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Artigo 1) A dimensão cultural da Constituição Brasileira de 1988

A “constituição cultural”

Humberto Cunha intitula a Constituição de 1988 de “Constituição Cultural” por dois motivos específicos. O primeiro, é que ela trouxe, pela primeira vez, uma seção específica sobre cultura, a Seção II - Da Cultura (veja no box abaixo), do Capítulo III - Da Educação, da Cultura e do Desporto; e o segundo motivo é que todos os títulos da Constituição trazem alguma disciplina jurídica sobre a cultura.

CAPÍTULO III
DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO

[...]
Seção II
DA CULTURA

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

    I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
    § 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
    § 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
    § 3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.
    § 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
    § 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.
    § 6º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
    I - despesas com pessoal e encargos sociais; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) II - serviço da dívida; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).

Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012)

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Até então, não tínhamos nas outras Constituições brasileiras um espaço próprio tratando sobre cultura, como o apresentado a partir do artigo 215. Este é um pioneirismo da Constituição de 1988, a qual é organizada em nove títulos que são subdivididos em capítulos, que, por sua vez, são organizados em seções. Assim, enfatizamos que a Constituição, além de trazer uma seção própria, trata sobre cultura em todos os seus nove títulos.

O termo “direitos culturais” é utilizado pela primeira vez em um texto constitucional com a atual Constituição, assim mencionado no caput do artigo 215: O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Verificamos, no artigo supracitado, que o Constituinte enfatiza os múltiplos papéis do Estado. Inicialmente, destacando que o Estado garantirá o exercício e o acesso às fontes de cultura, em seguida, os deveres de apoiar, incentivar, valorizar e difundir as manifestações culturais. Assim, o Estado aparece tendo papéis de promotor desses direitos.

Entretanto, a atuação positiva, não é o único dever do Estado na seara dos direitos culturais, pois, fazendo uma análise um pouco mais ampla, verificamos que em outros momentos do texto constitucional, há a necessidade de abstenção do Estado para a efetivação de certos direitos. Teríamos o que chamamos de atuação negativa do Estado, a qual diz respeito a não interferência do poder do Estado sobre as ações individuais.

Possível exemplo, neste caso, refere-se à liberdade de manifestação artística, que é um direito relacionado com a cultura e que depende da abstenção do Estado. Então, na verdade, o papel do Estado não é só o de promover e incentivar, em alguns momentos é de abstenção. Assim, não podemos falar, no âmbito dos direitos culturais, que o Estado tem um único tipo de papel. Eles são diversos, ainda mais quando tratamos de um tema tão dinâmico, quanto o tema de cultura. Mesmo na situação do papel de promotor e incentivador, verificamos mudanças que se adaptam de acordo com as necessidades dos grupos sociais que atuam no setor cultural.

Como dito, temos duas características que colaboram com a ideia de que a Constituição de 1988 é uma Constituição cultural. A primeira delas é o fato de ter uma seção específica para cultura, já comentada anteriormente. Agora, apresentaremos um pouco sobre a segunda característica, que é o fato de todos os títulos da Constituição tratarem sobre o tema da cultura.