Nicali Bleyer Ferreira dos Santos
nicalibleyer@hotmail.com

Odiones de Fátima Borba
odiones@hotmail.com

Estágio Na Formação De Professores: experiências vivenciadas durante o regime letivo remoto na PUC Goiás

21 próxima página

Resumo: O presente artigo relata experiências em práticas de Estágio desenvolvidas no curso de Geografia – Licenciatura da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC Goiás, destacando as ações que foram implementadas em função das aulas em regime remoto. As atividades de Estágio foram desenvolvidas de modo assíncrono e síncrono, compreendendo o planejamento, a produção de material para ensino mediado pelas tecnologias, apoio ao professor supervisor da escola-campo e ministração de conteúdos para estudantes de Ensino Médio da rede de ensino. A necessidade de adequação ao regime remoto resultou em aprofundamento dos conhecimentos sobre o uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação, bem como sensibilizou os estudantes do Estágio quanto aos problemas vivenciados pelos alunos da rede de ensino em relação ao acesso limitado aos recursos tecnológicos. Apesar dos desafios, observamos que o aprendizado impactou a todos: professor formador, professor supervisor, estudante do Estágio e estudantes da escola-campo. As metodologias foram diversificadas e os recursos tecnológicos bastante explorados, possibilitando, assim inovações no ensino e práticas exitosas no Estágio.

Palavras-chave:ensino de geografia; regime remoto; metodologias.

Introdução

O Estágio, nos cursos de formação de professores, é componente curricular obrigatório e fundamental à qualificação profissional do acadêmico, permitindo-lhe a presença participativa em cenários de prática, sob a supervisão de professores de Estágio da Universidade e a colaboração dos professores supervisores das escolas-campo.

As atividades desenvolvidas no Estágio possibilitam o conhecimento, a análise, a reflexão e a vivência da prática pedagógica, convergindo no processo de formação do futuro professor, capacitando-o para enfrentar os desafios do mundo do trabalho, além de contribuir para o aperfeiçoamento da consciência política e social destes estudantes. Para alcançar esses objetivos, o Estágio abrange a dimensão dinâmica da profissão, portanto, produtora de possibilidades de abertura para mudanças.

No caso específico da Geografia, o futuro professor deve ser capacitado para o exercício da docência como atividade essencial e transformadora da realidade. O trabalho assim compreendido é considerado princípio articulador da prática-teoria-prática – práxis pedagógica. Para cumprir tal princípio, é indispensável que ele esteja em permanente contato com as instituições educacionais, escolares e não escolares, observando, analisando e problematizando as questões referentes ao papel da escola, do contexto educacional, da gestão e das práticas de ensino-aprendizagem. Isso porque, o trabalho do professor de Geografia articula-se ao campo epistemológico e objeto de estudo da Geografia: o homem e sua interação no espaço — ou seja, as práticas cotidianas e o reflexo dessas ações nos diferentes espaços de nossa vivência devem ser trazidos e discutidos na escola pelo professor. O papel da Geografia na escola, como disciplina emancipadora do pensamento e, também, da formação crítica e cidadã é referendada em diversas obras, tais como Cavalcanti (2001; 2002; 2006); Callai (2010); Castellar e Vilhena (2010). A Geografia possibilita a compreensão da realidade, uma vez que trabalha fatos vivenciados no cotidiano das pessoas. Essa questão torna-se bastante relevante se pesarmos que o ensino dessa disciplina na escola, vai muito além dos conteúdos curriculares previstos - ela amplia a visão de mundo a partir do lugar de vivência. Para Stefenon (2020, p. 23-34)

página anterior 22 próxima página

a Geografia enquanto conhecimento poderoso [...] constitui-se num conjunto de saberes, códigos, linguagens e processos de raciocínio capazes de atuar no desenvolvimento de visões críticas e reflexivas sobre o mundo em suas diferentes escalas. Ao permitir o reconhecimento de processos, estruturas, formas e funções nessas diferentes escalas, seja no nível local como do global, a Geografia se coloca como um saber necessário e relevante em sociedades interessadas na formação de sujeitos conscientes quanto a sua posição no mundo e sobre o conjunto de direitos e deveres constituintes de sua cidadania e territorialidade.

Em 2020, as instituições de Ensino Superior e, também, as escolas da Educação Básica se depararam com o desafio de enfrentar o isolamento social em função da pandemia do novo coronavírus. As aulas em regime remoto, mediadas pela tecnologia, foram implementadas para dar continuidade ao processo formativo e, nesse contexto, as atividades de Estágio nas licenciaturas passaram, também, para o regime remoto, já que as escolas da rede pública e privada implementaram esse regime na Educação Básica. O ensino de Geografia precisou se adaptar à realidade vivida, já que ações educacionais e tantas outras migraram para o ciberespaço, daí a necessidade de implementar novas práticas de ensino. Ao desenvolver o ensino de Geografia em tempos de pandemia, trabalhamos e vivenciamos exatamente o contexto social do momento, em que disciplina escolar e realidade precisaram se adaptar ao universo virtual.

Nesse contexto, este artigo tem por objetivo apresentar as experiências desenvolvidas no Estágio do curso de Licenciatura em Geografia da PUC Goiás e a realidade vivenciada pelos professores em formação junto às salas de aula virtuais da rede de Educação Básica e do curso de Licenciatura no Ensino Superior, possibilitando que professor em formação pudesse experenciar novas metodologias de ensino e o uso dos recursos tecnológicos para atender às demandas desta nova realidade social da educação básica em tempos de pandemia.

As atividades de Estágio, relatadas no presente artigo, foram realizadas junto a escolas da rede pública estadual de Goiás - uma escola de tempo integral e outra escola militar -, compreendendo a observação e a regência, bem como a elaboração de material de apoio didático, durante o primeiro e o segundo semestres de 2020. O acompanhamento e a supervisão das atividades ocorreram de forma integrada entre o professor coordenador de Estágio e o professor supervisor da escola-campo, com o livre acesso desses profissionais aos ambientes virtuais de aprendizagem das instituições envolvidas. A possibilidade de trabalho com duas escolas diferentes e de localidades geográficas diferentes (uma localizada em Goiânia e outra no município de Palmeiras de Goiás), já foi um reflexo do trabalho desenvolvido em ambiente virtual e ampliou as possibilidades de vivência da prática pedagógica dos discentes em escolas com projetos educacionais diferentes.

página anterior 23 próxima página

O Regime Letivo Remoto

O regime letivo remoto foi adotado em 2020 em todo o mundo em função da pandemia do novo coronavírus. As especificidades de como o ensino foi sendo conduzido ao longo de quase todo o ano foram direcionadas conforme as particularidades e as possibilidades das instituições de ensino (uso ou não de plataformas específicas, ensino remoto síncrono, assíncrono etc.), bem como o perfil dos alunos, principalmente no que se refere à acessibilidade às Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC).

Apesar do crescimento exponencial da internet e das vastas possibilidades de interações, o acesso a esses recursos ainda é restrito a determinadas classes sociais. No Brasil, o acesso a equipamentos de informática e a internet de qualidade é ainda mais restrito quando observamos a realidade dos estudantes da escola pública. Nesse quesito, aliás, as condições de acesso ao ensino durante a pandemia evidenciaram, ainda mais, a discrepância quanto à qualidade do ensino em nosso País e a condição de exclusão digital de muitos estudantes. Esse fato é aqui mencionado em razão do texto tratar-se das práticas de Estágio na formação de professores do curso de Geografia da PUC Goiás, o qual foi desenvolvido junto às escolas da rede pública de Goiânia e uma cidade do interior de Goiás. Ou seja, as possibilidades e as ações do campo pedagógico desenvolvidas no Estágio dependeram diretamente das formas de organização e condução das aulas nas escolas públicas. Além disso, mais do que nunca, a preparação de aulas e os materiais didáticos tiveram de ser pensados para atender às particularidades desses estudantes e também dos professores supervisores, bem como às singularidades do momento vivenciado, fato este que evidenciou muitas fragilidades: físicas, tecnológicas, psicológicas, de acesso ao conteúdo e da dificuldade em se desenvolver a autonomia nos estudos por parte do estudante da escola-campo.

Atuar na formação pedagógica do futuro professor de Geografia em tempos de pandemia, exigiu mais do que domínio de conteúdo e atendimento ao trabalho curricular de formação universitária e da educação básica. Exigiu formação complementar sobre linguagens e métodos de ensino e o despertar do sentimento de pertença à realidade educacional brasileira. Esse fato dialoga com o que traz Callai (2010, p. 18), quando a autora se refere aos aspectos que precisam ser levados em consideração para o ensino de Geografia, quais sejam: “o sentido da aprendizagem, para que ensinar e como ensinar [...] outro aspecto diz respeito às questões metodológicas, que podem ser expressas através de várias possibilidades de trabalho”. Em tempos de regime remoto e de dificuldades ao trabalho em plataformas online, o sentido da aprendizagem tomou outras proporções. Diversificar os métodos e a forma de se trabalhar os conteúdos foram essenciais para que os alunos da escola campo tivessem acesso ao mínimo de conhecimento. Isso porque as desigualdades e as fragilidades individuais, que as vezes passavam desapercebidas em uma suposta homogeneidade coletiva da sala aula presencial, ficaram mais evidentes e desafiadoras na dimensão das aulas virtuais que expressam a dicotomia do processo de ensino: muito conhecimento disponível na rede mundial de computadores, mas que não nem todos os estudantes têm os recursos necessário para acessá-lo.

página anterior 24 próxima página

Trabalhar a formação do futuro professor e ainda objetivar atender as demandas curriculares da Educação Básica em tempos de regime remoto exigiu melhor compreensão do papel do ensino e da escolha da melhor estratégia metodológica que possibilitasse a aprendizagem. Neste sentido, compreendemos que as práticas didáticas são tão importantes quanto o domínio de conteúdo. Em função da necessidade de isolamento social, a escola, o ensinar e o aprender passaram a andar lado a lado com a sociabilidade, a empatia, o fortalecimento de vínculos, a solidariedade, o sentimento de pertença e o acolhimento.

Diante dessa realidade, o papel da escola está cada vez mais evidenciado, com destaque para o empenho dos professores em garantir que a sua função essencial se efetive, mesmo em situações adversas. Transcende, portanto, a dimensão de ensinar conteúdos, se tornando espaço de formação integral do aluno, contribuindo com seu processo de socialização, como aborda Dayrell (1996, p. 26):

O acesso ao conhecimento, às relações sociais, às experiências culturais diversas pode contribuir assim como suporte no desenvolvimento singular do aluno como sujeito sociocultural, e no aprimoramento de sua vida social.

Com o abismo social e de acesso à educação evidenciado pelo regime remoto, a escola fortalece o seu papel como instituição que contribui para a formação para a cidadania e que objetiva uma sociedade mais justa e igualitária, como aponta Cavalcanti (2002). Isso porque, como todos tiveram que partilhar o mesmo lugar, o mesmo espaço virtual, até quem tinha dificuldades de enxergar as desigualdades sociais foi colocado de frente com essa realidade e as diferenças que antes poderiam ficar escondidas fora dos muros da escola, quebraram as barreiras físicas da inexpressividade e adentraram as diferentes lares e escolas.

A escolas e as salas de aula foram para o interior das casas com o regime remoto, logo, todas as dificuldades da vida pessoal, se misturaram a realidade escolar e duas territorialidades antes distintas, passaram a coabitar o mesmo espaço. Dessa forma, os professores em formação passaram a refletir muito mais sobre o mundo em vivem de forma crítica, vivenciando cada momento de aprendizagem pedagógica e, também, os problemas sociais. Este fato vai de encontro com o que fala Stefenon (2020), que destaca a importância do ensino de Geografia como subsídio para reflexão sobre o mundo, a partir do contexto local. A formação desenvolvida no Estágio Supervisionado vai além do exercício de práticas pedagógicas, mas, também, é um momento especial para as discussões sobre as dificuldades enfrentadas pelos estudantes das escolas públicas no Brasil e, por consequência, a necessidade de pensar estratégias que favoreçam o ensino e a aprendizagem de Geografia mesmo em um contexto de tantas adversidades.

Neste cenário, mais uma vez se mostrou evidente o papel da Universidade junto à comunidade, aproximando ensino e extensão em um processo que trabalha a formação discente ao mesmo tempo em que atua de forma a minimizar os impactos do distanciamento social na aprendizagem dos estudantes da escola-campo, com estratégias e metodologias que ampliem as possibilidades de acesso aos conteúdos curriculares da Educação Básica.

página anterior 25 próxima página

Aos discentes do curso de licenciatura em Geografia, em tempos de aulas remotas, coube a compreensão das práticas didáticas voltadas para os alunos do Ensino Médio, a revisão de conceitos e conteúdos específicos da ciência geográfica, a articulação com os conteúdos da Educação Básica e o conhecimento de novas habilidades, principalmente quanto ao uso dos recursos tecnológicos, para que os conhecimentos teóricos fossem ressignificados por intermédio de diferentes linguagens. Essas experiências permitiram uma formação mais ampla do que a vivida no estágio presencial, uma vez que a escola e o curso se comprometeram com a realidade social da escola, com os professores supervisores da escola-campo e, principalmente, com cada aluno que participou do processo.

Relação Teoria-prática na Formação de Professores: uma Questão Ressignificada no Regime Remoto

Para o professor em formação, seu campo de estágio sempre foi um ambiente familiar. Afinal, passamos uma boa parte de nossas vidas em uma sala de aula. Então, quando falamos em práticas de Estágio, na relação teoria e prática, embora tenham, sim, as questões da regência e o quanto essa experiência e esse contato são fundamentais na formação, elas ocorrem em um espaço acolhedor, em função da experiência vivenciada ao longo da formação escolar na condição de aluno. A unidade física da escola e todos os seus componentes físico-estruturais, de pessoal, de linguagem, de horários e de forma, fazem parte da nossa vida. Além disso, a forma como ensinamos, as linguagens utilizadas, a própria disposição de uma sala de aula são as mesmas faz muito tempo, bem como os problemas e as dificuldades enfrentadas pelo sistema escolar no Brasil.

A unidade escolar, embora tente acompanhar o desenvolvimento tecnológico, ainda utiliza as TIC de forma limitada, seja por falta de equipamentos ou em decorrência da não familiaridade com essas tecnologias por parte dos professores. Por outro lado, sabe-se também que muitos estudantes não têm acesso universal aos recursos tecnológicos, uma realidade vivenciada principalmente por alunos da rede pública. E é fato que, para além das questões de infraestrutura tecnológica e de aperfeiçoamento profissional e das práticas pedagógicas com uso das tecnologias na Educação Básica, observa-se, também, que os cursos de formação de professores fazem uso limitado da tecnologia no processo de formação dos futuros docentes. Ou seja, até nos depararmos com a necessidade real de trabalho pedagógico mediados pela tecnologia em regime remoto, as licenciaturas, pouco, ou quase nada, trabalharam nessa perspectiva. Ainda persiste uma lacuna formativa quando se trata do uso das tecnologias no ensino.

página anterior 26 próxima página

A pandemia desafiou toda a comunidade escolar: sejam os professores formadores dos cursos de Licenciatura, sejam os professores da rede e os estudantes que cursam os estágios. O cenário de práticas mudou e as estratégias ensino-aprendizagem precisaram ser adaptadas ao regime remoto, bem como a todas as adversidades impostas pelo contexto socioeconômico dos estudantes da rede pública. A interação tecnológica, que talvez ainda fosse demorar alguns anos para ser incorporada ao processo ensino-aprendizagem, ocorreu quase que de forma imediata e a prática de ensino nos estágios foi realizada com outros recursos e linguagens singulares, e, ainda, de forma abrupta, dada a emergência de se transferir o ensino presencial para o remoto. Este fato, certamente, impactará o currículo e as metodologias de ensino nos cursos de formação de professores, dada a emergência de se incorporar os recursos tecnológicos ao ensino, independente da etapa de formação.

Na PUC Goiás, em um prazo de uma semana, as aulas migraram para o ambiente virtual, incluindo o Estágio. É claro que o uso do computador já foi incorporado há algum tempo no processo ensino-aprendizagem, mas não na totalidade das práticas docentes e menos ainda como a forma predominante de comunicação e interação.

A rede mundial de computadores é amplamente utilizada para pesquisas, para a comunicação entre as pessoas por meio das redes sociais, bem como para transações financeiras, localização, fazer compras, assistir filmes, séries, documentário, dentre outros tantos usos que se faz da internet na atualidade.

Para Tonini (2011, p. 193)

Na sociedade atual, as crianças nascem rodeadas de tecnologias, aparatos que são instalados em todos os âmbitos de sua vida e que aprendem a manejar de uma maneira que parece ser intuitiva. É inegável que grande parte dos seus tempos são passados diante do computador – seja jogando, seja conversando – com recursos tecnológicos cada vez mais exigentes de complexas habilidades. É justamente essa condição de aprender num mundo à parte da escola, em espaços ‘outros’ pedagógicos em que os processos de ensinagem estão acontecendo, que a escola deve estar atenta. São recursos tecnológicos que exigem um complexo código de acesso, os quais são rompidos pela lógica tradicional de aprender imposta pela escola moderna.

Mesmo em um contexto rodeado das inovações tecnológicas, estes recursos ainda são pouco utilizados nas escolas, especialmente de Educação Básica. E, por consequência, também não eram trabalhados nas atividades de Estágio nos cursos de formação de professores. Uma sala de aula virtual não havia sido tema de discussão e formação didática, muito menos locus de materialização da teoria e da prática docentes.

página anterior 27 próxima página

O regime remoto se apresentou como um caminho desafiador, mas favoreceu aprendizagens diversas, pois foi necessário desenvolver e diversificar os recursos didáticos e adaptá-los às condições postas, transformando-o em um novo campo de prática docente, bem como em novos horizontes de trabalho para o estudante em formação. A despeito de todas as adversidades, as atividades de Estágio do curso de Licenciatura em Geografia da PUC Goiás possibilitaram o uso de recursos e linguagens diversas que dinamizaram o processo ensino-aprendizagem por meio das TIC’s, e que até então não haviam sido trabalhadas nos estágios. As práticas implementadas despertaram os estudantes e os professores formadores da PUC Goiás para diversificar o processo formativo, para a flexibilização tempo e espaço, para a releitura da teoria como fundamento para outras práticas – práticas possíveis –, e para uma maior atenção às especificidades do estudante da escola-campo. Possibilitaram, também, a experimentação de diferentes recursos e mídias, maior diálogo e interação com o professor supervisor e ações ainda mais colaborativas entre a Escola de Formação de Professores e Humanidades e as escolas-campo de Estágio.

Nesse cenário de transformações, não foi só o ambiente escolar e a prática de Estágio que mudaram. O impacto também representou uma mudança de paradigmas, rompendo com quase tudo que nos era familiar, nos desafiando para o exercício de outras linguagens e para a diversificação de recursos aplicados às atividades de ensino. As possibilidades do ciberespaço, por ser mais fluido, dinâmico e ilimitado, deram margem à implementação de novas metodologias e ao estabelecimento de outra relação com os conteúdos e as formas de fazê-lo compreendidas pelo estudante da Escola Básica de maneira mais autônoma. Essas questões, invariavelmente, refletirão sobre o currículo nos cursos de formação de professores e sobre as atividades práticas e de Estágio no futuro. Com a acelerada incorporação das tecnologias digitais no ensino, dificilmente voltaremos às práticas didáticas tradicionais anteriores a pandemia. Será preciso repensar a formação de professores e a necessidade de aprendizados que vão além da didática e do domínio dos conteúdos específicos: o uso dos recursos tecnológicos.

Experiências do Estágio no Curso de Licenciatura em Geografia da PUC Goiás

As atividades vinculadas ao Estágio foram realizadas de forma síncrona e assíncrona. As atividades síncronas ocorreram em duas situações: a primeira, na plataforma oficial da PUC Goiás — Microsoft Teams, durante os horários estabelecidos de aula, conforme a carga horária prevista; e a segunda, durante as aulas em ambiente virtual de aprendizagem das escolas-campo. As atividades assíncronas ocorreram em ambientes virtuais diversos, objetivando ampliar a formação discente e articulando a outras atividades interdisciplinares do curso de Geografia.

página anterior 28 próxima página

Entendendo que as práticas de regência não se referem apenas às aulas ministradas em ambiente presencial de ensino, as atividades síncronas de Estágio se pautaram na leitura e discussão de textos teóricos sobre o ensino de Geografia, no planejamento de aulas, na pesquisa orientada referente ao conteúdo a ser trabalhado e no instrumental complementar, tais como vídeos, webnares, filmes, documentários etc. Aliás, o acesso aos meios digitais facilitou não somente a busca de material, mas também a disponibilização dos conteúdos para os discentes. Os professores em formação foram, também, orientados quanto à sistematização dos conteúdos — produção de textos e seleção de materiais complementares (mapas, tabelas, gráficos etc); à elaboração de atividades, a serem postadas em ambiente virtual, utilizando a ferramenta Google Forms e, também, em formato PDF, com um diferencial: a inclusão de uma ferramenta de voz ao longo do texto, que facilita a interpretação do mesmo, com explicações em alguns pontos importantes da leitura; e a criação de videoaulas e de podcasts. Assim, a partir de um tema norteador, todas as possibilidades e estratégias metodológicas eram desenvolvidas pelos discentes e discutidas com o professor supervisor da escola-campo, de forma a facilitar a interação junto aos alunos da rede, suas possibilidades de acesso e conteúdo curricular.

Durante as aulas síncronas de Estágio, foram realizadas, também, palestras e minicursos referentes aos conteúdos a serem trabalhados junto aos estudantes, bem como explicações sobre o uso das novas ferramentas e plataformas de ensino. Essas ações contribuíram com a capacitação para uso de diferentes recursos no ensino remoto. Vários egressos do curso participaram das atividades de Estágio. Não apenas os supervisores diretos, mas outros professores, que já foram alunos da PUC Goiás, discutiram e apresentaram os modelos de regime remoto implementados em diferentes escolas, a saber: escola militar, escola de tempo integral, escola de tempo parcial, da rede pública e da rede particular. Destaca-se que o diálogo com professores egressos do curso foi facilitado pelos recursos tecnológicos e colaborou positivamente com a formação dos estudantes, para além do campo da didática. Ouvir os antigos colegas de curso que já desenvolvem atividades docentes na escola despertou neles o empoderamento, a esperança e o orgulho. Os futuros professores viram de forma mais próxima a possibilidade de atuarem na carreira docente. Mais um fator positivo e importante sobre a participação de egressos no campo do Estágio, um assunto que merece ser mais amplamente discutido em outro momento.

As atividades síncronas relacionadas à escola-campo aconteceram uma vez por semana, durante as aulas de Geografia, com duração de uma hora. Devido ao tempo reduzido das aulas em regime remoto na escola-campo, bem como às dificuldades encontradas, tais como mudança de alguns horários de aula, falta de luz e queda da internet, esse momento privilegiou a observação e poucas interações dos discentes, sempre conduzidas e respaldadas pelo professor supervisor. E, em função dessas questões, optamos por conduzir as experiências didáticas por meio de videoaulas e podcasts.

página anterior 29 próxima página

Importante destacar que o planejamento das aulas e a produção de material foram orientados e avaliados tanto pela professora de Estágio quanto pelos supervisores das escolas-campo. Esses, por sua vez, orientaram quanto aos conteúdos a serem ministrados e na elaboração de planos de aula, textos-síntese do conteúdo, proposta de atividades, videoaulas e materiais complementares (documentários, filmes, sites, artigos científicos ou de jornal). A proposta de elaboração desse conjunto de materiais foi realizada por acreditarmos que, dessa forma, ampliava-se o acesso dos alunos ao conteúdo trabalhado em diferentes linguagens, reforçando a prática de ensino articulada à extensão, valorizando o trabalho do professor e dando significado ao papel social desse profissional. Como o Estágio aqui abordado foi desenvolvido no Ensino Médio, foi dada uma atenção especial aos conteúdos relacionados ao Exame Nacional do Ensino Médio - Enem, como forma de colaborar efetivamente com a escola-campo, sendo eles: globalização, impactos ambientais urbanos, migração, conflitos mundiais, cartografia e processo de urbanização do Brasil.

Cabe destacar a necessidade de orientações particulares nas aulas de Estágio, com atendimentos individualizados aos discentes para orientar quanto à consolidação dos materiais e das videoaulas. As orientações foram realizadas por meio de videochamadas e todas as produções eram corrigidas antes da postagem em formato digital, para posterior disponibilização ao professor supervisor da escola. O intuito dessa ação foi trabalhar a formação do futuro professor durante o percurso do Estágio, com avaliação contínua e cíclica, reforçando as ações positivas e auxiliando na superação das dificuldades. Para fins de registro e respeito aos direitos autorais, foi elaborado um documento, assinado pelos alunos, autorizando o uso dos materiais, para oficializar a ação colaborativa junto à escola-campo.

As atividades assíncronas, desenvolvidas quase que exclusivamente pelos discentes, abordaram as questões relacionadas à apropriação das novas ferramentas, pesquisa, elaboração e edição dos vídeos e dos podcasts.

Aos conteúdos teóricos que fundamentam o Estágio, foram incorporados estudos sobre tecnologia e prática docente, linguagens e metodologias de aprendizagem em ambiente virtual. Com a sala de aula agora mediada pelo computador, a ampliação dos sentidos e do conhecimento sobre recursos tecnológicos como vídeos (elaboração, edição, publicação e compartilhamento) precisou ser incorporada como conteúdo disciplinar, assim como uma nova linha de trabalho, antes não prevista nas ementas, precisou ser pesquisada, sistematizada, problematizada, apreendida e exercitada, qual seja: recursos, linguagens e métodos para ensino em ambiente virtual de aprendizagem aplicados à Educação Básica. Este fato, certamente, será pauta de futuras discussões nos cursos de formação de professores. É necessário compreender melhor de que forma esses conteúdos e o uso dos recursos tecnológicos no ensino serão incorporados no currículo, uma vez que é notória as mudanças no cenário educacional que se estabeleceram a partir das transformações impostas pelo isolamento social.

Para a disponibilização das aulas foi criado um canal no YouTube para a postagem dos vídeos, visando promover mais interação entre os discentes e suas produções, que nesse formato, aconteceram sempre compartilhadas e com o acompanhamento de todos os atores envolvidos no processo formativo: orientador de estágio, supervisor da escola e todos os discentes.

página anterior 30 próxima página

A escolha das escolas se deu em razão da disponibilidade dos professores supervisores em aceitar os estagiários e o desafio desse trabalho de formação em um regime remoto. Os supervisores são egressos do curso de Geografia e o envolvimento e a proximidade com o curso resultaram em melhor interação e compromisso necessário para o desenvolvimento das atividades — um trabalho elaborado, realmente, a várias mãos. O fato de os professores supervisores serem ex-colegas de curso foi muito positivo para os discentes, possibilitando maior acolhimento e motivação.

Sobre a prática pedagógica, cabe destacar também que as diferentes possibilidades de mediação e intervenção no espaço escolar virtual, de acordo com as demandas e as possibilidades de acesso de graduandos, passaram a ser objeto de estudo do Estágio, para que os conteúdos fossem trabalhados e disponibilizados para os estudantes da escola-campo da melhor forma possível, o mais próximo da realidade vivenciada e do acesso aos recursos tecnológicos, ou não. As escolas e as salas de aula agora não apresentam paredes e a fala e a escrita não são mais os principais meios de diálogo. As atividades práticas do Estágio possibilitaram a instrumentalização e a quebra de resistências ao uso das tecnologias, tornando a prática de ensino mais dinâmica.

Ao quebrar barreiras físicas, o ensino remoto proporcionou a aproximação espacial pelo ambiente virtual. Escolas distantes dos locais de moradia dos universitários, que dificilmente seriam palco de atuação de Estágio, foram espaço de interações por meio do diálogo com os professores, egressos da PUC Goiás, que atuam nessas instituições de ensino. E, nesse contexto, o papel desempenhado pelo professor supervisor da escola também se amplia. A fluidez de comunicação e o acesso facilitado pelas redes comunicacionais possibilitaram que o trabalho de formação do futuro professor pudesse ser melhor compartilhado entre o professor de Estágio e o supervisor da escola-campo. As possibilidades de encontros e reuniões online e as salas de aula virtuais permitiram que o trabalho fosse desenvolvido de forma conjunta: planejamento das ações, desenvolvimento da prática de regência, palestras e minicursos, acompanhamento das aulas da escola-campo, correção e partilha dos materiais desenvolvidos, entre outros. Impossível pensar na experiência do Estágio no regime remoto sem a participação efetiva do professor supervisor, uma vez que dele advém a formatação do método e da linguagem necessária à efetiva comunicação para o processo ensino-aprendizagem, que, nesse período, foi tão ou mais importante que os conteúdos a serem trabalhados. Nesse momento, a metodologia toma um papel de destaque, sendo extremamente necessárias sua escolha e sua condução com base na sensibilização do professor, mais uma vez mostrando ser primordial a função social do educador, com um educar que ensina, transmuta, dialoga e acolhe.

página anterior 31 próxima página

Aos discentes da graduação, as atividades mais práticas e interativas desenvolvidas no Estágio possibilitaram mais vivacidade, dinâmica e incentivaram o enfrentamento às dificuldades relacionadas ao ensino remoto e ao isolamento social. Foi realizada uma avaliação ao final da disciplina, por meio de uma roda de conversa, e a opinião dos estudantes foi unânime quanto à partilha desses sentimentos pelo grupo, somados ao desafio que foi aprender com as novas tecnologias, produzir e editar vídeos, podcasts, videoaulas, plataformas de ensino etc. Os estudantes destacaram a palavra “superação” como eixo das discussões e o sentimento positivo de poder contribuir para a formação dos alunos, principalmente com os que fariam a prova do Enem, ao trabalhar conteúdos mais voltados para o exame. Em tempos em que as diferenças sociais e de acesso à educação, que deveria ser universal, ficam tão evidentes, o Estágio não desempenha apenas a função de formação técnica do futuro professor, mas evidencia o compromisso social e transformador da Universidade junto à comunidade. Materializa, assim, a articulação do ensino e da extensão universitária, sendo campo de formação teórica, prática e humana.

Apesar das dificuldades iniciais, houve um novo processo formativo que contribuiu fortemente para a atuação docente da atualidade. A experiência possibilitou exercitar, além da prática de regência, o uso de diversas metodologias e recursos que auxiliam no processo ensino-aprendizagem. Esses saberes enriqueceram e dinamizaram o cotidiano escolar e permanecerão mesmo quando retornar as aulas presenciais.

No que se refere aos estudantes da escola básica, destaca-se que as videoaulas, apesar de serem uma ótima forma de rever e complementar o conteúdo ministrado no ensino remoto, não atenderam às demandas de todos os alunos em função das dificuldades de acesso (ausência de equipamentos eletrônicos ou pouco dados móveis disponíveis para uso). Para superação dessa dificuldade, os mesmos conteúdos foram enviados na forma de textos para que pudessem ser impressos pelos alunos. Outro instrumental utilizado foi o envio dos podcasts com a explicação dos conteúdos de Geografia. O podcast foi mais uma ferramenta mediadora e integrativa para a disponibilização de conteúdo, tendo o estudante como centro do processo de construção do saber.

As atividades de Estágio desenvolvidas em ambiente virtual evidenciaram o interesse dos jovens pelas ferramentas digitais. Para o aluno da escola, assim como o discente do Estágio, não apenas o uso das plataformas digitais, mas também a vivência com diversas metodologias de ensino e dos recursos disponíveis na internet se mostraram como eficientes e facilitadoras do processo ensino-aprendizagem.

Considerações finais

Apesar das dificuldades e limitações impostas pelo regime remoto, a modalidade de ensino predominante no ano letivo de 2020, proporcionou a abertura de discussões teóricas que englobam os ambientes virtuais de aprendizagem a partir de uma nova ótica da formação docente, incorporando ao processo formativo recursos, linguagens, instrumentos e plataformas diferentes das que vínhamos praticando nos cursos de formação de professores. Ao adentrarmos de forma mais efetiva no universo online de aprendizagem, um novo paradigma surge para que possamos discutir e refletir sobre a articulação teoria e prática no Estágio e o campo de atuação do professor, que se diversifica e toma outras dimensões com os ambientes virtuais de aprendizagem. Inevitavelmente, esta nova realidade será incorporada ao ensino e impactará no currículo dos cursos de formação de professores.

página anterior 32

O regime remoto deixou evidente o papel e a importância do professor como mediador do processo ensino-aprendizagem e dos instrumentos/metodologias a serem utilizados. Mas não só isso. Também destacou a importância da sensibilidade humana do professor, do seu papel transformador, da função social da docência, da escola e da Universidade — a verdadeira pedagogia da afetividade. O professor não mediou conhecimentos apenas, mediou afeto, atenção, partilha e acolhimento. Precisou reconhecer e acomodar sentimentos, inseguranças e compreender, mais do que nunca, limitações, dificuldades e angústias para poder ensinar e aprender. O exercício foi aprender diariamente com os desafios impostos por uma pandemia, por um regime remoto, pela ausência de contato físico, pela distância, pela falta de recursos tecnológicos e econômicos.

O regime remoto proporcionou ampliar os espaços de atuação docente e despertar para as possibilidades do uso de diversos recursos tecnológicos no ensino. Evidenciaram, também, a importância do professor e o quanto ele é insubstituível na produção de material de apoio didático e na condução do processo ensino-aprendizagem. Observamos que os ambientes virtuais podem ser humanizados e que o humano pode contar com a tecnologia, e que essas condições não precisam ser excludentes. Mudou a forma de ensinar e o ambiente escolar que conhecíamos. Já não temos e não teremos mais as mesmas escolas, os mesmos alunos, bem como não poderemos ser mais os mesmos discentes e os mesmos professores. A partir destas experiências, será preciso repensar a formação de professores e incluir novos conteúdos e metodologias nas atividades de Estágio.

Referências

CALLAI, Helena Copetti. A Geografia ensinada: os desafios de uma educação geográfica. In: MORAIS, Eliana Marta Barbosa de; MORAES, Loçandra Borges de. Formação de professores: conteúdos e metodologias de ensino. Goiânia: NEPEG, 2010.

CASTELLAR, Sônia Maria Vanzella; CAVALCANTI, Lana de Souza; CALLAI, Helena Copetti (org.). Didática da Geografia: aportes teóricos e metodológicos. São Paulo: Xamã, 2012.

CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia e práticas de ensino. Goiânia: Alternativa, 2002.

_____. Geografia, escola e construção do conhecimento. 3. ed. Campinas/SP: Papiris, 2001.

_____ (org.). Formação de professores: concepções e práticas. Goiânia: Vieira, 2006.

DAYRELL, Juarez (org.). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Minas Gerais: UFMG, 1996.

STEFENON, Daniel Luiz. Geografias poderosas: reflexões sobre igualdade, diversidade e o papel do conhecimento na escola. In: ROSA, Claudia do Carmo; BORBA, Odiones de Fátima; OLIVEIRA, Suzana Ribeiro Lima. Formação de Professores e ensino de Geografia: contextos e perspectivas. Goiânia: Alfa, 2020.

TONINI, Ivani Maria. Uma geografia escolar com demandas sociais e culturais contemporâneas. In: CAVALCANTI, Lana de Souza; BUENO, Miriam Aparecida; SOUZA, Vanilton Camilo. Produção do conhecimento e pesquisa no ensino de Geografia. Goiânia: Ed. Da PUC Goiás, 2011.

Notas

1. Bacharel e Licenciada em Geografia pela UnB (2002), mestre em Geografia pela UnB (2005), com ênfase em Planejamento Ambiental e Territorial e doutora multidisciplinar em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Goiás. É professora Assistente I na Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC - GO, coordenadora acadêmica e científica do Instituto do Trópico Subúmido (ITS) e membro do Comitê Assessor de Pesquisa.

2. Bacharel em Ciências Sociais pela UFG e licenciada em Geografia (Unip). Mestre e Doutora em Geografia (IESA/UFG). Professora em pós-graduação lato sensu na área de Docência Universitária na PUC Goiás e na UniAraguaia. Assessora na Coordenação de Avaliação e Supervisão da Pró-Reitoria de Graduação da PUC Goiás.

3. Ciberespaço: espaço das comunicações por redes de computação