Artigo 6) As ceramistas Karajá e o registro de suas ritxoko: relatos e experiências de pesquisa
Introdução
Pessoas, boa noite! Queria agradecer a presença de vocês (ainda que virtualmente) e o convite para falar sobre minha experiência de pesquisa durante o mestrado no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos. Até chegar ao mestrado propriamente dito, passei antes por uma experiência que contribuiu para minha formação humana e acadêmica, quando era aluna de graduação do curso de Ciências Sociais da UFG. Neste período, tive a oportunidade de ser bolsista no Museu Antropológico no projeto Bonecas Karajá: arte e memória indígena no Araguaia ⚑. O referido projeto foi realizado pelo Museu, em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).O que preparei para vocês hoje foi uma espécie de “prosa”, em que procuro relatar as experiências que tive, enquanto aluna do mestrado, desenvolvendo minha pesquisa junto as ceramistas Karajá. Neste período, busquei compreender o processo de registro das bonecas, denominadas em língua nativa como ritxoko na tentativa de compreender e analisar o referido processo a partir da perspectiva e percepção das mulheres ceramistas detentoras dos saberes e modos de confecção associados a esse bem. Em outras palavras, procurei realizar uma “interpretação da interpretação” das ceramistas sobre o registro de suas ritxoko como Patrimônio Cultural do Brasil. As bonecas Karajá foram reconhecidas como um bem cultural em 25 de janeiro de 2012, tendo como subsídio para o reconhecimento um dossiê detalhado dos modos e significados associados à boneca intitulado Os modos de fazer ritxoko (produzido pela equipe de pesquisa do Museu Antropológico, consultores de outras instituições e assistência do Iphan), bem como o vídeo documentário Ritxoko, produzido pela Olho Filmes.
Após a realização da pesquisa que subsidiou o registro das bonecas, acabei por me render de vez aos encantos e mistérios das bonequinhas de cerâmica. Tanto que fiz meu trabalho de conclusão de curso da graduação sobre o tema A representação do sobrenatural na cerâmica figurativa Karajá. Apartir daí também me veio o interesse em fazer a pesquisa de mestrado com base nesse contexto. Se antes eu havia recorrido às bonecas para compreender aspectos da sociedade Karajá/Iny, agora eu procurava me dirigir às mulheres para analisar o registro como patrimônio cultural, bem como os diferentes significados a ele atribuídos: como as mulheres compreendem o registro? Que mudanças o reconhecimento das bonecas trouxe para elas? Se há uma legislação que define ou procura conceituar o que seja de fato um bem cultural registrado, como será que essas mulheres ceramistas percebem ou não tais conceitos e como elas próprias definem um bem cultural?
Página 214Foi interessante observar como que durante a pesquisa, as percepções que eu própria tinha em relação às mulheres, ganharam novos contornos e nuances. A pesquisa foi realizada com as ceramistas Karajá das aldeias de Santa Isabel do Morro, localizada na Ilha do Bananal (TO) e Buridina, na cidade de Aruanã (GO). A pesquisa com povos indígenas envolve todo um processo que inclui a submissão do projeto de pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFG (CEP), à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e, em caso de entrada em terra indígena, é necessário encaminhar um pedido de ingresso que deve ser dirigido à Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Como não dispunha de muito tempo para a realização da pesquisa, minha orientadora Rosani Moreira Leitão e eu, optamos por realizar uma espécie de etnografia itinerante, acompanhando o trânsito das ceramistas fora da aldeia, em ocasiões em que se dirigiam a outras localidades para venda de seu artesanato, bem como em ocasiões em que foram convidadas para realizar oficinas, ou mesmo em momentos em que se deslocavam para outras regiões em busca de matéria-prima para a confecção das ritxoko e outros artesanatos. Assim, o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, porém, optei por realizar o trabalho com as ceramistas, fora do território das aldeias.
Além de uma etnografia itinerante, também procurei realizar uma análise da documentação que resultou no processo de registro das bonecas de cerâmica como patrimônio brasileiro, no caso, o dossiê descritivo dos modos de fazer ritxoko, o vídeo-documentário Ritxoko, além de relatórios, cartas, ofícios e demais documentos produzidos pelo Museu Antropológico, Iphan e demais instituições envolvidas.
A opção por dialogar com as ceramistas de Santa Isabel do Morro e de Buridina se deu justamente por terem sido elas as protagonistas no processo de registro das bonecas de cerâmica e, especialmente, por se tratar de ceramistas residentes em aldeias onde o fazer da boneca é transmitido de geração a geração desde tempos imemoriáveis.
A pesquisa foi realizada durante o período de dois anos, contando com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e o apoio Institucional do Museu Antropológico. Neste período, realizei viagens a São Félix do Araguaia (MT), cidade onde as ceramistas de Santa Isabel do Morro se dirigem na época de visitação dos turistas para a venda de artesanato. Também foram realizadas viagens para Aruanã, também com a finalidade de acompanhar as ceramistas na venda de suas bonecas, e, assim, me aproximar da questão norteadora de minha pesquisa: compreensão/percepção das mulheres Karajá, em relação ao registro de suas bonecas como patrimônio cultural.