Luri Braga Alonso
luribraga@discente.ufg.br

Zilene Moreira Pereira Soares
zilenemoreira@ufg.br

EIXO
Ciências Biológicas, Física e Química

Mulheres na Ciência: elaboração de um e-book para o ensino médio

06 próxima página

Resumo:Materiais didáticos são importantes ferramentas nas atividades de ensino, entretanto, muitas vezes, podem fornecer visões distorcidas sobre a ciência, reforçando os estereótipos de gênero. Reconhecendo a invisibilidade histórica das mulheres e a construção da ciência em pilares androcêntricos que dificultam a inserção feminina nessa área, o trabalho teve como objetivo a construção de um e-book a ser veiculado nos anos finais do Ensino Médio com o título “Cientistas Brasileiras: o que elas fizeram pela ciência?”. O material homenageia quinze mulheres cientistas e uma representante da literatura brasileira, nascidas ao longo do século XX, brasileiras ou naturalizadas. Apresenta histórias de superação, conquistas e desafios ao longo das biografias. Introdutoriamente é apresentada a problemática de exclusão feminina na área e alguns dados estatísticos. Ao final do livreto encontram-se perguntas norteadoras, a fim de fomentar um debate na escola, além dos referenciais pesquisados para aprofundamento do estudo. Acredita-se que o e-book possa se configurar como um importante recurso para a inserção da temática no âmbito da Educação Básica, destacando modelos de cientistas e incentivando que mais meninas (e meninos) interessem-se pela ciência.

Palavras-Chave: Mulheres na ciência. Gênero. E-book.

Introdução

Embora na maioria das vezes os materiais didáticos (MD) sejam vistos apenas como recurso auxiliar nas atividades de ensino, eles podem externar determinada visão de ciência, sociedade e educação, interferindo de forma intencional na atividade de ensino (BORGES, 2012). As imagens, textos e objetos veiculados pelos MD são essenciais, pois fornecem elementos que enriquecem o diálogo entre professor e aluno (BORGES, 2012). São exemplos de MD: livros, cartilhas, e-books, modelos, mapas, cartazes, revistas, projetores multimídia, softwares educativos, lousa digital, dentre outros.

Considerando os MD como “expressão de concepções de ensino e aprendizagem” (BORGES, 2012, p. 143) torna-se necessário o debate sobre possíveis estereótipos que podem estar presentes nesses materiais. De acordo com Megid Neto e Fracalanza (2003) muitas vezes os livros didáticos têm seu conteúdo totalmente restrito ao currículo base referência, não fornecendo amplas informações sobre a ciência e o ser cientista, podendo assim, reforçar estereótipos relacionados a essa área.

Um dos principais estereótipos a serem problematizados é a masculinização da ciência. A análise da trajetória feminina na ciência evidencia um caminho marcado por desigualdade, discriminação, desvalorização e apropriação por homens de pesquisas realizadas por mulheres. Para Moreira et al. (2010) essa problemática parte do preconceito histórico de inferioridade feminina comparada à masculina, segundo a qual as mulheres não estariam aptas a designar determinadas funções e muito menos, receber prestígios em sua carreira.

Em consonância, Silva e Ribeiro (2014) afirmam que a carreira científica foi constituída sob pilares androcêntricos, ou seja, os requisitos para se fazer ciência foram centrados em valores masculinos. Ainda de acordo com as autoras, para a efetiva participação das mulheres na ciência são necessárias mudanças estruturais na cultura, métodos científicos e no próprio conteúdo da ciência.

página anterior 07 próxima página

De acordo com Bian, Leslie e Cimpian (2017) as aspirações de carreiras de meninos e meninas são definidas pelos estereótipos de gênero. Esses estereótipos são construídos muito cedo e associam habilidades intelectuais, como brilhantismo e genialidade, à características masculinas. Nos estudos apresentados pelas autoras, meninas tendem a evitar atividades ditas para crianças “realmente inteligentes”. A conclusão dos estudos é de que essas noções de gênero possuem um efeito imediato no interesse das crianças, o que ajudaria a explicar a disparidade de gênero em muitas ocupações de prestígio. Segundo Cunha et al. (2014) o processo de educação, principalmente a informal (família, mídia, relações sociais), é uma das prováveis causas para a diferença entre homens e mulheres na carreira científica. Enquanto os meninos tendem a receber estímulos sociais para lidar com ferramentas, máquinas e computadores, meninas são incentivadas a se envolverem com assuntos relacionados à saúde e à maternidade, o que certamente molda seus interesses futuros e explica a defasagem feminina em determinadas áreas. Nesse debate, os estudos sobre a participação das mulheres na ciência trazem importantes questões, sob a perspectiva de gênero, ao campo científico (CARVALHO; CASAGRANDE, 2011). Kovaleski, Tortato e Carvalho (2013) acreditam que o resgate da história das mulheres na ciência possibilita a construção de uma outra história da ciência, resgatando o talento e a excelência feminina na área.

Levando em consideração a marcada invisibilidade histórica feminina na ciência, Chassot (2003) afirma que essa masculinização perpassa as mais diversas áreas sociais. Com a finalidade de popularizar a ciência feita por mulheres no Brasil, resgatar a história de vida de grandes cientistas e auxiliar no debate sobre essa temática na Educação Básica, o presente trabalho teve como objetivo a construção de um material didático, na forma de e-book, a ser veiculado nos anos finais do Ensino Médio, intitulado “Cientistas Brasileiras: o que elas fizeram pela ciência?”.

Metodologia

A primeira etapa da pesquisa foi realizada a partir de uma revisão de literatura sobre a construção de materiais didáticos, mulheres na ciência, e o contato com livretos e e-books com a mesma temática. A partir disso, decidiram-se os critérios de escolha das cientistas que foram homenageadas nesse MD. É importante salientar que o objetivo não foi traçar um ranking entre as cientistas, mas sim, homenagear algumas delas. A apresentação das cientistas está organizada a partir de suas datas de nascimento, em ordem crescente, como uma linha do tempo.

Foram definidos os seguintes critérios para seleção das homenageadas: cientistas brasileiras ou naturalizadas; nascidas ao longo do século XX; reconhecimento na área de trabalho; perfis variados e de diferentes áreas do conhecimento; e a possível vinculação de sua pesquisa com a luta pelo direito das mulheres. Acredita-se que foi possível a construção de um material que traz importantes nomes de cientistas brasileiras, com um recorte temporal que permite contemporaneidade ao debate e ao mesmo tempo homenageia pioneiras.

página anterior 08 próxima página

A partir da análise da história de vida e biografia, foram selecionadas 15 cientistas. Porém, decidiu-se homenagear ao final do e-book Carolina de Jesus como representante da literatura feminina. Carolina não foi uma cientista, mas devido à importância de sua história de vida traz o debate sobre a dificuldade social atrelada às questões de gênero.

Na construção do material foi priorizada uma linguagem adequada e acessível aos estudantes da Educação Básica, com o uso de textos e imagens que pudessem despertar o interesse dos jovens. As biografias foram construídas a partir da análise de outras biografias, artigos científicos, reportagens e entrevistas disponíveis em bases de dados nacionais, como o “CNPQ- As Pioneiras”, a Plataforma Lattes e SciELO. Todos os textos possuem informações da data de nascimento, formação acadêmica, desenvolvimento profissional e contribuições para área.

Ao final do e-book foram propostas 10 perguntas norteadoras para que professores da Educação Básica possam realizar um debate com os estudantes sobre a temática Mulher na Ciência. O e-book está em processo de edição pelo CIAR/UFG, e será disponibilizado de forma online e gratuita na página da UFG e às Secretarias Estaduais e Municipais de Educação de todo o país.

Resultados e Discussão

O e-book traz na introdução a problematização da exclusão histórica das mulheres na ciência e seus reflexos na atualidade. Essa parte do material aponta as desigualdades sociais e de gênero, o machismo e a falta de estímulo como os maiores obstáculos para os avanços das mulheres na ciência.

As mulheres homenageadas e suas respectivas áreas de estudo foram: Carmen Velasco Portinho - Engenharia; Nise da Silveira - Psiquiatria; Graziela Maciel Barroso - Botânica; Lieselotte Hoeschl Ornellas - Enfermagem e Nutrição; Ester de Camargo Fonseca Moraes - Farmácia/Toxicologia; Carolina Martuscelli Bori - Psicologia; Johanna Dobereiner - Agronomia; Elza Furtado Gomide - Matemática; Maria da Conceição de Almeida Tavares - Economia; Heleieth Saffioti - Ciências Sociais; Rachel Soihet - História; Rosa Ester Rossini - Geografia; Iria Brzezinski - Educação; Mayana Zatz - Ciências Biológicas/Genética; Marcia Barbosa - Física; Carolina Maria de Jesus - Literatura.

Há diversas histórias de superação, desafios e conquistas ao longo do e-book, como a de Graziela Maciel Barroso que, contrariando a educação recebida para ser dona de casa, aos 47 anos iniciou a graduação em Biologia e tornou-se referência na área de botânica no Brasil (ALONSO, ALONSO e SOARES, 2020). Acredita-se que esse trabalho possa ser mais um recurso para a diminuição das desigualdades de gênero, por fomentar um debate acerca do tema, trazer possíveis inspirações para meninas seguirem a carreira científica e desmistificar a ideia de incapacidade feminina em exercer determinadas funções.

As últimas páginas do livreto trazem referências para que os leitores possam se aprofundar nas biografias consultadas. Infelizmente, em função da pandemia da COVID-19, o material não pôde ser testado. Entretanto, considera-se que o livro é relevante como um MD de divulgação científica no âmbito da Educação Básica e um facilitador do debate e da inclusão da temática Mulheres na Ciência em sala de aula.

página anterior 09

Referência

ALONSO, L.B; ALONSO, L.B; SOARES, Z.M.P. Cientistas Brasileiras- O que elas fizeram pela ciência?. 2020, 59p. (no prelo)

BIAN, L.; LESLIE, S. J.; CIMPIAN, A. Gender stereotypes about intellectual ability emerge early and influence children’s interests. Science, p-389-391, 2017.

BORGES, G.L.A. Material didático no ensino de Ciências. Univesp/ Unesp, 2012.

CARVALHO, M. G.; CASAGRANDE, L. S. Mulheres e ciência: desafios e conquistas. Revista Internacional Interdisciplinar, v. 8, n.2, p. 20-35, 2011.

CHASSOT, A., A ciência é masculina?. São Leopoldo: Unisinos, 2003. 104 p.

CUNHA, M. B. da; PERES, O. M. R. P.; GIORDAN, M.; BERTOLDO, R. R.; MARQUES, G. de. Q.; DUNCKE, A. C. As mulheres na ciência: o interesse das estudantes brasileiras pela carreira científica. Educación Química, v. 25, n. 4, p. 407-417, out. 2014.

KOVALESKI, N. V. J.; TORTATO, C. S. B.; CARVALHO, M. G. As relações de gênero na História das Ciências: A participação feminina no Progresso Científico e Tecnológico. Emancipação, v.13, p. 9-26, 2013.

MEGID NETO, J.; FRACALANZA, H., O livro didático de ciências: Problemas e soluções. Ciência & Educação, Bauru, v. 9, n. 2, p.147-157, 2003.

MOREIRA, H. et al. (2010). Mulheres pioneiras nas Ciências: histórias de conquistas numa cultura de exclusão. In: VIII Congresso Iberoamericano de Ciência, tecnologia e gênero. 2010.

SILVA, F. F. da.; RIBEIRO, P. R. C. Trajetórias de mulheres na ciência: “ser cientista” e “ser mulher”. Ciência & Educação, v. 20, n. 2, p. 449-466, 2014.