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Falando Sério Sobre Patrimônio

Este trabalho de conclusão do curso de especialização interdisciplinar em Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania (EIPDCC) da Universidade Federal de Goiás (UFG), na modalidade a distância, tem por finalidade despertar nas crianças e adolescentes do ensino fundamental I da Instituição Lar São José, para a importância da preservação de nossa história. Tais ações foram desenvolvidas quando passamos a perceber que é a partir da valorização do nosso passado que lapidaremos uma identidade clara, sabendo o porquê de várias indagações e, a partir deste momento, podemos lutar pelo respeito e manutenção desta mesma identidade, sem deixar espaço para degradadores nem para um processo predador de aculturação. Por meio da metodologia utilizada, foi possível promover uma ação pedagógica para disseminar a noção de patrimônio, contribuindo para seu entendimento e sua preservação. Possibilitando aos envolvidos adquirirem conhecimentos acerca de suas heranças patrimoniais e culturais, para exercerem a cidadania, reconhecerem e valorizarem o lugar em que estão inseridos.

Palavras-chave: Apropriação. Cultura. Intervenção. Patrimônio.

Aluna: Fernanda Alcântara Pinheiro Moraes

Polo: Cidade de Goiás

Orientadora Acadêmica: Lucinete Aparecida de Morais

Coordenadora de orientação: Simone Rosa da Silva

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho é o resultado do curso de especialização interdisciplinar em Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania (EIPDCC), na modalidade a distância, da Universidade Federal de Goiás (UFG), coordenado pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos (NDH/UFG). O projeto de intervenção foi voltado para a valorização do patrimônio histórico cultural, sendo pré-requisito para conclusão do curso.

O trabalho intitulado Falando sério sobre patrimônio, buscou apreender o conhecimento das crianças e adolescentes no que se refere às questões patrimoniais, além de disseminar a noção de patrimônio, contribuindo para seu entendimento e sua preservação.

A Cidade de Goiás é reconhecida mundialmente como patrimônio histórico da humanidade, posto que sediou uma fase importante da história de construção do Estado de Goiás, com grandes rebatimentos na realidade brasileira. A cultura é um patrimônio importante de um povo, porque resulta dos conhecimentos compartilhados entre as pessoas de um lugar, e vai passando e sendo recriada, de geração em geração. A apropriação desse patrimônio fortalece a relação das pessoas com suas heranças, estabelecendo um melhor relacionamento destas com estes bens, percebendo sua responsabilidade pela valorização e preservação do patrimônio, fortalecendo a vivência real com a cidadania, num processo de inclusão social.

Vale ressaltar que a caracterização ampliada da cultura, definiu o patrimônio como produções de artistas, arquitetos, músicos, escritores e sábios, criações anônimas surgidas da alma popular e valores que dão sentido à vida. Nessa linha argumentativa, destaca-se a importância da preservação de obras materiais e não materiais que expressam a criatividade de um povo: a língua, os ritos, as crenças, os lugares e monumentos históricos, a cultura, as obras de arte e os arquivos e bibliotecas. Salienta-se que a "preservação" e o "apreço" pelo patrimônio cultural permitem aos povos a "defesa da sua soberania e independência". Daí a importância das crianças serem estimuladas a reconhecer e valorizar as identidades patrimoniais e culturais de sua região, pois é necessário que elas se sintam parte integrante do 9espaço onde vivem, sendo assim, protagonistas de sua própria história.

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O projeto de intervenção Falando Sério sobre patrimônio foi desenvolvido na Fundação Lar São José, que é uma instituição filantrópica, portanto, sem fins lucrativos, com personalidade jurídica própria e reconhecida como de Utilidade Pública Federal, Estadual e Municipal. Possui registro junto ao Conselho Nacional de Assistência Social, nº 033.548/38, e é portadora do Certificado de Filantropia nº 219.238/71, com sede à Rua Joaquim Rodrigues, nº 14, centro, Cidade de Goiás (GO). O Lar São José está sob a administração de uma equipe colegiada, que tem como presidente o Bispo Diocesano de Goiás, e é dirigido pelas Irmãs Dominicanas de Nossa Senhora do Rosário de Monteils. A instituição efetua um amplo trabalho pautado na pedagogia libertadora de Paulo Freire.

Para as ações do projeto partiu-se da seguinte questão: qual a compreensão das crianças do Lar São José sobre patrimônio histórico-cultural?

Imagem 1: Crianças ouvindo explicações sobre o projeto.
Foto: Elineide Damaceno

Segundo Parreiras, Grunberg e Monteiro (1999, pg.5): “a educação patrimonial é um instrumento de alfabetização cultural, que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido”. Portanto, essa citação possibilita compreender a importância de conhecer bens históricos e culturais, pois resgata parte do que é o passado de uma sociedade, abrindo-se assim possibilidades de compreender o presente, com vistas a ações no futuro.

Nos recônditos da memória residem aspectos que a população de uma dada localidade reconhece como elementos próprios da sua história, da tipologia do espaço onde vive, das paisagens naturais ou construídas. A memória, do ponto de vista de Jaques Le Goff (1990), estabelece um "vínculo" entre as gerações humanas e o "tempo histórico que as acompanha". Tal vínculo, além de constituir um "elo afetivo" que possibilita aos cidadãos perceberem-se como "sujeitos da história", plenos de direitos e deveres, os tornam cônscios dos embates sociais que envolvem a própria paisagem, os lugares onde vivem, os espaços de produção e cultura.

Portanto, a intervenção partiu do pressuposto de que as crianças e adolescentes devem adquirir o conhecimento acerca de suas heranças patrimoniais e culturais, sendo este fator essencial para o exercício da cidadania, tendo em vista que, ao possuir este saber, os meninos e meninas irão se empoderar-se e, assim, buscarão conhecer mais sobre o patrimônio que os cerca.

Imagem 2: Conversando sobre patrimônio.
Foto: Elineide Damaceno

2. DESENVOLVIMENTO

Para efetivar a intervenção, recorri à coordenação da Fundação Lar São José no intuito de buscar apoio para o projeto, que foi executado dentro da instituição, a fim de realizar uma mediação entre crianças, adolescentes, educadores sobre a valorização do patrimônio. Vale ressaltar que nesse trabalho entende-se a educação como um dos caminhos para a construção de valores, o desenvolvimento da ética e da cidadania.

As ações desenvolvidas no projeto envolveram as crianças e adolescentes em atividades, com vistas a despertar o interesse pelo patrimônio em que estão inseridas. Sendo assim, em um primeiro momento, foi realizada uma palestra com os educadores da instituição (conforme registram as figuras abaixo). A partir dessa experiência, evidenciamos que, de forma clara e objetiva, as crianças e adolescentes discorreram sobre o que é patrimônio cultural. Ao serem questionadas a respeito do conhecimento prévio sobre tema discutido observei que apresentaram, de forma espontânea, seus conhecimentos sobre patrimônio e destacaram a importância de preservá-lo.

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Imagem 3: Palestra sobre o tema.
Foto: Elineide Damaceno
Imagem 4: Palestra sobre o tema.
Foto: Elineide Damaceno

Também foram desenvolvidos trabalhos artísticos na área externa da instituição, em que as crianças e adolescentes produziram poesias, desenhos, teatros relacionados ao assunto. Como demonstram as figuras:

Imagem 5: Desenhos realizados sobre o tema.
Foto: Elineide Damaceno
Imagem 6: Trabalhos realizados sobre o tema.
Foto: Elineide Damaceno

A partir dessas figuras podemos denotar que o trabalho artístico possibilitou que as crianças e adolescentes resgatassem e valorizassem suas próprias raízes e identidade cultural, também pensassem na importância de preservá-las, resgatando as origens e tradições da comunidade. Verificou-se que, ao valorizar a sensibilidade, a memória e o lúdico, torna-se possível lançar um olhar mais cuidadoso para o cotidiano, resignificar a própria experiência e a do outro, dar espaço para o criativo, surpreendente e diferente, resgatar modos de pensar, agir e se relacionar que se pensavam esquecidos.

Percebeu-se que ao trabalhar com desenhos, trabalha-se com o repertório visual dos meninos e meninas, e isso promove a sua valorização e ampliação, sendo abordado um importante conteúdo educacional e cultural. Nesse caso, o desenho se configurou como uma vertente expressiva, criativa, prazerosa e se converteu em um canal para a preservação da memória, socialização, integração, compreensão das identidades e dos grupos, entre outros aspectos.                    

Nesse processo de valorização e preservação da cultura e do patrimônio histórico, foi explorado o uso das habilidades de cada um, respeitando a cultura individual, porque percebeu-se que em cada um existe a manifestação de pequenos grupos sociais com identificações próprias, hábitos e costumes singulares, confirmados através dos desenhos. No momento da leitura dos textos, ficou claro que o que é patrimônio para uns não o é para outros, mas foi destacado que é dever de todos, na coletividade, preservar.

Conforme Funari, “o patrimônio individual depende de nós, que decidimos o que nos interessa” (2006, pág. 09). A eleição do que é patrimônio é opção de cada indivíduo de acordo com seus interesses políticos e econômicos e o patrimônio coletivo depende das reflexões que a própria comunidade realiza para determinar os interesses comuns a todos. A casa, a rua, a escola, a família podem contribuir para o início dessa compreensão, entendendo como o individual contribui para o coletivo, envolvendo assim uma comunidade, uma associação de bairro, condomínio, gerando multiplicidade.
As atividades desenvolvidas exploraram a capacidade de cada criança e adolescente de compreender o que é patrimônio, seja ele imaterial ou material, para que no final o sujeito possa refletir criticamente e seja capaz de formular o conceito de patrimônio, despertando o interesse em conhecer mais os demais tipos existentes.

Imagem 7: Crianças lendo os textos escritos por elas sobre patrimônio.
Foto: Elineide Damaceno

Tendo em vista toda a apropriação das crianças e adolescentes sobre o que é patrimônio, após as atividades desenvolvidas supõe-se que as crianças e adolescentes adquiriram conhecimentos básicos sobre o assunto. A partir daí propomos um programa de rádio, onde as crianças pudessem trazer os conceitos formados durante a execução do projeto, formando o “balaio do patrimônio”. No programa, a ideia era contarmos com a presença de um representante do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para discorrer sobre o assunto nos termos científicos, possibilitando uma comparação entre sua explicação e o entendimento das crianças sobre patrimônio.

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O indivíduo é também constituído de memória natural, por isso, baseada nessa afirmação, busquei provocar interesse nos educandos para abordar o assunto patrimônio. Para Vygotsky (1994), a memória proporciona ao ser humano armazenar o conhecimento, seja ele consciente ou inconsciente, a assimilação se acomoda e passa a fazer parte do aprendizado de um indivíduo. Partindo dessa premissa, para a conclusão desse trabalho o programa de rádio proposto foi desenvolvido, visando levar a todos os ouvintes o conceito científico do que é patrimônio, por meio da secretária de Cultura e Turismo da Cidade de Goiás, Flávia Rabello, juntamente com os conhecimentos adquiridos pelas crianças.

A Fundação Lar São José iniciou em fevereiro de 2010 um programa de rádio com o projeto “Vozes das Crianças”, que tem a participação das crianças e adolescentes desta instituição, com o apoio da Rádio 13 de Maio, FM 105,9, da Diocese de Goiás. O programa vai ao ar todos os domingos das 10 às 11 horas e também é transmitido pela internet: www.radio13demaiofm.net.

O programa de rádio com o projeto “Vozes das Crianças” desenvolve ações junto às turmas do 1º ao 5º ano, visando à utilização da linguagem radiofônica no aprimoramento pedagógico das turmas, assim como de outras crianças e adolescentes de outras instituições, havendo o desenvolvimento do protagonismo e o treinamento de pequenos cidadãos.

A inserção do tema patrimônio no programa propiciou aos envolvidos um conhecimento específico acerca de dois pontos de vista. Primeiramente, a Flávia Rabello trouxe um olhar técnico a respeito do tema. Explicou seu conceito e a importância de conhecer para preservar. Em um segundo momento, as crianças trouxeram, de uma forma bem simples e correspondente ao seu cotidiano, o que seria patrimônio para elas. Foi um momento de compartilhar experiências e enriquecer aprendizado.

O Lar São José é uma instituição que tem como frente de trabalho a pedagogia libertadora de Paulo Freire, que foi um humanista de cultura pedagógica profundamente inovadora. Mas, acima de tudo, foi o criador e difusor de uma pedagogia libertadora, que tem como centro de referência o gênero humano na sua totalidade, em contato com os seus semelhantes e com a natureza. Objetiva a transformação da vida, através de uma educação libertadora, a partir dos espaços, vivências, experiências, culturas, sociabilidades dos oprimidos de todo o gênero. Propõe-se a educar a partir das experiências que as pessoas acumulam ao longo da vida, do que eles têm a dizer, a fazer e a projetar.

Neste contexto, educar não significa reproduzir conhecimentos pré-estabelecidos, induzir pessoas a incorporar valores que não têm a ver consigo, com sua comunidade e com mundo. Baseado nesta teoria buscou-se, por meio do programa de rádio, problematizar para os educandos a mediação do conhecimento e não entregá-lo, expressá-lo como algo já feito, acabado, terminado.

3. CONCLUSÕES

As atividades executadas fizeram parte de estratégias usadas por parte da proponente e/ou coordenadora desse projeto de intervenção, com vistas à compreensão das crianças e adolescentes do que é patrimônio e como valorizá-lo.          Nesse sentido, as atividades foram elaboradas visando trabalhar a memória afetiva e a valorização do conhecimento da história de cada indivíduo. Estabeleceu-se diálogos desses com meio em que vivem, buscando organizar o pensamento e apreender conhecimentos.

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No processo de encontro e desencontro e as devidas adaptações, verifiquei com satisfação o empenho e envolvimento das crianças e adolescentes no decorrer do projeto. Ficou evidente o comportamento colaborativo deles antes e durante as atividades.

Através da palestra, dos trabalhos artísticos e do programa de rádio, pude traçar um comparativo de compreensão da teoria, entendimento e apreensão do conhecimento sobre patrimônio demonstrado no seu processo criativo. O conhecimento em artes favoreceu a construção do saber pessoal que influencia no coletivo, por ser uma área com poder de encantamento, o que contribuiu para o desenvolvimento das potencialidades do educando dentro e fora da sala de aula.

O educar se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o outro e, ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais congruente com o do outro no espaço de convivência (Maturana, 1998, p. 29). Ao analisar e refletir sobre as experiências realizadas, conclui-se que sempre é possível provocar situações para que os sujeitos possam pensar e, pensando, tornarem-se autônomos e realizadores de ações de conscientização e preservação como cidadãos.

Nas conversas informais, já na sala de aula, os educandos expressavam-se como donos do lugar, pertencentes ao espaço ao seu redor, transmitindo informações relevantes e de importância ao projeto. Como, por exemplo, “aqui é a minha rua”, “ali mora minha irmã, esse é o meu lugar”, demonstrando capacidade de apropriação do que está próximo. Que as crianças e adolescentes, como cidadãos conscientes do seu espaço, possam chegar ao momento de meditar no sentimento de posse, herdeiro, não só do fragmento, mas do patrimônio cultural.

REFERÊNCIAS

FUNARI, Pedro Paulo de Abreu e PELEGRINI, Sandra de Cássia Araújo. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

DINIZ, Janguiê. A pedagogia da libertação. Disponível em: <http://www.blogdojanguie.com.br/a-pedagogia-da-libertacao>. Acesso em: 05 jun. 2015.

LE GOFF, Jacques. Documento/monumento. In:___. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão et al. Campinas: Editora da Unicamp, 1990.

MATURANA, Humberto. Linguagem, emoções e ética nos afazeres políticos. Tradução José Fernando Campos Fortes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998 – 1ª reimpressão. 

PARREIRAS, Maria de Lourdes Horta (Org.). GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia básico de educação patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1999, 66 p.

VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. 5. ed, São Paulo: Martins Fontes Editora Ltda, 1994.