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Elos Patrimoniais: Imaterial e Material, Cemitério e Museu (Cemitério São Miguel Cidade de Goiás- GO)

Este relatório técnico-científico foi desenvolvido com o objetivo de contribuir com as discussões que tratam de espaços não convencionais como potenciais patrimônios. Para tanto, traz a reflexão junto aos acadêmicos do curso de Turismo da UEG, e ao mesmo tempo discute-se o papel das políticas e dos gestores culturais diante desses novos olhares. Para esta intervenção pensada no cemitério São Miguel da cidade de Goiás, foram realizadas visitas, pesquisas, análises de documentos e entrevistas. A pretensão foi iniciar um debate junto às comunidades acadêmicas e gestores da cultura local sobre a arte funerária e a preservação do patrimônio no cemitério estudado. Apesar de serem considerados patrimônios em várias cidades do Brasil e do mundo, a valorização dos cemitérios como bem cultural, ainda é considerado um “tabu”, principalmente pela sua ligação com a morte, o que requer discussões amplas e educação patrimonial de forma efetiva e concreta com vários setores das comunidades envolvidas.

Palavras-chave: Patrimônio, Cidade, Cemitério, Museu.

Aluna: Dinaira Francisca da Costa Silva

Polo: Cidade de Goiás

Orientadora Acadêmica: Lucinete Aparecida de Morais

Coordenadora de orientação: Ivanilda Aparecida Andrade Junqueira

INTRODUÇÃO

O propósito deste relatório, resultado do projeto de intervenção desenvolvido na Especialização Interdisciplinar em Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania é discutir a patrimonialização dos espaços cemiteriais, e em especial, no cemitério São Miguel na cidade de Goiás. Nos seus quase três séculos de existência esta cidade foi palco de importantes momentos da história Regional e do Brasil. Muitos desses episódios e histórias dos personagens que as promoveram estão registradas em seu conjunto arquitetônico e em documentos textuais, mas outras ainda não. É nesse sentido que este trabalho se direciona: mostrar que os cemitérios não são só um espaço dos mortos, mas também, lugar de memórias, histórias, culturas e patrimônios. É apresentá-lo como um museu à espera do visitante e do turista para apreciar a beleza da arte existente ali.

Imagem 01 - Entrada do cemitério São Miguel.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015

A cidade de Goiás, por ter preservado ao longo dos seus anos grande parte da sua história patrimonial, recebeu da UNESCO em 2001 o título de Patrimônio da Humanidade. Muitas pessoas que viveram, construíram histórias, culturas e patrimônios, e que de certa forma foram personagens deste processo contribuíram em muito para este reconhecimento, e hoje suas identidades e memórias estão ali reveladas nos seus túmulos. Um exemplo é a poetisa Cora Coralina.

Imagem 02 - Túmulo da escritora Cora Coralina.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015

Nesse sentido, o cemitério pode ser visto como um museu aberto, que oferece um rico acervo onde também é possível conhecer a história e a cultura de um povo e de uma região, a partir do estudo e da análise do que compõe uma necrópole. Por possuir esses relevantes valores, alguns cemitérios no Brasil e no mundo já possuem esse reconhecimento. Apesar disso, esse assunto ainda é pouco difundindo e não apresenta a mesma preocupação e investimento que são dados aos museus de outras categorias.

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Historicamente o espaço museológico se caracterizou por constituir um espaço físico onde objetos são expostos como suportes para diversas frentes de estudo. No entanto,

A museologia, há décadas, deslocou o seu objeto de estudo dos museus e das coleções para o universo das relações: como a relação do homem e a realidade, do homem e o objeto no museu, do homem e o patrimônio musealizado; do homem com o homem, relação mediada pelo o objeto. Esse universo de relações deve ser enfrentado na perspectiva transdisciplinar dada a sua complexidade (CURY, 2009,p.29).

Ao se tratar de um cemitério, o objeto deve ser contextualizado. Assim, pretende-se trabalhar essa nova concepção de museu: e nessa ótica, o Cemitério São Miguel reúne características suficientes.

A cidade de Goiás foi fundada por Bartolomeu Bueno da Silva Filho (O Anhanguera), em 1727. Contudo, o cemitério São Miguel surge mais de um século depois, em 1842, quando o então presidente da província Francisco Ferreira dos Santos Azevedo propõe à Assembléia Provincial a criação de um cemitério para a capital, que receberá o nome de São Miguel.

As fontes pesquisadas não permitiram descobrir o que levou o Presidente da Província da época a determinar o nome do cemitério de São Miguel. Acredita-se que a causa tenha sido a influência da Igreja Católica, até porque a administração do mesmo ficou a cargo do Hospital São Pedro de Alcântara, subordinado à época à Santa Casa de Misericórdia.

Segundo as Sagradas Escrituras, Deus criou a terra, o céu e os anjos. O anjo São Miguel é honrado e invocado como guarda e protetor da Igreja e como guardião dos agonizantes, pois é ele quem leva as almas dos que deixam este mundo junto ao Trono de Deus, para o julgamento final. Dessa forma, a Igreja invoca-o como advogado de defesa na vida e na hora da morte. É possível que a justificativa para que o Cemitério tenha esse nome seja essa, adicionado a influência do contexto social católico da época.

Imagem 03 - Arcanjo São Miguel.
Fonte: Google Imagens/2015
Imagem 04 - São Miguel.
Fonte: Arquivo Frei Simão/2015

O cemitério São Miguel foi o primeiro a ser edificado no território goiano. Sua inauguração ocorreu em 13 de agosto de 1858. Durante mais de um século, as pessoas eram enterradas dentro das igrejas ou próximas a elas. Segundo historiadores e documentos, os mais pobres eram enterrados na Praça da Manchorra, ao relento, o que no documento é descrito como a parte alta da cidade, nas imediações do atual cemitério, também conhecido como “Campo da Forca”. Tal como está descrito:

Governo de Eduardo Olímpio Machado, 1849-1850:

... Como continuassem os cadáveres a ser enterrados no interior dos Templos ou nas imediações destes, determinou o Dr. Eduardo Olímpio que se construíssem os cemitérios, de acordo com a instrução do governo anterior (os pobres e os escravos eram inhumados, em Goiás, na parte alta da cidade, nas imediações do atual cemitério). (Presidentes e Governadores de Goiás. Joaquim Carvalho Ferreira. Goiânia: UFG, 1980, p. 24)

De 1858 até 1925, a responsabilidade da administração do cemitério ficou a cargo do Hospital São Pedro de Alcântara. A partir desta data, a Administração Pública municipal assume definitivamente o cemitério.

O objetivo principal deste trabalho é o de mostrar a funcionários do cemitério, alunos do curso de Turismo da UEG e Instituições culturais locais a importância da preservação, conhecimento e difusão dos patrimônios contidos no Cemitério São Miguel. Atendendo à proposta desta intervenção, foram estabelecidos como objetivos específicos:

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Sobre a metodologia do trabalho de intervenção, optou-se pela pesquisa-ação, adaptada ao fim interventivo. A opção por esta modalidade ocorreu por ser uma forma de observar de modo mais detalhado o objeto em tela: o Cemitério São Miguel. Para isto foram utilizados coleta de dados, visitas no local, entrevistas e pesquisas em Instituições.

O estudo de caso como modalidade de pesquisa é entendido como uma metodologia ou como a escolha de um objeto de estudo definido pelo interesse em casos individuais. Visa à investigação de um caso específico, bem delimitado, contextualizado em tempo e lugar para que se possa realizar uma busca circunstanciada de informações (VENTURA, 2007, p.02).

Esse estudo foi pautado pelo recolhimento de diferentes fontes sobre o Cemitério São Miguel, por visitas, imagens, entrevistas, pesquisas e atividades práticas, no período de outubro de 2014 a julho de 2015. As fontes documentais para a realização da pesquisa, que antecede a intervenção, foram coletadas em arquivos da Biblioteca Frei Simão, Museu das Bandeiras, Prefeitura Municipal, Secretaria de Cultura e Turismo do município de Goiás, Livro de Registros de Óbitos do Cemitério São Miguel, Site do IPHAN e da Prefeitura Municipal de Goiás.

Para responder aos objetivos supra mencionados, buscou-se durante o desenvolvimento do projeto de intervenção tecer comentários relacionados ao tema, fazendo a correlação entre a teoria e a prática. Para isso foram consultadas várias referências, todavia, os diálogos, discussões e suportes de maior embasamento foram realizados com os autores estudados nos módulos II, III e IV desta especialização, que tiveram como professores formadores das disciplinas: Drª Ivanilda Junqueira; Doutoranda Josiane Kunzler; Drª Vânia Dolores Estevam de Oliveira; Ms.Welbia Carla Dias, e Dr. Manuel Ferreira Filho.

Além do referencial teórico, foi necessário também um suporte legal em nível de Legislação do Estado e do Município de Goiás a respeito do assunto Esse conteúdo não estava referenciado nos módulos estudados, em virtude da especificidade do tema. A efetivação mais direta da intervenção ocorreu com os alunos do curso de Turismo da UEG da Cidade de Goiás. Por fim, descrevem-se as impressões, os resultados e os desafios do projeto relatados nas considerações finais.

1. DESENVOLVIMENTO

1.1 CIDADE DE GOIÁS, DE POVOADO A PATRIMÔNIO MUNDIAL: CEMITÉRIO SÃO MIGUEL UM PATRIMÔNIO DENTRE OUTROS PATRIMÔNIOS

Cidade palco de histórias e personagens importantes para a construção cultural e artística da sociedade goiana e nacional. Goiás foi o primeiro Núcleo Urbano fundado em território goiano. Assim também é o Cemitério São Miguel, o primeiro a ser edificado no Estado.

E hoje, onde estão esses personagens que fizeram e construíram patrimônios históricos, políticos, sociais e culturais? Espalhados nos registros biográficos, nos livros, na internet, nos museus individuais e outros nas memórias. Todavia, há um lugar coletivo onde um grande número deles se encontra. Esse lugar é o cemitério São Miguel. Mesmo que seja através de seus túmulos, estão ali mais “vivos” do que muitos, o que confere a esse espaço a característica de um museu coletivo — e é nesse aspecto que se direcionou o trabalho. A cidade de Goiás é “considerada como berço da cultura goiana”. E se a cidade é o berço, muito dessa cultura repousa em sono eterno no cemitério.

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Inicialmente, faz-se uma abordagem de como ocorreu a instalação do cemitério, suas ampliações, a arquitetura e arte funerária ali encontrada. O texto segue com uma análise dos bens imateriais e materiais disponíveis aos visitantes e a relação desse espaço como museu. Finalizamos com o relato da intervenção prática do projeto com os acadêmicos do segundo e terceiro ano do curso de Turismo da UEG.

1.2. A ORIGEM DA CONSTRUÇÃO DO CEMITÉRIO SÃO MIGUEL

No ocidente, as pessoas nobres da sociedade eram enterradas dentro das igrejas e os pobres e escravos aos seus arredores. Contudo, o crescimento urbano não mais permitia essa prática, e aliada a essa nova forma da geografia urbana, vem a doutrina sanitarista dizendo da necessidade de melhorar o quadro sanitário das cidades e o modo de vida de seus habitantes, combatendo as epidemias.

O tempo passa e o discurso ganha mais força. Um dos principais alvos das críticas dos membros da saúde era o sepultamento no interior das igrejas. Vários foram os documentos encontrados que faziam referencia à Construção do cemitério. Isso é o que revelam os documentos pesquisados, todos transcritos pela historiadora e arquivista Milena Bastos Tavares.

Não podendo a Camara Municipal desta Cidade construir pelas suas rendas hum Cemitério,continua se a enterrar os Corpos dos desgraçados no Campo da Forca, aonde naó há nem sequer huma cerca, que vede a entrada dos porcos, que continuamente entaó a fossar as sipulturas, de maneira que as vezes chegaó a apparecer os mesmos corpos, exalando sempre,e principalmente quando o Sol esta mais ardente, hum fétido terrivel, o que na verdade he bem prejudicial. Para evitar a continuaçaó destes terriveis inconvenientes peço-vos mui encarecidamente Decreteis desde ja a quantia de 200U000 reis, para formar hum Cemiterio em lugar proprio, para o qual seraó transferidos os ossos, que existirem no Campo da Forca, se elle naó for ali mesmo estabelecido fazer, com tudo naó me animo a pedir maior, naó só por conhecer o estado de nossas Rendas, como por estar certo de que naó faltará quem concorra para huma obra taó justa. Este Cemitério deve ficar a cargo do Hospital de Caridade, para nelle se enterrarem os Corpos dos desgraçados, e mesmo para outros quaesquer, mediante uma módica quantia, marcada pelo Governo Provincial, beneficio do mesmo Hospital” (Memórias Goianas 3, 1986,p. 209-10).

Como é possível perceber, o presidente da província na época, Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, propõe no ano de 1842 à Assembléia Provincial a criação de um cemitério para a capital, que receberá o nome de São Miguel. O Campo da Forca a que se refere o documento é a atual Praça da Manchorra, local que se enterravam os pobres e escravos. O lugar escolhido foi o lado esquerdo da Igreja Santa Bárbara. No documento também consta que devia-se construir uma capela e duas casas, uma para o administrador e outra para depositar os corpos. Estas casas não existem mais.

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...CEMITÉRIO

Antonio Basílio Serradourada, Zelador.

(Annuario Histórico, Geographico e Descriptivo do Estado de Goyaz para 1910. Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. BSB: SPHAN/8ª DR, 1987, pg. 34)

.. Tendo d’accordo com a junta do hospital de caridade resolvido mandar edificar ao lado esquerdo da estrada, que vai para a capella de Santa Barbara no lugar escolhido pela commissão, para isso nomeada, um cemiterio para fazer cessar os enterramentos nos templos da capital, e crear mais uma fonte de renda para o hospital, e havendo a junta, a quem foi presente a planta acompanhada do orçamento da obra feitos pelo engenheiro, declarado por officio de 29 de maio ultimo que annuia á construcção do cemitério, e que applicava para essa importante obra a quantia de 3:746$330 réis que a thesouraria das rendas provinciaes deve de dotação, pedindo por ultimo que a obra fosse feita sob as vistas da presidencia, a 9 de junho contractei, mediante as necessarias garantias, com o prestante tenente coronel José Rodrigues de Moraes a construcção do dito cemiterio, que deverá estar prompto o mais tardar até o ultimo de junho próximo futuro pela quantia de 5:293$412 réis em trez prestações, sendo as duas primeiras de 2:000$ réis cada uma, e terceira de 1:263$412 réis, e que os pagamentos serão feitos pela thesouraria das rendas provinciaes, a saber 3:746$330 réis que a mesma repartição deve de dotação ao hospital, e 1:517$082 réis pelas rendas provinciaes, quando o governo imperial não conceda algum supprimento, como já sollicitei em officio n° 39 de 30 de junho ultimo. O cemiterio segundo a planta deve ter uma capella, casa para deposito dos corpos, e outra para morada do administrador, e 2:400 sepulturas. Concluo o presente artigo assegurando-vos que os membros da junta de caridade pelo zelo com que cumprem seus deveres, são merecedores de todo o elogio. (Relatório apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de Goyaz pelo Presidente da Província Dr. Antonio Augusto Pereira da Cunha, 1856, pg. 10).

Embora a criação do cemitério tenha sido proposta pelo Presidente da Província, e mesmo com o discurso dos médicos alegando que essa prática trazia graves problemas de saúde à população, os enterramentos ainda continuavam nas igrejas e seus arredores. Até que em 06 de junho de 1850, esse tipo de enterramento tornou-se proibido, conforme a citação: “... Os enterramentos dentro das igrejas foram proibidos em 6 de Junho de 1850 pela Assembléia Legislativa Provincial.” (História de Goiás. Zoroastro Artiaga. Goiânia: 1959, pg. 220)

Diante de tal proibição, não havia alternativa. No entanto, a construção não aconteceu de imediato e a prática de enterrar dentro das igrejas continuava. Diante disso, o Governo de Eduardo Olímpio Machado determina a construção, como prescreve o seguinte documento:

Governo de Eduardo Olímpio Machado, 1849-1850:

... Como continuassem os cadáveres a ser enterrados no interior dos Templos ou nas imediações destes, determinou o Dr. Eduardo Olímpio que se construíssem os cemitérios, de acordo com a instrução do governo anterior (os pobres e os escravos eram inhumados, em Goiás, na parte alta da cidade, nas imediações do atual cemitério). (Presidentes e Governadores de Goiás. Joaquim Carvalho Ferreira. Gyn: UFG, 1980, pg. 24)

Inicialmente, determinou-se a construção do cemitério São Miguel. A obrigatoriedade para todos os demais lugares da Província só ocorreu em 22 de novembro de 1855.

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...Em 22 de Novembro de 1855 foi decretada a obrigatoriedade da construção de cemitérios em todos os lugares da província, traçando-se as regras dentro das quais deveriam ser construídos. Nos campos e cerrados deveriam ter profundas cêrcas de tapororóca para evitarem os animais que atacam os cemitérios. (História de Goiás. Zoroastro Artiaga. Goiânia: 1959, pg. 222)

Governo de Francisco Januário da Gama Cerqueira, 1857-1860:

... Coube-lhe, ainda, concluir a construção do Cemitério da cidade de Goiás, cuja bênção solene se realizou com a presença de autoridades e grande número de pessoas, a 13 de agosto de 1858. (Presidentes e Governadores de Goiás. Joaquim Carvalho Ferreira. Goiânia: UFG, 1980, pg. 30)

Finalmente o grande dia chegou. A inauguração ocorreu em 18 de agosto de 1858 de forma festiva, com banda de música e bênção solene.

1.3 ADMINISTRAÇÃO E MANUTENÇÃO DO CEMITÉRIO

A administração do Cemitério ficou sob a direção do Hospital São Pedro até o ano de 1925, depois a Administração Pública municipal assume permanecendo até os dias atuais.

Imagem 05 – Placa de Identificação.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015
Imagem 06 – Placa de Identificação.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015

No ano de 1927 o cemitério teve a sua primeira ampliação. Muitas outras vieram: A última e maior de todas ocorreu do seu lado norte na década de 90. Essa ampliação é denominada parte nova do cemitério. Atualmente, a área edificada é de 20.734 metros quadrados, possuindo um total de 40 quadras que se intercalam por ruas paralelas e perpendiculares. Sendo que 10 quadras da parte nova possuem 660 túmulos.

A entrada do cemitério foi reedificada e não possui mais as paredes de taipa da época da sua construção, a fachada imita o estilo colonial, apesar das janelas modernas. A rua principal leva ao cruzeiro e à Capela, que foi construída de barro socado, entre taipas, possui fundo curvado que ainda permanece. A edificação atual é composta pela sala da administração, banheiro, sala de velório, sala para realização de autópsia e duas ante salas, funcionando desde outubro de 2004.

Imagem 07 – Capela.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015
Imagem 08 – Cruzeiro.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015

O modelo de jazigo mais comum é a campa com base quadrangular. Nas cabeceiras dos túmulos encontram-se muitas esculturas de santos, anjos e bustos. Nos túmulos mais modernos e atuais, aparecem também esculturas e imagens, mas menores em tamanho e quantidade. Aparecem também decorações de animais, como cachorros e peixes, além de objetos como bola, caminhão, viola, e outros adereços que lembram o estilo de vida das pessoas.

O artesanato popular é marcante nos túmulos mais antigos, presente nos trabalhos em pedra-sabão, madeira e cerâmica, além das grades de ferro que cercam alguns jazigos valorizados pelos ornamentos florais.

Imagem 09 – Anjo.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015
Imagem 10 – Cachorro
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015
Imagem 11 – Busto.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015

Há ainda alguns túmulos ornados com características peculiares da região, como a utilização da técnica dos riscadores de mármore, uma artesania relevante pelo emprego de símbolos cristãos como a representação do cálice, do Sagrado Coração, da cruz, da coroa de espinhos e flores, da pomba e de cortinas semi-abertas. A pedra empregada, de tom cinza-claro com veios escuros e manchas róseas, é conhecida como "mármore de Sete Lagoas", e era encontrada em algumas regiões do estado de Goiás e do Triângulo Mineiro. Os jazigos mais antigos, que estão em ruínas, são de barro piloado e tijolões de adobe seguindo os mesmos processos de construção das igrejas (VALLADARES, 1972).

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Imagem 12 – Pomba.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015

A arborização do cemitério é constituída de palmeiras ao longo da rua principal e nas laterais paralelas ao muro.

Imagem 13 – Vista geral da parte nova.
Fonte: Arquivo pessoal da autora / 2015

O terreno que abriga o cemitério tem ao norte o Morro Cantagalo e a Igreja de Santa Barbara, ao sudoeste, a Serra Dourada, e ao sul, a vista geral da cidade.

1.4 O PATRIMÔNIO NO CEMITÉRIO SÃO MIGUEL

A presença de cruzes, de imagem de anjos, de santos, de epitáfios de cunho religioso, denota forte influência do catolicismo cristão. A capela ao fundo constitui também uma evidência do peso da religião. Vale destacar que com a ampliação do cemitério, hoje ela está localizada basicamente no centro do mesmo.

Imagem 14 – Nossa Senhora.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015
Imagem 15 – Influência cristã.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015

Na parte antiga, a planta espacial do cemitério São Miguel reflete uma sociedade hierarquizada socialmente. Já na parte nova, isso  não é observável. Nos dias atuais, até mesmo na parte antiga são enterradas pessoas de todas as classes sociais. No entanto, este não é o objetivo desse trabalho.

Imagem 16 – Planta baixa da parte antiga do cemitério São Miguel.
Fonte: Arquivo Frei Simão/2015

Explicação:

A – Terreno para valas

B – Para sepulturas de crianças pobres

C – Para sepulturas perpétuas

D – Para ditas de escravos

E – Para ditas de adultos pobres

F – Para ditas de 10e annos

G – Para sepulturas comuns de 8$000

H – Terreno para ossos

I – Terreno da Irmandade do Carmo

J – Terreno da do Rosário

L – Para sepulturas comuns de crianças – 6$000

M – Terreno da Irmandade da Boa Morte

N – Dita da dos Passos

O – Terreno da Irmandade do Santíssimo

P – Dito da de S. Bárbara

Q – Capella

R – Entrada

S – Terreno para sepultura de pagãos e Acatholicos

T Quartos destinados “a residência dos coveiros” (MORAES, 1995:95-6).

A cidade de Goiás, por ser o centro administrativo no período colonial e capital do estado até 1933, atraiu um grande número de famílias cujos descendentes foram e continuam sendo muito atuantes na vida cultural e social da região. Jarbas Jayme (1973) dedicou-se aos estudos genealógicos das famílias que se destacaram em várias áreas:

Outras pessoas ilustres estão sepultadas neste cemitério. Por exemplo:

Há ainda outras famílias destacadas pelo estudioso e que realmente constituem um patrimônio guardado no cemitério São Miguel. Todas elas podem ser objetos de estudo e também um chamariz para o turismo cemiterial. Estão ainda enterradas pessoas anônimas, idosos, jovens e crianças que viveram em Goiás. As quais durante suas vidas terrenas deram forma às histórias da cidade e fizeram que o significado histórico patrimonial dos túmulos do cemitério fossem dotados de valores artísticos e simbólicos.

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Nesse sentido, durante as visitas e pesquisas verifiquei que nos túmulos dos anônimos, que não receberam as glórias e estrelatos da história oficial, também há um rico e variado patrimônio, entre os quais podemos citar:

Imagem 17 – Assinatura de José Manoel Gonçalves.
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Imagem 18 – Placa do túmulo da Irmã Gabriela.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015
Imagem 20 – Tributo de amor conjugal.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015
Imagem 21 – Oratório.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015
Imagem 22 – Família do Maestro João Ribeiro.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015
Imagem 23 – Deputado Emival R. Caiado.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015
Imagem 24– Túmulo da menina da xícara.
Fonte: Arquivo pessoal da autora

Como pode ser observado, o túmulo que se visita como a menina da xícara pertence à família Fleury e, por coincidência, há uma criança sepultada ali. No entanto, a estátua que se encontra é de um anjo que tem em seu pescoço um colar de pedaços de louça. Os locais relacionam o anjo à menina que quebrou a xícara e apanhou até morrer. Segundo outros documentos, ninguém sabe ao certo onde está esse túmulo, pois ele foi retirado do local e encontrado aos pedaços no Rio de Janeiro. Recapturado e trazido de volta, foi restaurado e não se sabe onde foi novamente colocado para evitar novos furtos.

Durante a visita no cemitério com os alunos do Curso de Turismo, o acadêmico Alessandro trouxe outra versão. Segundo ele, a simbologia do colar de cacos de louça é por que era muito comum que as crianças pobres cuidassem dos filhos menores de famílias mais afortunadas. Se algo acontecesse, como deixar a criança cair, por exemplo, ou se alguma coisa fosse quebrada, os “patrões” faziam colares dos pedaços de louças como marcas, para mostrar a todos que aquela não era uma boa babá, e tal “acessório” era usado por essa criança até a morte. Lenda, história, simbologia: isto também não é cultura, valor e patrimônio?

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Dessa forma, o cemitério reuniu e reúne pessoas que colaboraram na formação histórica e cultural do estado de Goiás. É, portanto, uma instituição que guarda patrimônio e valores, logo deve ser preservada na memória da sociedade.

Em relação à parte nova do cemitério, nota-se que as edificações não são suntuosas como as da parte antiga, na sua grande maioria feitas de mármore ou cerâmica. As imagens estão menos presentes e em tamanhos menores, dando mais espaço a objetos que representam o estilo de vida das pessoas. No entanto, pelas ornamentações, imagens e mensagens epitáficas, também revelam quem foram aquelas pessoas, e que espécie de legado cultural deixaram.

Imagem 25 – Estilo de vida
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015
Imagem 26 – Estilo de vida.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015

As fotografias são outros elementos que nos túmulos revelam passagens do cotidiano das pessoas, explicitados nas vestes, no corte de cabelo, ou em outro detalhe. Elas propõem outro tempo, quando o indivíduo ainda estava vivo. Essas lembranças tornam essas pessoas “vivas”, e a sua rememoração é o indicativo de sua “presença”. Novamente, o cemitério deixa de ser um local de esquecimento e se transforma em lugar de memória, pois durante as pesquisas, não foram encontradas fotos nos túmulos.

Imagem 27.
Fonte: Arquivo pessoal da autora/2015
Imagens 28 e 29.
Fonte: Arquivo pessoal da autora / 2015

Enfim, o cemitério é assim um espaço duplo: esquecimento e lembrança caminham juntos. Se a morte é apontada como esquecimento e desaparecimento terreno, os epitáfios, as fotografias e a arte tumular dão a estes a memória viva.
Vê–se que não há dúvida que o cemitério guarda bens de diferentes valores, mas como preservar esses valores? Num país em que as pessoas estão subordinadas diretamente ao princípio da legalidade, para fazer ou deixar de fazer alguma coisa, talvez o caminho para preservar um cemitério que guarda tanta riqueza como o São Miguel seja mesmo o instrumento do tombamento .

O Tombamento é um ato administrativo que pode acontecer nas três esferas: a nível nacional pelo IPHAN, ou nas outras por leis próprias. Basta que o Poder Público declare o valor cultural de determinado bem como tangível ou intangível. E o Cemitério agrega essas duas espécies de bens materiais e imateriais.

Sendo o Tombamento um instrumento legal, são necessárias algumas reflexões. Quando isso acontece, as mudanças nos bens só podem ocorrer sob alguns critérios. Neste caso, antes de tal iniciativa, primeiro se faz necessário promover a educação patrimonial, com os sujeitos envolvidos diretamente no bem, para que os mesmos se sintam donos e pertencentes daquele patrimônio, por que só se preserva aquilo que se (re)conhece como sua pertença.

1.5 ETAPAS DA INTERVENÇÃO

A intervenção na UEG - Unidade Cora Coralina foi desenvolvida em três etapas:

1ª Etapa – O primeiro contato foi com a Coordenadora do curso de Turismo, detalhando o porquê do interesse em trabalhar com os alunos desse curso. Esta, muito receptiva, de imediato compreendeu e já me direcionou ao professor Luciano que trabalha com os alunos do 3º ano na disciplina “Políticas e Planejamento de Turismo”. Ele, por sua vez, gostou muito da ideia e pediu material sobre o tema estudado para que eles e os alunos se inteirassem do assunto.

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A Coordenadora pediu ainda que esse projeto fosse estendido às outras turmas do Curso de Turismo. Em virtude do tempo e também pelo fato de que muitos dos acadêmicos do Curso noturno são de outras localidades, não seria possível desenvolvê-lo por completo, visto que seria necessário fazer uma visita ao cemitério, e estes alunos não dispõem de horário diurno para esta etapa. Diante disso, decidiu-se só pelas turmas do turno matutino. A outra turma com que foi desenvolvido o projeto tem como professora Joana Darc, que ministra a disciplina Gestão do Patrimônio Cultural.

2ª Etapa – No dia 26 de maio, o projeto foi apresentado na UEG aos professores e alunos. Durante a explanação, foi enfocado: o porquê do objeto de intervenção ser o Cemitério São Miguel; da relação dele com o patrimônio e a cidade em si; e do motivo de ter escolhido o curso de Turismo. Afinal, são e serão eles os profissionais detentores dos conhecimentos da história Regional do turismo, das diversas alternativas (rural, sustentável, histórico, religioso, cultural, ambiental, gastronômico, arquitetônico e por que não cemiterial); os gestores do patrimônio cultural; e os gestores de Agências de Turismo, que deverão elaborar projetos e planejamentos para os vários mercados.

A explicação da intervenção incluiu um paralelo entre museus e o cemitério do município. Em se tratando da cidade de Goiás, um dos roteiros preferidos para as visitas são os museus. O cemitério também é um museu de memórias coletivas e até de inclusão social. Porém, geralmente as visitas nos museus se concentram num assunto ou numa personalidade. Enquanto que no cemitério é possível obter vários conhecimentos num único ambiente. O Museu atualmente apresenta como funções preservar, conservar, pesquisar, investigar, comunicar e divulgar o conhecimento. Nesse sentido, os cemitérios atendem e integram pelo menos uma dessas funções.

Na apresentação, foram discutidos conceitos interligados ao tema, priorizando os mais relacionados ao projeto: bens materiais e imateriais, patrimônio, cemitério, museu, epitáfio. Os alunos assistiram a uma reportagem que foi ao ar pela TV Anhanguera no dia 21/01/2015. Nesse vídeo, a associação das funerárias de Goiânia está propondo que o cemitério Santana seja transformado em um espaço turístico, por conter naquele local pessoas que muito contribuíram para a história política, social e cultural do estado de Goiás. Detalhe: o cemitério Santana tem 75 anos e o São Miguel, mais de 150.

Concluindo a conversa, foi feita uma ligação entre o vídeo, a leitura dos textos e os possíveis patrimônios do cemitério. Neste dia, pediu-se que os alunos produzissem um texto sobre o assunto. A atividade foi prejudicada pelo tempo curto, mas no dia da visita ao cemitério, alguns alunos entregaram suas produções (ANEXO 2). Uma palestra preparada para ser desenvolvida em aproximadamente uma hora e meia durou quase três horas, pois surgiram vários questionamentos e trocas de informações entre todos. As atividades nesse dia foram encerradas com o agendamento da visita ao cemitério para 02 de junho, com previsão de duração de uma hora e meia.

Imagem 30 - Apresentação do Projeto na UEG.
Fonte: Arquivo pessoal da autora / 2015
Imagem 31 – Apresentação do Projeto na UEG.
Fonte: Arquivo pessoal da autora / 2015
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3ª Etapa – No dia marcado, a visita foi realizada. Os alunos demonstraram interesse e participaram ativamente com perguntas e intervenções a respeito das informações que recebiam. Foram selecionados aproximadamente 20 túmulos e jazigos para observação e análise com maior profundidade (ANEXO 3), com enfoque para os aspectos dos patrimônios arquitetônico, cultural, histórico, humano, literário e social. No entanto, o número de túmulos visitados excedeu-se, pois os alunos interessaram-se pelas histórias de outros jazigos.

Conhecer em profundidade os patrimônios existentes no cemitério requer estudos e conhecimentos em diversas áreas: arqueologia, arquitetura, cultura regional, história, literatura, política, religião, segmentos sociais, usos e costumes do povo vilaboense, entre outros. O interessante é que estes patrimônios sejam informados e apresentados por um guia turístico, turismológo, técnico, professor ou estudioso da arte necropoliana, e que seja realizado por assuntos ou circuitos, pois assim terá mais tempo para apreciar a beleza e a riqueza dos bens imateriais e materiais que compõem o cemitério São Miguel.

De volta à UEG, os dois professores e alguns alunos propuseram uma “roda de conversa” sobre o assunto. Dentre os discutidos, consideramos relevantes os seguintes:

Estes são assuntos instigantes e que poderão ser objetos de outros estudos.
Claro que o projeto de intervenção não atingiu 100%, pois alguns dos alunos ainda têm “receio” do lugar por causa do evento morte. E isto já era esperado. No entanto, houve uma boa taxa de aceitação e os objetivos propostos foram atingidos.

1.6 DESDOBRAMENTOS E REFLEXOS DO PROJETO

Ainda sobre a intervenção na UEG, ocorreu algo inesperado. O professor Luciano já havia proposto aos alunos a realização de um trabalho turístico com os idosos, contudo gostaria de viver essa experiência proporcionando algo diferente do turismo convencional.

A ideia foi, então, agregar esses dois projetos. Para isso, foi realizada uma conversa com a Secretária Municipal de Assistência Social, Iolanda Aquino,. Inicialmente, demonstrei a preocupação de estar falando com esse público sobre o assunto do projeto tanto ao professor quanto à Secretária. Ambos concordaram, mas disseram: “Essa atividade precisa ser concretizada de forma alegre e feliz, uma vez que as pessoas que frequentam o projeto Conviver gostam de visitar o cemitério, mas também temem a morte”.

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Uma visita dos idosos ao cemitério foi planejada então para o dia 04 de novembro, pois o lugar estaria todo ornamentado com flores em virtude do dia de finados, mas não teria mais o tumulto de gente, assim eles poderiam visitar de forma calma e tranquila. Agregaríamos à visita informações sobre outros patrimônios que eles poderiam ver e contemplar no cemitério, desmistificando esse fantasma que é um lugar de tristeza, dor e saudade, mas um local que guarda patrimônio e que por isso precisa ser visitado e muito bem preservado. Contemplando-se a ideia de um turismo inovador, diferente do que já é rotina.

Antes, porém, foi programado um passeio no dia 26 de agosto, no Distrito de Águas de São João. O local contém água e argila com um suposto poder medicinal e uma boa parte desse público conhece, fez uso ou já ouviu falar das propriedades terapêuticas desses recursos. O objetivo é que nesse dia se fizesse uma abordagem de forma metafórica, usando o objeto barro para falar de morte e cemitério. Dessa forma, avaliaríamos quais seriam as reações deles. Se positivas, agendaríamos a visita ao cemitério. Até a entrega deste relatório, este passeio no Distrito de Águas de São João não ocorreu por motivos institucionais.

Houve ainda outro desdobramento interessante: Durante o processo de pesquisa e intervenção, conversei com a Secretária de Cultura e Turismo, Flávia Rabelo. Fiz a ela algumas perguntas e em uma delas abordei o seguinte: se havia naquela pasta ou se era do conhecimento dela, a existência de algum estudo ou projeto em relação à conservação, atividade turística ou tombamento do cemitério São Miguel. Segundo ela,não existe nada relacionado, embora reconheça que nos cemitérios haja vestígios e objetos que referencie o patrimônio cultural os quais podem ser estudados e visitados. Disse ainda que, no tocante ao São Miguel aqui em Goiás, grande parte da memória cultural dos personagens que levaram o nome dessa cidade a outros cantos do país, hoje estão ali através dos seus restos mortais. E que essa ideia de inserir o cemitério no roteiro turístico só vem a diversificar e agregar mais esse mercado. A secretária sugeriu apresentar essa ideia as agências de Turismo daqui de Goiás. Acrescentou que no folder de sinalização indicativa o cemitério é identificado como um dos atrativos, inclusive foi passado à pesquisadora uma xérox desse folder.

No entanto, pesquisando no site da prefeitura e outros relacionados ao tema, bem como em folders dos guias da cidade, nada se tem escrito sobre o cemitério.

É importante ressaltar que o projeto de intervenção foi proposto para ser executado diretamente com os alunos de turismo da UEG. Contudo, a primeira intervenção aconteceu na minha família, pois meu marido e minha filha me acompanharam durante todo o processo da pesquisa, sendo assim, foram os primeiros a sentirem os efeitos da educação patrimonial. Hoje, os olhares deles diante do cemitério já não são apenas para visitas no dia de finados, aniversários, enterros, dor e saudade. E sim de contemplação, observação e análise dos dizeres e da arte ali encontrada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho trouxe-me a percepção de que na arquitetura da arte funerária fica visível a presença do patrimônio material, enquanto que nos epitáfios de pedido de orações, nas lembranças das datas de nascimento e morte, e em outras formas de mensagens descritas nas placas, insere-se o patrimônio imaterial.

No Cemitério São Miguel existem muito mais imagens para representar a vida do que para a morte. Nas visitas e observações que fiz pude perceber que através das fotografias, ornamentações e estilo dos túmulos, podem ser feitas perguntas do gênero: Quem foi o morto? O que ele tinha? Qual a sua posição social? Que legado ele deixou? Nessas perguntas e nas respostas que advêm delas, fica claro que há presença de vida, e não de morte.

É possível perceber ainda, que ali naquele espaço social e coletivo estão reunidas diferentes culturas. Nesse sentido, o cemitério seria um museu a céu aberto, pois este conceito sofreu evoluções e hoje, o que se presencia nos cemitérios, e em especial neste que foi objeto da pesquisa, é um encaixe perfeito com o que o IBRAM define como sendo a instituição museu, no artigo 1º da Lei nº 11.904, de 11 de julho de 2009. Mesmo que a definição se amolde à lei, ainda são necessárias muitas discussões porque o assunto envolve o evento morte, e esta tem sua singularidade especial para cada grupo — embora existam cemitérios inteiros ou em parte considerados patrimônios em cidades no Brasil e no mundo.

No decorrer do trabalho e diante dos resultados já obtidos, foram apresentadas reflexões sobre o tema e observações reais quanto às intervenções, das quais podemos destacar algumas conclusões. É preciso haver mais incremento das políticas públicas por parte dos gestores culturais em todos os níveis na preservação cemiterial, para que este novo olhar de patrimônio e de museu seja incluso no conjunto dos bens patrimoniais e a ser visto também como mais uma opção turística, principalmente numa cidade como a de Goiás.

Nesse sentido, a cidade de Goiás é um laboratório porque oferece o objeto (o cemitério), além de ricos materiais humanos que podem ser os parceiros nessa atividade. Portanto, o município pode ser considerado um polo educacional que forma profissionais intimamente ligados ao assunto. Vejamos: UFG – oferece os cursos de graduação em Direitoe Arquitetura e Urbanismo; UEG – oferece os cursos de Geografia, História, Letras e Turismo; IFG – oferece os cursos superiores de Artes Visuais, Cinema e Audiovisual, além dos técnicos em Áudio e Vídeo e Conservação e Restauro.No caso dos colégios de Ensino Médio, os professores das disciplinas de história e literatura poderão realizar aulas práticas no cemitério, usando inclusive da interdisciplinaridade para trabalhar o assunto.

O trabalho revelou também que existem muitas famílias que reconstroem os túmulos e modificam as características originais. Hátambém aqueles que deixam os túmulos à revelia do tempo, não se sabe se por não existirem mais gerações vivas, ou se simplesmente porque não vêem significado em conservar, ou ainda, em razão de dificuldades econômicas. Conclui-se, diante disso, a necessidade de uma educação patrimonial direcionada especificamente a esse patrimônio, a qual deve ser desenvolvida em vários ambientes, com a presença de técnicos, mas também da comunidade vilaboense, porque ali estão presentes memórias de gerações e gerações e, por conseqüência, uma pluralidade de culturas.

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Durante os estudos para a intervenção, houve muitas conversas com os funcionários do cemitério. Dentre elas a de Cleudes Moraes, que resume o sentimento dos demais servidores. Ele é o funcionário mais antigo que está no cemitério. Na sua fala ele revelou: “trabalhar aqui é muito bom, pois é um lugar que traz paz e sossego. Mas, ainda sofro muito quando tenho que enterrar um filho em que os pais estão presentes”. Segundo ele, se pudesse nunca estaria presente num momento desses, pois parece que se vive a dor junto com eles. Disse ainda que, quando enterrou a mãe, passou por um momento de muita dor e tristeza. Notei nesta fala que esses sentimentos de separação pela morte são presenças constantes, mesmo para aqueles que estão envolvidos com ela quase que diariamente. Trabalhar e transformar esse sentimento de saudade em beleza é um desafio.

Também é importante falar da experiência em realizar essa intervenção, que envolveu interdisciplinaridade em outras áreas, como a arqueologia, arquitetura, direito, geografia, história, letras, museologia, turismo e tantas outras.

Ao longo desse estudo muitas outras questões foram surgindo e não puderam ser debatidas aqui: isso se deve às delimitações impostas pelo tema e também ao esforço de atender aos objetivos propostos. Contudo, esta é apenas uma semente lançada, que deve ser germinada no seio da sociedade vilaboense, na qual a pesquisadora quer se inserir, formar e somar como mais uma defensora do patrimônio cemiterial, colaborando para que possam surgir mais e mais cidadãos dispostos a contribuir e valorizar a arte patrimonial cemiterial em suas várias dimensões.

Por fim, chega a hora de responder aquelas instigantes perguntas que acompanham esta especializanda desde os tempos em que era educadora, e iria abordar e estudar o patrimônio cultural que compõe e guarda a secular cidade de Goiás. Essas indagações tornaram-se certezas. Os mortos, a morte e o cemitério não são assombros, tristeza e lugar de terror, mas espaços em que também estão incluídos arte, beleza, cultura, história e patrimônio.

REFERÊNCIAS

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FILHO, Manuel Ferreira Lima; DIAS, Welbia. Patrimônio Cultural Goiano/Tocantins. Módulo III. NDH/UFG, 2014.

HORTA, Maria de Lourdes Parreira. Lições das coisas: o enigma e o desafio da educação patrimonial. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília, n° 31, 2004. p. 221-233.

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NOGUEIRA, Renata de Souza. Quando um cemitério é patrimônio cultural. RJ, 2013.

OLIVEIRA, Vânia Dolores Estavam de; KUNZLER, Josiane. Patrimônio cultural: conceitos, usos e conflitos. Texto base módulo II. NDH/UFG, 2014.

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___________________________________________________.Instituições Culturais e seus respectivos âmbitos de ação. Módulo IV. NDH/UFG, 2014.

SILVA, Deuzair José da. Lembranças da morte na Cidade de Goiás: O Cemitério de São Miguel. Goiânia: UFG, 2009.

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VENTURA, Magda Maria. O estudo de Caso como Modalidade de Pesquisa. In Revista SOCERJ,setembro/outubro 2007, disponível em: https://www.unisc.br/.  Acesso em 02/10/2014.

Arquivos:

Frei Simão Dorvi - Cidade de Goiás.

Museu das Bandeiras- Cidade de Goiás.

Prefeitura Municipal da Cidade de Goiás- Departamento Técnico.

Livro de Registros de Óbitos do Cemitério São Miguel.

Leis:

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Arts. 215, 216 e 225.

Constituição do Estado de Goiás. Art.163, I e 164

Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Paris: 17/10 de 2003.

Decreto nº 060/2014- Município de Goiás.

Decreto nº 8.408/2015-Estado de Goiás.

Decreto-lei nº 25/1937.

Lei Orgânica do Município de Goiás. Art.161

Lei nº 032/2013- Município de Goiás.

Sites:

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Patrimônio Cultural. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/. Acesso em 25/03/2014.

Prefeitura Municipal de Goiás. Disponível em: http://www.prefeituradegoias.go.gov.br/. Acesso em 03/05/2014.

Vídeo:

http://g1.globo.com/goias/noticia/2015/01/projeto-quer-transformar-cemiterio-em-atracao-turistica-de-goiania..Transmitido via TV Anhanguera em: 21/01/2015.