Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania - III Ciclo de Webconferências
PDCC - III Ciclo de Webconferências
 
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Entorno de imóveis tombados: para além da ambiência e visibilidade

10ª Webconferência – 03/07/2018

Nathalie:

Boa noite a todos, a todas, obrigada pelo convite. É uma honra estar aqui encerrando esse terceiro ciclo de webconferências nessa parceria da UFG com a Universidade de Fortaleza. Quero dizer que é uma responsabilidade muito grande porque eu comecei o doutorado há um ano, então, a minha fala aqui será de apresentação do início da minha pesquisa para elaboração da tese de doutorado que, como já foi dito na apresentação pelo meu orientador, o professor Humberto Cunha, tratará sobre o entorno, sendo um tema muito desafiante, pois nós temos uma escassez de estudos na área.

Então, estou vendo aqui várias pessoas, eu acho que eu nunca dei aula numa sala tão grande! O professor falou na terceira webconferência que esta era uma sala chamada Brasil. A Cássia, Cristina, o Genivaldo, espero que todos estejam me ouvindo bem. Tentarei falar aqui de uma forma que fique claro para todos, pois sei que temos entre os presentes alunos da área do direito, da pedagogia, da sociologia, antropologia... Espero que seja uma fala bem proveitosa para todos e que ao final da apresentação possamos entrar nos debates e concretizar o lema da universidade na qual eu sou docente e doutoranda, que é ensinar e aprender.

Portanto, como já apresentado, sou professora da Universidade de Fortaleza e trabalho com a disciplina de Direitos Reais. Para quem não é da área do direito, os Direitos Reais são uma área do Direito Civil na qual se estudam as normas jurídicas relativas aos bens suscetíveis de apropriação pelo homem. Trabalhamos com os direitos que regulam as coisas e, entre esses vários direitos, o mais conhecido, o mais amplo deles é o direito de propriedade. O direito de propriedade, durante muito tempo, foi caracterizado como um direito absoluto. Até hoje é muito comum encontrar nos manuais de direito civil que o direito de propriedade é um direito absoluto. E o que seria um direito absoluto? Seria aquele direito que não comporta restrições, no entanto, não tem como você pensar em uma propriedade imóvel sem algum tipo de restrição.

A história provou que o excesso de liberdade para os proprietários de imóveis traz mais malefícios para o processo de urbanização do que benefícios. Assim, precisamos cuidar do bem-estar da população, incluindo aí a necessidade de regulamentar alguns tipos de restrição. Hoje, a propriedade não é mais caracterizada como um direito absoluto e, sim, como um direito relativo, um direito de dever. Se, de um lado, as nossas leis trazem uma série de poderes para o proprietário, também exigem dele a observância de uma série de deveres. Esses deveres compõe um conjunto, um princípio que denominamos de Princípio da Função Social da Propriedade.

A Constituição Federal define o que é cumprir a função social para imóveis nas áreas rurais e imóveis nas áreas urbanas. Nas áreas rurais, segundo o disposto no Art. 186, o cumprimento da Função Social está relacionado à utilização adequada dos recursos naturais, à produtividade, à observação de normas ambientais, às justas relações de trabalho. No que diz respeito aos imóveis urbanos, a Constituição Federal tratou de deixar essa descrição dos deveres do proprietário para os planos diretores dos municípios. Então, cumpre a Função Social o proprietário de imóvel urbano que segue as diretrizes do plano diretor e os planos diretores, por sua vez, de acordo com as determinações do Estado para as cidades, devem conter diretrizes de acautelamento e de proteção do patrimônio cultural.

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Como o Victor Studart já falou na segunda webconferência, para a proteção do patrimônio imóvel nós temos a previsão do tombamento e da desapropriação. A desapropriação é uma forma muito mais rigorosa porque retira do antigo titular todos os poderes sobre aquele imóvel, já que o bem passará a titularidade ao poder público. Inclusive, ele ressaltou que, por si só, a desapropriação não será, no caso de imóveis, tão interessante para a proteção do patrimônio, precisaria também que, após a desapropriação, se realizasse o tombamento. E no tombamento existe todo aquele processo que ele já explicou. Então, só para relembrar essas duas formas de acautelamento da propriedade imóvel.

O tombamento, trazido pelo Decreto Lei nº 25, de 1937, dispõe em seu artigo 18 sobre o que hoje nós chamamos como entorno, sendo que na época não tinha esse nome. Essa denominação passou a ser utilizada na década de 70 aqui no Brasil pelos estudiosos que trabalhavam com esse instrumento. No art. 18 nós vislumbramos a proibição de construções na área da vizinhança dos imóveis tombados que possam, de alguma forma, prejudicar a sua ambiência e a sua visibilidade, bem como a proibição de toda e qualquer publicidade a ser realizada naquela área. Essa diretriz estava, à época, de acordo com as previsões internacionais: descrito na Carta de Atenas, em 1931, que explicitava que era importante que no processo de desenvolvimento urbano fosse observada a sua fisionomia e o caráter daquelas áreas, em especial nas áreas próximas a monumentos históricos, buscando evitar construções de chaminés, instalação de fios de eletricidade, de fios telegráficos e também recomendando a proibição de todo tipo de propaganda naquela área de vizinhança.

Nós temos uma dificuldade e isso vem desde 1937, que é: o Decreto Lei indica que se deve manter a ambiência e visibilidade nas áreas que circundam os bens tombados, mas o que é essa ambiência e essa visibilidade? Ele não vem definindo e esse tem sido o nosso desafio de quase um século. E nesse momento quero compartilhar com vocês uma experiência pessoal pela qual passei para que vocês possam perceber a importância desta questão em um plano prático e não apenas teórico. Em 2013, eu trabalhei como assessora jurídica da Secretaria Municipal de Cultura aqui de Fortaleza, SECULTFOR, juntamente com a Isabele Maciel e com o Victor Stuart. Eu trabalhava na parte de contratos e licitações, a Isabele na área de patrimônio e o Victor como nosso coordenador. E, um dado momento, Isabele recebeu um processo no qual ela tinha que emitir um parecer concordando com a autorização ou não da mudança de uma fachada de uma propriedade em área de entorno. No caso, o proprietário tinha esse imóvel todo pintado. A pintura, se percebia pelas fotos, estava bem deteriorada, bem descascada e ele queria azulejar, revestir com cerâmica e nisso surgiu a discussão se aquela obra se caracterizaria como uma alteração na ambiência ou não. Caso não alterasse a ambiência, deveria ser, portanto, permitida. Então, ficamos os três discutindo, a Isabele tinha um posicionamento, eu e Victor tínhamos outro e isso demonstra a fragilidade da nossa legislação.

Por que afirmo a fragilidade? Porque existem dois tipos de atos dos agentes públicos: os atos vinculados e os atos discricionários. Os atos vinculados são aqueles que não permitem ao administrador público uma liberdade de decisão, enquanto os atos discricionários permitem uma análise que é subjetiva de conveniência e oportunidade. Logo, quando o artigo 18 do decreto lei nos traz a obrigatoriedade da autorização do agente público, que é responsável, que está a serviço da proteção do patrimônio a autorização para essas obras, ele coloca, então, uma responsabilidade de um ato discricionário. O agente público vai analisar a conveniência e a oportunidade, vai fazer uma análise subjetiva se aquela obra no entorno vai trazer ou não uma mudança nessa ambiência, vai prejudicar ou não essa visibilidade. Só que mesmo um ato discricionário, mesmo sendo uma análise de conveniência, não pode se furtar de uma justificativa. O agente público tem que dizer o porquê da permissão ou o porquê da proibição. E aí é que nós que trabalhamos na área temos o desejo de que esses critérios estejam mais claros: o que é que prejudica a ambiência, o que é que prejudica a visibilidade e também deixar essa participação na definição de entorno mais transparente para aqueles proprietários que estão na região.

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A falta desses critérios e a falta de transparência na delimitação do entorno gera uma insegurança para aqueles proprietários. Imagina você sendo proprietário de um imóvel tombado, vai sofrer restrições, e já é, muitas vezes, visto com ressalvas, com um sentimento negativo do proprietário porque ele vai deixar de ter aquele uso pleno do imóvel e vai estar restrito, isso sem receber indenizações. No entanto, a legislação, mais recentemente, traz a possibilidade da transferência do potencial construtivo que não deixa de ser uma forma de compensar o proprietário em ter a limitação do seu imóvel. Pra quem não conhece, a transferência de potencial construtivo é a possibilidade que o proprietário do imóvel tombado tem de pegar aquele direito de construir que ele não está utilizando por conta da restrição do tombamento e utilizar em outro imóvel de sua titularidade ou vender para um outro interessado. Então, esse benefício existe para o titular da propriedade tombada, mas isso não acontece com o proprietário no entorno, assim, ele sofre uma série de limitações sem saber exatamente quais são e dependendo da discricionariedade do agente que está à frente da proteção do patrimônio.

Portanto, existe essa necessidade de esclarecer melhor a situação do entorno, mas é um desafio. É um desafio porque nós temos variados tipos de bens tombados, então, cada um deles tem uma necessidade própria de proteção, como falou o Allan Magalhães na primeira webconferência. O Allan citou o encontro das águas e citou o teatro, dois bens tombados, um bem natural e um bem imóvel. Então, cada um ali tem um entorno e tem uma natureza diferente à designação do entorno naquelas duas regiões. Por isso, nós sabemos que é um desafio estipular esses critérios porque na verdade não precisamos de um, dois, três... Precisamos de muitos critérios, de muitos profissionais de várias áreas envolvidos na patrimonialização dos bens para poder fazer essa análise adequada.

A Lia Matos e a Ana Lúcia Thompson têm um trabalho publicado em 2010 em que vão explicitar como é que foi a experiência brasileira na evolução do entendimento do artigo 18 do Decreto Lei n.º 25, de 1937, e como é que se deu o processo desde a legislação  de 1937 até 2003 com a otimização das práticas com o entorno. Elas fizeram essa análise a partir dos processos de tombamento do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e dividiram essa experiência brasileira em quatro períodos.

O primeiro período foi de 1934 até meados da década de 60 e é chamado pelas autoras de período das memoráveis batalhas judiciais. Porque nesse período, como eu falei no começo da webconferência, a propriedade ela era tida como absoluta, isso começou a mudar com o início do processo de urbanização, que se deu no início da década de 30. Então, nesse primeiro momento, quando ocorreram os primeiros tombamentos, os proprietários dos imóveis tombados e os proprietários de imóveis no entorno se sentiam muito ameaçados com aquelas limitações que suas propriedades estavam sofrendo, logo, se colocavam muito contrários às políticas de patrimonialização. Isso fez com que vários casos fossem até o poder judiciário. Assim, nesse período de 1934 até meados da década de 60, nós tivemos, para a proteção dos patrimônios tombados, grandes conquistas judiciais. Formamos uma jurisprudência. Para os que não estão acostumados com a linguagem jurídica, é o conjunto de decisões judiciais que formam o entendimento dos tribunais, dos juízes brasileiros. Houve no período das décadas de 30, 40, 50 e 60 muitas conquistas importantes nesses processos favoráveis ao entorno e que permitiram uma ampliação do conceito de ambiência e de visibilidade. Passou-se a entender que visibilidade não era simplesmente “o ver o monumento”, “o ver o patrimônio tombado”, mas também permitir que aquele imóvel se mantenha numa área que tenha coerência com a sua razão de existir e que possibilite uma compreensão melhor do patrimônio àqueles que o visitam.

Portanto, a jurisprudência, as decisões que foram tomadas nessas décadas possibilitaram melhoria do entendimento do artigo 18. E com a conquista dessas decisões favoráveis passamos ao segundo período que se iniciou na segunda parte da década de 60 e que se estende até os anos 80, que Matos e Thompson chamam de preservação como política urbana. Nesse momento histórico, embasados nas decisões judiciais favoráveis, passamos a ter várias políticas de preservação com um atendimento mais ampliado do que viria a ser a função de um imóvel tombado e foi um momento muito importante, porque de 1930 até 1970, cada vez mais forte, estava se tornando a indústria da construção civil. A especulação imobiliária era muito grande nos centros urbanos e a década de 70, em especial, foi o auge da urbanização brasileira, então, nós precisávamos mesmo ter uma política mais patrimonialista.

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As pesquisadoras colocam esse período como um tempo importante em que nós conseguimos vencer um pouco essas intenções de avanço do capital, favorecendo as políticas de preservação. E nesse contexto nós tivemos uma conferência relevante, a Conferência Geral da UNESCO de 1970, que trouxe um conceito novo de ambiência, um conceito mais amplo. A UNESCO apresenta que “entende-se por ambiência de conjuntos históricos ou tradicionais o quadro natural ou construído que influi na percepção estática e dinâmica desses conjuntos ou a ele se vincula de maneira imediata no espaço ou por laços sociais, econômicos ou culturais.” Então, já tínhamos em 1970 uma conferência internacional trazendo um conceito novo, coerente com os entendimentos que nós estávamos tendo nos processos judiciais desde a década de 30.

O terceiro período, que foi aquele que se estendeu nos anos 1980 a 1986, Lia e Ana Lúcia caracterizam como o tempo de procedimentos e normas internas. Nesses anos, tivemos no Brasil muitos seminários e também tentativas de criação de critérios, de organização, inclusive, foi lançada a possibilidade de se criar, tal como tem o livro de tombo, o livro de entorno. Infelizmente, muitos dos resultados desse seminário, dessas pesquisas, não foram levados adiante. Nossas pesquisas na área são concentradas nessas décadas. Nós não tivemos concretização de muitas das ideias que surgiram nesse período.

O quarto e último período que as pesquisadoras estudaram, de 1986 até 2003, é identificado como de otimização das práticas de entorno. Elas fizeram uma pesquisa muito interessante que foi analisar os 87 processos de tombamento que ocorreram nesse período. Desses 87 processos de tombamento, 80 foram de imóveis, que é o foco na minha pesquisa. E desses 80 tombamentos, apenas 45 mencionam entorno. Desses 45, 23 são os que efetivamente delimitaram o entorno, 21 apenas fizeram menção, não delimitaram. Assim, é um outro problema que nós enfrentamos. Às vezes, as propriedades são tombadas, mas o entorno não é delimitado por questões administrativas e aquele patrimônio fica desprotegido, porque a proteção do entorno não é suficiente para preservação do bem tombado. Só o tombamento não é suficiente, precisa do entorno também.  Desses 23 processos que elas analisaram, foram estudados os critérios.

É nessa parte que a minha pesquisa, na minha opinião, começa a ficar mais interessante e eu tomei como ponto de partida esse trabalho, que foi inclusive muito bem recebido pelo Instituto em 2010. Então, como indiquei, as autoras começam a analisar os critérios. Como é que foi definido, delimitado em cada um desses imóveis? Dos 23 que foram delimitados, foram 10 de escala, 7 critérios de contexto histórico e paisagístico, 4 legais e dois foram outros critérios totalmente diferentes, que não tinham sido utilizados em um outro processo de tombamento.

Esse critério de escala foi utilizado em quase metade dos processos pesquisados. É um critério que foca muito na questão da visibilidade. Busca não reduzir o bem dentro daquele contexto paisagístico. O bem tombado, o imóvel tombado tem que ser, de acordo com esse critério, o principal dentro de um cenário. Logo, se traça, normalmente, parâmetros de volume e verificam o que pode ser construído no entorno, que tipos de obras podem ser feitas de forma a não prejudicar a visibilidade em razão do volume das obras que foram eventualmente anteriormente autorizadas. Então, eles já traçam critérios limitadores de construções naquele entorno de forma que aquelas que venham a ser realizadas não reduzam a importância dentro da paisagem daquele imóvel que sofreu a patrimonialização.

O critério histórico já não leva em consideração apenas o “ver” do bem tombado, ele analisa quais são as características das regiões na vizinhança que possibilitam aquele que visualiza o imóvel tombado perceber as características históricas que facilitam a leitura, a compreensão do imóvel que foi tombado. Então, ele analisa muito mais do que o simples “perceber físico” do bem, ele analisa aquele “perceber histórico” da propriedade patrimonializada. Outro critério, que elas chamam de critério legal, eu chamaria de critério ilegal, por quê? Porque foram processos em que a área de entorno foi delimitada em metros sem qualquer tipo de justificativa. Portanto, não informam o porquê aquela área foi delimitada... por quê 500m, 1km? Não tinha no procedimento nenhum tipo de justificativa para essa delimitação, o que então para mim é ilegal.

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Os outros dois trabalharam com critérios ambientais. Um particularmente interessante, o tombamento de uma igreja em que apenas parte tinha uma importância histórica que se adequava ao instituto do tombamento, por isso, o parecer foi no sentido de que a outra parte do imóvel, que não tinha esse interesse para fins de tombamento, fosse caracterizado como área de entorno. Não é uma situação estranha, porque a própria legislação coloca isso, quando não houver em parte do imóvel o interesse para fins de tombamento, pode a esta parte ser aplicado as regras atinentes ao entorno.

Esses foram os critérios que elas encontraram na delimitação de entorno de imóveis tombados de 1986 até 2003, mas quais foram os métodos e quais foram os parâmetros? Porque são coisas distintas. Quando se define os critérios, as questões que nos fazemos são: Por que eu vou criar aquele entorno? Qual é a razão de eu criar aquele entorno? Já para os métodos, eu devo avaliar se aquele critério vai ser atendido e os parâmetros são os requisitos que eu vou analisar para colocar em prática aquele método, certo? Temos um trabalho interessante de algumas arquitetas na Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Cristiane Cabreira, a Rosina Ribeiro e a Cláudia Craos, em que elas desnudaram os métodos que estavam presentes na aplicação desses critérios, desses 23 tombamentos que foram realizados e a consequente delimitação de entorno.

O primeiro método que elas observaram, mais comum e que é adotado aqui no Brasil por vários municípios e estados é o Método das Visuais. É um método que foca muito na visibilidade, então, vem ao pé da letra do artigo 18, do Decreto Lei. É a ideia de que o imóvel tombado tem que se destacar no contexto paisagístico. Interessante uma recomendação que percebemos na Carta de Atenas de 1933, de que tem uma certa região de entorno em que haviam algumas propriedades, algumas construções insalubres,  que essas construções fossem demolidas e que fossem, inclusive, criadas áreas ajardinadas para servir de moldura para aqueles imóveis tombados. Assim, essa ideia de que nem sempre a delimitação do entorno é de proteger ou de manter aquelas construções que estão no entorno, às vezes a ideia pode ser até demolir para trazer uma visibilidade maior. Logo, esse é o Método das Visuais que está presente na maioria das portarias que delimitam o entorno.

O segundo método é o Método da Cartografia Histórica, onde se analisa o aspecto histórico. Analisamos aquelas relações de historicidade, de causalidade e de legibilidade do imóvel tombado. Então, é importante aqui que o imóvel do entorno, os imóveis que estão no entorno e os imóveis que estão tombados, guardem essas relações de causalidade e de historicidade. Então, esse é o Método da Cartografia Histórica.

O terceiro método, que eu particularmente acho o mais adequado, é o Método da Análise Visual Urbana. Ele apresenta uma percepção até subjetiva de entorno, porque busca correlacionar o imóvel tombado e os imóveis da área de entorno em razão das múltiplas expressões culturais que acontecem na região. Assim, guarda uma relação com as outras formas de expressão cultural que, inclusive, podem ter suas formas de acautelamento próprio. Faz parte desse método da análise visual urbana a percepção de como as pessoas utilizam a cidade e como elas vivem, como é que são os costumes, como é que são as práticas naquela região vizinha aos bens tombados. Nesse método aqui é extremamente importante a realização de um inventário antes mesmo do procedimento de tombamento pra que se possa perceber essas relações existentes.

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Nós temos, ainda, o Método de Unidade de Paisagem. Esse aqui é mais utilizado para a delimitação dos conjuntos históricos do que propriamente para delimitação de entorno de imóveis tombados. Por quê? Nesse método nós traçamos um recorte territorial e ele é marcado pela morfologia do ambiente, a homogeneidade de configuração dos imóveis. A pessoa que passa pela região de entorno tem que perceber uma certa homogeneidade na utilização de materiais, na forma de construção, então, tem que ser algo de forma mais uniforme. E nós temos ainda o Método da Análise da Morfologia Urbana, que guarda relação também com a visibilidade e no qual se analisam os cenários possíveis de construção futura que não vão prejudicar a visibilidade do imóvel tombado, que não vão reduzi-lo em importância dentro daquele contexto do centro urbano. 

Portanto, os critérios que vimos: visibilidade (escala), ambiência (paisagístico), a evolução (histórico) e o legal. Os métodos são esses: visuais, cartográfica, histórica, análise visual urbana, análise de paisagem e análise de morfologia urbana. E os parâmetros? Quais são os parâmetros utilizados para delimitar os entornos com base nesses métodos, para fim de atender esses critérios? Um parâmetro utilizado em todos os métodos de atender a esses critérios é o gabarito, eles fazem aquele gabarito de todas as propriedades que estão localizadas no entorno dos imóveis tombados. Os outros parâmetros são: restrição de publicidade, que está presente em todos também, até porque o decreto fala na ambiência, visibilidade e a proibição de publicidade e, em alguns, como aquele relacionado a unidades de paisagem para manter a homogeneidade nesse aspecto da ambiência relacionada a morfologia urbana, nós temos um regramento das fachadas dos imóveis dos entornos, não sendo proibidas alterações na parte interna da propriedade nova, mas limitadas as alterações que possam ser realizadas na fachada. Temos outro parâmetro que é a taxa de proteção: a maior parte dos planos diretores das cidades já têm as zonas especiais de proteção delimitadas, nelas o potencial construtivo do proprietário vai ser limitado até para atender esses critérios de visibilidade e de ambiência.

E nós temos, mais recentemente, Declaração de Xi’an. Essa declaração vem alertar a importância de se adotar novos critérios para delimitação dos entornos, explicitando que, além dos critérios físicos e visuais, o entorno supõe uma interação do ambiente natural com as práticas sociais ou espirituais passadas ou presentes, costumes, conhecimentos tradicionais, usos ou atividades, outros aspectos do patrimônio cultural intangível que criaram e formaram espaço, assim como o contexto atual e dinâmica de natureza cultural,  social e econômica.

Eu acho um desafio o que a declaração recomenda de promover no entorno essa conversa do passado com o presente porque nós costumamos acautelar e proteger proibindo novas construções, proibindo alterações, determinando que as manutenções de imóveis sejam feitas com materiais e técnicas passadas, proibindo publicidade, muitas vezes fios, linha de transmissão, paradas de ônibus. A nossa forma de acautelar, inclusive no entorno, é muito de proibição e com as proibições nós acabamos evitando a evolução natural das cidades e nem sempre isso está de acordo com interesses sociais das pessoas que habitam na área de entorno. Então, é precisar criar, estabelecer parâmetros de gestão desse processo de urbanização, de evolução das cidades, para que possamos, sim, criar um entorno adequado às necessidades do patrimônio tombado, que possa ampliar a proteção aquele património que já foi dado pelo tombamento, que possa com ele conversar, mas precisamos também criar formas de gestão do entorno que possibilite essa conversa com o presente. Não apenas esse congelamento do passado. Pois, o artigo 11 da declaração reforça a relevância de se criar ações e que a gestão deve definir formas de conduta para avaliar, para medir a evolução urbana. Então, é necessária a conversa entre passado e presente, bem como deixar mais clara as políticas, os parâmetros, os critérios, os métodos de delimitação de entorno, as modalidades ou a restrição que imóveis tombados sofrerão, e estabelecer formas de compensação tal como está determinado para os imóveis tombados, até para que os proprietários tornem-se parceiros do poder público nessa política de preservação. É preciso informar aos particulares a importância, inclusive, os aspectos turísticos que podem vir a ser valorizados, melhor dizendo, que possam ser ampliados com a adoção e com a gestão adequada de imóveis tombados.  

Bem, gente, era isso que eu tinha para tratar com vocês, para apresentar. Essas são as considerações iniciais da minha tese de doutorado, e agora vou abrir para as perguntas, como é que funciona, professor?

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Humberto:

A Marisa que coordena..., eu vou deixar meu áudio ligado para que a Marisa possa coordenar.

Marisa:

Pode deixar o áudio ligado, Nathalie, porque à medida que o pessoal for digitando as questões, eu vou repetindo para você e você já responde.  Eu queria saber se o pessoal gostaria de dar um “ponta pé” inicial. Eu vi lá em cima que... ah sim, a Meire Quinta quer saber mais a questão dos métodos adotados, né? Ela quer que você detalhe, digamos assim, um pouco mais a questão dos métodos.  

Nathalie:

Certo. Então, esses são métodos que as arquitetas da UFRJ traçaram a partir dos processos de tombamento de 1986 a 2003 e pode ser que, após 2003, tenham sido feitos novos tombamentos com outros métodos e que elas não analisaram. Mas dos métodos que elas apresentaram nesses 24 processos analisados, nós temos: o método das visuais, esse método busca criar com o entorno uma paisagem para aquele imóvel tombado; este imóvel seria a figura principal e o entorno seria a paisagem que serve de moldura para a fruição visual do imóvel tombado. O segundo método é da cartografia-histórica, no qual há uma análise das relações dos imóveis na vizinhança do bem tombado com o bem tombado buscando uma relação de causalidade e historicidade. Eles foram feitos na mesma época? Pelas mesmas pessoas foram construídos? Eles foram construídos para um auxiliar o outro? Vamos pensar numa casa e aí nós temos aquela casa principal, nós temos a senzala, nós temos um moinho, nós temos a igrejinha, então, todas aquelas outras construções foram feitas na mesma época para auxiliar aquelas vivências da casa grande, certo? Assim, esse seria um método da cartografia história, analisar a relação de historicidade e causalidade que existe entre os imóveis tombados e os imóveis que estão no entorno. Com isso, gente, tende a ter uma área de entorno bem reduzida porque com os processos de urbanização nas cidades, a maioria das construções que estão ao lado tendem a ser edificações que foram feitas bem depois do imóvel tombado, até porque temos historicamente a tendência de tombar construções muito antigas por conta do valor arquitetônico e acaba que as construções na vizinhada são normalmente mais modernas. O terceiro método que eu especifiquei  foi o da análise visual urbana, que guarda relação mais com as outras formas de expressão cultural da sociedade, e a forma como o indivíduo percebe a cidade. É um critério um tanto mais subjetivo, que depende de um trabalho de inventário anterior no qual a gente possa analisar a lógica dos modos de fazer, de criar, de viver nas proximidades do imóvel tombado. O quarto método que eu explicitei foi o da unidade de paisagem, em que a gente avalia os materiais utilizados, a homogeneidade das construções que estão localizadas na área de entorno de imóveis tombados. Então, uma homogeneidade de configuração, uma uniformidade de construção, um modo de construir, o material que foi utilizado. Às vezes, gente, cores das fachadas para dar aquele contexto de complementação do imóvel tombado. E o último que foi apresentado, é o método da análise e da morfologia urbana, que se preocupa bastante com a visibilidade, mas não aquela visibilidade de simplesmente do primeiro método, de criar uma figura de paisagem, mas de se preocupar com eventuais construções futuras naquela área de entorno que possam prejudicar a visão do bem. Então, realmente criar limitações aos potenciais construtivos das propriedades que estão no entorno, porque a propriedade que a gente fala “a propriedade do entorno” pode ser só um terreno e, ainda assim, ser futuramente realizada uma construção, assim, criam-se limitações àquelas construções: Só pode um pavimento? Dois pavimentos? Isso Para facilitar a visualização daqueles imóveis que foram tombados. Espero que eu tenho esclarecido.

Marisa:

Tem uma pergunta do Paulo Henrique. Ele pergunta se sua pesquisa, Nathalie, inclui os novos terreiros de candomblé tombados pelo IPHAN.

Nathalie:Obrigada, Paulo, pela pergunta. Como eu falei no início da webconferência, a minha pesquisa ainda é muito inicial, então, eu ainda não trabalhei com imóveis específicos ou com o processo de tombamentos específicos. Mas vou dar uma olhada, agradeço pela dica, vou conversar com meu professor orientador para, de repente, a gente ver esse estudo para fins de tese, mas, por enquanto, ainda não fiz pesquisa com os terreiros.

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Marisa:

Bem, temos umas observações ali né? Do Vitor Melo Stuart e bem longas (risos). Mas eu acho importante lermos e tirarmos algumas questões a respeito. Ele coloca assim:

Pergunta/Colocação do participante: Boas provocações sobre o entorno.  O IPHAN emitiu um parecer jurídico sobre o tema. Em linhas gerais, ele fala que os critérios de intervenção em imóveis situados na área de entorno não podem ser fundamentados na importância cultural dos mesmos: B) Se a importância do bem estiver diretamente relacionada com os valores históricos, artísticos, paisagístico e cultural, este deverá ser objeto de tombamento individual ou em conjunto, incidindo sobre C) Se o bem em si não possui significativo valor cultural, se encontrando inserido na área de entorno, não poderá ser estabelecida norma visando a sua conservação em si, devendo todos os critérios a serem fixados observar o valor cultural presente no bem tombado. D) As restrições ao imóvel situado na área de entorno só se justificam em função do bem comum tombado, este sim é digno de preservação e, por fim, ele coloca: é importante pensar o tombamento com cuidado do processo.

Marisa:

Alguma observação, Nathalie?

Nathalie:

Vitor, meu querido, coordenador, meu colega, meu chefe, eu brinco, lá do GEPDC. Muito legal as informações do Vitor, é muito interessante esse posicionamento do IPHAN a respeito do valor cultural. É importante ressaltar que o imóvel do entorno tem uma função acessória em relação ao bem tombado. Se ele por si só tiver um valor cultural, ele deve ter a proteção própria do tombamento. Como foi colocado aqui no item “d”. Se ele tiver um valor cultural que o habilite ao tombamento, ele também deve ser tombado, ou o conjunto deve ser tombado. A gente precisa ter claro em mente essa diferença entre conjunto histórico que vai ser tombado e a área de um entorno. A área de entorno tem essa função acessória para permitir a legibilidade. Eu só não concordo muito, apesar de ser um posicionamento do IPHAN. Eu particularmente não concordo, ao dizer que os critérios “não podem ser fundamentados na importância cultural dos mesmos”. Eu acho que isso não justifica, os imóveis do entorno têm uma importância cultural, da construção em si, mas naqueles modos de viver, fazer, e de experimentar o processo de urbanização e o ser na cidade. Por isso eu falei que gostava muito daquele critério da cartografia histórica, exatamente por analisar também essas outras formas de expressão cultural que são realizadas e que tenham essa ocupação nas áreas do entorno.

Marisa:

Bem, Nathalie, eu gostaria de fazer uma pergunta. Aliás, nem fazer uma pergunta, eu gostaria que você falasse um pouquinho mais sobre essa questão da declaração, que traz a importância de pensar o entorno, de como promover o diálogo entre passado e presente. E aí, me chamou muita atenção nessa observação de que essas proibições, de certa forma, evitam a evolução natural das cidades. Então, eu queria que você identificasse um pouquinho mais nessa fala, que trouxesse, se possível, algum exemplo que possa demonstrar como isso acontece em algum local.

Nathalie:

Certo. É... Marisa, só antes de falar um pouco sobre o que você me pediu, eu estou vendo aqui que a Maria Catarina Cândido me pediu as referências. Eu passo posteriormente, eu passo para você primeiro, para que possa disponibilizar aos que estão nos assistindo. A Marisa vai disponibilizar para o que estão nos assistindo, certo Maria? Eu vou disponibilizar por ela e ela passa para os interessados. Em relação à pergunta do Paulo Henrique, daqui a pouco eu vou falar. Então, Marisa, é como coloquei aqui na leitura que fiz do trecho da declaração. Eles colocam realmente essa importância de “analisar o contexto atual e dinâmico de natureza cultural, social e econômica”, por isso, eu creio realmente que nós possamos, na gestão de entorno, pensar em políticas de modernização que não vão afetar os imóveis tombados. Muito pelo contrário, o processo de urbanização tem que atender aos interesses sociais e esses interesses mudam, se modificam. Por exemplo: as pessoas estão indo para casas menores, muitos apartamentos, então, é uma dinâmica diferente nas cidades. Creio eu que nós temos que encontrar uma forma, mas eu não sei ainda como, de conciliar a preservação com a modernização. Eu vejo muito a realidade da minha cidade, os nossos imóveis tombados estão localizados em áreas que já não têm mais esse contexto praticamente. No entorno existem imóveis que estão descaracterizados e eu me questiono muito se o que a gente deve fazer é proibir aqueles imóveis de sofrerem algum tipo modernização e com isso impedir até melhoria da vida daquelas pessoas que moram naquela área, ou se a gente deve proibir e restaurar. Na cidade de Fortaleza muitos imóveis com a faxada toda deteriorada e que eu fico pensando seriamente, o que é melhor: esse imóvel deteriorado com o risco de trazer ruínas, acidentes para os pedestres que estão passando ali na calçada ou já autorizar o proprietário do terreno a fazer uma edificação nova, sendo com materiais ou uma estrutura proporcional à que existia anteriormente. Então, existe a necessidade de se pensar mais sobre o assunto. Acredito que a minha pesquisa ainda é muito recente para que eu possa dar uma resposta e ao mesmo tempo um exemplo de como isso já tenha acontecido aqui no Brasil, certo? Eu posso responder à pergunta do Paulo Henrique?

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Marisa:

Sim, quer que eu leia? Ou se já quiser ir respondendo, ok.

Nathalie:Eu leio aqui.

O Paulo pergunta:Como você analisa o embate que teve com o então Ministro Geddel Vieira Lima (preso) e Marcelo Calero, ex-ministro da Cultura, quando Geddel queria que o IPHAN liberasse uma obra no entorno de um bem tombado, autorizando o aumento de gabarito de prédio de interesse do Ministro? (Esse bem fica na orla de Salvador).

Nathalie:Salvador, eu amo Salvador, cidade do meu coração. Seguinte, eu acho uma pouca vergonha (risos). Na assessoria jurídica eu era até conhecida como uma pessoa bem liberal, eu sou um pouco mais liberal com essas questões das construções de imóveis porque eu penso sempre no melhor aproveitamento para o proprietário. Mas há aí um total desvio do interesse público para atender interesses particulares. Autorização para aumentar o gabarito do prédio, dispensa maiores comentários. Uma autorização que tem como finalidade não uma preservação, mas a satisfação do interesse privado. Percebe-se na situação narrada um único interesse privado prevalecendo sobre o interesse público, um completo absurdo.

Marisa:

Temos a pergunta da Keila, ela diz que já viu pessoas que acham muito ruim o tombamento de propriedades particulares, porém, é inegável que certos imóveis são um verdadeiro patrimônio histórico da humanidade.  Como você acha que poderia ter um incentivo para preservação? Seria mais indicado que o governo compre a propriedade, já que ela deve ser um bem comum de todos? Assim, o dono procuraria outro imóvel e faria o que quiser nele.

Nathalie:

Bem, obrigada pela pergunta, Keila. Ano passado estava ocorrendo o 6º Encontro de Direitos Culturais na Universidade de Fortaleza, e eu fiz uma pergunta muito similar à uma palestrante. Então, tudo depende de qual vai ser o objetivo com o tombamento. Porque existe tombamento de imóveis que não é só a parte externa que interessa para a coletividade. Interessa também criar museus, fazer visitações. Portanto, quando o tombamento tem como objetivo não apenas a intenção de preservar um bem, mas de possibilitar um acesso da população a ele e, naturalmente, isso vai caracterizar como uma turbação da privacidade do seu titular, o adequado é, realmente, a desapropriação e não o tombamento puro e simples. Então, se é um imóvel de grande valor cultural, e cujo objetivo é fazer com que a população tenha maior acesso, logo, vamos realmente desapropriar, vamos criar museus, vamos fazer visitas guiadas para que as pessoas possam usufruir melhor aquele bem tomado. Desapropria e tomba, por conta daquele detalhe que eu já tinha falado. Realizar a desapropriação por si só não vai possibilitar a proteção que o bem necessita neste caso, assim, desapropria e tomba.  Agora, tem casos em que o poder público não tem interesse na parte interna do imóvel e sim na parte externa, então, poderia ser feito somente um tombamento de fachada e não um tombamento integral do bem. Nesse caso, não vai impossibilitar o uso. E tem que fazer uma análise econômica do tombamento. É muito caro para o poder público desapropriar. O processo de tombamento já é um pouco mais barato, tem essa questão também. A gente mal tem pessoal para gerir o patrimônio tombado, para cuidar só de uma fiscalização, que dirá para desapropriar e cuidar daquele bem. Quantos imóveis desapropriados e tombados não ficam se deteriorando porque o poder público não tem a possibilidade de dar uma destinação para eles. Nós temos que pensar que os proprietários de imóveis tombados podem achar ruim o tombamento por conta das restrições, mas ao mesmo tempo tem também aquele aspecto sentimental, aquele vínculo emocional, afetivo, muitas vezes familiar. Tem gente que pede o tombamento. Então, tem esses dois lados da história. E ela explicou sobre o incentivo para preservação, né? O incentivo aí pode partir de duas formas: temos a transferência do incentivo da potencial construção que foi inaugurada em 2001 com o Estatuto das Cidades, que é você pegar o que você não pode construir num imóvel tombado e passar para outra propriedade ou vender. Isso é muito utilizado com sucesso em Curitiba, São Paulo. E nós temos o maior incentivo que é o da conscientização. Porque quando a gente conscientiza a população da importância e também dos reflexos que aquilo vai ter, principalmente no turismo, na economia e as vantagens, daqui a pouco a população se tornará parceira do poder público nesses processos de patrimonialização.

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Marisa:

Temos algumas observações. Uma aqui da Ney: Que ela vê os imóveis do entorno sendo abandonados, transformados em ruínas na cidade de Santos. Depois, segue uma pergunta, do Carlos Baratto, ele fala que “o tombamento dos bens culturais já é algo difícil de ser entendido e aceito pelos proprietários, nossa realidade cultural dificulta ainda mais a aplicação do conceito de ambiência e entorno, qual a sua recomendação para tratar essa questão? Como conciliar os diferentes anseios e interesses envolvidos nesta questão?

Nathalie:

Eu acho que eu já respondi um pouquinho do que o Carlos solicitou ao responder ao questionamento da Keila. O tombamento, eu acho que já passou de uma fase em que ele é difícil de ser entendido e aceito e hoje já tá sendo um pouco mais bem recebido pelos proprietários. Em especial após essas possibilidades criadas pelo Estatuto das Cidades. Os proprietários viram que era uma forma de mobilizar a questão da economia, por outro lado, a questão do entorno ainda é bem difícil de aplicar, mas a minha recomendação é a conscientização e uma melhor gestão do poder público sobre os imóveis de entorno. Quando o poder público trouxer ações mais concretas para a sociedade, e a sociedade perceber os resultados, eu acho que vamos ter um apoio bem maior.

Marisa:

É... A Luciene disse que no caso da revitalização do centro histórico de Salvador com fins turísticos houve tombamento e restauração de vários imóveis ainda não concluídos em sua totalidade. Porém, houve a expulsão dos moradores mais carentes que ali viviam. Como também existe a expulsão de moradores de outros locais em virtude desta revitalização de espaços por conta do aumento nos valores de imóveis e encarecimento da vida nesses territórios. Uma observação dela.

Nathalie:

Desculpa a interrupção. Essa observação da Luciene nós tivemos, inclusive, uma webconferência chamada “O lado perverso do patrimônio”. Eu acho que fala um pouquinho sobre esse processo de elitização que nós temos. Realmente é uma situação que acontece. Quando temos um processo de revitalização, naturalmente, a especulação imobiliária acaba com esse processo naquela região. É uma realidade.

Marisa:

O Allan pergunta: “Boa noite, a nossa legislação não estabelece um perímetro mínimo para servir de entorno e receber proteção como tal. Assim, você julga adequado haver tal perímetro mínimo legalmente previsto? E quando não há previsão diária do entorno pelo ato administrativo de tombamento, você julga que ainda assim é possível estabelecer tais limitações aos bens inseridos no entorno do bem tombado?”

Nathalie:

Em relação ao perímetro mínimo, como ele afirmou, se eu julgo adequado tal limitação. Eu, particularmente, não acho que seja adequado, mas tem um outro lado que não é propriamente da preservação, e as arquitetas do Rio de Janeiro até citam no trabalho delas. Tem um ponto que, isso eu vivenciei no prédio onde moro, houve construção ao lado, e o negócio de construir o estacionamento subterrâneo começou a “afofar” o estacionamento nas vagas de garagem. Talvez, aí eu possa mudar de ideia, talvez a gente possa estabelecer um perímetro mínimo pensando nesse aspecto da proteção física mesmo do bem. Uma construção em subsolo que, de repente, pode prejudicar, a questão do ventos, de iluminação, então, talvez em relação a critérios ambientais, preservação do risco da erosão natural ou com riscos da erosão causados por obras novas, talvez a gente pudesse pensar num mínimo legal por estas questões, certo? Em relação quando não há uma área de entorno do tombamento, normalmente não há, verificamos aqui nos processos que, normalmente, é feito por portaria. Eu acho que deveria ser obrigado, por lei, ocorrer no próprio ato administrativo do tombamento. Porque a portaria atinge os proprietários do entorno de surpresa. Assim, é possível estabelecer essas delimitações? São estabelecidas, a nossa prática é essa. Essas delimitações existem e são estabelecidas por meio de portarias. Existe, já é assim, agora se deveria ser? Não, não acho que deveria ser.

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Marisa:

O professor Humberto está trazendo algumas indicações bibliográficas. Para quem quiser trabalhar mais sobre o assunto. Prof. Humberto?

Humberto:

Sim, eu gostaria de falar a respeito de uma coleção da USP. A Nathalie e os demais participantes, o Vítor que fez uma participação aqui, tem uma atuação com um artigo nesse livro aqui “Teoria dos Direitos Culturais”. Esse livro é organizado por mim, Isaura Botelho. Um livro sobre direitos culturais, sobre políticas culturais para cidades. E outro livro que é o “Políticas culturais para as artes”. No link vocês podem baixar, é gratuito. Tem um aqui que não é gratuito, eu recebi hoje. A Nathalie vai complementar com o que ela prometeu encaminhar pra distribuir aos interessados. É isso.

Marisa:

Que bom! Que bom! Parabéns por mais esse lançamento. Cada dia uma produção nova! Bom, acredito que não temos mais questões, né? Eu queria agradecer imensamente a Nathalie por sua disposição em estar aqui conosco encerrando esse projeto, ou, pelo menos, esse 3º momento desse projeto, que nós esperamos que tenha outros momentos também. Eu queria reforçar com todos que estão assistindo que os certificados serão emitidos agora, depois das 10 (dez) webconferências. Nós começaremos amanhã a contagem de cada Web que cada pessoa assistiu, e espero, no máximo, até o dia 13 de julho, encaminhar a todos os certificados, via e-mail. Então, quem não receber até o dia 13, eu peço que entre em contato conosco porque algumas pessoas inscreveram seus e-mails e quando enviamos eles estão retornando pra nós.  Eu peço que se não receberem até o dia 13, no mais tardar até o dia 15, entrem em contato conosco pra que vejamos o que ocorreu e para encaminhar novamente os certificados, tanto para os que assistiram quanto para os conferencistas. Outra questão é que, como aconteceu com o I e II Ciclos, nós queremos fazer uma publicação desse III Ciclo. Já estamos transcrevendo todas as webconferências e, espero, em breve, trazer essa novidade para todos, dessa publicação. No primeiro momento, será a versão e-book, ainda não conseguimos verba para uma publicação impressa, mas estou torcendo pra que consigamos logo e possamos, em breve, fazer um lançamento desse material, e todos vocês obviamente vão receber. Enfim, nossos agradecimentos por esses 10 (dez) momentos juntos que nós tivemos no decorrer desse semestre. O professor Humberto está dizendo que quer contar uma historinha. Então, nós vamos encerrar nossas atividades com a história do professor Humberto. Eu agradeço muito por suas participações e desejo, desde já, uma ótima noite de descanso.

Humberto:Essa historinha tem relação com a pergunta que me fez o mestre Paulão sobre um comentário no grupo de Estudos e Pesquisa em Direitos Culturais. Nós vamos nos organizar e vamos divulgar no site www.direitoculturais.com.br. Como ele se identificou como mestre, eu suponho que seja mestre de capoeira. Então, eu vou contar uma historinha a respeito da capoeira. Uma história que aconteceu comigo em Milão e vocês vão achar que é mentira minha, mas mesmo assim eu vou contar. Eu tenho uma paixão muito grande pela obra de Shakespeare, pra muita gente ele é dito popular. Ele escreveu suas obras por volta de 1.600, e escreveu de jeito refinado. Lá eles encenam muito Shakespeare, aí, entre as suas peças eu tive a oportunidade de ver, em Milão, Sonho de uma noite de Verão e Otelo. Otelo é uma peça imensa, começou umas 8 da noite e terminou cerca de meia noite, só que eu não sabia que o metrô encerrava antes desse horário. Aí eu cheguei no metrô e não tinha mais como eu ir pra casa, né? E meu celular estava descarregado. Ao meu lado só tinha um rapaz, ele viu e falou comigo em português. Disse: o senhor tá precisando de ajuda, se precisar, eu telefono, chamo um taxi. Aí eu precisava saber o porquê, como era que ele tinha aprendido português, se ele tinha morado aqui no Brasil... Ele disse: “Não, aprendi aqui mesmo em Milão”. Eu disse: “Como?”. Ele respondeu: “No meu grupo de capoeira!!!”. Eu fiquei muito interessado, muito orgulhoso com isso, mas ao mesmo tempo muito reflexivo sobre a ideia de como é que está acontecendo essa dimensão de exportação do patrimônio cultural que é também uma preocupação no mundo europeu, mas talvez eles lidem melhor e com menos preconceito do que nós, né? Por exemplo, não é a pizza propriamente, mas a forma de fazer pizza dos pizzaiolos napolitanos é patrimônio cultural da humanidade, significa que você pode comer pizza sim, em todo canto, mas o modo de fazer a pizza é um patrimônio cultural da humanidade, ou seja, esse é um assunto empolgante, é um assunto em que a gente tem muitas contribuições a dar. E nós temos que nos firmar, mesmo a gente tendo toda a..., vou usar uma palavra inadequada, mas retórica para o caso, toda a tecnologia de usufruir o melhor possível dessa riqueza que nós temos que é o patrimônio cultural e imaterial.

Marisa:

Bem pessoal, meus agradecimentos a todos vocês, ao professor Humberto por adotar, sempre desenvolver esse projeto conosco, sendo esse o nosso terceiro, e que tenhamos muitos pela frente ainda! Um grande abraço pessoal.

Humberto:

Boa noite!

Nathalie:

Boa noite!