Kenny Stephanny Souza Oliveira
kennyestephanny@hotmail.com

Jade Ventura Giordano Gomes
jdventura29@gmail.com

EIXO
Políticas educacionais, currículo e Livros/materiais Didáticos

A política de distribuição de absorventes higiênicos nas escolas públicas e o acesso ao ensino: análise comparada e os reflexos na formação docente no Brasil

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Resumo

O trabalho tem como objetivo à análise da política de distribuição de absorventes higiênicos nas escolas públicas como forma de combate à desigualdade de gênero, evasão escolar e seu reflexo na formação docente e acesso ao ensino. A prática desta distribuição nas escolas é recente no Brasil, inexistindo legislação federal e datando recentes legislações estaduais, municipais e projetos de leis sobre o tema. Apesar da falta nas escolas brasileiras, a prática já existe em países como Escócia e Inglaterra. Para combater a desigualdade de acesso ao ensino por questões de gênero, é necessário, para além de políticas de distribuição, preparação dos docentes para formação integral do sujeito e quebra de tabus vigentes em torno da perspectiva de gênero. Por revisão bibliográfica será analisada, de forma comparada, as políticas nacionais e internacionais de distribuição de absorventes higiênicos nas escolas, bem como os possíveis reflexos dessa implantação na formação docente no Brasil.

Palavras-chave: Absorventes Higiênicos; Desigualdade; Acesso ao Ensino.

Introdução

O presente trabalho visa analisar a política nacional de distribuição de absorventes higiênicos de forma gratuita para estudantes da rede pública de ensino, por meio de seu impacto social no combate da desigualdade de gênero e da evasão escolar, e seu reflexo na formação docente e acesso ao ensino, sendo, essa análise, realizada de forma comparada.

A importância temática se dá pelos números altíssimos de evasão escolar propiciados pela falta de produtos adequados à higiene feminina, atingindo uma a cada quatro estudantes brasileiras (NEUMAM, 2021, online). O combate à precariedade menstrual encontra obstáculos principalmente pela falta de Legislação Federal e na diminuta Legislação Estadual e Municipal sobre o tema, o que, consequentemente, acarreta a falta de destinação de verbas e logística para tal enfrentamento.

Apesar do Brasil não dispor de uma política social consolidada sobre acesso aos meios seguros de controle de fluxo, países como a Escócia, a Inglaterra, o Quênia, a Nova Zelândia e alguns Estados dos Estados Unidos já mostram estabilidade nas políticas públicas de fornecimento de absorventes, seja para a população geral, como na Escócia ou para estudantes, como na Nova Zelândia. Utilizando o estudo dos dados fornecidos por tais países, busca-se um entendimento de forma comparada de como se dará em âmbito nacional.

A configuração dessa política pública possui reflexos na formação docente, que deve ser voltada à formação integral do sujeito incluindo-se nesse caso a formação menstrual em sexualidade, e o conhecimento do corpo feminino para o bem-estar da mulher. Além dos olhos voltados aos meios de proporcionar a democratização ao acesso ao ensino, certo que a distribuição de absorventes coíbe a evasão escolar e traz dignidade ao tratamento da mulher.

Metodologia

A metodologia utilizada para o desenvolvimento do trabalho foi bibliográfica, com revisão de literatura, utilizando-se do método qualitativo, dedutivo e hipotético-dedutivo, por meio de compilação de dados visando responder as problematizações implícitas ao tema como: quais os impactos da não distribuição de absorventes higiênicos nas escolas? Quais os reflexos da nova política para a formação docente no país? Os procedimentos utilizados buscaram trazer precisão, clareza e argumentos concisos ao presente trabalho científico.

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Por meio de pesquisa nas plataformas digitais, fora feito, primeiro o levantamento dos dados a respeito da evasão escolar por consequência de questões de gênero e por falta de acesso à absorventes higiênicos. Após, foram compilados os dados legislativos nacionais a respeito das legislações e projetos de leis que visam a prática de distribuição de absorventes higiênicos nas escolas. Por conseguinte, fora feito, por meio do estudo comparado a análise da existência de legislações e práticas similares internacionalmente. Concluindo-se que a prática de distribuição de absorventes higiênicos já é realidade em países como Escócia e Inglaterra. Que a aplicação da prática influencia diretamente na diminuição do índice de evasão escolar, sendo política eficaz ao combate à desigualdade de gênero, desde que somada a uma política de formação docente que vise quebra de tabus vigentes em torno da perspectiva de gênero e formação integral do sujeito.

Resultados e Discussões

O Brasil inaugura a política de distribuição de absorventes higiênicos em escolas públicas sob influência de alguns países precursores dessa prática como o Quênia, que foi o primeiro país a isentar impostos sobre os produtos de gestão menstrual em 2004; a Escócia, que começou a oferecer absorventes pelo sistema de saúde em 2020. O Brasil se aproxima mais do que já é praticado na Nova Zelândia, onde a distribuição ocorre em instituições de ensino com finalidade de combater a evasão escolar, contando ainda com a experiência da Inglaterra e de alguns estados dos Estados Unidos sobre o tema. (Azcue e Aráoz, 2018 apud La Nación et al, 2018).

O enfrentamento ao combate a falta de acesso a itens de higiene íntima feminina no Brasil encontra obstáculos de várias ordens. A carga tributária sobre o absorvente no país é de 25%, tornando o produto inacessível a muitas mulheres. Outrossim, é a falta de informação e tabus gerados pelo ciclo menstrual, que acabam por atrapalhar o combate à pobreza menstrual (NERIS, 2020).

Quanto às políticas públicas, ainda não há legislação federal que regulamente a distribuição de absorventes higiênicos nas escolas públicas como forma de equiparação dos gêneros ao acesso ao ensino. O fato por si gera desigualdade e fere o direito fundamental à educação positivado na Constituição Federal de 1988.

Atualmente tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6.340 de 2019 que dispõe sobre o fornecimento de absorventes higiênicos nas escolas públicas e nas unidades básicas de saúde em âmbito nacional, e dá outras providências. E o Projeto de Lei 4.968 de 2019 que institui o Programa de Fornecimento de Absorventes Higiênicos nas escolas públicas que ofertam anos finais de ensino fundamental e ensino médio. O objetivo de ambos é, justamente, evitar constrangimentos às mulheres que não têm condições e acesso a absorventes higiênicos. Com a aprovação em ambas as casas legislativas ficará instituído o programa de fornecimento de absorventes higiênicos nas escolas públicas. Primeiro passo para o combate à evasão escolar por motivos de situações menstruais no Brasil.

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A frente da Legislação Federal encontram-se legislações estaduais e municipais. Vários estados já votaram leis com foco na distribuição gratuita de absorventes higiênicos nas escolas. O município de São Paulo já teve a votação aprovada em primeiro turno do Projeto de Lei 388 de 2021, que institui o Programa de cuidados com as estudantes nas escolas da Rede Municipal de Ensino de São Paulo. Estados como Mato Grosso, Distrito Federal e Recife também estão no caminho para aprovação de suas leis de distribuição, alguns aguardando sanção ou veto do governador/prefeito e outros no processo de votação em suas respectivas casas legislativas.

A precariedade no abastecimento de produtos básicos higiênicos nas escolas públicas ainda é uma realidade no Brasil e afeta principalmente as meninas de baixa renda. De acordo com dados trazidos pelo UNICEF e UNFPA (2021, p. 18):

Estima-se que no Brasil 1,24 milhão de meninas, 11,6% do total de alunas, não tenham a sua disposição papel higiênico nos banheiros das escolas em que estudam; dentre essas meninas, 66,1% são pretas/pardas. Quando analisamos a situação das meninas negras em comparação com as meninas brancas, o risco relativo de uma menina negra estudar em uma escola que não tenha acesso a papel higiênico nos banheiros é 51% maior do que para meninas brancas.

Sem produtos básicos de higiene como papel higiênico, falta de saneamento e com a falta de estrutura das escolas, as condições de saúde escolar ficam precárias. De acordo com dados trazidos pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância e pelo Fundo de População das Nações Unidas (2021) apontam que cerca de 321 mil estudantes do Brasil não possuem banheiro em condições de uso nas escolas. O fato somado a falta de produtos básicos como absorventes, e com os tabus criados e mantidos socialmente em torno do ciclo menstrual, retém alunas fora das escolas, sendo que “uma em cada dez meninas no mundo deixam de ir à escola quando estão menstruadas. No Brasil, estima-se que sejam uma em cada quatro” (NEUMAM, 2021, online). Unicef e Unfpa (2021), denominam pobreza menstrual a falta de acesso aos produtos básicos de higiene, como absorventes, papel higiênico e sabonetes, e apontam que o fato atinge principalmente as meninas negras no Brasil, como reflexo das desigualdades sócio-raciais.

A formação docente deve ser voltada à quebra de tabus vigentes e à formação integral do sujeito, visando não apenas a educação formal curricular e técnica, mas a educação libertadora (FREIRE, 1986). O ensino voltado à formação integral do sujeito, deve incluir a educação menstrual em sexualidade, difundindo não apenas a prevenção da gravidez não intencional, mas também o conhecimento do corpo feminino para o bem-estar da mulher. A docência, fundada para educação libertadora é capaz de quebrar mitos existentes de inferioridade feminina que difundem o ciclo menstrual como indignidade e podridão, além de romper com tabus de que os coletores menstruais ou absorventes menstruais internos são capazes de retirar a virgindade. Todos esses mitos diminuem as mulheres fazendo-as se colocarem em situação de inferioridade (UNICEF e UNFPA, 2021).

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Assim, a política de distribuição de absorventes higiênicos nas escolas públicas brasileiras é um passo fundamental para diminuição na evasão escolar, para dignidade da mulher e para materialização do direito à educação. Para além da prática de distribuição é necessário políticas de formação docente, por educação libertadora, voltada à quebra de tabus vigentes na sociedade, mantenedores do mito de inferioridade feminina. Os dados mostram que várias alunas deixam de frequentar a escola em período menstrual, seja por falta de acesso a produtos higiênicos ou por paradigmas sociais criados que as impedem de socializar em período menstrual. A escola, local de construção e socialização do ser, é o lócus de construção de novos conceitos e quebra de paradigmas hodiernos, sendo imprescindível a existência dessas políticas para o bem-estar das alunas e para garantia do acesso à educação positivada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Referências

AZCUE, Ludmila; ARÁOZ, Luciana Patiño. La menstruación como política pública: Un estudio exploratorio de proyectos legislativos sobre gestión menstrual en Argentina. X Jornadas de Sociología de la Universidad Nacional de la Plata. Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación Ensenada, 2018. ISSN 2250-8465. Disponível em: http://sedici.unlp.edu.ar/bitstream/handle/10915/79563/Documento_completo.pdf-PDFA.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 22 jun. 2021.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 6.340 de 2019. Dispõe sobre o fornecimento de absorventes higiênicos nas escolas públicas e nas unidades básicas de saúde em âmbito nacional, e dá outras providências. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=7C5A172E29758F63C931765AF409F876.proposicoesWebExterno1?codteor=1848626&filename=Avulso+-PL+6340/2019. Acesso em: 19 jun. 2021.

______. República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.

______. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 4.968 de 2019. Institui o Programa de Fornecimento de Absorventes Higiênicos nas escolas públicas que ofertam anos finais de ensino fundamental e ensino médio. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=585F6D168078B79A2DE6C3931BC9AEF0.proposicoesWebExterno2?codteor=1848913&filename=Avulso+-PL+4968/2019#:~:text=Congresso%20Nacional%20decreta%3A-,Art.,Art.&text=II%20%E2%80%93%20Reduzir%20faltas%20em%20dias,aprendizagem%20e%20ao%20rendimento%20escolar.. Acesso em: 19 jun. 2021.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1986.

NERIS, Borba dos Santos Brenda. Políticas Fiscais e Desigualdade de Gênero: análise da tributação incidente nos absorventes femininos. Revista FIDES, v. 11, n. 2, p. 743-759, 21 jan. 2021. Disponível em: http://revistafides.ufrn.br/index.php/br/article/view/533. Acesso em: 19 de jun. 2021.

NEUMAM, Camila. Pobreza menstrual: conheça o problema que leva brasileiras a deixarem de estudar. CNN Brasil, 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2021/06/19/pobreza-menstrual-conheca-o-problema-que-leva-brasileiras-a-deixarem-de-estudar. Acesso em: 23 jun. 2021.

SÃO PAULO. Câmara Municipal de São Paulo. Projeto de Lei 388 de 2021. Institui o Programa de cuidados com as estudantes nas escolas da Rede Municipal de Ensino de São Paulo. Disponível em: https://splegisconsulta.camara.sp.gov.br/Pesquisa/DetailsDetalhado?COD_MTRA_LEGL=1&COD_PCSS_CMSP=388&ANO_PCSS_CMSP=2021. Acesso em: 21 jun. 2021.

UNICEF, Fundo das Nações Unidas para a Infância; UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas. Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos. 2021. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidade-menstrual_relatorio-unicef-unfpa_maio2021.pdf. Acesso em: 23/06/2021.

Notas

1. Advogada no Escritório Barros, Oliveira e Morais Advocacia. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela UNINASSAU. Pós-Graduanda em Direito Constitucional Aplicado pela FALEG. Pesquisadora do Centro de Estudos Constitucionais Comparados da UnB (CECC).

2. Assistente jurídica no Escritório Barros, Oliveira e Morais