PDCC - Módulo III
 

03. Direitos humanos no Brasil

Para contar a história dos Direitos Humanos no Brasil é necessário retomar a história das constituições brasileiras.

Em 1824 foi outorgada a primeira Constituição Brasileira e de acordo com ela, a inviolabilidade dos direitos civis e políticos  baseavam-se na liberdade, na segurança individual e, como não poderia deixar de ser, na propriedade. Entretanto, o texto constitucional provocou repúdio de inúmeras pessoas porque não contou com a participação da sociedade brasileira.

Na Constituição de 1901, foi instituído o sufrágio direto para a eleição dos deputados, senadores, presidente e vice-presidente da República, no entanto, determinava, também, que os mendigos, os analfabetos, os religiosos, não poderiam exercer tais direitos políticos. Além disso, ela aboliu a exigência de renda como critério de exercício dos direitos políticos.

A Revolução de 1930 provocou um total desrespeito aos Direitos Humanos, que foram praticamente esquecidos. O Congresso Nacional e as Câmaras Municipais foram dissolvidos, a magistratura perdeu suas garantias, suspenderam-se as franquias constitucionais e o habeas corpus ficou restrito a réus ou acusados em processos de crimes comuns.

O descontentamento por parte da sociedade brasileira com o desrespeito aos Direitos Humanos foi responsável pela eclosão da Revolução Constitucionalista de 1932, que resultou na nomeação, pelo governo provisório, de uma comissão para elaborar um projeto de Constituição, comissão esta que, por reunir-se no Palácio do Itamarati, recebeu o nome de "a comissão do Itamarati". A participação popular, no entanto, ficou por demais reduzida em razão da censura à imprensa.

Entretanto, apesar desta censura, a Constituição de 1934 determinou que a lei não poderia prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; vedou a pena de caráter perpétuo; proibiu a prisão por dívidas, multas ou custas; criou a assistência judiciária para os necessitados (assistência esta, que ainda hoje, não é observada por grande parte dos Estados brasileiros); instituiu a obrigatoriedade de comunicação imediata de qualquer prisão ou detenção ao juiz competente para que a relaxasse, se ilegal, promovendo a responsabilidade da autoridade coatora, além de várias outras franquias estabelecidas.

Além dessas garantias individuais, a Constituição de 1934 inovou ao estatuir normas de proteção social ao trabalhador, proibindo a diferença de salário para um mesmo trabalho, em razão de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; proibindo o trabalho para menores de 14 anos de idade, o trabalho noturno para os menores de 16 anos e o trabalho insalubre para menores de 18 anos e para mulheres; determinando a estipulação de um salário mínimo capaz de satisfazer às necessidades normais do trabalhador, o repouso semanal remunerado e a limitação de trabalho a oito horas diárias que só poderão ser prorrogadas nos casos legalmente previstos, além de inúmeras outras garantias sociais do trabalhador.

No "Estado Novo" os direitos humanos sofrem mais um golpe. Foram criados os Tribunais de exceção, que tinham a competência para julgar os crimes contra a segurança do Estado. Nesta época, foi declarado estado de emergência no país, ficaram suspensas quase todas as liberdades a que o ser humano tem direito, dentre elas, a liberdade de ir e vir, o sigilo de correspondência (uma vez que as mesmas eram violadas e censuradas) e de todos os outros meios de comunicação, sejam orais ou escritos, a liberdade de reunião dentre outros. Os Direitos Humanos praticamente não existiram durante os, quase, oito anos em que vigorou o "Estado Novo".

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Com a Constituição de 1946, o país foi, "redemocratizado", já que essa constituição restaurou os direitos e garantias individuais, sendo estes, até mesmo ampliados, do mesmo modo que os direitos sociais. De acordo com estes, foi proibido o trabalho noturno a menores de 18 anos, estabeleceu-se o direito de greve, foi estipulado o salário mínimo capaz de atender as necessidades do trabalhador e de sua família, dentre outros demais direitos previstos.

Os direitos culturais também foram ampliados e essa Constituição vigorou até o surgimento da Constituição de 1967, no entanto sofreu várias emendas e teve a vigência de inúmeros artigos suspensa por muitas vezes por força dos Atos Institucionais de 9 de Abril de 1964 (AI-1) e de 27 de outubro de 1965 (AI-2), no golpe, autodenominado "Revolução de 31 de março de 1964". Apesar de tudo isso, podemos afirmar que, durante os quase 18 anos de duração, a Constituição de 1946 garantiu os Direitos Humanos.

A Constituição de 1967, porém, trouxe inúmeros retrocessos, suprimindo a liberdade de publicação, tornando restrito o direito de reunião, estabelecendo foro militar para os civis, mantendo todas as punições e arbitrariedades decretadas pelos Atos Institucionais. Hipocritamente, a Constituição de 1967 determinava o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário, no entanto na prática, tal preceito não existia. Quanto aos demais direitos, a constituição brasileira de 1967, teve outros retrocessos: reduziu a idade mínima de permissão para o trabalho, para 12 anos; restringiu o direito de greve; acabou com a proibição de diferença de salários, por motivos de idade e de nacionalidade; restringiu a liberdade de opinião e de expressão; recuou no campo dos chamados direitos sociais, etc.

A Constituição de 1967 vigorou, formalmente, até 17 de outubro de 1969, com a nova Constituição. Na prática, foi baixado o mais terrível Ato Institucional, o AI-5, o que mais desrespeitou os Direitos Humanos no País, provocando a revolta na sociedade civil, jovens, estudantes, etc, acarretando a ruína da Constituição de 1967. O AI-5 trouxe de volta todos os poderes discricionários do Presidente, estabelecidos pelo AI-2, além de ampliar tais arbitrariedades, dando ao governo a prerrogativa de confiscar bens, suspendendo, inclusive, o habeas corpus nos casos de crimes políticos contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.

A vigência do AI-5, foi um longo período de arbitrariedades e corrupções. A tortura e os assassinatos políticos foram praticados de forma bárbara, com a garantia do silêncio da imprensa, que encontrava-se praticamente amordaçada e as determinações e "proteções legais" do AI-5. Tanto foi assim, que a Constituição de 1969 somente começou a vigorar, com a queda do AI-5, em 1978. A constituição de 1969 retroagiu, ainda mais, já que teve incorporadas ao seu texto legal, as medidas autoritárias dos Atos Institucionais. Não foram respeitados os Direitos Humanos.

A anistia conquistada em 1979, não aconteceu da forma que era esperada, já que anistiou, em nome do regime, até mesmo os criminosos e torturadores. No entanto, representou uma grande conquista do povo.

A Constituição de 1988 veio para proteger, talvez tardiamente, os direitos do homem. Ulisses Guimarães afirmava que a Constituição de 1988 era uma "Constituição cidadã", porque ela mostrou que o homem tem uma dignidade, dignidade esta que precisava ser resgatada e que se expressa, politicamente, como cidadania.

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Questões referentes à dignidade da pessoa humana, vem tratadas na Constituição de 1988, já no preâmbulo, quando este fala da inviolabilidade à liberdade e, depois, no artigo primeiro, com os fundamentos e, ainda, no inciso terceiro (a dignidade da pessoa humana), mais adiante, no artigo quinto, quando fala da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à igualdade.

Essa Constituição fixou os direitos humanos como um dos princípios que devem reger as relações internacionais do Brasil (artigo 4º, inciso II). O texto reconhece ainda, como tendo status constitucional, os direitos e garantias contidos nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, que não tenham sido incluídos no artigo 5º da Constituição.

O Brasil é signatário dos mais importantes tratados internacionais de direitos humanos tanto na esfera da Organização das Nações Unidas (ONU) como da Organização dos Estados Americanos (OEA), entre os quais o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; a Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; e a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos. O País não tem reservas a qualquer desses instrumentos jurídicos.

Segundo o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, o Brasil teve um destacado papel na preparação e realização da Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, onde presidiu o comitê de redação da Declaração e do Programa de Ação, adotada consensualmente pela conferência em 25 de junho de 1993. Em 1996, assumiu a presidência da 52ª Reunião da Comissão de Direitos Humanos da ONU.

Entre as principais situações violadoras de direitos humanos presentes em nossa conjuntura, é importante destacar a permanência de índices intoleráveis de violência em 2005. A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), da Câmara dos Deputados, interveio para garantir que não houvesse impunidade nem deixasse de haver o devido processo sobre um número de casos que não se reduziu em relação aos anos anteriores. Infelizmente, as denúncias não arrefeceram e a situação em todo o país é muito preocupante.

Algumas ações foram tomadas com o objetivo de garantir a efetivação dos direitos humanos no Brasil. No que diz respeito às ações da CDHM, ressalta-se a criação do Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa, a criação da Rede Parlamentar Nacional de Direitos Humanos, e a realização do Encontro Nacional de Direitos Humanos.

O Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa é um espaço de atuação da sociedade civil em parceria com o Poder Legislativo, para influir no sentido da promoção dos direitos humanos em questões com dimensão internacional. A proposta nasceu numa audiência pública da CDHM, em 28 de setembro de 2005, e conta com a participação de ONGs, instituições de Estado com responsabilidades na área, além de organismos internacionais

A Rede Parlamentar Nacional de Direitos Humanos articula as 26 comissões de direitos humanos das Assembleias Legislativas e de cerca de 80 comissões de Câmaras Municipais. Com essa rede, algumas ações têm sido estendidas para todo o país, ampliando os efeitos de algumas campanhas e compartilhado conhecimentos, inclusive com a produção de um manual que orienta o parlamentar a atuar em defesa dos direitos humanos nos municípios, nos estados e em nível federal.

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A construção do Plano Nacional de Educação em Direitos humanos, que teve seu início em 2003, vai ao encontro dessa rede de ações e tem como objetivo orientar a formação do sujeito de direitos articulando as seguintes dimensões:

  1. apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e sua relação com os contextos nacional, internacional e local;
  2. a afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade;
  3. formação de uma consciência crítica cidadã capaz de se fazer presente em todos os níveis cognitivo, social, ético e político;
  4. desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados e fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das violações (PNEDH, 2008, p.25).

Foi considerando tais dimensões que a disciplina Políticas Públicas Culturais e Direitos Humanos, do Curso de Especialização Interdisciplinar em  Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania - Modalidade EAD, foi estruturada.