PDCC - Módulo II
 

04. A Institucionalização do Patrimônio no Brasil

A fase heroica

Após as dificuldades iniciais enfrentadas por Gustavo Capanema para a organização da proteção ao patrimônio cultural, e com a edição do Decreto-Lei 25, o Ministro da Educação e Saúde Pública convida Rodrigo Melo Franco de Andrade para dirigir o recém-criado órgão federal do patrimônio. Mineiro, advogado, jornalista e escritor e com experiência na gestão pública, Rodrigo ocupa a direção do órgão, de 1937, em pleno regime autoritário e centralizador do Estado Novo, a 1967.

Rodrigo Melo Franco de Andrade

Rodrigo Melo Franco de Andrade (Belo Horizonte, MG - 1898 - Rio de Janeiro, RJ -1969). Formado em Direito, foi bancário e também fez carreira no jornalismo e na literatura. Frente ao SPHAN, dirigiu o órgão ao longo de 30 anos (1937-1967), durante a chamada fase heroica. Nesta, o intelectual foi responsável pela orientação da equipe que se formou para inventariar, documentar e registrar o patrimônio cultural brasileiro, desenvolver obras de conservação, consolidação e restauração de monumentos. Além disso, preocupou-se também com a divulgação dessas informações e criou uma linha editorial dentro do órgão, intitulada Revista do Patrimônio. É conhecido como personagem indispensável para a proteção do patrimônio cultural do Brasil, como lutador incansável, confundindo sua história com a história do SPHAN.

O órgão do patrimônio passaria por outras mudanças ao longo de sua trajetória: o Decreto-Lei nº 8.534, de 2 de janeiro de 1946 transforma o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Diretoria (Dphan), criando também quatro Distritos, com sedes em Recife, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo. O mesmo Decreto subordina o Museu da Inconfidência, o Museu das Missões e o Museu do Ouro à Dphan (SPHAN/PRÓ-MEMÓRIA, 1980, p. 15).

Esses trinta primeiros anos da instituição ficaram conhecidos como “fase heroica”, adjetivo que visa traduzir o trabalho de defesa do patrimônio em tempos de extrema dificuldade.

Apesar de longa, transcrevemos abaixo a interpretação desse caráter das ações preservacionistas no período, por Luís Saia, um dos arquitetos e dirigentes regionais do SPHAN,

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Quando o governo criou o Sphan, em 1937, a experiência brasileira nessa matéria era, no mínimo, de validade discutível. Continha, é certo, muito amor, mas era também de pouco respeito. Muito amor por romantismo, pouco respeito por desconhecimento. (...) A criação do Sphan representou, entretanto, uma recolocação mais realista e mais culta do problema, conduzido pelo que havia de mais apto e atual em matéria de arquitetura e arte plásticas. (...) Em primeiro lugar, a definição legal consubstanciada no Decreto-lei nº 25 (que é) ainda hoje, depois de 36 anos de experiência, uma lição de sabedoria. Em segundo lugar, os nomes que freqüentaram a equipe de direção sob a responsabilidade de R.M.F. de Andrade: Lucio Costa, Prudente de Morais Neto, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Luís Jardim, etc., era o que havia de mais representativo no pensamento vanguardista do Brasil. (...) Em terceiro lugar – e aqui entra a virtude maior de Rodrigo Melo Franco de Andrade, foi a seleção de equipes de trabalho incumbidas de interpretar, em termos de pesquisa, estudos e obras, os problemas do Sphan; arquitetos, artistas plásticos, pesquisadores, fotógrafos, engenheiros, etc., profissionais aos quais coube a tarefa do trabalho de campo. Tão grande foi esse trabalho e tão pouca era a gente disponível que não poderia ser levado a cabo sem ajuda de amadores da velha guarda que desde a primeira hora se acostaram ao Sphan e aí acolheram nova orientação, prestando um serviço admirável e insubstituível:
  1. inventariar o que existia de amostragem mais significativa da formação brasileira;
  2. socorrer urgente, e salvar alguns monumentos que estavam profundamente atingidos pela ruína e ameaçavam perecimento completo;
  3. introduzir na normalidade nacional, inclusive e principalmente no campo jurídico, não apenas a figura do tombamento e suas conseqüências, especialmente aquelas que representavam um gravame caindo sobre a propriedade privada (SPHAN/PRÓ-MEMÓRIA, 1980, p.17)

Ainda nessa fase, ganharam destaque os bens móveis que, valorizados pelo apreço, foram estudados, documentados, institucionalizados e divulgados (etapas essenciais do processo de patrimonialização de um bem). Também pelo fato de serem alvo de saques e de comercialização indevida, passaram a constituir coleções em edificações instituídas pelo Sphan para sua devida proteção (SPHAN/PRÓ-MEMÓRIA, 1980, p. 18).

Nessa tentativa de proteger edifícios que representavam acervo cultural da população, a atividade do Sphan deixou para segundo plano o que pudesse ser feito posteriormente (na concepção de importância do órgão na época), como o tombamento paisagístico e estudos de obras consideradas não tão importantes (SPHAN/PRÓ-MEMÓRIA, 1980, p. 18).