio on-line.

Quando a reportagem vai ao ar, Jorge ficou um pouco chateado a princípio, porque a jornalista dá um destaque maior à história do garoto rico que foi para a escola pública para conhecer uma nova realidade e ajudar a transformar a gestão do colégio. Mas depois nós entendemos que na imprensa é assim mesmo. Eles precisam evidenciar o que vai dar audiência. Mas ele conseguiu falar da nossa luta, e isso é o que interessa.

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No dia seguinte, só se fala da reportagem na TV e no site. A galera está enlouquecida, se sentindo pela primeira vez empolgada com a possibilidade de ter as solicitações atendidas e de finalmente ser aberto um canal de diálogo e participação dos estudantes.

Dessa vez, não há retaliações. A Noeli passa de sala em sala para falar sobre a postagem e reportagem, além de comunicar o seu novo posicionamento. Diz que recebeu muitas ligações e mensagens de pais dos estudantes e de outras pessoas que querem saber da situação e oferecer apoio à mobilização dos estudantes. Ela diz que vai oficializar a criação do Grêmio e vai incluir os estudantes nas discussões e decisões da escola. É aplaudida em várias salas e demonstra gostar da reação dos estudantes.

Na hora do intervalo, no mesmo dia, tem papel higiênico e sabonete líquido em todos os banheiros. Também há trabalhadores consertando os ventiladores das salas enquanto estamos do lado de fora. Não conseguimos acreditar que tudo aquilo está acontecendo.

Mas o melhor de tudo é ver o Jorge bem e feliz novamente. O brilho nos olhos dele é outro.

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No final da semana, a Noeli nos chama para uma reunião na sala dela. Eu, o Jorge, o Tiago, o Bruno César e a Geo. A Comissão Pré-Grêmio. Ela começa falando comigo e com o Jorge.

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– Eu vou começar a falar com vocês dois porque tivemos conflitos mais significativos do que o restante do grupo. Isa e Jorge, eu queria que soubessem que, a partir do texto do Jorge e de toda a repercussão, percebi que eu poderia ter agido de outra maneira com vocês. Para mim, era muito difícil entender a gestão da escola de outra forma que não a que eu sempre segui – diz, sincera, e completa, agora se dirigindo a todos nós: – Eu decidi que preciso mudar, que o meu modo de administrar a escola não está mais adequado para os jovens da atualidade. Vou ouvir vocês e atender as reivindicações, que, em sua maioria, são justas. – Ela parece estar sinceramente arrependida.

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O Dan consegue o contato da professora Ediane. Ela nos conta que a Noeli a convidou para voltar à escola, só que agora na função de Coordenadora Pedagógica. Ela pediu perdão pela perseguição à professora e disse que quer construir um projeto de escola democrática. Mas, como não sabia bem como fazer isso, precisava da ajuda da professora Ediane.

A professora Ediane aceitou e vai voltar na semana que vem. Ela nos conta que a primeira ação dela no cargo será chamar os integrantes do Grêmio para conversar a respeito de suas ideias e reivindicações.