Hugo Tallyton Lopes Santos
tallytonhugo@discente.ufg.br

Maria Izabel Machado
mariaizabelmachado@ufg.br

“Tio, por quê o senhor é um professor menino”: os desafios do pedagogo na educação infantil

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Resumo

Este trabalho tem como objetivo, refletir sobre os desafios do gênero na formação em pedagogia, partindo do pedagogo homem como sujeito deste estudo. A proposta é investigar por meio de revisão bibliográfica e entrevistas, quais os desafios encontrados por homens na busca por estágios não obrigatórios na Educação Infantil. Para tal, foram coletadas cinco entrevistas e posteriormente analisadas, sendo os principais achados o estranhamento em ter homens cursando e buscando uma vaga de estágio na Educação Infantil e consequentemente na difícil aceitação destes para atuarem como estagiários em sala de aula com crianças pequenas.

Palavras-chave:Masculinidades; Gênero; Pedagogia; Educação Infantil.

Introdução

Cursar uma formação superior majoritariamente constituída por mulheres como é o caso do curso de pedagogia, implica automaticamente no estranhamento social de um corpo masculino ocupando um lugar socialmente não tido como masculino. O homem que opta por estudar e posteriormente atuar no campo da educação básica e mais precisamente, na educação infantil, quando inserido, sofre certa resistência e não raro também rejeição, vivendo sob o dilema de a todo instante provar seu profissionalismo.

O estágio não obrigatório, requisito obrigatório no ensino superior e, mais precisamente do curso de Pedagogia, torna-se um desafio para estudantes homens, principalmente quando a procura é por vagas na educação infantil. A ideia de ter um homem dentro das salas de aula causa muitas vezes medo e aflição por parte da equipe escolar, que ao pensar na possibilidade de ter um homem fazendo trocas de fraldas ou acompanhando as crianças ao banheiro, sorriem e verbalizam "(risos) homens não levam jeito para essas coisas”.

Em geral a presença masculina está atrelada no senso comum a possíveis abusos sexuais contra crianças, medo este fundamentado em estatísticas que corroboram esse receio, uma vez que segundo o Ministério da mulher, da família e dos direitos humanos, só em 2021 foram registrados 18.681 registros, sendo que 60% deste quantitativo de vítimas tinham idade entre 10 e 17 anos, dentre os suspeitos 2.617 estavam o padrasto e a madrasta, reforçando a ideia de que a presença masculina é um risco para as crianças em qualquer ambiente.

O presente artigo, é o resultado do plano de trabalho desenvolvido no Programa de Iniciação a Pesquisa da Universidade Federal de Goiás (UFG) no ciclo 2021-2022, que tem como título “Os Desafios do gênero na formação em pedagogia: O pedagogo na Educação Infantil”. Este plano foi desenvolvido e pensado a partir da minha própria experiência, ao ser rejeitado para concorrer a uma vaga de estágio na Educação Infantil em uma grande escola da capital, Goiânia. O plano de trabalho está inserido dentro do projeto de pesquisa “Tecnologias de si na formação em pedagogia: Uma cartografia dos sujeitos", sob a orientação da professora Dra. Maria Izabel Machado, o projeto de pesquisa, busca através da investigação, refletir e compreender de modo científico como o processo formativo dentro da Faculdade de Educação FE/UFG, influência na formação acadêmica de seus estudantes, sob a ótica do cuidado entre si. As entrevistas foram realizadas mediante aprovação junto ao Comitê de Ética em Pesquisa.

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Este estudo se constitui como tentativa de compreender o lugar do homem na educação infantil, ao buscar responder por meio de pesquisa sobre as dificuldades encontradas pelo formando em pedagogia na procura pelo tão sonhado estágio, e quando encontram, quais as barreiras de aceitação social enfrentadas em ter um homem na função de professor de crianças.

Partindo desses questionamentos, tracei alguns objetivos na tentativa de compreender essa problemática, são eles: Saber e dominar quais são os desafios encontrados pelos pedagogos homens na formação em pedagogia; entender por meio de estudos e leituras a origem desses desafios; apresentar teoricamente a concepção e o processo de naturalização do pedagogia como uma profissão feminina; analisar que arranjos pedagogos homens fazem para superar essa relação de gênero-profissão e se colocar no mercado de trabalho na Educação Infantil.

Para responder a minha pergunta de pesquisa, primeiramente foi necessário construir a base teórica. Para isso, autores como Maria Cecília Minayo (2016) e C. Wright Mills (2009), foram de grande importância para o entendimento do processo de pesquisa qualitativa, que deve ser organizado e levar em consideração o todo dentro do processo da pesquisa, pois tudo se associa. Apoiei ainda em textos de importantes estudiosos que estudam a temática do homem na educação, as masculinidades e o cuidado, tais como, Benedito Medrado (1997); Marlene Tamanini (2018); Jorge Lyra (2008) e Jordânia Cardoso Bandeira (2021).

Em seguida, optei por conversar com estudantes homens do curso de pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), com idade entre 22 e 43 anos, ouvindo suas expectativas, frustrações e barreiras encontradas na busca por estágios dentro da Educação Infantil. São estudantes que estão entre o 6° e o 8° período do curso e que vivenciaram a dificuldade de encontrar estágio e passaram pela frustração de ser rejeitado. O método utilizado foi qualitativo, que segundo Minayo (2021), a pesquisa qualitativa evidencia não só o sujeito ou a situação pesquisada, mas analisa e trata do todo como interferência e relevância para a pesquisa.

As entrevistas foram compostas a partir de perguntas semi-estruturadas e realizadas entre os meses de Fevereiro a Abril de 2022, de modo remoto, pelo Google meet, respeitando os protocolos de distanciamento social para prevenção da Covid-19. Os entrevistados foram indicados por colegas da própria Faculdade de Educação, e o convite foi feito pelo aplicativo de celular WhatsApp. Depois os dados foram tratados da seguinte forma: As entrevistas foram transcritas e posteriormente analisadas uma a uma, a fim de encontrar falas comuns e definir categorias de análise. Um fato que chamou atenção, é porque um entrevistado que sabe da existência da rejeição do pedagogo homem, mas não percebe consigo essa repulsa. Essa fala tornou-se uma categoria nova a ser analisada.

De modo geral, para os estudantes entrevistados, o curso de pedagogia ofertado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), oferece formação de qualidade, resultando aos seus sujeitos competência para atuar nas mais variadas áreas que o curso possibilita. Entretanto, é consenso entre os sujeitos dessa pesquisa, a feminilização da profissão, pois ao mesmo tempo que existe um esforço dos professores em quebrar os rótulos existentes trabalhando textos acadêmicos que gerem discussões sobre temáticas como esta, eles mesmo (re) produzem a feminilização quando dizem “Bom dia, meninas!” esquecendo, muitas vezes da minoria masculina existente nas salas de aula de formação de professores.

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O presente texto está estruturado em seções, de tal forma que a primeira seção é chamada de “O gênero e o cuidado”, onde faço uma discussão sobre o cuidado associado à figura feminina. Na segunda seção “Homens na pedagogia: Preconceito e resistência”, apresento os sujeitos da minha pesquisa, idade, nomes (alterados) e razões que os motivaram a cursar pedagogia. Por último, na última seção “Homens na pedagogia? Aqui não temos!” Faço uma interlocução entre o estudo realizado e a minha experiência dentro da Educação Infantil, enquanto estagiário.

O gênero e o cuidado

Desde muito cedo, as mulheres são apresentadas a ideia do cuidado. De forma sutil e discreta, as meninas ao passo que vão crescendo em estatura são ensinadas a desenvolverem as habilidades da atenção e do cuidado, quer seja nas tarefas domésticas, quer seja no cuidado com parentes próximos. É um ensinamento diário, em que toda e qualquer forma de desobediência ao treinamento posto é vigiada e corrigida, de modo que a naturalização do cuidado seja incutida às mulheres.

A partir de seu estudo sobre masculinidades, a feminilização do cuidado e as relações de gênero dentro do curso de pedagogia da UFG, Jordânia Cardoso Bandeira (2021), aponta que a década de 1960, trouxe grandes avanços no que diz respeito a temas relacionados ao genero feminino. Segundo ela, desde essa década, temáticas como a do cuidado foram postas em debate, graças a produções feministas e movimentos sociais que reivindicavam o lugar de sujeito das mulheres dentro da sociedade excludente. Questionando tarefas, que segundo o ideário social eram de responsabilidade da mulher, como o cuidado. Para a autora, ideias como esta, implica na feminilização de profissões, como o desenvolvimento da profissão docente.

Na Educação Infantil, primeira fase da educação básica, essa relação do cuidado associado à mulher torna-se evidente e perceptível, constituindo a harmoniosa interação professora-estudante, construindo um vínculo quase parental, de cuidado, proteção e afeto. Enquanto que a presença masculina dentro dessa fase da educação é vista pelas pessoas com admiração e surpresa, por ter um homem exercendo a docência dentro de um lugar constituído para o ofício do cuidado como é o caso da Educação Infantil e desenvolvido por mulheres.

Na última entrevista que compõe este estudo, em que o agente entrevistado será apresentado em seção posterior, a reação de estranhamento ficará perceptível. Segundo ele, as reações são sempre as mesmas e os questionamentos também, sobre o homem cursar pedagogia. O objetivo é tentar encontrar respostas para as escolhas profissionais do outro. Segundo o entrevistado, as perguntas comumente são: “Como você resolveu fazer pedagogia ou de onde surgiu essa ideia?” (Vítor, 26 anos entrevista concedida em abril de 2022). Essas indagações evidenciam o estranhamento social de um homem cursar e posteriormente atuar numa área ligada, segundo o pensamento social, ao cuidado, como é o caso do curso Pedagogia e mais precisamente o exercício da docência na Educação Infantil e nos Anos Iniciais da educação Básica.

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Além da reação de surpresa das pessoas, o homem é considerado um risco para a integridade física e psicológica das crianças, ao associar a presença do homem na Educação Infantil a riscos elevados de abusos sexuais e outras violências, associação comumente feita ao gênero masculino. Outra associação feita, é a da desatenção e a falta de cuidado com as crianças em horários de pátio e a ausência de habilidades psico-educacionais para resolver de forma carinhosa situações de choros e discussões em sala de aula, dom nato que só as mulheres têm, segundo o ideário social.

Tamanini (2018), a partir de seus estudos sobre cuidado, apontam que socialmente os homens são considerados provedores da esfera pública, chefes de família e autossuficientes, enquanto que as mulheres são ensinadas desde pequenas a exercerem as mais variadas maneiras de cuidados. [...] “cuidado tanto de doentes, de idosos, crianças, mas também de faxina, limpeza, diaristas, limpeza das cidades, coletas de lixo, serviços diversos, e ambientes de trabalho em fabricas, ou informais nas ruas, ou no virtual” (p.33). Nesse sentido, atividades profissionais relacionadas aos diferentes tipos de cuidado, estão, segundo um ideário social, associados ao gênero feminino. Dessa maneira a relação mulher e Educação Infantil são indissociáveis.

Homens no curso de pedagogia: Preconceito e resistência

O trabalho de campo é um dos momentos mais importantes e estimulantes do processo da pesquisa acadêmica social. Pois é no campo da investigação, onde o pesquisador tem a oportunidade de ficar frente a frente com o sujeito e com a situação-problema pesquisada, podendo através disso, enriquecer seu trabalho, partindo da vivência e do contato direto, que só o estudo de campo é capaz de proporcionar. “Assim, sua finalidade é construir um conhecimento empírico importantíssimo para quem faz pesquisa social.” (Minayo, 2016. p. 56).

Os sujeitos que compõem o meu estudo, são homens do curso de pedagogia da Universidade Federal de Goiás (UFG) e estão em diferentes momentos do processo formativo, mas com uma característica em comum: A dificuldade em conseguir estágio em escolas. Os agentes que compuseram o estudo, foram indicados por colegas do próprio curso e contactados via WhatsApp (aplicativo de mensagens, usado a partir da conexão com rede de internet). Durante o processo de contato e seleção para as entrevistas, foi notória por parte de alguns estudantes do gênero masculino, a vontade de contribuir com a investigação, mas alguns não preenchiam o requisito, pois não haviam tido a experiência da busca por estágio.

Os relatos foram obtidos a partir de entrevistas semi-estruturadas, e as conversas ocorreram entre os meses de fevereiro a abril de 2022, pelo Google Meet/internet. As medidas sanitárias impostas pelo pandemia da Covid-19, impossibilitaram a presencialidade física das conversas, mas em nada alteraram a disposição dos entrevistados em falar sobre a temática proposta. As conversas aconteceram em dias diferentes da semana, de acordo com a disponibilidade de horários dos entrevistados.

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Por questões éticas, para a materialização deste trabalho, os nomes foram alterados para nomes fictícios. Passam a ter o nome de alunos do gênero masculino da minha turma de estágio Educação Infantil, é uma forma deles estarem inseridos no estudo. Os agentes passam a se chamar, Rodrigo, 30 anos, José, 22 anos, Antônio, 43 anos, Paulo, 24 anos e Vítor, 26 anos.

Rodrigo já é graduado em Geografia/licenciatura pela Universidade Federal de Goiás (UFG), busca na nova formação, fundamentação teórica para seu trabalho docente enquanto professor. Além de pensar na possibilidade do mestrado e doutorado, para futuro ingresso na docência no Ensino Superior.

José está na sua primeira graduação, a motivação para cursar pedagogia se deu a partir das experiências de ensinar os amigos na educação básica e o ensino-cuidado dos irmãos mais novos, essas vivências o convenceram que a profissão ideal para ele seria o de professor e mais precisamente, pedagogo. Numa pesquisa prévia das estruturas curriculares dos cursos de licenciatura, a do curso de pedagogia da UFG, era a que melhor atendia às suas necessidades e demandas pessoais.

O terceiro entrevistado é Antônio, para ele a razão para cursar pedagogia é a possibilidade de trabalhar com educação social. Ou seja, escolas e centros educativos ligados a Organizações Não Governamentais (ONGs), inclusive, é em uma ONG que ele atua profissionalmente no momento. Para Antônio, trabalhar em instituições como essa é a realização de um sonho.

Paulo, é o quarto entrevistado. Pedagogia sempre foi seu objetivo de curso superior, no entanto nunca vivenciou a experiência de estagiar em nenhum nível da educação básica, pois em todas as entrevistas que foi, em nenhuma foi selecionado. Vagas até surgem, segundo ele, mas nunca para atuar em sala, das poucas vezes em que foi em uma seleção, não foi classificado, pois segundo o entrevistado a preferência é sempre por pessoas do gênero feminino. Vítor finaliza o ciclo de entrevistas. Concursado para o cargo efetivo de auxiliar de sala na rede municipal de educação de Goiânia, Vítor atua em um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) da região sudoeste da capital. O fato de ter sido aprovado em concurso público para o cargo de auxiliar de sala, o fez optar pela mudança de graduação, antes o entrevistado cursava psicologia.

Os perfis e as razões dos sujeitos, pela opção em cursar pedagogia, como apresentado, são distintos e cheios de significados. Mas apresentam o mesmo objetivo, resistir, frente ao preconceito e a discriminação sofrida por homens formandos e/ou formados em pedagogia. Durante as entrevistas, um dos pontos que mais sobressaíram, e que foi tratado como categoria, foi justamente o da resistência, que quanto mais homens estiverem na pedagogia, melhor será se para romper com os estereótipos envoltos no curso e no exercício da profissão em Pedagogia na Educação Infantil.

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Homens na Educação Infantil? Aqui não temos!

O estranhamento e os questionamentos, talvez sejam as maiores certezas que estudantes homens do curso de pedagogia tenham quando procuram por estágios não obrigatório na rede privada de ensino, torna-se um dos momentos mais difíceis e desafiadores do início da profissão para o homem pedagogo. Onde além de lidar com as negativas na busca pelo tão sonhado estágio, precisa enfrentar de frente e com coragem, frequentes perguntas relacionadas a escolha da profissão, que diante das experiências traumatizantes de não ser aceito em estágios, as indagações vivenciadas contribuem para que os sujeitos (homens) se sinta desmotivados e reflexivos diante da profissão escolhida.

A introdução feita nesta seção, é o espelho da minha própria experiência, quando no fim do primeiro semestre da graduação em Pedagogia, recebi a informação de que eu seria indicado para uma vaga de estágio na Educação Infantil. Lembro-me que na época fiquei feliz e empolgado, porque todos sabem que o estágio para quem está cursando um curso superior é importante, seja pelas oportunidades que podem surgir, ao cogitar a possibilidade da efetivação no cargo ou pela experiência no campo de atuação do curso estudado. Entretanto, ao ser indicado, fui rejeitado porque não contratavam homens.

José, um dos agentes entrevistados para este trabalho, quando perguntado se já havia passado por alguma situação constrangedora durante entrevistas de estágio, relatou algo parecido, durante a única seleção em que participou sentiu por parte da diretora o estranhamento por um homem está ali, concorrendo a uma vaga para pedagogo, o que resultou na rápida dispensa do rapaz.

Durante a entrevista de estágio relatada por ele, foi nítido o desconforto pela sua presença ali. Segundo o entrevistado, a gestora esperava que José estivesse buscando uma vaga para outra área da educação (matemática, física ou química), mas não para a área da Pedagogia. José foi dispensado com a seguinte pergunta, seguida da dolorosa afirmação, “Mas um homem pedagogo? Não temos aqui!” (José, 22 anos, entrevista concedida em março de 2022). Sobre a descrição da vaga, José disse que era destinado a atuação na Educação Infantil e que os únicos requisitos eram, saber cantar, dançar e não ser homem. O cargo tinha um perfil esperado, mas não especificado no anúncio, o que o fez ir à seleção.

Relatos como este, escancaram a relação social feita entre o genero feminino e o exercício profissional do magistério na Educação Infantil, que segundo Loures (1997) é que como se a escola tivesse gênero o que resulta na preferência e a aceitabilidade quase que exclusiva por mulheres para o exercício do trabalho de docente nos primeiros anos do processo de escolarização.

Situação parecida vivenciou Antônio. Segundo ele quando perguntado sobre os estranhamentos vivenciados no exercício da profissão na instituição em que atua, José relatou situações vividas:

[...] de início, houve um estranhamento, pois já estavam acostumados com professora, aí quando eu assumi a turma, houve um primeiro estranhamento, depois, se via que existia neles uma questão do medo, por ser um homem que está ali, pode ser mais bravo, não sei qual é a questão, mas depois, novamente com a continuidade do trabalho, porque eu acho que pra nós, homens na educação, até a gente quebrar esse paradigma, até a gente conseguir romper com essa torturas violentas que o homem também transmite, a gente tende a sempre em busca do nosso espaço, a gente vai estar sempre tendo que se provar, enquanto educadores, para as crianças, para a família, para a instituição, é uma coisa que a gente não pode ter medo de estar ali, de estar se provando, de estar preocupado, a gente tem que ter o intuito que a gente quer, no meu caso, eu quero ser um educador. (Antônio, 43 anos, entrevista concedida em março de 2022).

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Para o entrevistado a presença masculina rompe não apenas com os estereótipos marcantes da profissão, mas com a negativa que homens não levam jeito para atuação profissional nesse segmento da educação. Pelo contrário, a presença masculina nesse campo de atuação da profissão evidencia que homens também podem ocupar a função de educador com crianças pequenas.

Por outro lado, o trecho demostrar o medo que as famílias têm de que a presença masculina possa implicar em situações de violências sexuais, psicológicas e físicas. Nesse sentido, a presença masculina no exercício profissional exerce função importante na desassociação de tais violências unicamente ao masculino.

Entretanto, os estranhamentos não ficam apenas no âmbito família-educador, existem situações de estranheza dentro do ambiente de trabalho, suscitando a relação sociedade-escola escola-sociedade. Quando perguntado sobre as relações com a equipe escolar referente a presença masculina nesse campo de atuação, José diz já ter sentido e percebido situações de desconfianças por ser um homem atuando profissionalmente na docência com crianças, segundo José houve uma situação não com ele, mas que foi marcante:

teve uma vez que eu consegui observar, um assistente de sala que tinha lá, tem até hoje, porque trabalha com a gente, mas ele não é pedagogo, ele é mais voluntário que trabalha com a gente e, muitas vezes ele é designado para alguma sala, para ajudar alguma professora (o), pra poder está lá junto, e uma vez a gente conseguiu ouvir de uma estagiária que não se sentia bem, por ele ser homem e está junto da turma, ela não se sentia segura de deixar as crianças sozinhas com ele, pode que seja esse preconceito ali, depois a gente foi perguntar porque ela não tinha essa confiança. A gente foi perguntar porque ela não tinha essa desconfiança, se ele tinha dado algum motivo, [...] “É porque ele é homem, né, e assim eu não o conheço bem, eu fiquei um pouco apreensiva”. (Antônio, 43 anos. Entrevista concedida em março de 2022)

O excerto acima evidencia estereótipos e medos socais com a presença masculina no exercício da docência com crianças pequenas. Os estereótipos e os medos na maioria das vezes não estão apenas fora da escola, mas dentro dela, como foi relatado. A presença do homem na Educação Infantil vive constantemente sob o limbo do estranhamento e da desconfiança em que possíveis situações de violência servem para validar o ideário de que o exercício da função de professor da neste segmento do ensino não foi pensado para pessoas do gênero masculino, eles podem até ocupar esse espaço, mas em outras funções, como coordenação e direção.

Situação complexa vivenciou Vítor recentemente. Segundo o entrevistado, uma criança de 3 anos ao chegar em casa disse para a avó que o tio havia dado banho nela e tocando-a, no entanto, a instituição como maneira de resguardar os funcionários e estimular a autonomia das crianças orienta que professores e auxiliares apenas ajude estimulando o banho e a higiene orientando o banho “lava ali, lava aqui” “banha direito, hein!”. Ainda assim, a avó foi no CMEI questionar a possível situação, a direção conversou e a questão foi entendida. Desde então Vítor vive reflexivo sobre a atuação no CMEI e até cogitou deixar a vaga [...] “exonerar e ir trabalhar com outra coisa e não mexer mais com educação infantil, eu gosto muito de educação infantil e ir trabalhar com fundamental e até outro local e outros lugares” (Vítor, 26 anos, entrevista concedida em abril de 2022).

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Nesse sentido, as discussões em torno do corpo masculino ocupando um espaço tido como feminino devem ter espaço dentro dos cursos de formação de professores no curso de Pedagogia. Paulo, relata ao ser questionado sobre as vivências nos estágios obrigatórios, se queixa da falta de oportunidades em estágios e quanto que isto acarreta na falta de reportório para discussões nas aulas, enquanto que as mulheres que já estão no campo de atuação conseguem intervir com propriedade nas discussões porque tem vivências que não são oportunizadas as pessoas do gênero masculino, “a gente não pode fazer essa correlação porque a gente não tem essa experiência, não é proporcionada para gente, então eu fico, ficava perdido tipo “ah, não é assim, então como é? não sei, nunca estive, nunca tive a oportunidade.” (Paulo, 24 anos, entrevista concedida em março de 2022).

Existe quando o assunto é homens no curso e no exercício da profissão no campo da Pedagogia, um longo caminho a ser percorrido em torno das discussões da ocupação do gênero masculino nesse segmento do ensino. Discutindo no processo formativo, qual é lugar do homem na educação e qual o lugar da mulher na educação, as discussões geram debates e consequentemente em pequenas revoluções que desconstroem ações tidas como naturais, como é caso da genereficação de algumas profissões.

Considerações finais

O estudo realizado, evidencia o estranhamento social sofrido por homens que optam por cursar e atuar no campo da Pedagogia. Ainda que estejam em uma universidade pública e com destaque nacional por suas ações de ensino, pesquisa e extensão, as características da instituição na qual estes sujeitos estão em formação, não é fator determinante para a contração em estágios, as dificuldades de colocação profissional encontradas e apresentadas nas entrevistas evidenciam isto.

As dificuldades de colocação no mundo do trabalho ao buscarem vagas de estágio, estão associadas a questões de gênero em que a feminilização do curso e do exercício da profissão são nítidas e percebíveis nas situações também apresentadas neste estudo. O que coloca os homens que buscam formação profissional no campo da Pedagogia, numa situação complexa, como colocada pelo entrevistado José, em que quando inserido no mundo do trabalho na área da Pedagogia, o homem precisa a todo momento provar profissionalismo, eficiência e que de fato é merecedor de ocupar esse espaço.

Ficam evidentes o estranhamento e o medo que a presença masculina possa acarretar em possíveis violências contra as crianças pequenas nessa fase do ensino. Entretanto é importante destacar que apesar um quantitativo significativo de violência estarem atrelados a figura masculina, a prática de violências como apresentado no início do estudo, muitas vezes estão associadas a pessoas do convívio familiar e que número significativo dos agressores são homens e mulheres.

Nesse sentido, o estudo apresenta como resultado caminho que deve ser trilhado no que diz respeito a desteriotipização da profissão, a superação dos estranhamentos e o combate aos medos por meio de políticas públicas eficazes de prevenção as violências físicas, emocionais e sexuais, possibilitando aos homens que cursam Pedagogia a oportunidade de vivenciarem o início da profissão em estágios em pequenas, médias e grandes escolas.

Cabe ao homem que está atuando no campo de trabalho buscar meios de conscientizar os alunos e as famílias de que o exercício profissional da docência na Educação Infantil não deve ser generificado como apontou Louro (1997) ao falar sobre o gênero da docência nesse segmento da educação.

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Referências

BANDEIRA, Jordânia Cardoso. As masculinidades e a feminilização do cuidado: Relações de gênero no curso de pedagogia. Pluralistas, Santo Amaro - SP. V. 1, n°6, p. 22-34, Julho. 2021.

LOURO, Guacira Lopes. Sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. 6° ed. Petrópolis, Rio de Janeiro. Editora Vozes, 2003, p. 88-110.

MILLS, C. W. Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed, 2009.

MINAYO, Maria Cecília de Sousa (org.). Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. 5° reimpressão. Petrópolis, Rio de Janeiro. Editora Vozes, 2021.

OLIVEIRA, Ingrid. Das 4.886 denúncias de violação infantil em 2022, 18,6% estão ligadas a abusos sexuais. CNN Brasil, 30 ago. 2022. Disponível em: https://cnnbrasil.com.br/nacional. Acesso em: 30 ago. 2022.

Notas

1.Estudante do 7° período de pedagogia na Faculdade de Educação, na Universidade Federal de Goiás (UFG).

2.Professora na FE/UFG. Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFG).

3.Fala reproduzida por colegas em roda de conversa durante o intervalo no estágio não obrigatório do pesquisador.