A sala de aula é a cidade: conhecendo o discurso da modernidade goianiense por meio da construção do seu complexo arquitetônico em Art Déco
A presente intervenção resulta da percepção obtida durante as aulas de história, ministradas no Colégio Estadual Verany Machado de Oliveira, escola da rede básica de ensino em Goiânia-GO, de que é comum constatar que os conteúdos da referida disciplina se apresentam desarticulados dos contextos cotidianos, sobretudo aqueles relacionados com fatos e processos sociais que determinam a história da cidade e de seus lugares. Mediante os estudos realizados ao longo do curso de Especialização Latu Sensu Interdisciplinar em Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania (EIPDCC), ministrado pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Direitos Humanos e Cidadania, oferecido pela Universidade Federal de Goiás, foram oportunizadas reflexões acerca das relações intrínsecas existentes nas conexões que tangenciam a tríade patrimônio-cultura-identidade. Nesse contexto, tais reflexões foram associadas às práticas docentes, sobretudo as que se referem ao ensino dos conteúdos da disciplina de história. Assim, esta intervenção utilizou os patrimônios da cidade de Goiânia, os quais estão relacionados ao processo de transferência da capital do estado, ao estilo arquitetônico da Art Déco, e ao discurso da modernidade, para a realização de aulas que romperam com os espaços físicos da escola e que se aproximaram mais da realidade que se pretendia estudar. Para tanto, um grupo de alunos, da referida escola, foi levado ao Museu Pedro Ludovico Teixeira onde puderam entrar em contato com parte do passado goianiense por meio de patrimônios materiais. Para além disso, a dinamicidade da intervenção se deu, também, por meio das discussões/ações que nos levaram a pensar com criticidade sobre as relações de poder existentes na tríade patrimônio-cultura-identidade.
Palavras-chave: Patrimônio Material. Art Decó. Goiânia. Identidade.
Aluna: Herta Camila Cordeiro Morato
Polo: Uruaçu
Orientadora Acadêmica: Hertha Tatiely Silva
Coordenadora de orientação: Ivanilda Aparecida Andrade Junqueira
Anexos
1. INTRODUÇÃO
A percepção da ideia de que os conteúdos da disciplina de história ministrados em sala de aula, muitas vezes, são repassados aos alunos como se estivessem fora da realidade, fazem emergir a velha questão: a história como disciplina estanque e não relacionada aos contextos presentes de forma crítica e construtiva. Diante de alguns diagnósticos a partir de análise das aulas que eu ministro no Colégio Estadual Verany Machado de Oliveira, percebi, então, que uma das dificuldades demonstradas pelos educandos é a de enxergar que o hoje é fruto de um processo histórico construído a partir das ações dos sujeitos, das relações culturais, políticas e identitárias que se estabeleceram e se estabelecem no tempo e no espaço.
Portanto, dessa realidade, emerge a concepção de que se torna necessário promover aulas de história que rompam com as barreiras da sala de aula e levem os alunos para uma metodologia didático-pedagógica dinâmica e prática tangenciada por um viés crítico em que o conhecimento possa ser construído de forma coletiva e ser, efetivamente, socializado.
Trazer as discussões sobre a construção dos patrimônios históricos de uma cidade para dentro da sala de aula é uma das possibilidades de tratar, de forma crítica com os alunos, que os mesmos são constituídos por valores e relações identitárias, as quais são, também, construções históricas. Desta feita, pode-se explorar o patrimônio arquitetônico da cidade, desde o seu processo de construção até a forma como a população interage com a sua existência.
45Nas discussões acerca do sentido existencial do patrimônio, Marly Rodrigues afirma que este
“... passou a constituir uma coleção simbólica unificadora, que procurava dar base cultural idêntica a todos, embora os grupos sociais étnicos presentes em um mesmo território fossem diversos. O patrimônio passou a ser, assim, uma construção social de extrema importância política”. (RODRIGUES, 2003, p. 15).
A inferência política abarcada pela referida autora nos interessa na composição da presente intervenção uma vez que contribui para um entendimento de que os patrimônios são construídos a partir de intencionalidades.
No intento dessas discussões, esta intervenção foi construída a partir da visitação ao centro da cidade de Goiânia, especificamente ao Museu Pedro Ludovico Teixeira, tendo como um de seus objetivos criar análises acerca do discurso da modernidade materializado no processo de transferência da capital do Estado de Goiás expresso no estilo arquitetônico Art Déco. Para tanto, o projeto foi realizado levando um grupo de alunos do Colégio Estadual Verany Machado de Oliveira, situado na periferia da cidade, a este local.
Com isso, o patrimônio emerge em nossas análises em decorrência do entendimento de que é constituído por valores e relações identitárias que são construídos historicamente. A relação de patrimônio e história é intrínseca, ressaltando-se que
Assim, aquilo que é considerado patrimônio histórico é resultado de uma série de escolhas das pessoas do presente a partir de diversas noções. Dentre essas noções, está a ideia de identidade. Na maioria das vezes, a preservação de algo está relacionada à identidade de determinado grupo, seja local, ou até internacional. (CANO; OLIVEIRA; ALMEIDA; FONSECA, 2012, p. 92).
Para além disso, ressalta-se que as análises sobre patrimônio promovem oportunidades de pensar de forma crítica a própria constituição da cidade. Dessa forma, os estudos sobre o município passam a ser indispensáveis para entender a história de um povo. De acordo com Paula:
Os estudos urbanos vêm, nos últimos anos, ganhando uma maior atenção por parte dos historiadores, não só pelo fato de que, ao estudar as cidades, é possível perpassarmos diversos períodos e acontecimentos históricos, mas, sobretudo, porque ao explorar esse tema é possível compreender sutilezas da realidade cotidiana e das vivências dos múltiplos atores que ali circulam (e circularam), compondo cenários baseados na “diversidade econômica, ambiental, cultural, urbanística, arquitetônica, política e social (PAULA, 2006, p. 21).
Ademais, essa intervenção é, também, uma forma para se pensar na prática docente como uma tarefa realmente desafiadora em que, muitas das vezes, temos que aprender a aprender em um processo democrático e participativo. Muito se fala na formação de um aluno crítico e participativo, capaz de atuar de forma positiva na construção do meio social em que está inserido. Essa é uma das prerrogativas desse projeto.
2. O PODER DISCURSIVO DO PATRIMÔNIO E SUA RELAÇÃO COM A TRÍADE: CULTURA, IDENTIDADE E SENTIMENTO DE PERTENÇA
Em “O porvir do passado”, Nestor Garcia Canclini evoca os patrimônios culturais como discursos de poder que atendem aos intentos da construção de uma identidade nacional. O referido autor trata o patrimônio como algo constituído por meio dos poderes estabelecidos. Estes poderes, por sua vez, privilegiam determinados aspectos e excluem aquilo que não atendem ao perfil da identidade que se objetiva construir.
46Neste contexto, o patrimônio fala. Porém, essa fala é direcionada e institucionalizada. A interação do povo com o patrimônio é construída para que este se torne vivo e a memória presente no presente. A palavra porvir significa aquilo que virá para o futuro, nesse sentido, podemos pensar que o porvir do passado é o próprio passado no presente. Por meio do patrimônio, o passado deve falar no presente e as pessoas devem ser levadas a se identificarem com as narrativas que o patrimônio almeja expressar.
São justamente essas questões que devemos problematizar. A eleição dos patrimônios não se deu por um processo democrático. Elegeram-se determinados aspectos em detrimento de outros. Assim, pode-se questionar: como englobar, nesse contexto, a diversidade que a própria cultura traz em si? É justamente nesse aspecto tradicionalista que Canclini (2011) observa uma crise e afirma:
Ainda que o patrimônio sirva para unificar cada nação, as desigualdades em sua formação e apropriação exigem estudá-lo também como espaço de luta material e simbólica entre as classes, etnias e grupos. Esse princípio metodológico corresponde ao caráter complexo das sociedades contemporâneas. Nas comunidades arcaicas quase todos os membros compartilhavam os mesmos conhecimentos, tinham crenças e gostos semelhantes, um acesso aproximadamente igual ao capital cultural comum. Na atualidade as diferenças regionais ou setoriais, originadas na/pela heterogeneidade de experiências e pela divisão técnica e social do trabalho, são utilizadas pelas classes hegemônicas para obter uma apropriação privilegiada do patrimônio comum. Consagram-se como superiores certos bairros, objetos e saberes porque foram gerados pelos grupos dominantes, ou porque estes contam com a informação e formação necessárias para compreendê-los e apreciá-los, quer dizer, para controlá-los melhor. O patrimônio cultural funciona para reproduzir as diferenças entre os grupos sociais e a hegemonia dos que conseguem um acesso preferencial à produção e à distribuição dos bens. Para configurar o culto tradicional, os setores dominantes não apenas definem que bens são superiores e merecem ser conservados; também dispõem dos meios econômicos e intelectuais, do tempo de trabalho e de ócio para imprimir maior qualidade e refinamento. Nas classes populares encontra-se às vezes extraordinária imaginação para construir suas casas na periferia com lixo, usar as habilidades manuais conseguidas com seu trabalho e dar soluções técnicas apropriadas a seu estilo de vida. Mas dificilmente esse resultado pode competir com o daquele que dispõem de um saber acumulado historicamente, contratam arquitetos e engenheiros, contam com amplos recursos materiais e a possibilidade de confrontar seus projetos com avanços internacionais (CANCLINI, 2011. p. 195-196).
O sentido abarcado por Canclini (2011) reforça o sentido uniformizador do patrimônio constituído pelo poder hegemônico no processo da construção identitária de “uma” cultura. Esse se refere ao “mal-estar” trazido pela modernidade que se refere à fragmentação do sujeito. Nesse contexto, a identidade não passa a ser o que nos diferencia e sim o que nos identifica enquanto grupo, enquanto parte de uma cultura.
Dessa feita, nas análises que relacionam patrimônio e cultura faz-se necessário pensar nas relações identitárias, sobretudo quando se busca uma avaliação crítica. É isso que fica exposto no pensamento de Canclini (2011). Por mais que um patrimônio seja constituído a partir de relações de poder de uma hegemonia que se manifesta naquilo que nos é dado como válido e legítimo, ainda há de se pensar sobre o poder de criação dos grupos humanos que estão à margem desse processo. Daí a relação de pluralidade na cultura, ou seja: a cultura não seria plural se não houvesse o real poder criativo humano dado para além daquilo que está posto enquanto discurso legitimado, mesmo que estas ainda permaneçam nas margens.
47Nessa reflexão pode-se pensar, também, a partir das inferências de Bauman (2005), quando este teórico propõe que a identidade não necessariamente está relacionada ao sentimento de pertença, não quando a identidade é gestada numa relação em que o poder hegemônico cria os dispositivos de uma cultura, de uma identidade que passa a ser “imaginada”. Sobre isso o autor afirma:
A ideia de “identidade”, particularmente de “identidade nacional”, não foi “naturalmente” gestada e incubada na experiência humana, não emergiu dessa experiência como um “fato da vida” auto-evidente. Essa idéia foi forçada a entrar na Lebenswelt (mundo em que vivemos) de homens e mulheres modernos- e chegou como uma ficção. Ela se solidificou como um fato, num dado precisamente porque tinha sido uma ficção, e graças à brecha dolorosamente sentida que se estendeu entre aquilo que essa idéia sugeria, insinuava ou impelia, e ao status quo ante (o estado das coisas que precede a intervenção humana, portanto, inocente em relação a esta). A idéia de “identidade” nasceu da crise do pertencimento e do esforço que esta desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o “deve” e o “é” e erguer a realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela idéia- recriar a realidade à semelhança da idéia (BAUMAN, 2005, p. 26)
2.1 UM BREVE RESUMO SOBRE O ESTILO ARQUITETÔNICO DA ART DÉCO
É no período entre guerras (Primeira e Segunda Guerra Mundial) que o estilo arquitetônico e de designe denominado Art Déco é desenvolvido na Europa, especificamente na França, entre os anos de 1925 e 1939. O traçado remonta a desenhos industriais e deriva de movimentos como o Cubismo, Modernismo, Bahaus, Art Nouveau e Futurismo.
É durante a Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, realizada em Paris, em 1925, que esse estilo se populariza e se lança para fora do continente europeu.
A art déco apresenta-se de início como um estilo luxuoso, destinado à burguesia enriquecida do pós-guerra, empregando materiais caros como jade, laca e marfim. É o que ocorre, nas confecções do estilista e decorador Paul Poiret, nos vestidos "abstratos" de Sonia Delaunay (1885 - 1979), nos vasos de René Lalique (1860 - 1945), nas padronagens de Erté. A partir de 1934, ano de realização da exposição Art Déco no Metropolitan Museum de Nova York, o estilo passa a dialogar mais diretamente com a produção industrial e com os materiais e formas passíveis de serem reproduzidos em massa. O barateamento da produção leva à popularização do estilo que invade a vida cotidiana: os cartazes e a publicidade, os objetos de uso doméstico, as jóias e bijuterias, a moda, o mobiliário etc. Se as fortes afinidades entre arte e indústria e entre arte e artesanato, remetem às experiências imediatamente anteriores da Bauhaus, a ênfase primeira na individualidade e no artesanato refinado coloca o art déco nas antípodas do ideal estético e político do programa da escola de Gropius, que se orienta no sentido da formação de novas gerações de artistas de acordo com um ideal de sociedade civilizada e democrática. (Disponível:http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo 352/art-deco - Enciclopédia Digital Itau Cultural. Acesso: 02/03/2015.
De forma sucinta, pode-se destacar que as principais características da Art Déco são:
Informações disponíveis no sítio eletrônico http://tipografos.net/designers/art-deco.html. Acesso em 20/03/2015.
Linhas circulares ou retas estilizadas;
Ecletismo – busca de uma nova arquitetura através do passado – arte barroca, bizantina, egípcia, grega, entre outras.
Uso de formas geométricas;
Formas femininas e animais são as mais trabalhadas;
Influências do construtivismo, futurismo e cubismo;
Design abstrato.
2.2 A ART DÉCO EM GOIÂNIA E SUA RELAÇÃO COM O DISCURSO DA MODERNIDADE
Em 24 de outubro de 1933, Pedro Ludovico Teixeira, então prefeito da capital do Estado de Goiás, lançou a pedra fundamental para a construção de Goiânia. O escolhido para dar forma ao projeto foi Attílio Corrêa Lima, arquiteto urbanista que teve sua formação acadêmica na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), na cidade do Rio de Janeiro, e no Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris, França.
A transferência da capital do estado ocorreu sob os intentos políticos da década de 1930 expressos pelo governo de Getúlio Vargas. À época, buscava-se a ocupação e desenvolvimento econômico do interior do Brasil, fato que recebeu o nome de Marcha para o Oeste. Nas justificativas para a transferência da capital goiana à Cidade de Goiás, antiga Vila Boa, era apresentada como entrave para o desenvolvimento econômico e populacional dada as questões geográficas e de infraestrutura que se apresentavam como impedimentos para o desenvolvimento pretendido. Goiânia surge, assim, como uma cidade planejada. De acordo com Chaul,
A modernidade para os arautos de 30 consistia no progresso do Estado, por meio do desenvolvimento da economia, da política, da sociedade e da cultura regionais. [...] a representação da modernidade se edificava em oposição ao passado que encarnava a decadência e o atraso de Goiás ao longo de sua história. (CHAUL 1997, p. 149).
O projeto da construção de Goiânia era explicitamente modernizador. Em seu encalço estavam a industrialização, o desenvolvimento da malha viária, entre outros. Dessa feita, a nova capital teria que surgir com formas que materializassem esses intentos. As oposições cidade x campo, industrial x agrário encontraram nos traçados urbanos um meio para justificar a necessidade do desenvolvimento. Assim, os traçados da Art Déco foram os escolhidos para dar as formas dos principais prédios da cidade, ao ponto que a cidade de Goiânia ficou conhecida como principal sítio de Art Déco da América Latina.
É no estilo futurista e relacionado à industrialização que o traçado da Art Déco contribuiu de forma decisiva para a construção dos traçados de Goiânia. Essa cidade planejada nascia sob a égide de promessas de um futuro envolto do desenvolvimento econômico e social, da ruptura com a “velha” forma de se fazer política, ou seja: aos moldes do coronelismo.
2.3 O TOMBAMENTO PATRIMONIAL DO COMPLEXO ARQUITETÔNICO EM ART DÉCO EM GOIÂNIA
Os patrimônios histórico-culturais de Goiânia abordados nesse estudo passaram pelo processo de tombamento no ano de 1982 sob o Despacho nº 1096/1982 (Processo CEC 302/81) e Decreto nº 4943/1998 (Processo 16204654) . São eles: Praça Cívica, Centro Cultural Marieta Telles, Museu Pedro Ludovico Teixeira, Monumento das Três Raças, Coreto, Museu Zoroastro Artiaga, Prédio do Grande Hotel, Relógio da Av. Goiás, Estação Ferroviária e Teatro Goiânia.
Informações disponíveis no sítio eletrônico http://www.sgc.goias.gov.br/upload/arquivos/2012-10/planilha-bens-tombados-pelo-estado-de-goias---2012.pdf. Acesso: 20/03/2015
No contexto da sua construção, esteve notória a necessidade de se colocar nas edificações as mensagens da modernidade. Dessa forma, assim como a capital foi planejada, os seus principais patrimônios também foram. Fica posto, então, que Goiânia nasceu sob os auspícios de uma cidade moderna e dinâmica.
49Conjectura-se que o papel que o estado assumiu nesse processo foi de uma interferência direta na construção desse discurso ao escolher e orientar os traçados do que foi considerado como seu patrimônio. Nesse sentido, o patrimônio tornou-se as lentes pelas quais se objetivou que a cidade fosse vista. Mais uma vez a cultura nascida da interação multicultural, da diversidade, foi negligenciada. Nessa manifestação patrimonial fica evidente que o modelo cultural legitimado teve como referências os paradigmas europeus.
3. METODOLOGIA
Esta intervenção teve por objetivo trazer o dinamismo para as aulas da disciplina de história na abordagem de temas que privilegiam interação dos alunos com a cultura e a história que os cercam. A metodologia utilizada se efetivou por meio de uma pesquisa-ação constituída na visitação dos monumentos do centro histórico de Goiânia, em especial ao museu Pedro Ludovico Teixeira. Durante a visitação, os alunos realizaram registros fotográficos e escritos e, posteriormente, construíram um relato da experiência que tiveram em participar de uma aula da disciplina de história, cujo conteúdo abordado teve como centralidade o processo de transferência da capital do Estado de Goiás e o discurso da modernidade materializado no estilo arquitetônico da Art Déco, a qual foi ministrada fora dos limites físicos da escola.
3.1 AS ETAPAS DA INTERVENÇÃO
O processo da intervenção ocorreu nas seguintes etapas:
1ª: Aula de história expositiva acerca do processo de transferência da capital do Estado de Goiás e a utilização do estilo arquitetônico de Art Déco como forma de materializar o caráter modernizador da mudança da capital.
2ª: Discussão dos conceitos de patrimônio, cultura e identidade e suas inter-relações.
3ª: Visitação ao complexo arquitetônico da Praça Cívica e ao Museu Pedro Ludovico Teixeira, Goiânia-GO.
4ª: Realização de registros escritos e fotográficos dos ambientes visitados.
5ª: Produção de mapas mentais do centro da cidade.
6ª: Aula expositiva para comunidade escolar do Colégio Estadual Verany Machado de Oliveira para relato da ação da visitação.
3.2 A INTERVENÇÃO
O processo da intervenção começou em 11 de maio de 2015. Foi feito um convite aos alunos do 2º e 3º ano do turno noturno do Colégio Estadual Verany Machado de Oliveira para que participassem da visita ao centro arquitetônico da Praça Cívica, em Goiânia, e em especial ao Museu Pedro Ludovico Teixeira. Nesse primeiro momento, aos alunos que manifestaram o interesse em participar da intervenção foi ministrada uma aula sobre a história de Goiás com a temática da transferência da capital do estado relacionando-a ao discurso da modernidade. Nesta oportunidade, foi promovida uma discussão acerca do patrimônio e sua relação com a formação identitária.
A referida aula serviu como alavanca para despertar o interesse dos alunos em sair dos limites físicos da escola e participar da intervenção aqui proposta. Ressalta-se que o grupo de alunos que se dispuseram a fazer parte da atividade o fez de forma eminentemente voluntária, custeando, inclusive, a ida até o centro da cidade. Não houve uma promoção por parte da escola para a realização da visitação, por outro lado houve o apoio para trabalhar a proposta no ambiente escolar.
50Por questões práticas, tendo em vista que este grupo de alunado é composto essencialmente por trabalhadores, a visita ficou acordada para ser realizada no dia 14 de maio de 2015, um domingo, para às 9 horas da manhã, tendo como ponto de encontro o Teatro Goiânia. Mesmo tendo negociado o dia e o horário, o grupo de alunos que pode efetivamente comparecer à visitação foi composto de 7 alunos, sendo 4 estudantes do 2º ano e 3 estudantes do 3º ano do ensino médio.
3.3 DIÁRIO DE BORDO DA VISITAÇÃO AO COMPLEXO ARQUITETÔNICO EM ART DÉCO DO CENTRO DE GOIÂNIA E AO MUSEU PEDRO LUDOVICO TEIXEIRA
No presente tópico busca-se apresentar o roteiro e a metodologia empregada durante a visitação ao Museu Pedro Ludovico Teixeira por meio de um formato descritivo de cada ação.
Ação 1. Nos encontramos pontualmente às 9 horas da manhã do dia 14 de maio de 2015 na porta do Teatro Goiânia. Além dos alunos, o professor de História, Jorge Luís Ferreira, acompanhou a visitação. A intenção da sua participação foi ampliar e enriquecer as discussões propostas. Com o grupo reunido, seguimos até a Praça Cívica, onde procuramos um ponto de parada para compartilharmos um café da manhã. Passamos pelo Obelisco e pelo Coreto antes de seguirmos adiante. A Praça Cívica encontrava-se em reforma, assim nossa primeira visitação ficou restrita ao exterior da praça.
Ação 2. Por volta das 9h30 chegamos ao Museu Pedro Ludovico Teixeira. Fomos atendidos pela funcionária Alenita, que trabalha há 24 anos no local. Como nos foi informado por ela, os grupos visitantes são variados. Porém, há certa constância na presença de acadêmicos dos cursos de Arquitetura e História.
Na visita pela casa estabelecemos um diálogo profícuo. A guia que nos acompanhou contextualizou historicamente o espaço visitado, desde a concepção da transferência da capital, o caráter modernizador do projeto, até a sua relação com o estilo arquitetônico em Art Déco, bem como os aspectos da biografia e intimidade de Pedro Ludovico Teixeira, como por exemplo o gosto pela leitura e música. Também muito se falou sobre a sua esposa, dona Gercina Borges, a qual teve sua imagem construída como a de uma companheira que esteve sempre ao lado de seu esposo.
Com base nas falas dos alunos, pude perceber que estes se interessaram verdadeiramente pela visita. Eles se atentaram pelos objetos da casa, sempre comparando com o presente por meio de exclamações: “olha como eram a geladeira, fogão, telefone, aparelho de som (gramofone)”, entre outros. As observações foram interessantes uma vez que revelaram um caráter de descoberta e reflexões.
Ao finalizar a visita, propus ao grupo que fossemos até o Bosque dos Buritis para conversarmos sobre o que foi visto, saber sobre as impressões obtidas pelos alunos. Estes tiveram um tempo para fazer o registro escrito das suas respostas, as quais compartilhamos em uma discussão com o grupo.
Esse exercício foi muito importante porque foi um momento de reflexão em que todos os participantes expressaram suas ideias demonstrando que realmente estavam inteirados ao que estava sendo trabalhado.
Particularmente, em poucos momentos em sala de aula vivi, enquanto docente, uma experiência assim. Em sala, muitas vezes, as relações estabelecidas são tencionadas por fatores que variam desde a indisciplina ao desinteresse aos conteúdos ministrados e isso torna-se extremamente prejudicial, uma vez que compromete a qualidade do processo de ensino e aprendizagem.
514. CONCLUSÃO
A intervenção foi finalizada com três ações, a saber: a produção de mapas mentais sobre o centro visitado, a realização de um questionário estruturado sobre a ação e um diálogo com o grupo escolar do Colégio Estadual Verany Machado de Oliveira com a exposição de todas as ações realizadas durante o projeto. Para concluir o trabalho, parto do questionário respondido pelo aluno André Pereira de Almeida Filho, 18 anos, aluno do 3º ano do ensino médio, a fim de compor as considerações finais.
1) O que você considerou importante na visita ao centro histórico de Goiânia e ao Museu Pedro Ludovico Teixeira?
André: “Tudo o que vimos foi bastante importante, a riqueza dos detalhes nos móveis, nas roupas, peças de uso importante e pessoal de Pedro Ludovico Teixeira e sua família. Também tivemos grandes informações de seus atos, projetos e obras realizadas, tais como a mudança de Goiás Velho para Goiânia tornando-se capital do estado. A história de vida dele, suas mudanças, viagens e ideias também nos passou bastante informações da época e dos acontecimentos passados”.
2) Como você se relaciona com os patrimônios da sua cidade?
André: “Não tenho muito a falar sobre os acontecimentos que ocorrem no centro de Goiânia e nesses monumentos culturais, como o Teatro Goiânia, o museu em questão e os parques que visitamos. A primeira opção é a que fica, e pudemos vivenciar no domingo na casa do Pedro Ludovico Teixeira e nos outros dois monumentos que visitamos foi que eles são muito ricos em informações sobre nossa cidade quando ainda estava em construção, e que quem vive perto adquire mais conhecimento e se torna mais entendido sobre o que relata nas informações dos locais visitados.
3) Você tinha conhecimento da existência do patrimônio visitado? Se sim, como essa informação chegou até você? Se não, a que você atribui a falta de informação?
André: “Não. Atribuo à falta de interesse das pessoas em conhecer e visitar esses locais, pois nem pagar é preciso, e os parques e as praças são abertos a todo público, claro que se torna mais difícil para a massa, pois vivem trabalhando e quase não sobra tempo para o lazer”.
4) Você considera importante a escola proporcionar visitas aos patrimônios históricos de sua cidade? Justifique sua resposta.
“Sim, é bastante importante a escola e os professores promoverem esses passeios para os alunos, pois muitos nem sabem de sua existência. Assim, eu não sabia, e adquirimos conhecimento quando temos essas aulas diferenciadas”.
A fala do aluno é pertinente para pensar a prática docente, o papel da escola na formação do indivíduo enquanto cidadão e o acesso à própria cidade. No contexto de sua fala, fica perceptível a forma como o tempo do trabalhador condiciona e limita as práticas e interações culturais. A própria quantidade de alunos que puderam participar da intervenção é reveladora disso: apenas 7 (sete) alunos, de fato. E muitos que queriam, afirmaram não poder ir porque estariam trabalhando. Ademais, o aluno percebe que a falta de informação e incentivo (no sentido de despertar o interesse) são cruciais para que não se estabeleça uma relação de proximidade com a cultura local.
52É neste ponto que se torna primordial o papel desempenhado pela escola e os professores. O processo educativo revela-se enquanto mediador: os conteúdos trabalhados em sala de aula para serem, efetivamente, apreendidos devem estar relacionados às práticas, vivências e experiências cotidianas. É, eminentemente, por essa via que conseguiremos o tão almejado objetivo de, além de informar, proporcionar aos nossos alunos condições para que eles se formem enquanto cidadãos críticos e capazes de agir e interagir com a realidade que os cerca e que estão imersos.
Considero que esse projeto de intervenção atingiu os objetivos de promover uma aula da disciplina de história em que o patrimônio da cidade, neste caso Goiânia, fosse explorado. A abordagem que foi proposta assumiu um caráter crítico em relação ao patrimônio associando-o a discursos de poderes institucionalizados politicamente, tendo como tela o processo de transferência da capital de Goiás e o “discurso da modernidade”.
Como desdobramento das ações aqui apresentadas, fica a proposta de que sejam agregados ao Plano Político Pedagógico das escolas ações regimentadas que garantam a realização de aulas para além de seus muros. Por fim, agradeço a todos que colaboraram com essa proposta, em especial aos alunos, ao professor Jorge Luís Ferreira e à direção e coordenação pedagógica do Colégio Estadual Verany Machado de Oliveira.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Editora da USP, 2011.
CANO, Márcio Rogério de Oliveira (Coord.); OLIVEIRA, Regina de Soares; ALMEIDA, Vanusia Lopes de; FONSECA, Vitória Azevedo. A reflexão e a prática no ensino de História. 1. ed. São Paulo: Blucher, 2012.
CHAUL, N. F. Caminhos de Goiás: da construção da decadência aos limites da modernidade. Goiânia: Ed. UFG, 1997.
MANSO, Celina Fernandes Almeida (Org.). Goiânia Art Déco: acervo arquitetônico e urbanístico – dossiê de tombamento. Goiânia: Instituto Casa Brasil de Cultura, 2010.
PAULA, João Antônio de. As cidades. In: BRANDÃO, Carlos Antônio Leite (Org.). As cidades da cidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. p. 21-33.
ROBRIGUES, Marly. Preservar e consumir: o patrimônio histórico e o turismo. In: FUNARI, Pedro Paulo; PINSKY, Jaime. (Orgs.). Turismo e patrimônio cultural. São Paulo: Contexto, 2003.
ITAU CULTURAL, Enciclopédia Digital. Disponível em http://www.enciclopedia .itaucultural.org.br. Acesso: 02/03/2015
SOCIEDADE GOIANA DE CULTURA. Disponível em: http://www.sgc. goias.gov.br/upload/arquivos/2012-10/planilha-bens-tombados-pelo-estado-de-goias---2012.pdf. Acesso em 20/03/2015
Site: http://tipografos.net/designers/art-deco.html. Acesso em 20/03/2015