Aula 2. Motivação para “criação” do Pagamento pelo Fato Gerador
O movimento que provocou um ciclo de mudanças no processo de aquisições e contratações teve como uma das principais ações precedentes um diagnóstico realizado pelo Tribunal de Contas da União em 2013/2014.
Nesse período, o TCU realizou uma série de análises por um grupo de trabalho que ficou conhecido como “Fiscalização de Orientação Centralizada” – FOC, que teve como finalidade avaliar as práticas de gestão de aquisição.
As análises do FOC resultaram no Acórdão 2.328/2015 – Plenário que levantou diversos pro-
blemas que denunciavam a necessidade de melhorias no processo de aquisição, até então sob a regência da IN 02/2008.
(O material completo sobre o FOC encontra-se na biblioteca digital do TCU - https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/sumario-executivo-foc-governanca-e-gestao-das-aquisicoes-2014.htm)
Esses problemas suscitaram uma gama de recomendações do TCU constantes do referido do-
cumento, porém vamos nos prender aqui às que se referem ao instrumento de gestão de risco adotado àquela época no processo de contratação: a Conta-Depósito Vinculada.
57. Em vista da intenção da SLTI de revisar as normas a respeito do tema, penso que se possa alterar a proposta da equipe no sentido de formular recomendação para que a unidade jurisdicionada elabore estudo de avaliação de custo-benefício e de riscos relacionados à utilização da conta vinculada e, com base nos resultados obtidos, verifique as possibilidades de manter, ou não, o procedimento e de prever a adoção de outras formas de controle, como, por exemplo, aquelas suscitadas no Acórdão1.214/2013-Plenário.
Mas quais eram realmente tais problemas da Conta-Depósito Vinculada? Vejamos:
a. Adoção não obrigatória para contratos celebrados exclusivamente com entidades privadas – esse fato favorecia a problemas de não pagamento de verbas trabalhistas de tais contratos que originava um outro problema (item b);
b. Bloqueio de contas vinculadas para pagamento de trabalhadores prestadores de serviços em outros contratos (ver item 255 do acórdão);
c. Uso indiscriminado – necessidade de avaliação dos riscos e identificação de controles mais adequados para mitigá-los;
d. Prazo decorrente entre medição e pagamento para liberação dos valores à contratada (ver item 258 do acórdão).
Toda essa problemática com a Conta-Depósito Vinculada, ou pela não adoção dela, uma vez que a sua utilização era uma faculdade da Administração Pública, estava trazendo uma série de ocorrências resultante do art. 71 da Lei 8.666/93 ter virado letra morta:
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995, grifo nosso)
Essa “ineficácia” do art. 71 teve sua origem na Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho – TST:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral. (grifo nosso)
Mas porque estamos tratando da Conta-Depósito Vinculada se o objetivo do nosso curso é o Pagamento pelo Fato Gerador ou PFG, como vamos tratar a partir daqui?
Primeiro, porque foram os problemas decorrentes da aplicação, ou mesmo da não aplicação em alguns casos, da Conta-Depósito Vinculada que provocaram a busca por um outro instrumento de gestão de risco que veio a se constituir no PFG. Em segundo lugar, porque como os dois instrumentos passaram a existir conjuntamente na IN 05/2017, precisaremos tratar no decorrer desse curso de algumas diferenças entre eles.
A Conta-Depósito Vinculada já era adotada, ainda na égide da IN 02/2008, como um dos mecanismos atenuantes dos efeitos da Súmula 331 do TST:
Art. 19 - A Em razão da súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, o edital poderá conter ainda as seguintes regras para a garantia do cumprimento das obrigações trabalhistas nas contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva da mão de obra:
I - previsão de que os valores provisionados para o pagamento das férias, 13º salário e rescisão contratual dos trabalhadores da contratada serão depositados pela Administração em conta vinculada específica, conforme o disposto no anexo VII desta Instrução Normativa, que somente será liberada para o pagamento direto dessas verbas aos trabalhadores, nas seguintes condições:
a) parcial e anualmente, pelo valor correspondente aos 13ºs salários, quando devidos;
b) parcialmente, pelo valor correspondente às férias e ao 1/3 de férias, quando dos gozos de férias dos empregados vinculados ao contrato; (Redação dada à alínea pela Instrução Normativa SLTI nº 5, de 17.12.2009, DOU 18.12.2009)
c) parcialmente, pelo valor correspondente aos 13ºs salários proporcionais, férias proporcionais e à indenização compensatória porventura devida sobre o FGTS, quando da demissão de empregado vinculado ao contrato;
d) ao final da vigência do contrato, para o pagamento das verbas rescisórias; e
e) o saldo restante, com a execução completa do contrato, após a comprovação, por parte da empresa, da quitação de todos os encargos trabalhistas e previdenciários relativos ao serviço contratado; (IN 02/2008 - ).
A primeira versão do Caderno de Logística da Conta-Depósito Vinculada foi publicada em novembro de 2014. Apenas após a edição da IN 05/2017, quando passa a ser obrigatória a opção por um dos mecanismos de gestão de risco, ou Conta-Depósito Vinculada ou PFG, é que se dá a sua segunda edição e atualização.
Interessante lembrar que em abril de 2021, tivemos a publicação da nova lei de licitações, a Lei 14.133/2021. E o que trouxe a nova lei sobre este assunto? Ela consolidou o entendimento da Súmula 331 e acabou com a divergência da mesma com relação ao artigo 71 da Lei 8.888/93. Ou seja, o legislador entendeu ser devida a responsabilidade solidária e subsidiária da administração pública no que se refere aos serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra:
Art. 121. Somente o contratado será responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.§ 1º A inadimplência do contratado em relação aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transferirá à Administração a responsabilidade pelo seu pagamento e não poderá onerar o objeto do contrato nem restringir abregularização e o uso das obras e das edificações, inclusive perante o registro de imóveis, ressalvada a hipótese prevista no § 2º deste artigo.
§ 2º Exclusivamente nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado.
Mas o que é responsabilidade solidária e responsabilidade subsidiária ? Tratam-se do mesmo conceito? Não. A responsabilidade solidária significa que o credor pode exigir de um ou de todos os devedores, ao mesmo tempo, a completude da obrigação devida ou seja a totalidade do débito. Já na responsabilidade subsidiária, o ordenamento jurídico impõe ao credor o respeito ao benefício de ordem dos devedores. Então, primeiro a cobrança recai sobre o devedor principal e, somente quando exaurido todos os meios legais, o comando da execução vai ser direcionado ao segundo responsável que, no caso, é o responsável subsidiário. A principal diferença existente entre a responsabilidade solidária e a subsidiária é justamente a questão do benefício de ordem quanto ao cumprimento da obrigação. Vamos a um exemplo?
A administração pública contrata uma empresa para o serviço de limpeza, serviços gerais e manutenção. A empresa contratada, durante o contrato, não honra com as obrigações previdenciárias e com o pagamento dos funcionários alocados no contrato e estes entram na justiça contra a empresa que os contratou. Quais são as responsabilidades da Administração Pública neste caso? A Administração Pública poderá responder de forma solidária (cobrada ao mesmo tempo) pelas obrigações previdenciárias e, caso a empresa não pague as rescisões na justiça, ainda poderá responder de forma subsidiária pelas obrigações trabalhistas.
Poderá? Não é certa, esta responsabilidade? Não!!!! Vejam que a lei impõem um condicionante para estas responsabilidades: “se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado.” Ou seja, a Administração Pública precisará provar que executou a fiscalização de forma fidedigna para que não seja culpabilizada nas duas situações.
Vamos tratar mais da nova lei de licitações quanto aos mecanismos para tratar deste risco, que é a responsabilidade solidária e subsidiária, na aula 4 deste bloco.